GASTRONOMIA
Vem
bem a propósito falar sobre gastronomia nesta época do ano quando, os que
podem, enchem a barriga de petiscos, almoçaradas, jantaradas, bacalhauzadas,
perus, bolo rei (que aqui no Brasil não existe que preste!!!!) e outras
iguarias, em festa com a família, com os colegas e... muitas vezes, num agitado
sossego, com “aquela/aquele” chamados da mão esquerda, que toda a gente sabe que
existe e só os dois pensam que vivem no doce secretismo da mentira!
Os
assuntos aqui focados foram repescados de um dos magníficos livros de José
Quitério, um mestre em gastronomia e história, uma delícia a ser lido, como os
outros: Histórias e Curiosidades
Gastronómicas. Tenho este livro há uns trinta anos e creio que foi a
terceira vez que o fui ler, aliás, reler.
Comecemos
por Ho Chi Min. Nguyễn Sinh Cung
nasceu em 1890 e somente mais
tarde seria mundialmente conhecido como Hồ
Chí Minh ("aquele que
ilumina"). Ele era pródigo em pseudônimos, muitos usados para despistar
inimigos e outros por fetiche. Em 1911 começa a trabalhar como cozinheiro num
navio francês que o levou à Europa e usou
Nguyen Van Ba. Instala-se em Londres em
1915, e depois parte para França, onde vive como jardineiro e garçom.
Envolve-se com os movimentos socialistas franceses e ajuda a fundar o Partido
Comunista Francês. Em 1941
funda a Liga Vietcong, para lutar contra os Franceses. Durante a II Guerra
Mundial utiliza a guerrilha no combate aos japoneses, invasores da Indochina.
No fim do conflito, forma um Estado independente ao norte, o Vietname. A França
contra-ataca e a Guerra da Indochina só termina em 1954, com a grande derrota
dos franceses em Diên
Biên Phu. O país é dividido em dois. Ho Chi Minh,
presidente do Vietname do Norte, treina e aparelha as forças da Frente de
Libertação Nacional do Vietname do Sul (Vietcong),
que visam reunificar o país, o que leva à Guerra do Vietname. Morre em Hanói em 2 de setembro de 1969. Em 30 de
abril de 1975 um tanque Norte-Vietnamita entrou no palácio presidencial do
regime Sul-Vietnamita encerrando mais de dez anos de sangrento conflito.
Saigon, antiga capital do Vietname do sul, foi rebatizada com o nome de Ho Chi
Minh.
Atualmente, ainda é mantido no Vietname
gigantesco culto a Ho Chi-Minh: sua imagem é presente em quase todo o lado, em
salas de aula e altares de famílias.
Tudo isto é muito bonito, mas onde fica a
gastronomia? “Ouçamos” José Quitério.
Manuel Teixeira-Gomes, o 7° presidente da
República de Portugal (1923-1925), deixou uma razoável obra literária. Em 1911
é nomeado ministro de Portugal em Londres, o primeiro a seguir à implantação da
República, onde fica, com um pequeno
intervalo, até 1922. Em 1923 é eleito presidente da República.
“Enquanto embaixador na capital inglesa
Teixeira-Gomes comia no famoso Hotel Carlton e ali levava seus convidados. Um dia, conta Urbano Rodrigues, fui surpreendê-lo no “hall” em conversa
animada com um senhor baixo, de bigodeira grisalha, vestido de escuro, que
segurava numa das mãos o chapéu de coco, enquanto com a outra gesticulava em
estilo de orador. Falavam em francês e o senhor de coco não poupava as
“Excelências”. Como, discretamente, eu esperava afastado, o ministro de
Portugal chamou-me e disse-me depois do aperto de mãos: - Não conhece? É o
nosso colega Mr. Scoffer.” Quando, algum tempo depois, Urbano Rodrigues se
deu conta de que tinha sido apresentado ao cozinheiro do Carlton, não se coibiu
de perguntar que era isso de serem colegas. “Porque é autor de livros!” retorquiu o nosso embaixador. “Quem nos dera, meu amigo, ganhar com os
nossos, o que ele recebeu pelos seus”. Era, efetivamente, Auguste
Escoffier, o maior cozinheiro dos tempos modernos, que Teixeira-Gomes tratava
como confrade, nas letras e nas artes.
Como curiosidade histórica saiba-se que nessa
altura trabalhava como ajudante de cozinha de Escoffier um jovem vietnamita que
se fazia chamar simplesmente por Ba, nada mais do que o futuro Presidente Ho
Chi Min.”
E esta, hein?
E a palavra “restaurante”? Até à revolução
Francesa só em botequins e estalagens se serviam refeições, e nos famosos cafés
de Paris, dos quais o mais famoso e antigo é o “Procope”, inaugurado em 1686,
pouco mais se servia do que o café, algumas goluzeimas e sorvetes. O café era o
ponto de reunião dos parisienses, era ali que tudo se discutia e durante a
Revolução alguns serviram como salas de assembleias de revolucionários e outros
aos moderados. Cafés para todos os gostos e opiniões e até mulheres que
raramente apareciam nesses lugares ali passaram a ser vistas com frequência.
Em 1765 um tal Boulanger, ao contrário das
estalagens e tabernas onde só eram admitidos clientes para comer, fundou um
estabelecimento e colocou na porta a seguinte tabuleta:
“VENITE
AD ME OMNES QUI STOMACHO LABORATIS EGO RESTAUROBO VOS”
A palavra “restaurant”
significava então “fortificante” e aplicava-se a certos caldos reparadores à
base de galinha. Boulanger alargou a lista, o que lhe valeu logo um conflito com
os estalajadeiros porque a atuação dessas profissões – estalajadeiros, taberneiros,
salsicheiros, assadores e pasteleiros – estava estritamente regulamentada à
maneira das corporações medievais.
Mas o novo sentido de “restaurant” é consagrado oficialmente em 8 de Julho de 1786, num
acordo que permitte aos “restaurateurs”
receber clientes e fornecer-lhes de comer.
O que passou a distinguir o restaurante dos
botequins, tabernas e congéneres era o asseio e o luxo da decoração.
Ainda
com a Revolução Francesa, não necessariamente como consequência desta, nasce o bife à Chateaubriand – por ironia um
contra revolucionário – e na mesma época o garfo tal como hoje o conhecemos,
com quatro dentes! Há quem diga que surgiu antes, mas... Há quem diga que foi
porque que o garfo de três dentes não segurava o espaguete! Um quarto ente
resolveu o problema!
Só
mais um detalhe de outro produto muito nosso conhecido, sobretudo por ser o
“prato forte” no tempo das navegações e descobertas: o biscoito.
Em
qualquer dicionário lá vem a origem do nome, mas como não se lê o dicionário
como um romance ou um livro de história, só quando surge a dúvida e/ou a
ignorância é que o consultamos e ficamos muito admirados porque “está-se mesmo
a ver”: do latim biscoctus, bis todos
estamos cansados de saber que é repetir, tornar a fazer, e coito – deixem-se de maus pensamentos porque não vem do latim couitu, “ato de juntar” – vem de coctu, “cozido”. Quer dizer que o
biscoito é, ou duas vezes cozido, ou cozido durante mais tempo para que possa
ficar bem seco. Quando mais cozido fosse, naquelas viagens de naus e caravelas,
em princípio mais aguentava, mas ficava “duro como corno”. O Padre D. Rafael
Bluteau no seu Vocabulário Português e Latim, chama-lhe “pão do mar” ou pão
náutico”.
Por
enquanto chega. Mais tarde falaremos de outras coisas.
Que
todos, TODOS, tenham um bom 2014, e que não lhes faltem biscoctus!
24 de dezembro de 2013
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