sábado, 23 de agosto de 2014




Ler história, dramática, e rir


A primeira reação de quem ler o título acima, vai ser: este sujeito ou é louco ou masoquista. Rir da desgraça? Pior ainda quando souber que me rio quando vejo a inteligência e astúcia do “patego de Santa Comba”, como lhe chamava o meu sogro, meter no bolso os grandes dirigentes mundiais.
Para grande espanto, e encantamento meu, recebi há dias um presente magnífico de um “amigo” que não conhecia, a não ser de nome, que muito simpático e amável, me ofereceu o livro que acabou de ser publicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, uma segunda edição revista e aumentada: Guerra Civil de Espanha – Intervenção ou não intervenção Europeia – Uma análise, do embaixador Luis Soares de Oliveira.


 Análise sem pretensão de tomar partido de um ou outro beligerante, mas relatando, com base em documentos oficiais, toda a trama que envolveu a horrível guerra civil em Espanha, o modo como se envolveram, ou camufladamente “não” se envolveram, os diversos países europeus.

Muitíssimo bem escrito e minuciosamente detalhado e informado, a sua leitura, para quem conheceu a habilidade de Salazar (é bom ler Kennedy e Salazar - o Leão e a Raposa, de José Freire Antunes, onde é evidente a habilidade do tão querido, odiado e mal tratado dirigente português, em lidar, baseado na sua diminuta dimensão geopolítica com o “rei” do mundo na ocasião, o presidente dos EUA), tem passagens que são uma delícia.

Nos anos trinta, quando a guerra estava para se declarar em Espanha, ou já em andamento, as potências europeias eram a Grã-Bretanha e a França, crescia a força da Alemanha e da Rússia, a Itália também queria impor-se, e Portugal permanecia aquele pequeno retângulo “à beira mar plantado”, mas sabendo-se ameaçado pela União das Repúblicas Ibéricas Soviéticas, que incluía nos seus planos a sovietização da Espanha e, a bem ou à força, de Portugal.

É evidente que Portugal estava a par de toda a trama, e o que ninguém queria era a mentira soviética implantar-se no país, mentira essa propalada pelos jovens aliciados pelo Comintern que acreditavam que na União Soviética não existiam patrões, que os operários viviam na abundância, o que arrastava os idealistas que pensam, alguns ainda hoje, que o comunismo e o anarquismo são os “Elíseos terrenos”!

Os poderosos ingleses faziam da política externa a alavanca para se manterem no poder interna e eternamente. A França dividida entre comunistas, anarquistas, socialistas e liberais, metia os pés pelas mãos e não sabia se devia ajudar abertamente os nacionalistas espanhóis ou entregar a batata quente nas mãos dos ingleses. Queria vender-lhes oficialmente armas, sobretudo aviões obsoletos, e passá-los de contrabando através das fronteiras norte e sul dos Pirenéus.

Este livro tem que ser lido por quem gosta de história. A abrangência ali tratada, as intrigas, as falsidades, os congressos e comités, tudo feito para nada fazer, a nossa tão querida e velha aliada a ver se nos prejudicava, e o Salazar a meter os “caras” todos no bolso: desde os frios e arrogantes britânicos, aos franceses, italianos, russos, nem que seja só para ver essas manobras dum homem de raras qualidades, o livro já merece ser lido.

Mas toda a sua leitura faz-nos compreender a razão porque essa horrenda guerra civil durou mais de três anos e fez meio milhão de vítimas, deixando o país arrasado, roubado e, até hoje, dividido.

Obrigado embaixador Luis soares de Oliveira, primeiro por ter escrito o livro, e principalmente... por mo ter oferecido.

Uma bela obra. Voltarei a falar nela.

 

22/08/2014

 

 



quarta-feira, 20 de agosto de 2014



A cultura e ... – 4

Estávamos na “cultura brasileira”!
Se cultura é um conjunto de tradições, comportamento, etc., de um povo, parece que a cultura “cultuada” nestas bandas será o emprego público, sempre que possível com acesso a manobras de “mão baixa” para enriquecimento rápido!
Que pena.
O Brasil que tem gente maravilhosa, e alguns nomes que se destacam de forma admirável mundo fora, fica restrito a essas figuras que quase se transformam em figuras de legenda, lendárias.
Há dias perdemos uma dessas personalidades, impar, na cultura brasileira. Professor, escritor, dramaturgo, profundamente conhecedor da cultura do nordeste, uma figura ímpar, adorado pelos alunos e aplaudido pelo público.
Homem de extrema simplicidade, uma graça incomparável a contar histórias, teve uma vida longa, nunca assaz longa para admiradores, como eu, se poderem beneficiar do seu saber e humildade.
Ariano Suassuna tinha 87 anos e fará imensa falta.
Relembro, ano 2000, vésperas dos festejos da primeira Missa no Brasil, quando alguns dos que insistem em renegar a história, foram, em delegação, pedir ao Mestre Suassuna, que os apoiasse na tese e que o Brasil tinha sido primeiro descoberto (achado, encontrado, etc.) por Pinzon e não por Cabral. Suassuna respondeu-lhes: “Pode até ser. Mas, ninguém sabe onde terá sido, ele também não contou para ninguém, não deixou qualquer testemunho, de modo que quem primeiro aqui chegou, e documentou, foi mesmo o “seu” Cabral”!
O Brasil tem dado grandes homens à cultura, nas letras, na música, nas ciências; é fácil lembrar Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro igualmente desaparecido há poucos dias, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais, Alberto da Costa e Silva, sem nunca esquecer o homem que escreveu Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, e tantos outros nas letras, nas músicas inesquecíveis, mundiais, e cientistas que se destacam no mercado internacional, como a grande senhora que foi Dona Zilda Arns.
Indivíduos de altíssima craveira; exemplos. Mas que ficam em pedestais enquanto o ensino se mantem num nível de péssima qualidade.
Já disse e escrevi inúmeras vezes: o mais simpático e acolhedor povo do mundo é o brasileiro. Não só nas camadas mais desfavorecidas. Conheço algumas pessoas em altas posições tanto na vida privada, como na esfera oficial. Nos vários ramos das Forças Armadas, juiz num Superior Tribunal, professores universitários, executivos fora da política, gente com imensas qualidades humanas e conhecimento. Poucos, porque aqui cheguei já tarde, mas gente que respeito e admiro; alguns hoje são como meus irmãos. Uns com a idade dos meus filhos, outros um pouco mais, a quem considero muito e me honram com a sua amizade.
Infelizmente uma só andorinha não faz a primavera, e por todo o lado esvoaçam os urubus da política a inequivocamente procurarem o bom que o Brasil tem para o destruírem.
Mas também não me canso de apontar os erros, aliás a ganância e a corrupção, e sobretudo o manifesto desinteresse pela educação.
A alguns destes urubus já recusei estender a mão. E disso não me arrependo até hoje.
No texto anterior reproduzimos uma “brilhante” e ininteligível passagem de um pronunciamento da madama presidentA, e podem recordar-se outras brilhantes frases do ex-atual presidentO, como por exemplo, logo no início do seu reinado, um jornalista do New York Times escreveu um artigo dizendo que o presidente era um grande cachaceiro! Um pinguço que até discursos fazia de cara cheia. Sexa quando soube não gostou, nada, berrou e mandou que expulsassem o jornalista para fora do Brasil! Quando lhe disseram que isso ia provocar um clamor internacional além de ir contra a Constituição que autoriza a liberdade de opinião, o tal sexa, com outro grito, altamente contaminado de aroma alcoólico, ripostou: “Que se f.*@ >. a Constituição!”
Brilhante cultura e primorosa educação!
O que se pode esperar dum país onde se vão gastar com a propaganda eleitoral dos candidatos às eleições deste ano, mais de setenta e dois bilhões de reais (R$ 72.000.000.000 = € 24.000.000.000) mais do dobro do que foi prometido previsto gastar-se com a Copa 2014, incluindo infraestrutura de estradas, estádios, segurança, etc.?
(Concorrem às vagas de tudo que é rápida e altamente rentável – senado, assembleias federais e estaduais, governos de estados, e presidência da República – 25.366 candidatos! Entre eles três jovens de mais de noventa anos, cem sacerdotes, dois coveiros, vinte e três motoboys, vinte e um garis, com nomes muito prometedores de boa gestão pública: Hora do Rango, Cachorrão, Chiclete, Chupa Cabra, Cição Bandido, Barack Obama, Mister M, Filho do Padre, Eu te Amo, Bagunça, e outros sui generis.) 
Que tal para uma população de 200 milhões de habitantes estarem nos tribunais 100 milhões de processos aguardando julgamento?
E a previsão do PIB, só para este ano, que baixa toda a semana (está agora em 0,7%... oficial) ?
Vale a pena falar em cultura?
Viva o Povo Brasileiro.


7-ago-14


domingo, 17 de agosto de 2014



Do Brasil: a cultura e a sua falta - 3


Falar de cultura pode até ser atrevimento. De cultura brasileira. Vão-me cair em cima os mestres, aqueles que sabem tudo de coisa pouca, talvez os mestres de algumas escolas que pensam ensinar disciplinas mas esquecem da cultura, e não os Mestres que sabem um pouco de quase tudo, aprendido ao longo da vida e do seu interesse pelo Outro.
O Brasil vive com culturas dispersas, o que é natural face às origens dos emigrantes. Entre umas desanimadas festas da cerveja, Oktoberfiest com nome alemão e tudo, lá pelo sul, passando pela da Madona da Quiropita para os italianos do Bexiga em São Paulo, ao Bumba-Meu-Boi lá para o Norte, este de tradição e cultura antiga, pode-se assistir a algumas outras isoladas que as populações locais se empenham em ano após ano aumentar o brilho e a participação de forasteiros. Pouco mais.
Nacional só o Carnaval, que se transformou em “mercadoria de exportação”, dificilmente se encontrando já aquele verdadeiro carnaval de bairro, do povo. Hoje o carnaval, aquele carnaval grande, espetáculo de “exportação”, não é mais para o povo. Só para turista ou brasileiro rico que pode pagar milhares para assistir.
Então, friamente analisadas as festas “nacionais”, podemos ainda encontrar algumas de caráter religioso em Minas, e a cada quatro anos, tipo festa bissexta, a subida da rampa em Brasília de um novo presidente a inaugurar um “novo ano e um novo período de promessas”, que o povo, quer assista ou não, fica a torcer para que dê certo, e nunca dá. Teoricamente a festa seria para ele, povo. Mas é para ele, o eleito, e sua camarilha. E que festa...
Ah! É verdade. O futebol. A maior festa nacional... sobretudo quando o Brasil ganha.
Mas até aqui, de cultura brasileira... tudo isto sabe a pouco. A nada.
Falando de língua, temos a língua portuguesa a unir este quase continente, e se os paulistas não a deturparem muito pronunciando os plurais à moda italiana, sem o “s” no final (dois pão, quatro homem, etc.), perdurará por muitos e muitos anos. Ainda. Porque pelo meio da multidão estão mauricinhos e patricinhas que queriam mudar a nossa língua para a inglesa, o que lhes facilitaria as idas aos states fazer compras. (É evidente: lá custa tudo menos de metade do que custa aqui!
(E ainda temos aquele crime de se reescrever Machado de Assis, porque alguns ministros não sabem o que significa “sagacidade” e outras palavras assim difíceis e vão mudá-las para esperteza e afins! E o governo vai distribuir 600.000 exemplares, de uma nova edição “revista e assassinada” de o Alienista, de graça, o que evidencia uma negociata, - ver roubada – das grandes e um imenso crime contra a cultura).
Línguas nativas então... nem cheiro delas, e entre os quase 200 milhões de brasileiros deve ser difícil encontrar um, unzinho só, que fale alguma em profundidade. Tirando alguns índios que ainda vivem no meio das florestas, como é óbvio, e que serão os últimos guardiões de um valor inestimável que parece ninguém se interessar em preservar!
Vamos tendo, haja Deus, mas muito raramente uma boa música, mas que se está a degenerar com essa proliferação virótica dos “rap” e “funk” que nem é música nem coisa alguma, mas que se difunde como vírus na Internet, e pelo mundo. O tempo da Bossa Nova passou e hoje está difícil entrarmos num outro período de tanta criatividade e beleza!
Mas cultura não é só isso, assim como somente saber muito de matemática ou física ou outras ciências também não se pode chamar cultura.
Diz o Aurélio (sempre a mania de consultar os Mestres) sobre cultura: “O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade; civilização.” E diz mais: “O desenvolvimento de um grupo social, uma nação, etc., que é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores.”
Aqui é que está o nó do póbrema! Para se atingir essa civilização, essa cultura, há que transmitir coletivamente as nossas crenças, os nossos valores espirituais e das instituições. E pior quando tentamos transmitir, e coletivamente, padrões de comportamento tão ignóbil com aquele que, todos os dias, todos, se nos apresentam através dos órgãos de informação expondo claramente o descalabro e desmando nos mais altos escalões da vida pública, os que deviam dar o exemplo, sem que nada aconteça aos ladrões. Ladrões, sim. O povo, pode não ter muita cultura mas não é besta, e recebe esta transmissão de valores – invertidos – como se fossem os verdadeiramente bons, ou pelo menos os mais rentáveis, e fica almejando alcançar posições semelhantes para se locupletar também do aparente inesgotável erário público.
Paralelamente, as instituições, e aqui deviam entrar o congresso, o judiciário e etc., que também não podem gabar-se de dar ao povo o exemplo que ele tanto queria receber e necessita! Lá aparecem vários senadores que..., deputados que..., juízes que... , outros políticos e funcionários do alto escalão que... , enegrecem e desacreditam todas as instituições, que elas em si, não têm vontade própria. A imensa quantidade do povo vive de mão estendida às “graças” do des-governo que assim comanda legislativo e judiciário e eleições. A chamada farsa dos Três Poderes.
Como primeira transmissão de valores, estamos não só a empobrecer a nossa cultura como a roubá-la!
Depois o Aurélio fala-nos nas crenças. Acreditar em que? Nos governantes e políticos, já ninguém acredita. Reverenciar a história, toda deturpada... ninguém se interessa. Numa religião? Povo composto de gente de tão diferentes culturas originais, tinha conseguido um modus vivendi bastante harmonioso, casando o catolicismo com tradições africanas, não só dando origem ao candomblé, mas adoçando por todo este imenso país o rigor romano. Criou os seus santos, e porque não, se todos o fizeram, desde a Senhora de Aparecida à Senhora do Rosário e ao Padinho Páde Cíço, e mais devoção menos devoção, essa religião brasileira, brasileira sim, serviu como meio de união. Há poucos anos chegaram os vendedores de milagres, os grandes marqueteiros vendedores de crendice. Assistimos agora a outra virose bem mais perigosa do que as músicas funk, que logo logo vão saturar também e não fazem bem a alguém, as igrejas de enriquecimento rápido, o melhor negócio neste momento no Brasil, depois de banco, é claro.
Há dias, nas janelas de uma dessas igrejas estava colocada uma larga faixa, que eu vi, e dizia:
“Esta semana grande promoção de milagres”
Incrível! Milagres por atacado. Talvez até para revenda. Preços módicos. Pagamento no cartão de crédito ou em “n” parcelas sem juros. Entrega em domicílio?
Lamentei não ter comigo uma máquina fotográfica! Mas muito povo acorre e paga para ver. Sem impostos nem inspetores de espécie alguma a perturbar o negócio, uns quantos milagritos combinados com silenciosos empregados ou familiares, promovem o rápido enriquecimento desses pastores ou bispos. O povo vai lá porque procura qualquer coisa. Ele passa mal, há pobreza, desemprego, fome até num país que produz 200 milhões de toneladas de grãos o que dá uma média uma tonelada por cabeça e por ano, quantidade mais do que suficiente para engordar a todos! Procura milagres assim como joga na loteria à espera deste outro milagre. E milagres não acontecem. Cada um de nós é que os faz!
Então que crença devemos transmitir aos jovens e vindouros? Que valores espirituais? O que se entende por valores espirituais? A educação cristã? A hebraica? Porque não hindu? E o candomblé?
Isto de religião é complicado, mas valores espirituais não tanto. O espírito é eterno, a carne limitada a um curtíssimo espaço de tempo entre a concepção e a morte. Daí que mausoléus e outros mais ou menos bem enfeitados jazigos possam ser úteis se nos ajudarem a reter o exemplo que o defunto eventualmente nos deixou! De outro modo não passa de mais uma demonstração de estratificação social, abominável.
Sem valores espirituais, morais e éticos, não conseguiremos, jamais, alcançar valores materiais. Não os materiais representados por riqueza, ostentação, esbanjamento, mas as obras de arte e infra-estrutura que identifiquem e ajudem a unir o povo.
Infelizmente também poucas são as escolas e faculdades confiáveis, e para a ignorância vale mais um diploma do que o conhecimento.
Com isto talvez se possam resumir os valores espirituais a pouco mais do que aquele ensinamento cristão: “Ama o teu próximo com a ti mesmo”, acrescentando o que naquela época era ainda desnecessário lembrar, ou impor: “Respeita a natureza”.
Ainda o nosso Aurélio diz por fim que “O desenvolvimento de uma nação é fruto do esforço coletivo pelo aprimoramento desses valores.”
Temos que começar por valorizar o que temos e o que tivémos. Porque enquanto os desprezarmos não os podemos aprimorar.
Onde fica então o desenvolvimento da nação?
Talvez com esta demonstração de “cultura” vinda do altíssimo topo, onde se destaca a objetividade, o conhecimento político-científico, a erudição e a...
Tem uma infraestrutura muito importante para o Brasil, que é também a infraestrutura relacionada ao fato de que nosso país precisa ter um padrão de banda larga, tanto backbone como backroll, compatível com a necessidade que nós teremos para entrarmos na economia do conhecimento, de termos uma infraestrutura, porque no que se refere a outra condição, que é a educação, eu acho importantíssima a decisão do Congresso Nacional de Brasil em relação aos royalties.
Esta maravilha de linguajar é parte de um pronunciamento, oficial, da madama dona presidenta!
Entendeu o que ela disse? Nem ela.
E o pior é que está lá desde 2011 e quer ficar mais quatro anos.
Só um backroll nos salva.


01-jan-03 / + ago-2014

domingo, 10 de agosto de 2014



O degredo e os brasileiros – 2

Curioso este “negócio” de degredo! Degredo será pena de banimento, desterro, este será exílio que por sua vez é expatriação forçada ou voluntária.
Quantos e quantos homens, e mulheres, vieram aqui parar forçada ou voluntariamente! Outros daqui saíram como o poeta António Gonçalves Dias que, saudoso, compôs a lindíssima Canção do Exílio. Daqui também se cantou a mesma saudade, a mesma solidão, como aquele jovem de quinze anos, exilado e só na Foz do Rio Negro em 1843, quando escreveu

Como são brancas as flores

Deste verde laranjal!
É doce a sua fragrância
Como a deste roseiral...
Mas têm mais suave aroma
As rosas de Portugal!
Chegou ao Pará com dez anos, pouco mais do que como escravo branco. Chorou as saudades da mãe e da terra, o exílio, o trabalho quase escravo a que comerciantes inescrupulosos o sujeitaram, mas não se deixou vencer. Mais tarde insurgia-se nos jornais e nos livros que escreveu contra essa exploração, mas não abjurou os antepassados nem os descendentes que por aqui ficaram.
Não preou índios, nem foi proprietário de terras ou de escravos. E apesar de ter sido um dos primeiros indianistas, o primeiro romancista em que figura como herói um índio, o seu nome raros conhecem e mal ficou na história.
O Brasil que cultura “respira”? É fácil reconhecer-se um monumento inca, asteca ou maia, bem como uma moderna pintura mexicana sem que se conheça o seu autor. Vê-se logo que é mexicana.
E por aqui? Além da arquitetura colonial de Minas, Bahia, Olinda, etc., pouco mais reconhecemos do que um Di Cavalcanti ou uma Djanira. É pintura brasileira? Ou em vez de brasileira, será unicamente Di Cavalcanti ou Djanira, como se reconhece um Van Gogh ou um Picasso sem que estes representem a cultura dos seus países?
Cadê a nossa cultura? A escola de cultura brasileira?
Lá fora somos conhecidos pelas praias, as gostosas mulheres morenas, o samba e a caipirinha! É isso que os turistas vêm ver ao nosso país. Difícil que venha alguém, turista, conhecer a cultura colonial, que a houve, porque depois desta...
Após a independência passou a ser chic romper com o passado, antepassado, português, de que nem o padinho Cíço nos pode livrar. Trocaram-se nomes da família por outros de origem tupi, nenhum de origem africana (que horror!), começou o desenfreado ataque aos tais Maneis e Jaquins e jogou-se o passado no lixo!
Mas ninguém se preocupou em recuperar as línguas nativas, muito menos torná-las obrigatórias nas escolas! Ainda hoje.
No passado está a base da cultura de todos os povos. Levou séculos, milênios a construir-se, com tudo o que tem de bom e menos bom. Mas é cultura, como por exemplo a língua, esta nossa que hoje é falada por cerca de 200 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo.
Foram os Maneis e Jaquins que a levaram. Navegaram por esses oceanos em cima de cascas de noz, enfrentaram tormentas, doenças, hostilidades, fome, abandono, o tal degredo ou desterro ou exílio, mas não desistiram. Lutaram por um ideal básico que era a sua liberdade. Alargaram horizontes e fronteiras, transformaram uma terra de selvagens ou silvícolas, que nenhuma das palavras pretende ofender quem quer que seja, numa nação que é respeitada pelo mundo inteiro pela abertura e simplicidade do seu povo.
Constituíram família, misturada ou não por gente de todas as origens que voluntária ou forçadamente aqui chegou.
E hoje, os descendentes desses homens, todos misturados, raros são os que terão o tal sangue... puro (!?) abjuram, ridicularizam, condenam, injuriam, difamam, insultam, desonram os seus progenitores!
(Para culminar, agora, há poucos dias, em 2014, surgiram congressistas a quererem “facilitar” a língua portuguesa, como o caso de se “traduzir” os livros do maior escritor brasileiro, Machado de Assis, porque nem os ministros os entendem (!), e para cúmulo propõem tirar o “H” de homem, hoje, habitante, etc., para os reduzirem a omem, oje, abitante, talvez tirem o “h” de hélio (para este perder o gás?) e também tirarem a letra “U” de guerra, guarda, guitarra, querer, queijo, até do “que” que ficará qe, para que os ignorantes melhor aprendam! Ficariam a saber o que é gerra, garda, gitarra, qeijo, etc. e cada vez mais burros, talqualmente o ignorante des-governo que nos leva ao ridículo e perdição).
Sentimento de inferioridade? Muito possivelmente. Esses que se dizem tão miserandos por descenderem de homens determinados... no fundo o que sentem e reconhecem é a sua incapacidade de fazer igual ou melhor!
Houve até quem atribuísse a última ditadura militar a uma herança portuguesa! Não é piada, não. Foi uma professora de História da USP, a melhor universidade do Brasil, que o pronunciou aos microfones de uma das mais importantes rádios do país!
Desonram-se os antepassados, e a cultura... que vá p’ró degredo! 
R. I. P.

31/Dez/2002


sábado, 2 de agosto de 2014




AS  COLÓNIAS  PORTUGUESAS
E  A  DIPLOMACIA  BRASILEIRA


Apesar de gostar de guardar muito do que me vem à mão e acho interessante ou útil, desde pregos a medalhas, parafusos a cápsulas e sementes de plantas exóticas, como por exemplo aquilo a que se chama Coco de Sapucaia - castanha-sapucaia, uma lecythidaceae, Lecythis usitata (como pouca gente, rara gente conhece, vou abster-me de explicar, porque resultaria no mesmo do que explicar o paladar de um abiu - fruto de uma Sapotaceae, Pouteria caimito - a alguém que nunca o tenha visto nem provado) não sou colecionador de coisa alguma, talvez porque para se ser colecionador é necessário ter tido desde sempre, ou quase, residência estável e não mudar de casa mais de vinte vezes pela vida fora só depois de casado! De vez em quando aparecem coisas curiosas que vou guardando.
Por muito complexo que tenha havido, e ainda haja, por parte dos brasileiros, contra os portugas, a verdade é que a nível oficial sempre o entendimento foi bom. Quase. Lá bem no fundo dos bastidores é natural que de vez em quando surjam alguns pontos de atrito, mas Portugal sempre fez o que lhe foi possível para manter o Brasil como seu aliado, irmão. Que é.
Bem sei que o miserável contencioso dos dentistas brasileiros ainda navega em turvas águas, mas é das tais coisas: nem tudo pode ser perfeito.
Apesar da política ultramarina portuguesa ter ficado totalmente fora de moda, depois que a França e Inglaterra se viram forçadas a largar as suas colónias, o Brasil tinha que fatalmente estar ao lado das idéias democráticas, apoiando, pelo menos intelectualmente, a independência de todos os países que o pretendessem. Ele mesmo havia lutado por isso!
Portugal, habilidosamente, comandado pelo esperto e inteligente caipira chamado Salazar, ia mantendo o irmão Brasil como aliado, ou no máximo como abstencionista, cada vez que havia votação internacional que procurasse condenar a sua intransigente e incoerente atitude para com as colónias.
Entre as muitas manobras diplomáticas para manter os dois países unidos, e tentar mostrar ao mundo que o Brasil apoiava o governo português, este, teimoso, conseguiu um dia, em 1967, levar a Angola uma esquadra de navios de guerra brasileiros, contra toda a lógica política do Brasil, que não se queria envolver no erro colonial português.
Não sei se seria uma esquadra, apesar de ser a Força Tarefa número 11, composta de dois navios da Marinha de Guerra Brasileira, o cruzador “C Barroso” e outro o contra torpedeiro “Paraná”.

1967
Entre os dias 23 de janeiro e 27 de fevereiro, participou da comissão ASPIRANTEX 67, integrando um Grupo-Tarefa, sob o comando do ComemCh Almirante-de-Esquadra Murillo Vasco do Valle e Silva, formado também pelos C Barroso e Tamandaré e pelo CT Pernambuco. O GT visitou os portos de Recife (PE) e Luanda (Angola). Além dos oficiais instrutores e do Corpo de Alunos da Escola Naval participaram Cadetes da Escola de Aeronáutica e da Academia Militar das Agulhas Negras. As longas travessias nos trechos Rio-Recife, Recife-Luanda, Luanda-Recife e Recife-Rio proporcionaram um bom período de adaptação a longos cruzeiros a todos os alunos participantes.


O cruzador “C – Barroso”  
 Contra torpedeiro “Paraná”

Recebidos com grande pompa e circunstância chegou a Luanda talvez um milhar e meio de marinheiros brasileiros, grande parte deles mestiços ou negros, que por obra e graça de uma capciosa manobra política portuguesa, lhes proporcionou a rara e feliz oportunidade de visitar a terra de grande parte dos seus antepassados. Nem todos teriam ascendentes angolanos ou sequer africanos, mas estavam em África, de uma forma geral terra de todos eles. Das suas raízes. Das raízes de todo um povo.
Luanda, cidade relativamente pequena, foi invadida pelos brasileiros, que ali estiveram quatro ou cinco dias. A cidade, sobretudo a zona dos musseques onde vivia a quase totalidade da população nativa, não dormiu durante todo esse tempo. Ressoavam os ngomas noite e dia, a toda a hora viam-se marinheiros entrarem e saírem dos navios, uns, cara de longa farra, outros ansiosos por tomarem em terra o lugar daqueles, todos sempre em larga companhia de angolanos. Descobriram-se parentes, aprofundaram-se raízes e conhecimentos, e num instante era muito mais do que isso, que não há palavras para descrever. Foi um espetáculo maravilhoso assistir ao encontro de dois povos irmãos, e foi uma das maiores festas generalizadas que aconteceram naquela terra! Nem carnaval alguma vez se lhe comparou pela espontaneidade, emoção e alegria verdadeira.
O zarpar dos navios foi difícil. O cais apinhado com a multidão, compacta, vestida com os panos mais garridos. Velhos e novos. A despedida, entre batuque e lágrimas não terminava, e o horário previsto teve que ser esticado. Também não havia porque, numa rara ocasião como aquela, o comandante se preocupar com a pontualidade britânica. A brasileira era melhor do que ótima!
Foi bonito, esse encontro.
Ao mundo foi dito que os navios não só não eram de guerra, como estavam em manobras no Atlântico Sul, e um deles com problemas técnicos fora obrigado a arribar a Luanda! Ninguém deve ter engolido aquela explicação um tanto esfarrapada, mas não parece ter trazido qualquer problema para o Brasil, até porque os movimentos de luta pela independência de Angola estavam muito longe de dar ao mundo um exemplo de maturidade, não se entendiam entre si, e deixavam prever uma precária luta quase interminável, não fosse o esgotamento da política interna portuguesa. O exemplo dos mesmos partidos, em Angola, ainda hoje, no ano 2000, deixa muito, mutissimo, a desejar. Pobre Angola. Aliás pobres angolanos.
A explicação do Brasil foi mais uma graça da sua diplomacia, aliás sempre hábil. As autoridades portuguesas ficaram muito contentes com aquela prova de confiança e o Brasil livrou-se de ter que, a outros possíveis pedidos menos simpáticos, dizer “não”!
Quem mais gostou de tudo isto foi a população de Luanda!
Os brasileiros, saudosos, seguiram naqueles cascos cinza, atravessando devagar, com preguiça e saudade, a bonita e acolhedora baía de Luanda, rumo às suas manobras.
A bordo, peles de todas as tonalidades, almas coloridas, olhos saudosos vendo formar-se à popa um turbulento rasto na água que parecia querer voltar a ligar os dois povos, separados um dia, à força, na desumana brutalidade da escravatura.

Em 1972 Portugal tinha quase conseguido outra pequena vitória política, com a organização dos V  Jogos Desportivos Luso-Brasileiros, jogos estes a realizar em Luanda, o que pressupunha o reconhecimento, por parte do Brasil de ser Angola um território indiscutivelmente português!
Projeto interessante o comemorar-se em Luanda o sesquicentenário da independência do país formado com o sangue de tantos angolanos, o quarto centenário da publicação dos Lusíadas quando a metrópole deixou quase outros tantos séculos as colónias sem a conveniente instrução e a travessia aérea do Atlântico Sul, onde por acaso Angola se encontra sem nada ter a ver com isso. Importante era o ano da Dupla Nacionalidade a que Angola hoje devia ter direito, não fosse por outra razão seria pela sua paternidade a milhares e milhares de homens que ajudaram a formar o Brasil.
Não sei quem terá buzinado nos ouvidos do Presidente Médici que as condições para amparar a política portuguesa não era a mesma de 1967, e não era, a verdade é que, estando tudo pronto, de repente se desaprontou, e os tais V Jogos e todas as outras comemorações simplesmente não aconteceram.
Pouca gente disso teve conhecimento.
Belas medalhas comemorativas estavam cunhadas. Não foram distribuídas. Talvez destruídas.
Todas não, porque uma, não sei já como, está comigo, a inscrição numa das faces envolvendo a Cruz de Cristo, e na outra, quatro figuras de atletas fazendo jogo com a mesma Cruz.
Hoje esta medalha será uma raridade.
  

Mas que foi uma boa tentativa do Salazar... foi!


Do meu livro “Se as Minhas Imbambas falassem”, 2000, com ligeira correção.