domingo, 29 de maio de 2016



Era uma vez... Angola - 1991/2


Angola vivia em final de 1991 e começo de 92 uma trégua para negociações de paz, onde ninguém confiava em ninguém. Era uma espécie de conversa de surdos. A prova é que a trégua durou pouco e a guerra civil ainda durou mais dez anos. Pobre gente.
À chegada, aguardava-me um antigo parceiro de caça, de caçadas inesquecíveis, grande amigo, uma boa disposição contagiante, o querido companheiro Nelson Peixoto, o famoso “Ninocas” de quem contei já algumas peripécias.
Deixar as malas no hotel e depois almoçar num restaurante que a TAP tinha lá para os lados do Bungo.
Garoupa. Cozida. Huummm! Que maravilha. Já não me lembrava como era delicioso o peixe de Angola. Não tem igual.
Entretanto expus o que ia fazer a Luanda e ele foi-me dizendo que falar com gente do governo era pior do que nas nossas velhas caçadas! Dificilmente encontrava alguém no trabalho. Entravam e saíam logo em seguida para o “esquema”!
O “esquema” foi uma modalidade criada pela fértil imaginação do angolano para ganhar um dinheirinho a mais. A moeda local, Kwanza, estava desvalorizadíssima; encontrar comida era uma sorte e, ou se pagava no mercado negro, o famoso e imenso Roque Santeiro, ou então tinham que ir comprar nos mercados “oficiais”, em dólares, e depois revender “cá fora” por preços incríveis. TODA a gente andava no “esquema”. Diretores de serviço, contínuos, qualquer um.
O Ninocas mandava vir legumes do sul, Benguela ou Namibe, vendia, isto é, entregava na fábrica de tabaco e, em vez de receber dinheiro pagavam-lhe em cigarros. Cá fora valiam muito mais e assim ele ia sobrevivendo!
Tudo o que vinha do sul era por mar, e atracar era coisa de loteria. Queria que eu lhe procurasse pela Europa uma barcaça de desembarque, que certamente haveria muitas como sobra de guerra. Com isso ele não tinha que esperar: levava a barcaça a uma praia, descarregava, voltava a carregar qualquer coisa para o sul e faria um grande negócio. Ainda procurei. Havia alguma coisa lá pela ex-URSS mas o custo do transporte tornava a operação inviável.
Como a empresa para quem eu trabalhava era espanhola, a primeira visita foi ao Embaixador de Espanha
Don Antonio Sánchez Jara, uma pessoa por quem fiquei com enorme consideração. No dia seguinte recebi no hotel um telefonema da sua secretária. O Embaixador pedia desculpa de me convidar à última da hora para jantar em casa dele! Mandou-me buscar de carro; à mesa, o Embaixador e a Senhora, única senhora (ambos extremamente simpáticos, para quem envio bons “saludos”), dois técnicos da Repsol, dois do Banco Mundial, o secretário da Embaixada, e eu. Um jantar delicioso, simpático, com gente muito agradável. Conversa: sobre os problemas de Angola, como é evidente, mas o único que conhecia um pouco aquele país era eu. Os outros eram “estrangeiros novatos”!
Um dos projetos que o Banco Mundial estava a analisar era o da recuperação de algumas estradas principais, mas chocavam com o elevado custo do asfalto que teria que ser importado. Entrou o “angolano” – eu – na conversa: Asfalto? Há dois lugares, aqui perto de Luanda, que eu conheço e por onde tanta vez passei, com o asfalto aflorando à superfície!
Incredulidade do “mundiais e dos repsóis”: Como é possível? Ninguém nos falou nisso! – Tem razão, mas eu vivi aqui vinte anos, cacei por todo o lado e posso garantir-lhe que isto é a realidade. Só tem que lá ir com uma escavadeira e caminhões e.... carregar! Amanhã de manhã vou estar com o meu antigo companheiro de caça e ele vai dar-me, com precisão a distância a que se encontram os dois afloramentos. – Se isso for assim, o projeto custará menos um milhão de dólares.
O Ninocas confirmou e precisou a distância a que cada um se encontrava. À tarde encontrei o pessoal do Banco Mundial que ficaram encantados e tiveram que rever todo o estudo feito com as “autoridades” angolanas!
Acompanhando o Embaixador, visita ao ministro dos Transportes que era também o diretor do Caminho de Ferro de Luanda, quase inteiramente destruído e que só ia da Estação do Bungo até à Estação dos Muceques! Uns 8 ou 9 quilômetros. Uma espécie de Metro urbano, onde não havia uma única carruagem que tivesse um vidro nas janelas: tudo quebrado. Para o interior a guerra civil havia destruído pontes, trechos de linhas, estações, etc. Intransitável. O projeto a discutir era estabelecer o custo da análise da situação, ao longo dos mais de 400 quilômetros de Luanda a Malange. Teria que se percorrer toda a via para o que era indispensável uma forte segurança armada, logística de apoio – onde dormir e comer – e que só o governo poderia fornecer.
Sexa o ministro recebeu-nos esparramadão numa poltrona, ar de “grand seigneur”, sentindo-se um sheik das arábias, foi dizendo que não podia dispor de segurança nem garantir a logística, que qualquer país podia executar em Angola os projetos que entendesse que eram muito bem-vindos, tanto mais que Angola não iria pagar nenhum deles! Eu quase explodi, mas na maior calma disse a sexa: - Angola vai pagar, pode ter a certeza que vai. E caro. Para já os bancos fazem de bonzinhos. A conta vem depois! Não quis mais interpor-me ao diplomata que se comportou como um ... grande diplomata! À saída eu ainda lhe disse: - Pobre Angola, com estas bestas!
Esse projeto nasceu já morto.
Outro que o governo tinha anunciado, seria a recuperação da agricultura rural da Baixa de Cassange, e isso me interessava muito porque conhecia bem o problema. Interlocutor: o diretor do Departamento de Agricultura... já nem sei do que. Um jovem, todo engravatado, teria menos de 30 anos, formado na Checoslováquia, que não fazia ideia do que era um pé de mandioca, de algodão e muito menos onde ficava a Baixa de Cassange.
Recebeu-me, acolitado por outros dois eminentes técnicos e a conversa foi outra desgraça.
Assim mesmo estudei bem o assunto e voltei a Luanda pouco depois para entregar o projeto pronto.  Entretanto acabou-se a trégua, recomeçou a guerra e todos os projetos foram para o lixo!
Na esperança de poder ganhar o projeto da agricultura, em conversa com os técnicos do Banco Mundial disse-lhes que havia um outro projeto do maior interesse para angola e para o mundo, que era recuperar a Reserva de Cangandala, com a Palanca Preta Gigante, animal único, e que estava bastante destroçada, como tudo. Foram unânimes em me dizer que esse projeto seria rapidamente aprovado pelo interesse que demonstrava. Eu embandeirei porque me propunha administrar os dois projetos que... nada!
Fiquei hospedado no Hotel Tivoli, que um ou dois dias depois recebeu a delegação da Unita para as conversações de paz, e todo um andar, creio que o 5°, do hotel foi-lhe reservado.
Uma ocasião em que eu subia para o meu quarto, o elevador parou nesse andar; ao abrir-se a porta fui recebido com uma metralhadora encostada à barriga! – Que estás a fazere aqui? – A caminho do meu quarto, no andar de cima!
No bar encontrei o chefe da delegação, cuja cara me lembrava alguém que tivera conhecido. Perguntei se me podia sentar a seu lado para conversarmos, ao que disse logo que sim. Não conseguimos saber de onde nos conhecíamos, mas encontrámos amigos ou conhecidos comuns; tivemos uma conversa interessante, durante a qual percebi que ele não tinha esperança em qualquer negociação com o MPLA! Com razão. O zédu não iria largar da mão o que tanto lhe rendia e ainda rende.
No dia seguinte tive que esperar talvez uma hora antes de poder sair do hotel. A tropa do MPLA estava ali na frente e já tinha metralhado o hotel!
Alugadoras de carro... não havia. O Ninocas conhecia alguém que fazia esses biscates: alugava um Ford Cortina, aí com vinte anos, já sem amortecedores, folga de mais de meia volta na direção, mas andava, foi-me muito útil e também paguei bastante por ele!
Uma tarde saí de Luanda, contra todas as advertências possíveis e quis dar uma volta pelo Cacuaco e lagoa do Panguila onde tantas vezes tinha ido caçar. No regresso meti um pouco pelo interior, estradas, aliás picadas, de terra, pelo Quifangondo, e num cabeço encontrei um pequeno aglomerado. Muita criança e adultos ficaram espantados de verem aparecer um carro, e com um branco, sozinho, lá dentro. Rodearam o carro, sempre amistosos, chamaram o chefe que era o “delegado do partido” (estrutura ainda soviética). Conversámos um pouco e num outro cabeço mais adiante eu via, acima do capim, umas manchas azuis. Estranho! O que é aquilo? – É dos bugres! – Dos bugres? – Sim.  Eu só conhecia essa palavra do Brasil que significa mais ou menos “indígena não cristão”, o que nada tinha a ver com Angola. Veio então a explicação:
- Os bugres, depois que acabou a União Soviética foram todos embora, e deixaram ali aquelas máquinas!
Entendido. Búlgaros, que tinham ido para Angola “ensinar” os angolanos a trabalhar a agricultura com máquinas. Uma imensa vigarice. Eles que nada, nada, sabiam de agricultura em clima tropical! Não ensinaram nada, não produziram nada, o povo evitava o contato com eles, tanto que estava, não proibido, mas implícito, que ninguém tocaria naquelas máquinas que ali ficram a enferrujar. Sempre deu para a URSS explorar um pouco mais os pobres africanos.
Estava nessa altura a trabalhar em Luanda, no Pão de Açúcar, um querido sobrinho, o João Carlos. Voltávamos, sábado de manhã da Ilha e fomos mandados parar por dois polícias, com duas motos novinhas, Harley Davidson, fardamento novíssimo, ar triunfal. Pediram os documentos, tudo estava em ordem e foram embora. Pararam pouco adiante para fazerem “banga” com dois colegas que estavam com as fardas podres bem como o carro. Ao passarmos ali mandam-nos outra vez parar. –Seu guarda, o senhor parou-nos agora mesmo alia atrás. – Ah! Tudo bem. Então tenham um ótimo fim de semana!
Domingo, para despedida, com o meu amigo Ninocas fomos à Ilha comprar marisco para o almoço em casa dele. Umas lagostas, muitas gambas, um precinho aceitável, umas garrafas de vinho. A empregada, que creio que era para TODO o serviço, pôs a mariscada na chapa.... e surgiu o milagre das coisas boas!
Despedi-me de Angola, com o coração partido pelo estado em que o país se encontrava, mantive algum contato com o meu amigo que um dia emudeceu. Deve ter ido descansar o que tanto merecia, mas deixou muita saudade.
Só lá voltei, de barco, quatorze anos depois.

25/05/2016

            

terça-feira, 24 de maio de 2016



Grande nau, grande tormenta!


Provérbio bem conhecido e que se aplica a tudo onde entra “olho gordo”.
É sabido das imensas percas de naus que regressavam da Índia. A leitura da História Trágico-Marítima e outras mostra a amplitude do desgaste que foi para Portugal a “aventura das índias”. A ganância do lucro e o desprezo pelas vidas humanas.
Manuel Severim de Faria, no magistral livro “Notícias de Portugal” de 1655, dá-nos uma explicação clara, do porque de tamanhas percas.
Sempre houve gente estúpida. (E parece que cada vez há mais!)

SOBRE AS CAUSAS DOS MUITOS NAUFRÁGIOS,
que fazem as naus da Carreira da Índia, pela grandeza delas.

“Sendo as Naus da Carreira da Índia as Embarcações em que Portugal mete a principal substância de seu cabedal em Dinheiro, Armas, Soldados, e Fidalguia dele, para em retorno lhe trazerem as riquezas do Oriente, é notó­rio a todo o Reino, quantas destas Naus se perdem quase todos os anos. Pelo que parece obrigação mui precisa tratar-se do remédio de tão grande dano, pois em cada Nau destas, além da gente, se perdem muitos milhões, e sendo esta perda tamanha é a mais ordinária que padecemos, e ainda por vezes se tem apontado várias causas deste mal, parece que de todas elas é a maior, e mais prejudicial a demasiada grandeza das Naus, e o mau conserto, que se lhes faz com a querena; e porque, sabido o princípio que estes erros tiveram, se poderão mais facilmente remediar, apontarei a notícia que deles tenho.
Todos os que têm lido as histórias da Índia, sabem como no tempo que el Rei D. Manuel viveu não passavam as Naus da Carreira de 400 Toneladas.
Morto el Rei Dom Manuel, e querendo el Rei Dom João pelo tempo adiante acrescentar o Comércio das Drogas, acrescentou também para isso a grandeza das Naus a 800 e 900 Toneladas, parecendo aos que deram este alvitre que poupava muito em não acrescentar o número de vasos, e que se ganharia tanto mais na pimenta, quanto mor quantidade dela se trouxesse; porém em lugar destes dois proveitos, se seguiram a el Rei duas grandes perdas.
A primeira de gente, porque como as Naus se fizeram tão grandes, e a Índia está sempre pedindo Soldados, embarcam-se nestas Naus de ordiná­rio 700 e 800 homens, e ainda mais, os quais com a variedade dos Climas, incomodidades da embarcação, imundícia, e aperto da Nau vêm a adoecer na viagem quase todos.
A segunda perda, a que deram causa as Naus grandes, foi o regresso, e por isso foi muito maior, porque com esta ocasião se perde o fruto, e retorno de todo o Comércio da Índia, a razão é porque quanto maiores são as Naus, tanto concorre a elas mais gente, cuidando que vão mais seguros, e as carregam com tanta confiança de roupas, e caixaria, que não somente vêm entulhadas, e quase maciças com o recheio, mas ainda no Convés é às vezes tão grande o número de caixas postas umas sobre as outras, que fica a caixaria mais alta que o Castelo da Popa, e para sair da Proa à Popa, é necessário subir pelas caixas como por um monte. Isto não somente lemos em muitas relações de naufrágios, mas de presente mo testificou o Senhor Bispo eleito de Cranganor Francisco Barreto, o que passou na Nau em que veio. Pelo que, ou estas Naus se perdem totalmente, ou padecem grandes perigos nas tormentas, che­gando cá por milagre, depois de ter alijada toda a fazenda ao mar, como se tem visto por experiência tantas vezes, e particularmente no ano de 91 e 92, em que partiram da Índia 17 Naus, 2 Galeões, e uma Caravela, e duas Naus novas, e destas vinte e duas embarcações, só chegaram a Lisboa as Naus S. Cristóvão, e S. Pantaleão, que, por serem as piores, vinham descarregadas, e as outras vinte se perderam.               
Estas duas perdas causadas pela grandeza das naus foram de tanto peso, que puseram a todo o Reino em grandes apertos porque, com morrerem tantos Soldados na viagem, foi necessário mandar todos os anos muita mais gente à Índia, e com os muitos naufrágios, que em todo o tempo de el Rei Dom Manuel se não tinham visto, ficou el Rei Dom João tão falto de cabedais, e drogas, que veio a quebrar no ano de 1544 com três milhões de dívida em Flandres, para cuja satisfação empenhou o Património Real na maior parte dos juros, que lhe hoje vemos.
Conhecido este grande mal da grandeza das Naus pelos do Conselho de el Rei Dom Sebastião, que sucedeu a el Rei Dom João seu Avô, procuraram remediar, e atalhar tão manifesto dano, porque não somente se perdia em uma Nau inestimável riqueza, mas muita gente, Fidalgos, Soldados de grande valor, Pilotos, Mestres, Marinheiros, Artilharia, e Bombardeiros, gente toda feita nesta Carreira, que tanto neste Reino, como na Índia, faziam muito notável míngua; e assim ordenando el Rei um Regimento nenhuma Nau da Índia fosse mais que de 300 a 400 Toneladas, como se vê das palavras seguintes:
E porque sou informado, que as Naus, que hão de andar na Carreira da Índia, convém serem de menos porte do que eram as que até agora serviam por se poderem mais facilmente aparelhar, e carregar, e haverem mister menos gente para as marear, e invernando fazerem despe­sas, que será causa de se poderem fazer, e armar mais Naus para andarem na dita Carreira. Ordeno, e mando, por estes, e outros respeitos, que me a isso movem, que todas as Naus, que daqui em diante se fizerem por conta da minha fazenda, ou de partes, assim neste Reino, como na Índia, para haverem de andar nesta navegação, não passe cada uma delas de 450 Toneladas; nem seja de menos 300 que fui informado, que era o porte, que deviam ter para mais comodamente, e com menos risco, e despesa navegar.
Esta ordem de el Rei se seguiu em quanto ele viveu com tão acertado sucesso, que nenhuma destas Naus em seu tempo padeceu naufrágio, como se vê da memória das viagens das Naus, tiradas dos livros da Casa da Índia.
Depois de el Rei Dom Sebastião, entrou el Rei Filipe, que quando se tornou para Castela quis deixar arrendada a pimenta a mercadores, e assim mesmo a fábrica, e conserto das Naus, para saber com certeza quanto lhe rendia a Casa da Índia. Com esta ocasião, desejando os Contratadores da pimenta lograr-se dos anos dos seus contratos, pretenderam mandar vir grande quantidade dela, e para isto acrescentaram a grandeza das Naus, como se tinha feito em o tempo de el Rei Dom João, e porque o conserto de Naus tão grandes era notório que lhes havia de custar muito mais caro aos Contratadores do apresto delas, porque se não podiam tirar a monte para se consertar, como as Naus menores, introduziram a querena italiana*, para que, sem tanto custo seu, emendassem as Naus, estando dentro da água.
Destes dois princípios se tornaram a seguir os inconvenientes antigos, e ainda maiores; porque com a grandeza, e carga sobeja das Naus, tornaram a ser tantos os naufrágios, que de três naus que partem para a Índia, raramente chegam as duas a salvamento, e o conserto da querena é de tão pouca impor­tância, que ficam as Naus verdadeiramente sem remédio, e reparadas somente no exterior. Estas são as causas de se terem perdido tantas Naus do tempo del Rei Filipe para cá, que se veio a cuidar que era isto algum mis­tério, não havendo outro mais que este erro fatal da grandeza demasiada das Naus, e do superficial conserto das querenas. Em razão deste dano tão preju­dicial, por muitas pessoas práticas deste Reino se escreveu por vezes contra ele, sendo o primeiro João Baptista Lavanha, no naufrágio da Nau Santo Alberto, onde diz estas palavras: Tal foi a perdição desta Nau Santo Alber­to, tais os sucessos de seu naufrágio, causado não das tormentas do cabo da Boa Esperança, pois sem chegar a ele com próspero tempo se perdeu, mas da querena, e sobrecarga, que como a esta Nau, assim a outras muitas no profundo do mar hão sepultado, ambas pôs em prática a cobiça dos Con­tratadores, e Navegantes; os Contratadores, porque como seja de muito menos gasto, dar querena a uma Nau, que tirá-la a monte, folgam muito com a invenção Italiana, a qual posto que serve para aquele mar de levante, a cujas tormentas, e tempestades podem pairar Galés, e aonde cada oito dias se toma porto. Neste nosso Oceano é o sucesso uma das causas da per­dição das Naus, porque além de se apodrecerem as madeiras; posto que sejam colhidas em sua sezão, com a contínua estância no mar, e desencadernarem-se com as voltas da querena, e grande peso de tamanhas carracas, calafetando-as por este modo recebem mal a estopa por estarem húmidas, e pouco enxutas, e quando depois navegando, são abaladas de grandes mares, e combatidas de rijos ventos, despedem-na, e abertas dão entrada à agua, que as soçobra, e assim tem mostrado a experiência, que quando desta danosa invenção se não usava, fazia uma Nau dez, ou doze viagens à Índia, e agora com ela não faz duas. O mesmo disseram outros muitos zelosos do bem comum, até que ultimamente se deram no Conselho dois grandes Memoriais impressos no ano de 1622, em que se mostrou, com evidência, que a grandeza que se usava nas Naus era em dano da Fazenda, da Milícia, e do estado do Reino. Pelo que, vistos estes Memoriais, se mandou deixassem as Naus grandes, e tomassem a fazer Naus pequenas, e em efeito se fizeram, e tiveram excelente sucesso, e no ano de 1633 as Naus pequenas que se fizeram foram à Índia em quatro meses e meio, e voltaram em cinco meses, cousa que nunca aconteceu a Nau alguma grande. Porém os homens do mar, e mais oficiais, como são interessados na grandeza das Naus, porque quanto são maiores, tanto maior é o espaço de sua liberdade, ou de seu lugar, para o venderem, tornaram a persuadir aos Ministros, que convinha fazer-se Naus grandes, e não pequenas, e assim o dirão sempre, porque são suspeitos na matéria; e eles fizeram fazer a terceira coberta tão alterosa, que enfraque­ce as Naus, e os Camarotes se têm tomado em câmaras. Finalmente as vantagens, que as Naus pequenas levam às Naus grandes, são muito notórias, porque as Naus pequenas são muito mais ligeiras, nave­gam menos quartas, e com qualquer vento, e pedem menos fundo, e para as pelejas são de muito maior efeito. As Naus grandes pelo contrário andam menos, porque navegam em mais quartas, não se movem senão com vento largo, pedem muito fundo, com que perigam em muitos portos, e não servem para a guerra, como é notório, e o nota João Botero, quando trata das forças del Rei da Polónia, dizendo que, por as Armadas da Cristandade porem de ordinário suas forças em vasos grandes, perderam muitas vezes as ocasiões que houveram de alcançar se foram embarcações mais ligeiras, e o mesmo nos tem acontecido com os Holandeses, que por os seus Baixéis serem Galeões, sempre ficaram superiores às nossas Naus, quando se encontraram com elas.
O caso é que cinco Galeões, ou Naus pequenas, custam tanto como três Naus grandes, e vindo cinco Baixéis destes que dizemos juntos, vem uma Armada muito poderosa, e vindo três Naus, vêm três carracas muito fracas, as quais depois de duas viagens se mandam desfazer na Ribeira, e os Galeões podem servir depois de muitos anos, assim nas viagens, como nas Armadas da Costa; porém o que sobre tudo se pode considerar, é que de cinco Navetas, que partem para a Índia, todas chegam ao reino, senão quando Deus conhecidamente nos quer castigar, e partindo três Naus de Goa, é quase milagre chegarem cá todas, por quanto do mesmo porto de Goa, por sua grandeza, e imensa carga saem já perdidas, como aconteceu à Nau Relí­quias, que dando vela, se foi ao fundo, antes de sair do porto de Cochim.
Por conclusão de tudo nos pode servir de demonstração desta verdade o exemplo que vemos dos Holandeses, os quais com Galeões estão feitos Senhores do Comércio da Índia, porque as embarcações ordinárias em que navegam não passam de 500 Toneladas. E ainda que algumas vezes usam de outras maiores, e que chegam a 800 podem-no fazer sem tanto risco, como nós, porque a sua carga não é de roupas, ou caixaria, senão de Drogas cosi­das em fardos, e nenhuma fazenda vai fora do seu lugar, porque a carregação corre pelos Ministros de sua bolsa, e não pela cobiça dos nossos Marinhei­ros, que costumam carregar as nossas Naus à sua vontade. Pelo que não excedendo ordinariamente os Navios de suas Frotas de 450 Toneladas, há mais de 50 anos que fazem viagem, sem saberem quase que cousa é nau­frágios, nem perderem Galeão da Carreira, e todas as vezes que se encontra­vam com as nossas Naus, ficaram superiores na peleja, por serem mais os seus Galeões, que as nossas Naus, como pela vantagem da ligeireza. Por estas razões lhes rende tanto o Comércio que todos os anos lhe chega a salvamento nos Galeões, são bastantes a sustenta­rem a guerra na Índia, e no Brasil, contra sua Majestade, com tão grandes Armadas, e número de soldados, que não há Príncipe fora de Espanha, que até agora pudesse fazer outro tanto.
Além destas cousas, bem sei que há outras muitas, para se as Naus per­derem: porém a demasiada grandeza, e as querenas são os defeitos mais ordinários, e mais fáceis de remediar, e que têm ocasionado mais naufrágios que todos os outros juntos. Pelo que totalmente convém, assim, para conser­varmos o Comércio, como para prevalecermos contra os Holandeses, que se deixem estas fatais Naus de suma grandeza, e tomemos aos Galeões, e Naus pequenas, com que este Reino alcançou Senhorio da Índia, pois é axioma certíssimo dos Filósofos, e Políticos, que as cousas permanecem, em quanto se conservam as causas que as produziram. E deste modo evitará Sua Majes­tade ver cada ano perder as suas Naus com tantos milhares de cruzados de cabedal, e tantos Vassalos seus, que tanto lhes custaram aos pôr na Índia, e tomar a embarcar para Portugal. E os Oficiais, Marinheiros, e Passageiros das Naus escusarão de botar com seus mesmos braços ao mar aquelas rique­zas que adquiriram com tão compridos trabalhos, e riscos, e o que é mais, perder as vidas, despedaçados nos penhascos das Costas bravas da Etiópia, ou escapando daqui, às mãos dos Cafres, e de cruelíssimas fomes, dando sepultura a seus corpos nos ventres dos Tigres, e outras semelhantes feras dos ardentes desertos da Cafraria.”

Querena italiana: método de limpeza do casco dos navios, “inventado” pelos italianos, sem que fosse necessário tirá-los da água completamente. Isso, como diz, Severim de Faria, dava resultado no Mediterrâneo, porque entre cada porto, a navegação durava só alguns dias, e era fácil a limpeza e fazer alguns reparos. No caso das “naus da Índia”, depois de meses de navegação, sendo impossível levá-las a um estaleiro para uma reparação eficaz, era “semi” varada na praia, ficando sempre parte dentro de água, e o restante só algumas horas até que a maré subisse de novo, impedindo que o casco secasse. Assim não era possível fazer uma reparação eficiente, e mesmo a calafetagem não fazia efeito porque a que continuava no casco estava molhada o que não permitia um resultado durável.


23/05/2016

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Era uma vez... na Guiné - 1991

Ainda mais duas viagens em trabalho, que apesar de em nada terem resultado, ficaram na memória. Aliás são três viagens porque a Angola fui duas vezes, com pouco tempo de intervalo e com a mesma finalidade.
Hoje vamos à Guiné-Bissau.
O avião aterrou por volta da meia noite. À minha espera também um colaborador do Pão de Açúcar (de Portugal).
E começa a descarga das malas. À mão. Avança um carregador até ao avião. Parava. Conversava um pouco com os colegas. Pegava numa mala e levava-a até ao saguão do aeroporto. Largava a mala e descansava um pouco! E assim se foi sucedendo a descarga.
Às duas horas da noite ainda eu esperava a minha mala, quando o meu “cicerone” sugeriu que fosse para o hotel assim mesmo, que ele se encarregaria que alguém me levasse a dita, tão logo aparecesse.
Paciência. Nem pijama, nem nada de toalete – escovar os dentes, por exemplo – e deitei-me.
O hotel, se me lembro, seria um Holiday Hinn, fora cidade, construção recente, mas muito incómodo para quem tinha que andar na cidade. (Será hoje o Hotel Lybia?) De noite lá apareceu a sobredita mala, que me foi entregue já eu tinha adormecido, mas pela localização preferi mudar para outro hotel. Construção antiga, tinha sido a sede dos oficiais do exército português, e passou a chamar-se Hotel “24 de Setembro”, data da declaração unilateral de independência do país, uma razoável quantidade de confortáveis pequenos apartamentos, que serviram aos oficiais e famílias, uma boa área central, tudo em pleno e bom funcionamento, e onde se encontravam todos os visitantes estrangeiros e, à tarde, os “importantes” da terra, incluindo o presidente, Nino Vieira, que gostava de aparecer com ar “democrático e popular” no seu carrão e boa escolta de jipes, para “paternalmente” acenar, sem sair do carro, aos “importantes, dar a volta e sair!
Bom serviço e boa comida.

 Hotel 24 de Setembro

Nesse hotel, todos os dias aparecia um vendedor de artesanato, peças pequenas, madeira, prata, malaquita, etc., tudo muito bonito. O Mamadou. Um cara grande, gordo, simpático e que sempre fazia bom negócio com os visitantes. Muçulmano, não me largava, não só porque eu conversava muito com ele, como sobretudo porque eu não comprava nada!
- Mamadou, você é muçulmano, quantas mulheres tem?
- Quatro, que mais a lei aqui não permite. (Filhos já não lembro quantos disse que tinha)
- E como é a organização com tanta mulher para dormir?
- A primeira mulher é quem organiza tudo, e além disso fica de olho nas outras para que não façam nenhuma estupidez. Cada uma tem sua casa onde vive com os filhos. Toda a semana mudo de mulher. Sai uma, que leva toda a roupa de cama e pessoal para lavar e entra outra com tudo lavadinho. E assim vai. Todas se dão bem.
- Caramba, Mamadou, você tem uma vida de sultão!
Ele ria e insistia para eu comprar qualquer coisa, mas eu nada!                   
Pelas ruas da cidade viam-se, completamente abandonados, grupos geradores que pareciam novos. À primeira avaria, ou por falta de peças, ali ficavam a enferrujar, equipamento caro, da Caterpillar!
Na entrada da área onde estavam os serviços de Agricultura, um trator, completamente novo, com os dois pneus grandes vazios. Nunca trabalhou. Um descaso impressionante.
Pelas ruas vendiam-se livros surripiados aos antigos serviços, como o da agricultura. Comprei por mirreis, uns livros, já raros naquele tempo sobre o estudo completo dos solos do país e mais dois ou três, todos com o carimbo do tempo colonial! Tudo saqueado.
Saímos da cidade pouco para o “mato”, para o interior da floresta (tivemos que passar por dois controles militares, mostrar documentos, etc.), atravessar pelo menos um dos braços de mar em jangada, para chegarmos por fim à vista do que teria sido uma relativamente grande instalação industrial. Obra feita pelos “generosos” bancos internacionais, para industrialização da mancarra, o nosso amendoim.
Mas, ó céus, a Guiné produz, ou produzia muito amendoim, praticamente tudo trabalhado na base da agricultura familiar, e o projeto dos sábios foi reunir a produção num centro. Esqueceram-se dum “pequenino” detalhe. O país é todo atravessado por rios e braços de mar, de modo que para ir dum canto a outro, tem que se dar a volta pelo interior, e assim mesmo atravessar diversas jangadas, depois de ter andado umas centenas de quilômetros por estradas quase intransitáveis! Resultado a “fábrica”, quase inativa, construída em estrutura de ferro, naquele clima estava toda enferrujada e quase nada fazia. Assim mesmo o guarda que lá estava não nos deixou visitar aquele elefante branco.
Foi assim que os países NÃO colonialistas trataram os novos países após a independência. Sugaram, e ainda sugam, quanto podem.
Também fomos perto da fronteira com a Guiné Conakry, ver como eram “exportadas” as belas mangas da Guiné-Bissau! Tudo vinha do país vizinho, já embaladas e depois exportadas para Portugal como mangas de Bissau!
À procura de algo que pudesse propor ao país, que sofria, fomos aos Serviços de Agricultura. Começámos por consultar dados estatísticos que... quase todos acabavam em 1974! O mais impressionante foi constatar que o índice pluviométrico tinha caído, nos últimos 25 anos da estatística existente, cerca de 20%, sobretudo no norte, fronteira com o Senegal, onde o avanço do Sahel é inexorável. E continua a avançar uns quilômetros cada ano.
O diretor dos serviços, engenheiro, quando lhe falei nestes dados respondeu, tranquilo:
- Não. Continua a chover bem!
Não devia saber que eu estava falando.
A Guiné continuava a explorar madeiras, derrubando florestas. Um dos métodos para aguentar um pouco o avanço do deserto, seria uma barreira de árvores. Falei nisso e disse que se podia arranjar dinheiro para um programa desse tipo. Não entendeu a minha língua! Não se interessou.
Depois visitei a fazenda dum senhor que, para sua infelicidade tinha tido posição influente no tempo dos portugueses. Uma casa grande, grande área com árvores de fruta, floresta e zona de cultivo de legumes. Na nossa conversa surgiu a ideia de transformar aquele lugar numa escola de ensino agrícola. Era fácil. Tudo “quase” pronto, facilmente adaptável, só precisando depois de arranjar professores.
Fui falar com o ministro da economia. Caboverdeano, um dos companheiros de Amilcar Cabral, e dos mais influentes no país, depois da independência ficou melhor na Guiné. Lá mandava.
Expus-lhe a ideia da escola, do local, quase dentro da cidade, infraestrutura com imensos recursos, etc. Ouviu tudo. Depois levantou-se, foi comigo junto a um grande mapa do país, que ocupava quase uma parede inteira e disse-me que a ideia era interessante, mas não no local que eu indicava.
Havia outras áreas muito melhores, e mostrou-me a que ele escolheria.
Conversámos um pouco mais, saí, e quando voltei a falar no assunto com outras pessoas, tive logo a resposta certa:
- É evidente que ele quer o projeto nessa área. Aí as terras são quase todas dele.
­Acabou-se a escola agrícola!
Véspera de ir embora, juntámos um grupo de hóspedes do hotel, mais o meu amigo do Pão de Açúcar que nos levou a um lugar para comer ostras.
Duas casas pegadas, um pátio na frente. Um abria as ostras no fogo, o outro, uma venda/bar vendia as cervejas! As doses de ostras eram calculadas conforme o tamanho da base onde eram servidas: prateleiras de antigas estantes de aço dos serviços públicos! As mais estreitas, uns 15 centímetros de lado, eram uma dose! As largueironas, talvez uns 30 ou 40 eram duas ou três. Mas as ostras eram uma delícia!
À saída, no aeroporto, ainda tive problemas desagradáveis. Um vendedor tinha-me impingido, por 10% do valor pedido inicialmente, um brinquedo, tipo marimba com uns 30 cm. de comprido, que com relutância acabei por levar. Levava comigo isso e mais um saquinho com 200 ou 300 gramas de caju torrado, cuja intenção era ir comendo no avião.
Passo na alfândega, com a “marimba” num saco de plástico e uma maleta de mão tipo “007” que mandaram abrir. O “chefe” diz para um dos “fiscais” mostra o papel para ele. Vi logo que vinha encrenca e recusei-me a ler. Disse que estava sem óculos. Então eles leram o essencial: “Era proibido levar artesanato e castanha de caju”.
Depois da chatice em Moçambique, deu-me um ataque: “Pois fiquem com essa porcaria toda”, deixei mala e tudo em cima do balcão e fui embora. Passado um pouco vieram dizer-me para lá ir buscar. Dali passei a uma sala especial de inspeção. Vingaram-se. Mandaram-me despir, fiquei em cuecas, vistoriaram tudo e depois deixaram-me.
“Sorte” ter encontrado na fila de embarque o “diretor” do turismo do país que tinha conhecido no hotel. Esculhambei com a vida dele, e como viajava em 1ª classe, sendo o primeiro a sair em Lisboa, avisei-o: Quando chegarmos vou dizer aos ficais que você é traficante. Vai ver como é agradável a recepção!
Como imaginam não disse. Mas voltar à Guiné, eu... não quero. Nunca mais.

19/05/2016


segunda-feira, 16 de maio de 2016




E a vaca foi p’ró brejo!


Tinha que ir! Quando um fazendeiro inábil, ladrão, corrupto, quer ser mais esperto que todos, um dia deixa a vaca ir para o brejo!
Passou-se algo semelhante nas minhas barbas quando chegámos ao Brasil. No meio do sufoco de sobrevivência fui trabalhar numa fazenda, onde um dia ajudei, com um trator, a tirar uma vaca que... estava no brejo! De modo que sei um pouco do “assunto”. E em Angola outra vez.
A fazenda, dum sujeito que em tudo era o que se podia dizer um mau caráter. Um cafajeste. Só não andei aos tiros com ele porque não estava na minha mentalidade matar gente!
Eu era o administrador da fazenda e um dia ele voltou duma exposição de cavalos e disse-me que tinha comprado um exemplar por 50.000 (já nem sei que dinheiro era, mas lembro dos 50.000) e que ia ganhar um bom dinheiro em cima. Assim que a pessoa que tinha ido com ele apareceu, disse-me que não entendia por o “X” tinha comprado aquele pangaré por 5.000! Até a mim quis enganar para roubar o primeiro que aparecesse.
Depois que de lá saí o “X” conseguiu comprar um monte de políticos e anexar alguns milhares de hectares duma reserva do Estado.
Na política passam-se coisas semelhantes.
O denominado sapo-barbudo conseguiu fazer presidentA alguém que não tinha quaisquer habilitações, na esperança de reganhar o tacho ao fim de quatro anos. Não ganhou. O país é que ganhou duas figuras execrandas ambas a mandar, perdão a desmandar.
Credenciais da madama: a coitadinha que tinha sido presa pelos generais, depois de sequestrar pessoas, assaltar bancos e participar em assassinatos, foi nomeada presidente do conselho de administração da Petrobrás, a jóia da coroa do Brasil. Pois foi essa madama presidenta que, como presidente, assinou a compra da refinaria de Pasadena nos EUA, uma golpada de 2.000.000.000 – isso mesmo, dois bilhões – de Reais, por uma empresa que não valia nem 20% desse dinheiro.
Depois que se presidenteou conseguiu aumentar o tsunami político-econômico iniciado nos oito anos anteriores do seu mentor, fingindo, como o papaizinho e sempre chefe, que nada sabia, nada tinha visto, nem nada tinha ouvido, e melhor, que nada tinha surripiado aos cofres públicos.


Levou o país à pior fase de toda a sua história, mentindo, apresentando contas públicas falsas, levando o índice de desemprego no país, há anos estável à volta de 5%, a mais de 10,9%, com 6 milhões de trabalhadores a perderem, só neste último ano, os seus postos de trabalhos.
Arrogante, ignorante, com ideias de “estocar o vento” para gerar energia, dizendo que “a energia das hidrelétricas é de graça porque a água não se paga”, ou quando falava em programa de economia – coisa que ela nem sabe o que significa – dizia, com aquele ar de demência irreversível que “nós não temo meta, mas quando atingirmos a meta, duplicaremos a meta”!
Tinham que lhe pegar por qualquer das muitas razões, e foram as “pedaladas fiscais” – dinheiro emprestado no banco para distribuir por apaniguados, sem que fizesse constar nas contas anuais, que a apanharam.
A dita madama estava mais perdida que cego em tiroteio, financiando obras em Cuba, na Venezuela, Bolívia, etc., como o seu mentor a ensinou, e o país sem investimentos e com despesas acima das receitas. Hoje a dívida interna já passa dos 67,5% do PIB que continuará negativo, pelo menos até final de 2017 ou 18.
Podia o pais continuar nesta situação? JAMAIS.
A Constituição prevê que fraudar as contas públicas é crime. E quem comete crime tem que ser punido.
Surgiu o impeachment!
Ela, o papai, o PT, os afilhados e mamadores na res publica e os bolcheviques, começaram a gritar “É golpe”. Têm razão. No boxe, esgrima ou caratê vence quem aplica o melhor golpe. Neste caso venceu quem aplicou um golpe constitucional, referendado pela tristemente vergonhosa Câmara dos Deputados, e por um pouco menos vergonhoso Senado Federal, cabendo agora ao Supremo Tribunal Federal ditar o veredito final.
Entretanto os derrubados vão fazer o impossível para espalhar pelo mundo que houve um golpe contra a democracia. Coisa que o PT e essa corja não sabe do que se trata.
Preparam-se para fazer tudo quanto possam para atrapalhar e prejudicar o novo governo que, aliás já nasce com um tipo de microcefalia que se manifesta por admitir para cargos superiores indivíduos que têm às costas um monte de processos que correm (correm, não, estagnam) pelos tribunais e que têm mais telhados de vidro que antigas estufas de flores.
Não começa bem este novo governo, apesar de ter alguns nomes isentos. Deviam ser TODOS. Mas o senhor Temer, teme que se não agradar a gregos e troianos encontre maiores dificuldades em fazer algo positivo.
Não tem ele na mão a possibilidade, legal, de dissolver a Câmara dos deputedos, e convocar eleições para uns 90 dias depois, fazendo valer a Lei da Ficha Limpa?
E se a banditagem quiser pôr as unhas de fora, não tem ainda o poder de pedir a intervenção das Forças Armadas, não para ajudarem no governo, mas para evitarem a baderna?
Será que o sr. Temer tem coragem para isso, ou teme que lhe caiam em cima as investigações do Ministério Púbico sobre situações que o podem levar, também para a cadeia?
Vamos assistir, nestes próximos meses a muita reviravolta neste Brasil, meu Brasil brasileiro.
Até as Olimpíadas vão pagar por esta bagunça em que o país está.
O Deus, que diziam, era brasileiro... há anos já desistiu e foi embora.


15/05/2016

quarta-feira, 11 de maio de 2016



Era uma vez...
Cabo Verde - 1991


Ainda com a empresa espanhola de projetos – GEIPEX –uma ida a Cabo Verde.
Avião aterra no Sal, uma ilha com uns 27 km. de comprido e até de 10 no mais largo, altitude (?) máxima de cerca de 40 metros, onde se situa o aeroporto.
Sensação à chegada: deserto, céu e mar lindos, gente atenciosa, tudo plano, temperatura agradável. Pouco depois entrada no avião de hélice para nos levar à capital, cidade da Praia na ilha de Santiago, em menos de uma hora.
à minha espera um conhecido (ou colaborador) do Grupo Pão de Açúcar, cujo nome já ficou para trás da memória, mas que todo o tempo foi de uma inexcedível gentileza e a quem até hoje recordo com gratidão e simpatia.
Uma rápida volta pela cidade, incluindo a passagem frente à estátua de Serpa Pinto, o grande oficial português que governou Cabo Verde entre 1894 e 1897, o que me deixou agradavelmente surpreso, e depois um descanso no hotel, simpático, numa localização magnífica e que creio será hoje o Hotel Praia Mar.
No dia seguinte começou com uma visita ao mercado, um espetáculo de animação e colorido, sempre rostos com sorrisos cativantes, e depois uma rápida volta pelo interior, quase todo seco, vermelho que verdece rapidamente com qualquer chuvinha que caia, o que é raro, e marcação de entrevista com o Ministro da Agricultura.
Aproveitámos ainda o tempo para ir ver a Cidade Velha, o primeiro estabelecimento dos portugueses quando se instalaram na ilha. Ainda lá está um lindo pelourinho e as ruinas da antiga catedral. Mas como tudo, ou quase, em Cabo Verde são lugares em que apetece ficar a viver!
Aquele mar...


A conversa com o ministro não levou a lugar algum no que respeita a projetos de desenvolvimento. O grande problema de quase todas as ilhas de Cabo Verde é a falta de água, de chuva. Cai, por vezes em dois ou três dias o que deveria cair em um mês ou mais, e lá vai ela correndo encosta abaixo lavando e erosionando tudo à sua passagem. Alguns, raros vales, retém um pouco dessa preciosa água, e assim o grande problema seria poder-se represar essa água. Onde? Difícil, e além disso o índice de evaporação naquele clima quente e seco é altíssimo. O ideal seria poder armazená-la em túneis dentro das montanhas, mas como o ótimo é inimigo do bom, o custo tornaria a obra impensável.
Nessa época Cabo Verde vivia muito de remessas de imigrantes sobretudo dos EUA e da Europa. Uma boa fonte de divisas.
Uma das coisas que disse ao ministro foi que deviam lamentar terem-se tornado independes, pior, junto com a Guiné, porque poderiam ter optado pelo mesmo estatuto do Açores e desse modo estariam integrados na UE.
Fez um ar espantado! E insisti:
- O que Cabo Verde tem a ver com África?
- Essa agora! Nós somos africanos! (O ministro era de pele escura)
- Do mesmo modo que há africanos em Portugal, na Europa e nos EUA. O que Cabo Verde tem a ver por exemplo, com a Guiné?
- Somos o mesmo povo!
- Sr. Ministro, o mesmo povo? Aqui tem gente loura, de olhos azuis, a maioria é mestiçada, com tons de pele do mais claro ao mais escuro e alguns africanos. E a Guiné?
- !!!!
- E quantas etnias há em Cavo Verde?
- Etnias?
- Sim. Porque na Guiné são dezenas, e aqui, que eu saiba são todos caboverdeanos!
- Quantos dialetos há na Guiné?
- Isso é verdade. Muitos.
- Dezenas, e muitos não se entendem entre si. E aqui? Fala-se o português e o crioulo, e todos se entendem perfeitamente. Em Portugal um alentejano também tem dificuldades em falar com um ilhéu dos Açores, mas são todos o mesmo povo.
- E para terminar: religiões, quantas há na Guiné? Cristãos, muçulmanos na maioria, e animistas de vária ordem. E aqui? Cristãos e possivelmente alguns pagãos. Agora diga-me o que Cabo Verde tem a ver com a Guiné, com África? Está perto?
O ministro deu-se por vencido e deve ter ficado a matutar que teria sido melhor terem ficado como os Açores. Agora era tarde.
Negócio, projetos do governo, nada!
Pouco ou nada tendo para fazer, depois de falar com mais um ou dois membros do governo, soube que havia um campo de golf. O meu “cicerone”, amável, conhecia um dos sócios que se prontificou a autorizar-me a ir jogar um pouco e emprestar-me os tacos. Perto da Praia, uns pouco minutos.
Campo de golf... num semideserto, os “fairway” secos, de terra muito batida, gente a atravessar por todo o lado ao ponto de eu ver um bola que acabara de jogar voar em direção a uma mulher que levava uma bilha de água na cabeça! Passou-lhe a escassos centímetros atrás da cabeça e, ou ela não deu por isso ou já estava habituada. Eu é que levei um susto!
Mas foi uma novidade. Já tinha jogado golf (sempre mal, claro) em campos verdes com “greens” verdinhos, em Portugal, campos castanhos e “greens” castanhos em Luanda, e agora estava ali a jogar em campos amarelados e greens pretos! Os “greens” eram de terra vulcânica, completamente preta e a bola ali não corria. Cheguei algumas vezes bem perto do buraco, mas fazer a bola andar mais um metro ou dois foi um sufoco! De qualquer modo guardo um palmarés que deve ser raro: joguei em campos de greens verdes, castanhos e pretos!
Sexta feira, para despedida o meu guia, junto com a mulher, levou-me a visitar o famigerado Tarrafal, onde a PIDE “guardou” durante anos sem fim inúmeros opositores ao regime salazarista e colonialista.
Está lá até hoje, mas é triste ver e pensar na estupidez das ditaduras.
Almoçámos, muito bem, num restaurante ali junto à praia, e como o meu amigo tinha sempre feito questão de não me deixar pagar nada, antes de terminarmos a refeição fui falar com o dono e dei-lhe logo o dinheiro da despesa. O que fui fazer! Meu Deus! O casal ficou ofendidíssimo, levou-me de volta ao hotel e não me quis ver mais. Achou que eu lhe tinha feito uma grave ofensa!
O voo de Regresso a Lisboa seria só domingo à tarde, e nada mais havendo a fazer na Praia, decidi passar o último dia, sábado, na ilha do Sal, num hotel magnifico, o Morabeza, na praia de Santa Maria, mesmo na ponta sul da Ilha.
Cheguei ao fim da tarde de sexta feira e... não havia quartos! Mas o gerente lá se mexeu e acabou por encontrar um bangalô. Era assim o hotel: Uma área “social”, com restaurante e bar, outro restaurante na praia, no meio da areia, e depois uma porção de bangalôs independentes pela paria fora. Uma maravilha.
Temperatura ideal, ventinho agradável durante a noite (não havia ar condicionado!), uma praia sem fim, águas a 24-25°, enfim um paraíso. Os hóspedes quase todos belgas. Toda a semana chegava um avião de Bruxelas e trocava os turistas! Aliás o hotel era ou tinha sido de um casal belga.
Quando ele se aposentou comprou um rebocador de alto mar, adaptou-o para nele viver com a mulher e correr mundo, mas quando chegou àquela praia, no Sal, não saiu mais. Construiu uma casa grande e vivia a convidar amigos para lá irem passar férias.
A SAA – South African Airways – ainda no tempo do apartheid não estava autorizada a sobrevoar os países já independentes, tendo que contornar o continente africano, e com esse desvio os aviões não tinham autonomia para chegar à Europa. Encontraram uma solução ideal: propuseram ao tal belga que construísse mais uns quantos quartos que a SAA lhes garantiria a ocupação deixando sempre lá uma tripulação para revezar outra. Assim, parece, terá nascido aquele esplêndido hotel.
Os hóspedes, enquanto lá estive (dormi duas noites!) não se preocupavam muito com pudor. Vi pelo menos duas hóspedas ( que pareciam de muito belo aspeto físico) trocando de roupa, com a porta para a praia toda aberta... para ventilar. A vista era imperdível. Vista para o mar, enquanto elas ventilavam tudo com perfeição!
Quando chegou a altura da partida, não consegui pagar a conta: não lhes interessavam cheques nem tinham cartão de crédito. Não houve problema: deram-me a fatura e indicaram-me quem devia contatar e pagar em Lisboa. O que eu fiz, o que é que pensam?
Mais umas palavrinhas sobre Cabo Verde: naquela altura vida barata e a minha comida com uma ou outra exceção foi camarão e lagosta. Todo o tempo. E vinho. Português. Óbvio.
Gostaria de lá voltar, mas vou ter que deixar os sonhos tomarem conta dessa outra viagem.


09/05/2016

domingo, 8 de maio de 2016



Como usas o teu tempo?

Dois ligeiros poemetos com verdades grandes. Pesadas. Que devem ser lidos, relidos, meditados.
Sempre que se recorda um amigo, um misto de amargura e sorriso d’alma nos aflora ao coração e à cabeça.
Estes dois poemetos, grandes no valor e nas mensagens, durante muitos anos foram-me sendo dados por um amigo que sempre considerei como um irmão mais velho, a quem chamava de meu “diretor espiritual”.
Já nos deixou, e no instante em que escrevo isto deve ele estar a sorrir, com aquele ar de grande paz, que transmitia, sobretudo de grande, simples, humilde, amigo. A sua simplicidade era uma das marcas da sua grandeza.
Chamou-se, enquanto por entre nós andou, António Oliveira Lima. Deixou uma família linda, e uma imensa porção de amigos que além de o estimarem muito ainda o admiram.
Um grande exemplo, o meu querido “diretor espiritual”.

ARRANJA TEMPO

Arranja tempo para pensar
É a fonte de todo o poder.
Arranja tempo para brincar
É o segredo da eterna juventude.
Arranja tempo para ler
É a fonte da sabedoria.
Arranja tempo para rezar
É o maior poder do mundo.
Arranja tempo para amar e ser amado
É um privilégio de Deus.
Arranja tempo para ser amigo
É o caminho para a felicidade.
Arranja tempo para rir
É a música da alma.
Arranja tempo para dar
O dia é muito curto para ser egoísta.
Arranja tempo para trabalhar
É o preço do sucesso.
Arranja tempo para a caridade
É a chave para o paraíso.

*    *    *

“Deus nos pede do tempo estreita conta!
E é forçoso dar conta a Deus do tempo!
Mas como dar, do tempo, tanta conta,
Se se perde, sem conta, tanto tempo?!

Para fazer, a tempo, a minha conta,
Dado me foi, por conta, muito tempo,
Mas não cuidei no tempo e foi-se a conta…
Eis-me agora sem conta…eis-me sem tempo…

Ó vós, que tendes tempo e tendes conta,
Não o gasteis sem conta em passatempo,
Cuidai, enquanto é tempo, em terdes conta.

Ah! se quem isto conta do seu tempo
Houvesse feito a tempo, preço e conta,
Não choraria sem conta o não ter tempo.”

Frei Castelo Branco, Séc. XVIII

“O tempo é a mais preciosa coisa da vida” – João de Barros


08/05/2016

terça-feira, 3 de maio de 2016



Era uma vez...
Moçambique 1991


A paz chegou, finalmente, a Moçambique em 1992, mas com tréguas em 1991, para as negociações que se finalizaram em Roma..
Nesse ano trabalhei para uma empresa espanhola de projetos – GEIPEX – a serem financiados por organismos internacionais, como o FMI, Banco Mundial, CEE, etc., e a área de que me encarregaram foi, além da agrícola em geral, a das antigas colónias: Cabo Verde, Guiné, Angola e Moçambique.
Hoje relembrando a “aventura” moçambicana.
O caos. Desorganização total, fome por todo o país, escassez de géneros mesmo para os mais favorecidos, o Hotel Polana, aquela maravilha, comprada havia pouco por sul-africanos estava em começo de reforma, somente dois ou três quartos com ar condicionado que pareciam ter dentro um motor diesel de 200 HP, ao lado um quarteirão inteiro cheio de luxo, sob pesada guarda onde o presidente vivia num paraíso terreal, e ainda estava em vigorar a “lei” dos primeiros tempos da independência, proibindo a prostituição. Como se isso fosse possível em qualquer parte de mundo!
Mas a fome é mais forte do que as leis, e as simpáticas, e algumas bonitas, meninas rondavam as portas dos hotéis onde se hospedavam sobretudo visitantes estrangeiros, os únicos, além dos políticos, que dispunham de algum dinheiro.
Durante o dia ofereciam-se, “amáveis”, humildes, a quem chegava ou saía do hotel, perguntando “não queres uma amiga”?
Os “amigos” recusavam a quase totalidade dessas simpáticas investidas.
Na primeira noite que ali passei, um dia de excepcional calor de 40°, um quarto sem ar condicionado, janelas abertas sem preocupações com eventuais mosquitos, porta aberta para também o corredor, suando, só de cueca em cima do lençol, carteira com o dinheiro por baixo da almofada (todos por ali roubavam o que podiam), por volta da 1 ou 2 horas da madrugada ouviu-se grade azáfama pelo hotel.
Alguns hóspedes chegaram a pensar que tinha havido ou incêndio, ou algum acidente na obra. Nada disso.
As ditas meninas que não alcançavam o almejado sucesso durante o dia decidiram invadir o hotel, ir bater nas portas dos quartos dos hóspedes a oferecer mais objetivamente as suas amabilidades e conhecimentos! O pessoal do hotel não as conseguiu conter e teve que chamar a polícia!
A “farra” durou quase uma hora e por fim, as beldades tiveram, uma vez mais, que bater em retirada.
Não! Não chegaram ao primeiro andar onde eu estava! De manhã o comentário era geral e os hóspedes aplaudiram a determinação das pobres garotas, que, uma vez mais parece não terem conseguido alcançar os seus (delas) propósitos.
O propósito da minha visita ao país era ver com as autoridades locais o que poderiam precisar, sobretudo no campo da agricultura, mas ninguém sabia nada, ninguém jamais havia pensado em coisa alguma, e era o mesmo do que falar com uma parece ou um bloco de pedra.
Pensei então, face à penúria de alimentos que, com água que em Maputo não falta, se poderia propor a criação de uma cintura verde para produção de legumes e frutas e, o mais importante, uma agricultura não de empresas, mas de trabalhadores e suas famílias.
Ministério da agricultura nem sei se havia naquele ano, porque não consegui nem descobrir, nem falar com alguém. Fui então à Faculdade de Agronomia ver se encontrava na biblioteca algum estudo sobre as terras onde pensava deveria ser instalada a tal “cintura”.
Talvez tivesse ao todo uns cem livros! Tudo o que lá terá havido anteriormente... havido sumido. Entre os inúteis remanescentes, um estudo, notem bem, um estudo feito por cientistas suecos, pagos em Euros, e muitos, pela CEE, que em três largos volumes descreviam as características dum inseto... desconhecido. Utilíssimo para quem precisa comer, que se pudesse, comeria até o tal inseto.
Uma vergonha e uma tristeza. E revolta!
Enfim não conseguia fazer nada de útil.
Um dia decidi ir almoçar ao velho e magnífico restaurante da Costa do Sol, a funcionar, creio que com os mesmos e primitivos donos, pouquíssima gente, mas a mesma maravilha de frutos do mar que eu ainda lembrava de dúzia e meia de anos atrás! Hoje é um lugar super concorrido. Sempre cheio.

O restaurante está a uns 8 ou 9 quilómetros do centro da capital, e a estrada para lá vai circundando mar e praias. Naquele ano, poucas casas ainda, um caminho semidesértico. Logo à saída da cidade encontro, caminhando, solitário, um soldado da Frelimo.
“Quer uma carona (boleia)?”
Espantado aceitou logo, e fomos conversando. Ganhava, como soldado, uns 20 dólares por mês, mas não lhe pagavam há mais de três meses. Então decidiu, de seu próprio risco, ir para sua casa que ficava um pouco além da Costa do Sol. Levei-o até onde o caminho dava passagem ao carro. Depois dei-lhe uma quantos meticais (não recordo quanto, mas talvez o equivalente a um mês de salário... de miséria) o que o deixou comovido. Juntaram-se à volta do carro talvez uma dúzia, ou mais, de moradores daquele local, sobretudo crianças, mulheres e poucos homens que muito agradeceram.
Dali fui almoçar e quem estava comovido, e furioso, era eu!
Naquela avenida que vai para o Club Marítimo e segue depois para a Costa do Sol, havia desde o tempo colonial, umas pequenas construções, tipo quiosques, onde foi uma casa de chá e era agora – 1991 – um pequeno restaurante, onde fui jantar (marisco, claro) na véspera de ir embora.
Só uma mesa ocupada com dois casais russos, cada indivíduo pesado umas 6 a 8 arrobas, bem pesados, que bebiam cerveja, riam, falavam alto, enfim, umas bestas.
Sentei o mais longe que consegui – talvez dois ou três metros – encomendei os camarões e cerveja e fui-me deliciando com o petisco e o belo clima que fazia – os 40° do dia da chegada no dia seguinte estavam já em 25 – mas incomodado com o rosnar daqueles animais que lembravam os caminhões pesados da antiga URSS, e que entretanto pediram a conta. Gorilas, machos e fêmeas, todos em conjunto analisavam a despesa e discutiam. Chamaram o empregado, um humilde e pobre moçambicano e descompunham o desgraçado porque teria posto algumas cervejas a mais na conta, o que era mentira.
Veio o patrão, outro moçambicano, os russos devem ter-lhes chamado alguns palavrões, tipo filho de stalin ou do putin, e decidiram reduzir o valor da nota e nem um centavo de gorjeta deram ao rapaz, que ficou com um ar de tristeza incrível. Pelo insulto, desprezo demonstrado e falta dum dinheirinho.
Eram os russos que estavam, felizmente por pouco tempo mais, a dar ordens em Moçambique e, bestas mal educadas, tinham um profundo desprezo pelos nativos.
Revoltado, mas sem “exército” para dar um monte de porrada naqueles monstros, limitei-me a dizer ao rapaz que esquecesse, o que era difícil.
Por fim a minha despesa era ridícula, já que os meticais estavam desvalorizadíssimos, de modo que não era, nem foi, generosidade alguma dar uma boa porção de notas ao infeliz que se curvava para me agradecer. Para que não se humilhasse mais, à saída dei-lhe um abraço.
Voltei para o Hotel com vontade de me juntar ao exército nazi que invadiu a Rússia!
Nessa última noite tive ar condicionado no quarto, um dos dois únicos com esse “conforto”: parecia ter no quarto um dos tais caminhões diesel, e mal preguei olho!
Negócios com Moçambique: zero.
Comprei umas pequenas peças de artesanato, meia dúzia de capulanas, e à saída, no aeroporto, uma fiscal (ou fiscala?)  decidiu embirar com aquele “contrabando”! Discussão brava porque eu não aceitei que me fizessem pagar taxas pelo que levava. Uma estupidez! Moçambique nada tinha para vender a não ser aquelas misérias, e com isso implicavam com os visitantes.
Chamei o chefe, disse-lhe que podia perder o voo mas que iria dali queixar-me ao ministério (já nem sei do que), que ao ver-me com ar determinado e imaginando que eu conheceria alguém importante, lá condescendeu em que levasse aquilo tudo. O tudo que não era quase nada.
Só voltei a Moçambique vinte anos mais tarde, mas dessa vez como voluntário para dar uma ajuda, pequena, à Casa do Gaiato.
Nos próximos textos: viagens com o mesmo fim a outras ex-colónias!

24/04/2016