terça-feira, 29 de março de 2016


A Zika e a Grande Zica

Zika é um vírus, e como tal, mais um desconhecido das ciências médicas, aqui, em toda a parte e até na Moita.
Zica é uma gíria brasileira que significa algo ruim, uma confusão, um desentendimento ou um problema. A expressão tem diversos outros significados, de acordo com a região do Brasil em que é empregada.
Zica significa, na gíria, uma maldição, um momento de baixo astral, pode ser também um mau presságio, um mau agouro. Quando uma pessoa é enrolada ou azarada, costuma-se dizer que é uma "zicada ".
Saiu à rua, complicou-se, não encontrou o que queria, apanhou chuva, entrou num engarrafamento, quebrou os óculos, chegou a casa e faltou a luz, etc., “foi uma grande zica”!
Agora por aqui estamos com duas “zicas”, esta do azar, e a do vírus “Zika”.
Nesta família três já foram zikados – eu entre eles – e devo dizer que, se não parece grave, é chato p’ra caramba! Corpo todo empipocado, comichão a ter que amarrar as mãos para não coçar, depois quando se pensa que está a passar vem a “sessão” das dores no corpo, relativamente suportadas, e ao fim de uns oito dias – dizem – o vírus que nos zicou, ele mesmo se zica!
E assim estarão, no país, largos milhares de pessoas. Felizmente nem eu nem dois filhos zicados estamos grávidos! E depois também alimentamos a esperança que estes “8 dias” passem rapidinho. Apanhámos na Semana Santa... mas houve quem passasse muito pior nesta Santa semana! Aguentemos.
Mas a grande, GRANDE ZICA, a super zica, não está com cara de passar numa semana, nem em muitos meses.
Num país que tinha menos de 5% de desemprego está com 9,6%, o que corresponde a mais de 9.500.000 de desempregados, sem esperança de voltar a trabalhar enquanto a GRANDE ZICA não se resolver.
Onde o governo do Estado do Rio de Janeiro tem uma despesa com funcionários que atinge 110% das receitas.
Onde a dívida da SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados) para com as duas empresas que fazem a segurança cibernética se acumula desde... desde... chega a R$ 225 milhões! IBM, Oracle, e pelo menos mais 70 fornecedores, coloca em risco o ataque de hackers e até a paralisação do sistema!
Onde os homicídios dolosos, em 2015, bateram o record: 59.000 em todo o país! E ainda falam da Síria, Iraque, Sudão, etc. Se o Atlântico não fosse tão largo já estaríamos a desembarcar no Algarve!
Aqui há uns anos inventaram o dia de Zumbi, um “herói” de quem muito já escrevi, que morreu de pelo menos três maneiras de acordo com a lenda – porque tudo é lenda; pois agora a assembleia legislativa do Rio de Janeiro inventou outra lenda: a mulher do Zumbi!!!  Não bastava uma lenda, vem mais outra, e desta vez com saber agridoce: a “esposa” do Zumbi (se existiu como parece, chefe dum quilombo deveria ter, no barato, meia dúzia de “amantíssimas esposas” - ter-se-á chamado Dandada, o que não consta em literalmente nenhum documento histórico, foi também uma heroína: combateu em 1694, ferozmente, ao lado do amado esposo contra o governo pernambucano. O que mais gosto é do requinte da data! Só não se sabe em que dia da semana e qual horário!
Uma deslavadíssima MENTIRA, para inventarem mais um feriado, e procurarem mais uns votitos: “O dia da mulher negra”.
É assim que o Brasil vai vivendo as suas zicas, um feriado disto, outro daquilo, mas educação, saúde, segurança, economia, desenvolvimento, tudo isso é de somenos importância.
Chegamos finalmente à apoteose ZICANTE: a vergonha que vai pelo país, todos parecendo apavorados com o impeachment da madama e, o mais catastrófico, o regresso do sapo barbudo ao abrigo dum ministério.
Se o cara, por azar dos azares, lá chegar, a zica vai ser braba. O mais esperto, hábil e corrupto presidente que o país já teve, com centenas de milhares de seguidores que querem continuar a mamar na teta da res publica, vão lutar com todo os meios ao seu alcance para derrubarem a Lava-Jato, cilindrar o Judiciário e perpetuarem-se no chafurdar da corrupção.
Quem soube “prever” o que o “cefalópode” irá fazer como ministro, se... for, foi o jornalista e escritor que escreveu em “O Globo”:

CARLOS EDUARDO NOVAES

Quer dizer então que o ex-presidente Lu­la quer voltar de mala e cuia ao Planalto para ser o novo chefe da Casa Civil da sua ex-chefe da Casa Civil, agora Presidente. Em tese, apenas uma troca de posições ainda que - se suspeita - o ex-presidente volte para ser o presidente enquanto a presidente se­rá a chefe da Casa Civil de sua própria Presidên­cia.
São muitas as atribuições do chefe da Casa Ci­vil - li no site oficial -, mas me parece que Lula está se lixando para elas. Ele tem muitas outras tarefas a cumprir. Listo algumas abaixo:  
1- Fazer articulações políticas com 300 picaretas (ou seus parentes e sucessores) que, se­gundo ele, povoavam o Congresso Nacional em 1993;                                   
2 - correr atrás de 171 votos na Câmara dos Deputados para evitar que o impeachment de Dilma siga para o Senado;  
3 - conseguir que 41 senadores (metade mais um) votem contra o impeachment para evitar que o processo siga para o STF;
4 - telefonar para alguns ministros do STF lembrando que foi ele. Lula, quem os indicou para a mais alta corte do país;
5 - ajudar a Justiça a enfiar os processos no... vocês sabem onde;                        
6 - convencer o novo ministro da Justiça, Eugénio Aragão, a substituir a chefia da Polícia Fe­deral;   
7 - procurar um meio de retirar a Operação Lava-Jato das mãos do juiz Sérgio Moro;
8 - provar que o Supremo é uma corte acovardada, como já declarou em alto e bom som;
9 - estudar um meio de acabar com a Operação Lava-Jato;
10 - tirar uma foto (sorrindo) com o japonês da Federal;
11 - se declarar vítima da imprensa, da opo­sição, do Judiciário, da Polícia Federal, do Mi­nistério Público e do Delcídio Amaral;
12 - visitar seu amigão Marcelo Odebrecht na cadeia e anunciar sua inocência;
13 - trocar o procurador-geral da República;
14 - mostrar à opinião púbica que o PT não tem nada a ver com a corrupção que inundou a Petrobras e outras estatais;
15 - vociferar contra o Ministério Público e acusar seus procuradores de não entenderem nada do que está se passando no país;
16 -juntar os cacos do seu partido;
l7 - exigir de Dilma a revogação da Lei 12.850 de 2013, que trata da delação premiada;
18 -forçar o ministro da Fazenda e o presi­dente do Banco Central (que Dilma disse "esta­rem mais dentro do Governo do que nunca") a pedirem demissão;     
19 -jogar para o alto todas às medidas propostas por Dilma que tiram votos (reforma da Previdência, entre elas) e abrir o cofre das reservas internacionais (US$ 372 bi);            
20 - ordenar a Dilma que não diga nada, não faça nada sem lhe consultar antes;
21 - proibir no Planalto fofocas e comentári­os sobre o tríplex e o sítio (incluindo pedalinhos);
22 - jurar de pés juntos que as milionárias doações para as campanhas do PT (e aliados) de 2010 e 2014 foram feitas dentro da lei;
23 - transferir as investigações da PF para, digamos, o Corpo de Bombeiros;
24 - salvar a própria pele.
OBS: Sugiro aos leitores que recortem esta lis­ta, preguem-na na parede e vão ticando nas ta­refas à medida que forem cumpridas.
Carlos Eduardo Novaes é escritor

Como estão a ver o Brasil está todo zicado, e esta GRANDE ZICA ainda vai continuar a destruir o que existe, até que se consiga cortar a cabeça da hidra, i. é, da... jararaca!

25/03/2016

P.S.- 28/ Março: os familiares zicados estão quase deszicados. Da mais benigna, é evidente.


sábado, 26 de março de 2016



Mandaram-me hoje este texto, de autor desconhecido, que achei uma beleza, uma profunda e sempre oportuna meditação e, por todas as razões, sobretudo por ser Páscoa, não posso deixar de o mandar a todos. Recomendo que o leiam, pelo menos, duas vezes.

Desejo ardentemente 
passar esta Páscoa contigo…”
Quando cheguei percebi que aquele jantar iria ser muito especial. A sala era toda de pedra e o tecto uma beleza, com arcos e ogivas, e as colunas que os suportavam espalhavam-se pela sala deixando um espaço central para a mesa, enorme, que estava posta de uma maneira muito simples. As paredes estavam pintadas de cor-de-rosa velho realçando ainda mais a beleza da pedra antiga. Numa das paredes estava acesa uma lareira enorme e ouvia-se o barulhar da lenha, o que fazia um ambiente muito acolhedor.
Todos os que estávamos ali tínhamos recebido o mesmo estranho convite: “Desejo ardentemente que venhas cear comigo nesta Páscoa”. Eu olhava à roda a ver quem poderia ter sido o da ideia mas percebi que todos tinham a mesma curiosidade.
A certa altura entrou na sala um homem que começou a cumprimentar cada um de uma maneira muito calorosa. Dizia qualquer coisa enquanto nos abraçava, sem pressas e com uma imensa ternura. Quem seria ele?
Chegou a minha vez. Avançou para mim com os braços muito abertos e um sorriso de uma bondade tal que senti o coração estremecer. Instintivamente estendi também os braços e deixei-me envolver naquele abraço eterno, apertando-o contra mim com toda a força de que fui capaz. Quando me largou, olhou-me intensamente e disse-me numa voz imensamente suave: “Não imaginas como desejei que viesses! Que bom teres aceitado o convite. A tua presença enche o meu coração de uma enorme alegria. És um filho muito amado. Senta-te aqui”. E arrastando um banco, mostrou-me o meu lugar. Sentia-me muito comovido, era aconchegante tudo o que ali se passava, as pessoas estavam agora com um olhar lavado e alegre, era uma alegria que vinha de dentro, como se todos os corações estivessem chapados nas nossas caras.
Começámos a comer e a conversar alegremente, o anfitrião estava num lugar central, mas era como se estivesse ao meu lado, ao lado de cada um. Falava pouco mas estava atento a todos e à conversa. A certa altura disse como se fosse a coisa mais natural do mundo – “Hoje alguém me vai trair!”. Foi uma bomba, e fez-se silêncio – quem poderia trair esta pessoa que tão bem nos recebia, que nos tinha abraçado com tanto amor, junto de quem nos sentíamos tão profundamente queridos? Alguém perguntou quase num sussurro: “Quem?”. E o anfitrião respondeu: “aquele”.
Nessa altura senti uma coisa muito estranha que mais tarde soube que todos sentiram também. Era para mim que ele olhava, era para cada um de nós que ele olhava pessoalmente. E era um olhar tão fundo que vi - num relâmpago - toda a minha história: de miséria, de negação, de infidelidade, de mentira, de orgulho, de vaidade, de injustiça, de maledicência... e era espantoso porque todas as pessoas a quem eu tinha feito mal, de quem tinha pensado mal, a quem magoei, tinham todas SEMPRE a cara do anfitrião. Voltei a olhar para ele e reparei que me olhava com uma bondade e uma doçura que me trespassaram.
Havia um silêncio muito violento na sala que só se quebrou quando ele se levantou, pegou numa toalha e numa bacia e veio lavar os pés de cada um. Um burburinho cortou então aquele silêncio pesado. A minha primeira reacção foi dizer: “Não! Não Senhor... como posso deixar que me laves os pés?” Mas ele de joelhos, totalmente despojado, olhava-me humildemente como se aquilo fosse para ele a coisa mais importante do mundo: “Deixas? Posso? Por favor!” E voltei a ver o mesmo filme de há pouco: todas as vezes em que O ofendi, e troquei, e julguei, e esqueci, e fingi... em cada pessoa a quem o fiz... “Achas que não tens nada para lavar?” Deixei-me então lavar... perdoar... amar. A todos ele lavou os pés com um carinho incrível, e no fim, disse-nos com autoridade: “Assim como vos fiz, façam também vocês uns aos outros”.
Vim a pé para casa, devagar e pensativo. Precisava de arejar, tinha o coração aos saltos. Até que “VI”! Vi que aquele era O Senhor que eu procurava há tanto tempo, O Senhor a Quem queria amar e seguir... “O SENHOR” da minha vida. E percebi também que não Lhe interessa ser amado se O separar do meu irmão, daquele familiar, daquele amigo, daquele que me fez mal, daquele de quem não gosto, mas que é em cada um deles que Ele quer ser reconhecido e querido.
Disseram-me depois que no fim daquele jantar o tinham morto, mas não é verdade porque passados 3 dias voltei a encontrá-lO. Ía eu pela rua, e ao passar por um beco vi-O: estava deitado a dormir despido e cheio de chagas em cima de um cartão. E voltei a vê-lO quando fui a um lar de velhinhos, estava num canto só e triste. E vi-O também na televisão, num país de África, parecia cheio de fome, muito magro e com uma barriga enorme, e vi-O ainda num irmão desprezado e caluniado... Não morreu nada! ESTÁ VIVO! Vejo-O muitas vezes. Sempre que O vejo Ele volta a dizer-me ao ouvido: “Assim como te fiz, faz tu também aos outros...”


Sábado de Aleluia, 2016. 26 de Março

segunda-feira, 21 de março de 2016



Confúcio – Mestre Kong – Kong-fuzi - 孔子

Confúcio na Semana Santa? Porque não?

Nasceu há mais de 2.500 anos. Foi Grande Mestre, teve inúmeros seguidores que o veneravam e obedeciam, e cuidadosamente transmitiram seus ensinamentos, quase considerado um santo, foi perseguido, escreverem-se livros atacando o seu pensamento, dois mil anos mais tarde renegado, um “quase inimigo” do povo, novamente reabilitado, enfim um Grande Mestre cuja filosofia de vida até hoje se discute, mas a quem jamais se pode chamar de fraco ou “inimigo” a não ser da mentira.
Renegado e amaldiçoado pelos que não conseguem ou querem ser “homens”!
A base dos seus ensinamentos estava alicerçada no “homem de bem”, na “humanidade” que em chinês se expressa por ren.


Curioso, eu, como tudo que envolve a escrita chinesa, é um ideograma que transmite a ideia de ren, composto de dois elementos: homem ou pessoa e três .
Não significa uma ideia abstrata, mas o bem que um homem pode fazer a quem está à sua volta. Virtude de humanidade tão rara que Confúcio chega a pensar que ninguém é digno de tal classificação, exceto em lendas.
E disto tira algumas lições: “O que queres que te façam, não faças aos outros”, o mesmo princípio do Antigo Testamento. Em outras das suas abordagens: “Praticar o ren é começar por si mesmo: querer elevar os outros tanto quanto queremos nos elevar a nós próprios, e desejar o seu êxito, quanto desejamos o nosso. Acolhe em ti o que podes fazer pelos outros, eis o que te porá no caminho do ren!” Ou ainda quando lhe perguntaram o que era o ren ele responde secamente: “É amar os homens!”
Nas virtudes de ren entram igualmente duas virtudes de honestidade, zhong : composta de coração, , e de meio ,que são a lealdade para consigo próprio e em particular pelo seu soberano; e xin, composto de homem e palavra ; a fidelidade à palavra dada, que torna um homem digno de confiança. A antiga garantia da palavra que era dada por um fio da barba.
Mas não se fica por aí. O homem de bem deve possuir duas qualidades sem as quais não poderá assumir responsabilidades políticas: discernimento  zhi, e coragem  , yong. Sem discernimento ele não pode tomar decisões judiciosas, nem sondar o caráter dos homens para escolher os seus auxiliares. Quanto à coragem, uma arma de dois gumes que ainda que necessária, deve ser temperada com outras virtudes.
Muitas mais citações, ou lições, ou conselhos do Grande Mestre poderiam continuar neste pequeno texto. Mas tudo isto vem a propósito dos gravíssimos momentos que estamos a atravessar, com particular incidência sobre a autêntica “esculhambação” política que o Brasil está a exibir perante si próprio e o mundo.
Pior é que está a destruir o pouco de orgulho que muitos brasileiros ainda tinham, e alguns têm, pelo seu país, pela bandeira verde/amarela, envergonhando-os face aos acontecimentos dos últimos tempos.
Finalmente a justiça brasileira sai da covardia e do buraco em viveu tanto tempo escondida e amedrontada, e assume a sua postura de independência, com alguns juízes e promotores a fazerem o seu trabalho sem se preocuparem com quem está no banco dos réus. Regressa o orgulho de ser brasileiro.
Isso é o que está a animar o povo: FINALMENTE, os “colarinhos brancos”, os corruptos e corruptores vão acabar na cadeia, sejam eles quem forem.
Os bandidos – lula, sovietes, baderneiros e comprados – como foi na ocasião noticiado, ameaçaram até com guerra. Mas o Comando Militar fez um sóbrio e claro aviso: “Os Serviços de Inteligência Militar, mesmo depois que acabou a ditadura, nunca foram desmontados, e continuam a funcionar perfeitamente. As Forças Armadas não vão interferir nos processos políticos. A sua missão, além da defesa do país contra eventuais inimigos é garantir a Constituição, e se necessário, a ordem interna. Se uma ou outra estiverem ameaçadas... nós continuamos de prontidão.”
Foi claro o recado! Os famosos 250.000 homens que o soviete que preside o MST diz que pode pôr armados em pé de guerra em 24 horas, se o “cara” se armar em che guevarinha, vai apanhar na cabeça, ou, o que é mais provável, fugir, rapidinho, talvez para Pyongyang junto do king kong III e seu cabelinho de ***. Cuba começa a entrar em nova fase!
Imaginemos o que seria se fossem dizer ao Mestre Confúcio aquilo que se passa no Brasil, em Portugal, Espanha, Síria, Iraque, Estados Unidos, etc. A única coisa que ele poderia dizer seria, ao comentar o que lhe contassem, que não fossem mentirosos!
Tais desgovernos não são coisa de homens, jamais de homens de bem. Diria a esses mensageiros:
“Ver e ouvir os maus é já um começar de maldades.
Uma grande pobreza de ações encontra-se muitas vezes na opulência das palavras.
Os homens sem virtude somente encontram nas riquezas meios para satisfazer seus vícios.”
Perguntaram-lhe: “Mestre! O que é um homem de bem? Responde: “É aquele que não aconselha o que se deve fazer enquanto não fez aquilo que prega.”
Em muitos milhares de anos tantos Mestres nos mostraram o Caminho, o certo, e o homem, besta-fera, teima em seguir os caminhos errados.
“O homem de bem acarinha a virtude, o homem medíocre os bens materiais. O homem de bem tem em si o sentido da lei, o homem medíocre só pensa em privilégios. ”
Quanta gente, em altos postos, se encaixa na mediocridade?
Quando o Sol começar a arrefecer... daqui a mais uns bilhões de anos, pode ser que melhore!
Entretanto o valor do homem Confúcio... é imortal.


19/02/2016

terça-feira, 15 de março de 2016




Da China...


Que a China tem uma cultura milenar, ninguém sabe de quantos milénios, é verdade e não se discute.
Para nós, incultos ocidentais, orgulhosos ou soberbos da herança greco-romana, que impusemos os grilhões em todo o canto do mundo, um dia temos que despertar para a imensa cultura de outros povos, mesmo aqueles que durante séculos não nos mereceram mais que desprezo.
Hoje um pequeno passeio pela China.
Alguém sabe o que significam estes símbolos?

Reparem bem que o terceiro tem a mistura dos dois primeiros.
Vamos ver como no decorrer do tempo, os chineses, com sua tranquila sabedoria, conseguiram transmitir as suas ideias e mensagens com umas “garatujas” (garatujas para nós) que além de inteligíveis, para eles, são bonitas, decorativas.
Uma das mais antigas formas de religiosidade chinesa teria sido o culto dos antepassados. Confúcio fez da devoção filial a base da sua filosofia, uma devoção tão rígida que levava alguns discípulos a ponto de esquecerem o seu próprio espírito. Alguns livros escritos há mais de três mil anos – Shijing, Shangshu, Kanggao, Zuo Zhuan, entre outros – contêm impressionantes cenas de devoção filial, como o caso de alguns filhos preferirem morrer a não satisfazer as exigências de seus pais. Todas as histórias levam a concluir que existia uma obediência cega aos progenitores.
Um dos exemplos mais antigos, tirado do livro Hou Huanshu (talvez do século IV d.C.) conta a história de um alto funcionário que, para poder cuidar de sua mãe, não tem interes­se pessoal algum na glória que tal cargo pode proporcionar-lhe. Outra, textual:
"À época do Imperador An (ano 107 ao 126) vivia em Runan (Henan do Sul) um homem chamado Xue Bao... Estudio­so e sincero, quando sua mãe morreu se tornou célebre pelo exemplar amor filial de que deu mostras durante o período de luto. Seu pai vol­tou a casar-se, e sua esposa, que odiava profun­damente a Xue Bao, expulsou-o de casa. Mas ele chorava dia e noite, incapaz de ir-se, até que, golpeando-o com um bastão, obriga­ram-no a alojar-se numa cabana nas proximi­dades. Toda manhã Xue Bao vinha varrer o pó da casa de seu pai, até que este, irritado, o ex­pulsou de novo. Xue Bao se estabeleceu, então, em uma outra cabana perto da entrada da pro­priedade, sem jamais deixar de ir saudar seus pais à tarde e pela manhã. Após um ano ou mais, estes se sentiram envergonhados e o fi­zeram regressar. Mais tarde, quando morreram seu pai e sua madrasta, Xue Bao duplicou ou até triplicou seu período de luto. "
Xue Bao é um exemplo característico dos fi­lhos virtuosos mencionados nos textos daquele período. Na realidade, seu comportamento parece quase normal se comparado com os de outros dois personagens similares que enchem as páginas do Hou Hanshu.
Vemos, por exemplo, crianças de quatro anos de idade que se negam a comer e beber quando seus pais estão doentes, ou de um ho­mem que "não comeu carne nem bebeu vinho durante 10 anos depois que seu pai morreu, e no aniversário de sua morte ele celebrava jejuando por três dias".
Alguns exemplos são ainda mais surpreendentes, como o de Yang Zhen (morto em 124), descendente de uma das famílias fun­dadoras da dinastia Han, que sendo muito jo­vem preferiu tornar-se professor para poder manter-se afastado da vida política. "Órfão e pobre desde a juventude, vivia so­zinho com sua mãe. Ele havia arrendado uma porção de terra para cultivá-la e obter assim seu sustento. Certa vez um de seus alunos tentou ajudá-lo a plantar couves, porém Yang Zhen as arrancava e ia plantá-las de novo um pouco mais adiante. Os vizinhos o citavam como um exemplo de devoção filial." Acreditem ou não, a devoção filial de Yang Zhen está demonstrada pela insistência do personagem em que as couves que sua mãe comeria fossem plantadas pelas mãos do próprio filho!
O cultivo de couves é uma demonstração bastante inofensiva dos sentimentos filiais, porém há numerosos exemplos até de mortes causadas por um desejo de dar mostras irrefutáveis de ve­neração filial. O exemplo mais famoso é o da jovem Cao E, que vivia em Zhejiang, não muio longe da atual cidade de Shaoxing. Seu pai era um xamã (wu) que se afogou no quinto dia do quinto mês lunar (6 de junho) do ano 143, enquanto celebrava o culto do Deus das Ondas (possível deificação do movimento das marés). "O corpo não foi encontrado; sua filha Cao E, que tinha na época 13 anos, percorria o rio noite e dia gemendo e chorando sem cessar. Sete di­as depois ela se lançou também ao rio e se afogou."
Em Sichuan, do outro lado da China, mais um exemplo de amor filial. Uma outra menina, de nome Shuxian Xiong (ou Shu Xianluo), se lançou às águas no local onde seu pai havia afundado e foi achada seis dias depois flu­tuando entrelaçada ao corpo do pai. Citemos ainda o caso de Jiang Shi que se afogou por ha­ver-se arriscado demasiadamente ao entrar no rio para buscar água para sua mãe que tinha pre­ferência pela água do rio em vez da de poço.
As histórias do Hou Hanshu - assim como toda a história da China - estão cheias de exemplos de abnegação, milagres, sacrifí­cios e perseguições cruéis (geralmente da parte de sogras e madrastas) que são tolerados com uma resignação extática, suicídios inúteis, sem falar de manifestações extraordinárias de amor entre irmãos que se negam a separar-se mesmo que seja para dormirem com suas respectivas mulheres, exceto quando se trata de assegurar a descendência.
Como devemos considerar estes atos insóli­tos? Não se trata na verdade de ações que se as­semelham muito ao comportamento dos santos do cristianismo antigo e medieval? Mortificações, beijos em leprosos, jejuns purificadores e outros atos no mesmo estilo nunca foram consi­derados suficientes para provar o amor e a adoração dos santos pelo seu criador. Não es­taríamos diante de um fenómeno similar? A concepção chinesa do mundo, como se tem apontado frequentemente, é muito mais terra-a-terra que a dos ocidentais; a China sempre preferiu a imanência à transcendência, e quando um chinês eleva seu espírito ao criador, nega-se a dar o salto metafísico julgado normal pelos ocidentais, e se volta para aqueles que são seus verdadeiros criadores de carne e osso, ou seja, seus pais.
O Livro Da Devoção Filial (Xiaojing), um opúsculo medíocre datado provavelmente do fim da Antiguidade ou do começo da era im­perial, e que gozou de grande prestígio durante toda a história da China, reafirma o que disse­mos quase textualmente. No capítulo 9 lê-se:
"Não há maior forma de venerar seu pai do que fazê-lo intermediário dos céus.'' A palavra em­pregada para significar intermediário (peï), as­sim como o contexto, demonstram que os au­tores do Xiaojing se referem às mais antigas práticas religiosas chinesas de que temos notí­cia: os sacrifícios oferecidos aos ancestrais que, como intermediários, apresentavam ao céu os pedidos de seus descendentes e intercediam em seu favor. Há aí uma concepção mística con­ferida ao pai: a de associá-lo, se não a Deus, pelo menos a uma representação da divindade. Como vemos, os chineses não estão longe de deificarem seus pais; seu comportamento tra­duz simplesmente um esforço, que se encontra também entre os ocidentais, de irem além de si mesmos para glorificar seus criadores, que para eles são, literalmente, seus pais e mães.
Voltemos aos ideogramas. Como eles “nasceram. Veja-se na figura abaixo a evolução dum ancião uma criança e os dois juntos, e reparem, novamente, como a terceira figura é a mistura das duas primeiras.


Como se vê os chineses têm muito o que nos ensinar. E coisas bonitas.
Sobretudo a mim, que nada sei de chinês, mas encontrei este trabalho de que fiz um resumo que espero não desgostem.


12/02/2016

quinta-feira, 10 de março de 2016


Ernesto Lara Filho, foi um homem duma alegria e sensibilidade, muito especial. A melhor palavra que me ocorre para o defenir seria: UM  POETA. Um poeta que escreveu poemas lindíssimos, um poeta no seu modo de vida, descontraido e imensamente preocupado com o povo da terra onde nasceu.
Um poeta que amou, como só os poetas sabem amar.
Foi um amigo que o tempo não permite que me esqueça dele, sempre com a maior saudade.
O texto que se segue, escrito por um jovem de 25 anos, quando andava pela Europa, à procura de si mesmo, como corre pela Internet, não creio que possa ter implicações com direitos autorais, tanto mais que é publicado sem qualquer objetivo de lucro.
O único lucro é o prazer, imenso, que se tem ao ler uma prosa poética, magnífica.
Saravá, querido amigo Ernesto Lara.



DOMINGO DE ANGOLA

Para mim, domingo de Angola é paraíso. É um Céu. Colorido. É moamba de peixe ou caril de galinha de Quilengues. Domingo de Angola não tem rival no mundo. Começa na praia e acaba na sesta. Não tem Sporting-Benfica, nem linha de Sintra, não tem passeio a Vila Franca. Não tem touros, nem Cacilhas, nem caracóis no Ginjal. Domingo de Angola, para mim, é o melhor domingo do mundo que eu conheço – e que já não é nada pequeno, benza-o Deus.
Moamba para mim é um ritual. Tem pirão de fuba de mandioca – que eu sou do Sul, usa-se de milho, mas eu prefiro de mandioca à moda do Norte, à moda de Malanje, tal qual no Uíje – mete farinha de pau e obrigado velha que está uma delícia. Tem de ser comido à sombra de um palmeira ou coqueiro, debaixo de uma mandioqueira ou mangueira quando é no interior. Porque coqueiro só no litoral. É por estas e por outras que eu gosto do domingo em Angola. Domingo de Branco. Domingo de Preto. Domingo de todos, domingo de missa, de padre, de domingo.
A verdadeira moambada, aquela que é feita de galinha tenra, tão tenra que sabe a peito de virgem, a moamba verdadeira, tem de ser do cacho primeiro da palmeira do quintal. O molho será apurado pelo velho cozinheiro, que foi mestre dos pais, dos filhos e dos filhos dos filhos. Tem molho que é de “come e arrebenta e o que sobra vai no mar” como dizia o poeta patrício e mulato Viriato da Cruz, no “Sô Santo”. Moamba verdadeira, repito, só se come duas ou três vezes na vida. É preciso estar-se em estado de graça. Estar-se com Nosso Senhor e com os anjos.
Moamba para mim, é saudade, hoje que estou longe, hoje que estou perto. Estou perto de estar tão longe. Não compreendem leitores? A gente está longe e tem saudades. Antes de adormecer, pela noite, vem a lembrança, da pitangueira do quintal, da Rosa Lavadeira, do amo-seco Canivete que falava “axim” à moda de Viseu, e tudo isso aparece nítido, cada vez mais claro e puro como certas horas da madrugada da Serra do Lépi. A primeira vez que comi moamba, dela me lembro como da primeira vez que beijei mulher, do primeiro desafio de futebol, do primeiro amor nocturno na areia da praia, com mulher de verdade. A primeira moamba, lembra-se como se lembra a primeira ida à escola.
O travo nativo do cacho de déndém, que leva meses a fazer-se, até os frutos terem a tonalidade da queimada. Metade o clarão no céu da noite, a outra metade, escuro, um escuro de breu. Tudo isso o sabor tropical junta naquele fruto, que tem brisa do mar, sol de praia, frescura de casuarina, amor de mulata. O coconote e as influências indianas nadando no molho. Tem jindungo, a moamba genuína, aquela que cheira a sândalo, que escorre do canto da boca, do patrício apaixonado, de olho rútilo e lábio trémulo. Mas a galinha, essa tem de ser de Quilengues, magra e criada no mato, quase sem penas, galinha de sanzala, galinha de preto, que é como quem diz, de pobre. Isto está divinal, velha, eu um dia volto. Se entra a erva-doce, zumba que zumba e farinha de pau, oh, céus, oh, Mãe, isto não é moamba, isto é poesia. Literatura.
Mas tem de ser comida no terreiro da casa de adobe do bairro velho. Tem de ser comida em ritual, na casa de adobe com telhado de zinco da estrada da escola da Liga, ou num dos Muceques de Luanda, por sobre as areias avermelhadas do Prenda ou do Burity.
Depois a altura do peito de mulher na moleza da carne ou do peixe. Se é “roncador”, aka, é peixe da costa e sabe que sabe tão bem. Mas de galinha é melhor. Galinha de Quilengues escanifrada, repito. Galinha de pobre.
Fico por momentos em êxtase, as mãos sobre o estômago, lembrando o terreiro da família Gamboa lá de Luanda onde comi uma coisa dessas uma vez há muitos anos. Num bairro velho de Benguela, eu estarei ainda um dia com meus companheiros dos tempos de eu menino, comendo moamba e bebendo quissângua à sombra do bambu do Edelfride – na casa do Edelfride.
Moamba é riqueza de pobre e fraqueza de rico. Entra em palácios sem pedir licença, com o mesmo à vontade com que se senta nos quintais com sombra de mangueira e entra em terrina de esmalte, prato de esmalte, caneca de esmalte, garfo de alumínio. Velho sonho de poeta, lembrança de castimbala, moambada para mim é saudade e sonho, recordação e batuque, história de amor.
Um dia, quando eu voltar, hei-de comer uma moambada de peixe ou de carne, à sombra de um cajueiro, num Muceque de Luanda, moamba do cacho primeiro da palmeira do quintal, não é velha? Depois de muito beber dormirei a sesta. E hei-de gostar de ouvir um desses rapazes do meu tempo, feito velho de cabelos brancos, recitar baixinho enquanto adormeço, a balada do Viriato:
“… Kitoto e batuque pró povo lá fora champanha, ngaieta tocando lá dentro…
Garganta cantando:
“Come e arrebenta
E o que sobra vai no mar…”
Para mim, domingo de Angola é isso tudo. Um Céu colorido. Uma moamba de peixe. Uma noite de luar.
… não tem Sporting-Benfica, não tem touros, nem caracóis no Ginjal…

Ernesto Lara Filho, in Jornal de Notícias, 1957


segunda-feira, 7 de março de 2016


Os Ciganos


Que ideia fazemos nós, quase todos, dos ciganos? O que sabemos nós dos ciganos? Uma vaga noção das suas grandes festas de casamentos, que são avessos ao assentamento, propensos ao nomadismo e às vezes a pequenos furtos, músicos, vida descontraída, figuras de lindas mulheres fatais, como a Ciganinha de Cervantes, a Cigana de Tolstoi, Shakespeare não deixou de referir que um lenço “verdadeiro talismã” que Otelo oferece a Desdêmona, vinha de sua mãe que o tinha recebido de uma gypsy, a Carmen, de Merimée, imortalizada na ópera de Bizet ou a Esmeralda de Notre Dame de Paris, e muitas outras mais cantadas por grandes escritores, que invadiram o nosso imaginário, sempre desligando essas figuras à realidade da vida do povo cigano.
Há alguns anos o sucesso imenso do grupo musical dos Gypsy Kings, invadiu os teatros do mundo, e... vamos adiante.
Vários nomes definem este povo, conforme as regiões onde vivem, desde ciganos em Portugal, gitanos em Espanha, gitanes em França, zigeuner em alemão, zingani ou zingari em Itália, gypsies em inglês e, sobretudo roms ou romis. Na Rússia são os Ruska Roma. Romis é o nome geral que preferem, uma vez que os outros exónimos (do grego homens de fora) lhes pareceram, com o evoluir dos tempos depreciativos.
Rom de roma, palavra de origem do sânscrito, significa homens ou conjunto de populações nómades, e foi este nome que adotaram universalmente.
Em 1979 a ONU concedeu um status consultivo à União Internacional Rom.
Foi a linguística, no século XIX, que “desvendou” a origem deste povo: a Índia, possivelmente do Rajastan, quando os ingleses conseguiram traduzir, interpretar, o sânscrito, com o qual a língua básica do romis se aproxima, como a de algumas línguas vivas daquele país, o caxemir, hindi, gujarati e outros.
Hoje quando se fala em roms a maioria das pessoas deve associá-los aos romenos, ou pelo menos que tenham vindo da Roménia. Nada mais falso. A língua dos roms é o romani, a dos romenos romane, e há ainda o romanche falado num cantão da Suíça. O romani, o idioma dos roms é de origem indo-ariana, enquanto os outros são latinos.
Como a história antiga de todo o Industão, pouco mais refere do que contos ou lendas de reis e sobretudo de deuses, a história do povo em geral é omissa, o que não permite saber mais sobre a origem dos roms.
Consta que, por volta do século X, este povo começou a sair do Industão, perseguido pela invasão muçulmana, ou por estes obrigados a lutar nas suas fileiras; o historiador Hamza relata a chegada à Pérsia de doze mil zotts, músicos indianos, a que chamaram de tchinguenis, e dois séculos mais tarde dois frades franciscanos encontraram em Creta indivíduos que consideraram descendentes de Cham, filho de Noé, de pele escura. Entretanto um grupo grande tinha feito passagem, passagem essa onde demoraram alguns séculos, por Modon, cidade e porto de mar na costa leste de Morea, na Grécia, lugar que era conhecido por Pequeno Egito, por estar no meio de terras secas com um estuário que, bem menor, lembraria o delta do Nilo.
Os gregos chamaram a esse povo de músicos e cartomantes, que faziam adivinhações lendo a palma das mãos, de atkinganos ou atsinganos de onde se percebe a origem da palavra ciganos, com todas as variantes da Europa continental.
Como daqui continuaram a expandir-se para o resto da Europa, os que chegaram às Ilhas Britânicas, onde aliás foram mal recebidos, alguns se intitulavam condes e duques do tal “Pequeno Egito”, e assim ficaram conhecidos por egypsies ou simplesmente gypsies.
Houve um período, quando entraram em França levando uma carta de recomendação do Imperador Segismundo, rei da Germânia e da Bohemia, foram chamados de boémios. Músicos, dançarinos, “bons vivants”, não está agora difícil saber porque se chama a quem gosta da boa vida, farra, música e descompromissos, um boémio! Foi um “presente” que os ciganos distribuíram pela Europa, e que perdura até hoje. Quer dizer que todos os “farristas” terão uma espécie de DNA cigano!
Apesar de músicos, bailarinos e “bruxas”, os ciganos eram habilidosos ferreiros, com uma superior qualidade no fabrico de ferramentas agrícolas e de guerra: espadas e lanças. À medida que avançavam pela Europa os seus serviços foram sendo requisitados pelos senhores, mas não tardou a sentirem a aversão das corporações locais, o que os levou a perderem o apoio dos senhores, passarem fome e obrigados procurarem novos destinos.
O medo, a pior arma com que os humanos até hoje se procuram “defender”, é atacando e maltratando os que se apresentam mais fracos (desde há muito os ciganos, depois os negros africanos e os aborígenes da Austrália e, sob o nazismo, judeus, ciganos e homossexuais), e no final da Idade Média instigados pela igreja que considerava bruxaria as “habilidades” das mulheres ciganas, e o descaso dos homens para o trabalho inseridos nos contextos sócio econômicos da época, a perseguição não se fez esperar. Em 1592 o rei de Portugal publicou um édito mandando que os judeus abandonassem o país, dando-lhes no máximo quatro anos. À boa moda portuguesa ninguém abandou coisa alguma! Mas não foi só em Portugal. Em muitos outros países houve também tentativas de expulsão que não resultaram.
Hoje estão em todos os países da Europa e da América. No Brasil... estão cada vez mais integrados e confundidos com a população geral, tanto os de renda menor, como em ambientes profissionais acadêmicos: dentistas, bacharéis, médicos, hoteleiros, etc. A maioria faz-se passar por descendente de portugueses ou italianos, mas mantém nos seus ambientes privados o culto da língua romani, e os costumes tradicionais do seu povo.
Há um aspecto da cultura rom que conquistou o mundo de forma espetacular: a música e a dança.
Levaram-nas para países tão dispares como a Espanha e a Rússia, ouve interpenetração da música local com a dos novos povos, e hoje nós temos danças russas com “jeito” cigano e sobretudo o flamenco, resultado da mistura com a milenar tradição musical andaluza, uma das mais belas músicas da terra, um dos espetáculos, e música, que não há quem não aprecie e se impressione ao ver e ouvir as guitarras, as danças e os cantos, que são a voz da dor e da resistência, e se transformaram em obra de arte.
Se houvesse alguma dúvida sobre a origem indiana dos ciganos, dos roms, não era necessário mais do que ver as suas danças, maravilhosas, com aqueles movimentos das mãos, tipicamente indianos, que até passaram para o balé clássico. Nenhuma bailarina, mesmo dos balés de Paris ou São Petersburgo poderia dançar sem complementar a dança com a “mímica” das mãos. E nisso as danças indianas e o flamenco são imbatíveis.

                        Índia                                                  Flamenco

Duas bailarinas russas

Por hoje... chega. Vou ver uns bailados flamencos!
Já pensaram o quanto temos que agradecer aos roms?


07/04/2016

terça-feira, 1 de março de 2016




Coisas da Escrita


É sabido (para os que sabem) que a primeira escrita com caracteres fonéticos terá nascido com os fenícios, e apareceu primeiro em Biblos - uma palavra que nos lembra alguma coisa de escrita! Povo marítimo e comerciante, expandindo-se através do Mare Nostrum, e não só, criando colónias com quem tinha necessidade de se comunicar, os caracteres ideográficos, como os hieróglifos, além de darem um intenso trabalho, conduziam muitas vezes a interpretações errôneas. 

Alfabeto fenício antigo

Os fenícios não usavam vogais, mas entendiam-se bem, e foram os gregos, igualmente povo do mar, que pouco mais tarde, com os mesmos problemas de comunicação dos fenícios, introduziram as vogais, e tornaram a escrita naquilo que é conhecida até hoje, quer o alfabeto seja romano, grego ou cirílico.
Os tipos de letra destes inovadores eram complicados. Os romanos, práticos, organizados, criaram um tipo de letra que, gravada na pedra, podia ser vista a qualquer hora do dia: linhas retas, gravações profundas que permitiam praticamente em todas as horas que uma sombra se projetasse no fundo da letra e a tornasse bem legível e inteligível. A este tipo de letra se chamou, como é óbvio, lapidar, gravada na pedra.
Atribui-se mais tarde aos santos Cirilo e Metódio a criação dum alfabeto próprio para as línguas eslavas, e hoje utilizadas também em alguns países da antiga União Soviética, com a finalidade de transcreverem para esses povos a Bíblia. O alfabeto cirílico.
Ainda no mesmo século IX, Carlos Magno impôs o uso de letras minúsculas, que igualmente foram batizadas de carolinas¸ a que hoje se chamam, em tipografia, letras de caixa baixa.
No século XII surgem as universidades e com elas imensa demanda de pergaminhos, para a necessidade da divulgação, arquivo, consulta e troca do conhecimento. Os godos, face a essa penúria de base onde escrever, criaram uma letra especial, angulosa, estreita, que ocupava menos espaço do que as conhecidas até então, economizando assim os tais pergaminhos, e essa letra, que resiste nalguns lugares – meio exóticos – está-se mesmo a ver que se chama gótica. Letra cheia de maneirismos, difícil de ler, criou também um cursivo, chamado bastardo!
No sentido de economizarem os pergaminhos chegaram a criar uma letra tão miúda que só se lia com óculos!
Os humanistas italianos não foram na conversa dos godos. Petrarca dizia que aquele tipo de letra embaraçava e fatigava os olhos como se fora feita para qualquer outra finalidade que não a leitura, e a Renascença procura então um novo tipo de letra.
Com a conquista de Mogúncia, terra de Gutemberg, onde nasceu a tipografia no Ocidente, muitos artistas se espalharam pela Europa. O franco-alemão, da Alsácia, Nicola Jenson, instala-se em Veneza e vai se inspirar no alfabeto romano: letras simples, bem legíveis, retas, estilo puro, o romano. Um dos seus herdeiros, Aldus Manutius, encomendou mais tarde ao seu gravador um tipo mais delicado, inclinado, que começou por se chamar aldine, mas que “herdou” o nome da terra onde nasceu: o itálico.
Francisco I, rei de França, confiou a Claude Garamont uma encomenda real, para edição de textos gregos, os famosos grecs du roi¸ que criou caracteres romanos e itálicos, hoje presentes em todos os computadores: o Garamond.
Em 1692 foi o “humilde” Roi Soleil, Luis XIV, encarregou o abade Jacques Jaugeon de criar um novo tipo, reservado em exclusivo, à impressão real, o romain royal. Este tipo de letra, mais elegante e rebuscada, como seria de esperar, não durou mais de meio século. Apagou-se a meio do reinado de Luis XV!
No século XVIII foram os ingleses que primaram pela elegância. Mas todos se basearam no “velho” romano, dando-lhe um pequeno toque aqui, outro além, o que se pode constatar correndo as várias “fontes” disponíveis nos computadores.
E veio depois a Art Nouveau, a Bauhaus, o Peignot, o Bifur, e tantos outros artistas criadores de tipos de letras, que as gráficas, hoje baseadas em computadores, podem alterar e realizar.
E... os chineses? Como eles conseguem escrever num computador? Levou tempo para que chegassem a uma conclusão, mas, determinados e inteligentes, obtiveram o resultado desejado.
Pode parecer um pouco preconceituoso dizer que os chineses têm problema para digitar, mas a verdade é que até hoje eles não possuem um sistema padrão para desenvolver teclados, como o nosso ABNT2. E esse problema é mais antigo que os computadores: ele vêm desde a época das máquinas de escrever.
A maior dificuldade enfrentada pelos chineses atualmente é fazer um teclado que consiga produzir o maior número possível de ideogramas, e que ainda possa usar os caracteres do alfabeto latino, predominantes nas culturas ocidentais e, portanto, na internet. Para resolver o enigma, algumas soluções foram pensadas:
Uma delas, o método Cangjie é apenas o mais famoso dos chamados “Shape-based methods” (Métodos baseados na forma). Existem vários outros, cada um adaptado para uma região, contexto e língua diferente.
Cada tecla recebe um símbolo que é chamado de “radical” ou “raiz”. Existem 24 desses radicais e a partir deles você pode usar outros sub-radicais, formando praticamente todos os ideogramas. Para uni-los há que pressionar dois ou mais botões ao mesmo tempo!


Complicado, né? Eles lá se vão entendendo, mas a escrita ideográfica... começa a cair em desuso. E isso é um bem cultural chinês de valor inestimável, que, como é evidente eles não podem, nem querem perder.

Fontes:
- Robert Druet – La civilisation de l’écriture – 1977
- Internet


29/02/2016