segunda-feira, 28 de dezembro de 2015




Domine, quo vadis?

Perdidos. Homens e mulheres. Reclamam, uns com os outros, em casa, nos cafés, por vezes nos órgãos de comunicação, mas... nada acontece.
Andam perdidos, revoltados, a reclamar, a falar mal de qualquer um que alcance o poder, mas... quanto ao resto deixam-se ficar na maledicência, chorosos, a maioria das vezes sem saberem que caminho tomar ou para onde ir.
Cristãos e não cristãos todos têm algum “pedacinho” de fé. Os ateus têm plena fide, por exemplo que podem desconverter os religiosos, ou que o Botafogo ou o Benfica vão ser campeões, e mais fé ainda de que Deus... talvez não exista. Mas lutam pelas suas ideias.
Os cristãos, e os de muitas outras religiões têm Fé. A maioria não sabe bem o que é a Fé, mas jura a pés juntos que tem Fé, sim senhor. Só não acreditam na palavra do Senhor que, claramente afirma: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível.
Dificilmente se encontrará alguém com tamanha Fé, concordemos, mas porque passar a maior parte do pouco tempo que nos foi dado para viver na Terra, sendo comandados por políticos inábeis, inescrupulosos, que se garantem com a impunidade dos votos dos covardes ou gananciosos?
Não será necessária uma “fé que remova montanhas”. Uma fé muito mais simples e quase infinitamente menor poderá resolver esses problemas: a fé nas nossas possibilidades e sobretudo na coragem para as advogar e fazer valer.
Neste momento, países como Portugal e Brasil atravessam uma das mais difíceis fases de toda a sua história.
Em Portugal uma esquerda de inábeis e igualmente gananciosos não tem a menor ideia do que fazer para elevar a prosperidade do seu povo, as previsões são muito negativas, e já começou a vomitar da boca para forma abomináveis projetos cuja única consequência será levar o país para um buraco ainda mais fundo.
No Brasil o caos é total. Nunca, jamais, em tempo algum... foi possível imaginar que um grupo de malfeitores pudesse em tão poucos anos destruir um país que, com todos os seus problemas, estava a crescer e a impor-se como potência.
Desde há alguns anos que não há governo. Há lutas de interesses politiqueiros, dos tais sanguessugas corruptos que, cada um, quer unicamente ver como roubar o máximo da res púbica, manter-se eternamente no poder, esmagar o adversário a quem no dia seguinte se une. E o desenvolvimento do país... parou.
O relógio do desenvolvimento é exato: parou um segundo atrasa a vida de todos em alguns dias. Aqui parou, como está a acontecer há 12 anos, e o país recuou quase meio século no seu crescimento. Estamos de volta a meados do século passado, mesmo com Internet e satélites de GPS!
É verdade que, como em todo o mundo, milhões saíram da pobreza, mas mais milhões nela entram todos os dias. É verdade que, como em todo o mundo, o crescimento do número de bilionários aumenta de forma quase exponencial. E a mais triste verdade é que a classe média, empurrada por baixo e esmagada por cima tende a empobrecer de forma, para muitos, ou quase todos, fortemente.
Quo vadis, domine? Empurrado, como um pacífico e obediente rebanho de ovelhas, o homem, e a mulher, vão pastando um pouco da grama seca que ainda lhes sobra, sem reagir.
E a Fé? A Fé nas possibilidades de cada um? A vergonha de se sentir um carneiro não mexe com as possibilidades que em cada um se reconhece? Enxovalhado o orgulho, desonrado por ser considerado pouco mais do que um objeto, não faz aparecer aquela Fé que remove montanhas? Ou somente acorda aquela fézinha, ridícula de acender uma velinha a uma imagem de barro e esperar um milagre, que jamais acontece?
Sentar-se tranquilamente nas praias, ao pôr do sol e ver se aparece o Encoberto?
Vem o Papa ao Brasil, o Grande Papa Francisco, e junta milhões de pessoas. Fé no Papa.
Mas logo a seguir a Fé autêntica, a Fé nas capacidades quase ilimitadas dos homens... dorme ao som dolente do balir do rebanho.
O tempo corre. Poucos, raros, se mexem. Não erguem a bandeira da decência, daquelas virtudes que não há muito tempo representava a garantia dada com um fio da barba!
Em Portugal parece que esperam o “milagre” marxista que derruba, não montanhas, mas economias. No Brasil ninguém espera a não ser a esmola do programa “Bolsa-Voto”. Não há instrução, não há cultura, não há professores competentes em número suficiente para elevar a educação do povo, e surge do esgoto fétido a voz dum bandido, a dizer que a incultura se deve, ainda hoje, 183 anos depois da Independência, aos portugueses!
É verdade que as colónias espanholas tiveram universidades desde muito cedo. Mas não há a mínima possibilidade de comparar o nível de conhecimento científico do Brasil com os vizinhos, talvez com exceção da Argentina que parece que finalmente levantou a voz contra a podridão peronista.
O mal das Américas Latrinas parece endêmico.
Nos altiplanos os índios reforçam a resistência mascando folhas de coca.
No Brasil, na baixaria, só os bandidos se reforçam.
O povo, aquele povo simples, mais pobre ou menos pobre, assiste. Os mais ricos, poucos se atrevem a mover uma palha com medo de perder a sua capacidade de influenciar o caminho das leis e justiça a seu favor.
Será que todos perderam a dignidade e se incorporaram ao submisso rebanho?
Quo vadis, domine?
Surge et ambula, cum gravitas!

25/12/2015



sexta-feira, 18 de dezembro de 2015



Natal
Época de meditar um pouco

É sempre época de meditar. Saber quem somos e para onde vamos. E como.
Quantas vezes nos perguntamos sobre o que andamos a fazer neste Mundo para ganhar o “descanso eterno”? E não são só os cristãos ou indivíduos de outras religiões, mas ateus também. Ninguém sabe.
Teilhard de Chardin, deve ter sido o primeiro homem a compreender a evolução como obra de Deus, e a dar uma explicação profunda e simples sobre o assunto.
Jesuíta, foi mandado calar pelos “sábios” da Cúria do Vaticano, aquele antro que pouco mais tem feito do que afastar bons cristãos e exibir opulência, o oposto do que Cristo pregou!
Nesta época do ano, quando é suposto que o Natal seja a festa da Família, parece ser o momento mais indicado para que se medite um pouco sobre o que desconhecemos, e continuaremos a desconhecer enquanto seres viventes, terráqueos. Assim mesmo meditar faz bem.
Amar a Deus e o próximo, não é apenas um ato de veneração ou misericórdia sobreposto a nossas outras preocupações individuais. É a própria vida, vida na integridade de suas aspirações, suas lutas e conquistas.
O Deus transcendente e pessoal e o universo em evolução, formam dois centros de atração de opostos, mas entram em conjunto para levantar a massa humana num final único.
Teilhard de Chardin, um profundo pensador, teólogo, paleontólogo, geólogo, enfim um dos maiores sábios do século XX, um génio, deixou-nos uma quantidade de livros, cada um talvez mais profundo que o outro, onde veio esclarecer um dos pontos de maior discussão de toda a história religiosa.
Neste texto algumas passagens dos seus pensamentos.
“A manifestação do Divino não altera a ordem aparente das coisas como a consagração eucarística não modifica, aos nossos alhos, as santas espécies.
Os defensores da teologia natural explicavam a ordem do mundo através dum Deus criador e ordenador, garante da harmonia universal. A partir do séc. XVII, cada nova descoberta científica levava a fazer de Deus uma hipótese cada vez mais inútil face a um mundo naturalmente coerente, racional e harmonioso, tornando a “posição” divina supérflua, já que o cosmos apresentava sozinho o rótulo de garantia.
A fenomenologia de Teilhard apresenta, objetivamente, uma reintegração ulterior da ideia de Deus – evolucionismo generalizado, que se aplica ao cosmos inteiro, e evolucionismo espiritualista que nos mostra um crescer para a luz que ilumina as consciências, cada vez mais claras e autônomas, evolucionismo convergindo para uma maturação do mundo.  
Isto não implica nem impõe Deus, mas liberta uma crise existencial da qual Deus pode ser a solução.
A ciência já nos disse que o mundo, pelo menos o nosso, acabará um dia, porque já se sabe que as estrelas têm o seu ciclo de vida evoluindo para uma espécie de morte – matéria degenerada, ultradensa, etc. O fim do nosso sistema solar é uma questão de mais uns milhões ou bilhões de anos.
Então para quê qualquer esforço humano se ele já sabe que acabará num apocalipse qualquer?
Assim, Deus, que a ciência quis exorcizar, reaparece, não mais na origem do cosmos, mas no fim dele, através duma reação existencial, não científica, mas ditada pela ciência. Este é o grande mérito de Teilhard, de ter colocado corretamente o problema da relação entre a ciência e a fé em Deus, fazendo assim de Deus, aos olhos dos homens do século XX, o “futuro absoluto”.
Se se falar a um marxista ou ateu dum Deus Alfa, ele nem quer ouvir, mas se lhe falar num Deus Ômega, mesmo que ele não seja partidário dessa opinião, vai aceitar discutir o problema.
O que Teilhard de Chardin nos quer com isto dizer, é que a humanidade ainda não terminou a sua evolução, e que a cooperação científica, tal como começou a ser praticada abriu perspectivas prodigiosas.
As pesquisas geológicas de Teilhard fizeram-no descobrir experimentalmente a realidade maravilhosa do tempo cósmico.
Tal como a deriva dos continentes, extremamente lenta, nos mostra que a evolução do homem vem sendo feita na mesma “velocidade”, ou lentidão.
África e América do Sul estão se afastando a uma média de 2,5 centímetros por ano, assim como a Itália está a entrar por baixo dos Alpes e o subcontinente indiano dos Himalaias. Num milhão de anos “andaram” somente vinte e cinco quilómetros. Para a pequenez humana, todos os continentes estão aparentemente parados, mas há 250 milhões de anos o Rio de Janeiro estava encostado a Luanda!
Tudo isto nos ajuda a questionar que se Deus, por acaso, nada tem a ver com o Big Bang, Alguém teve, e se a Terra tem 4,5 bilhões de anos da existência, e o homem só uns centos de milhares, devemos então pensar, na certeza de que um dia o nosso Sol morrerá, e que tendo havido uma evolução desde o começo do Mundo, uma evolução física, científica, o homem só aparece quando lhe é possível a vida.
Apareceu, um homem bruto, que a certa altura começou a questionar-se sobre a finalidade da sua vida, sem ter feito paralelos entre a evolução científica e a sua, moral.
Pouco ou nada se sabe sobre o aparecimento do homem “pensante”, mas sabemos que desde há muitos milénios ele “sabe” que o mundo acabará num apocalipse!
Se nos limitarmos aos pensamentos marxistas ou ateístas, que colocam os homens ao mesmo nível dum vegetal, que nasce, cresce, vive e morre, sem qualquer perspectiva no Além, então não vale a pena “inventarmos” por exemplo organismos como as Nações Unidas, nem continuar a meditar sobre a nossa passagem na Terra. Cada um que se vire por si mesmo, que roube, mate, etc.!
O pensamento de Teilhard, ao afirmar que a evolução biológica vai desembocar na liberdade humana, abriu uma porta que consegue conciliar a evolução física, científica, com a evolução do pensamento, do conhecimento, e se caminhamos todos para o mesmo fim, então lá, no apocalipse final, Deus estará à nossa espera.
O homem anda feito louco à procura de outro planeta para onde “emigrar”, sabendo somente, por enquanto, que um dia, num instante, ele “emigra” para o Além.
Parece, em função do tempo de vida útil do nosso Sol – segundo alguns pesquisadores pouco mais de 1 bilhão de anos, porque depois vai aquecer brutalmente e a seguir arrefecer – que a humanidade ainda tem pela frente muito tempo para que todos, TODOS, se amem uns aos outros, que esqueçam guerras, roubos, crimes, etc. para, finalmente poderem ver a Face de Deus, e, entretanto, amem o que nunca veremos duas vezes como disse Alfred de Vigny. (1797-1863)
A Terra vai continuar a evoluir até chegar ao tal inevitável fim. Para que todos se olhem como irmãos, é triste pensar que isso vai demorar uns milhões ou bilhões de anos, pressupondo-se que a humanidade evolua nesse sentido.
E a seguir o que vai acontecer? Quando acabar a vida na Terra?
O espírito de Deus, o Sophos, o Spiritus, vai soprar em um qualquer outro planeta! Já deve ter soprado.
Para que todos se reúnam com o Deus absoluto e infinito, parece que ainda terá tempo para a humanidade viver em “humanidade”!
É mentira, não têm. O que conta é o tempo cósmico. Sem relógio, nem princípio, nem fim. Nem antes, nem depois, É sempre “agora”.
É sempre hora de começar, e o Natal é o momento indicado para, ou começar ou para nos aperfeiçoarmos.
Bom Natal a todos, sobretudo àqueles que mais sofrem, por doença, guerra, abandono, miséria e, sobretudo por falta da nossa compreensão e aceitação do Outro.
Por falta da nossa humanidade.
Por falta de um abraço amigo, sincero, caloroso, que aproveito para mandar a todos.
Aos amigos e aos Outros.

Dez. 2015


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015




Turismo no Rio de Janeiro
Igrejas e Capelas

Seria interessante saber, à chegada, o que vêm procurar ao Rio de Janeiro os turistas, e à saída perguntar-lhes o que realmente viram, o que mais apreciaram, o que mais lhes desagradou, etc.
No que mais se fala serão as praias com as garotas muito bem despidas, garotos sarados, a vista do entorno da cidade, o Corcovado e o Pão de Açúcar, sem esquecer a gloriosa caipirinha!
Talvez alguns ouçam falar num senhor Sá que fundou a cidade, o que deve ser raro, e alguns franceses poderão querer saber de onde foram expulsos!
Outros com menos sorte talvez tenham recuperado algo que lhes levaram num assalto, ou nada!
O Rio não tem história antiga como Roma, Paris, Londres ou Lisboa, mas há muita coisa de interesse, como por exemplo porque se chamam cariocas aos que aqui nasceram ou vivem, porque há uma praia que se diz do flamengo, e muitas outras coisas.
É bom lembrar que em Roma Brutus apunhalou o seu chefe, Júlio César, mas aqui é muito mais variado, porque os políticos se apunhalam, diariamente, todos, um aos outros. Um Carnaval contínuo.
Bem imagino que a maioria dos que vão a Paris não estarão interessados em saber quem e como a cidade se fundou! Nem os que vão às outras cidades. Isso é coisa de curioso, e ser curioso ensina bastante!
Para cristãos ou ateus há no Rio muitas igrejas com história, algumas delas com magníficos interiores.
Em Roma é “obrigatório” visitar a Basílica de São Pedro, no Vaticano, em Paris a Catedral de Notre Dame, em Londres Saint Paul e em Lisboa, o Mosteiro dos Jerónimos e a Sé. Pelo menos.
Nestes textos só se falará das igrejas que “começaram” a sua vida nos séculos XVI e XVII. Quase todas começaram por humilíssimas ermidas, erguidas com devoção, alguns paus e barro batido, que ao longo dos anos foram sendo melhoradas.
Há, felizmente algumas, poucas, exceções: uma pequenina ermida ou capela, do orago de São Gonçalo do Amarante, que persiste nas formas originais desde 1625, no lugar então denominado Pirapitingui, em Jacarepaguá, mandada construir por Gonçalo Correia de Sá, filho do governador do Rio de Janeiro, nas terras de sesmaria de seu pai, Salvador Correio de Sá, o Velho, hoje dentro de uma fazenda no Camorim. É uma relíquia, que esteve em riscos de se perder, mas foi restaurada sem alterar a traça original.


Outra pequena capela que tem história curiosa, construida no topo de um inselberg, tem uma vista surpreendente sobre a baixada de Jacarepaguá, a Barra da Tijuca e ao longe, como que a emoldurar tudo isso, para poente, o Parque Estadual da Pedra Branca (que merece uma visita) e a nascente o Parque Nacional da Tijuca (outra visita, mas... com cautelas extra!).
Reza a história, ou a lenda, baseada no que escreveu Amadeu de Beaurepaire Rohan, em seu livro a respeito do santuário de Jacarepaguá:
O escravo de um abastado fazendeiro da localidade, à hora de recolher o gado que pastoreava, notou a falta de um animal. Procurara-o já por toda a parte sem resultado satisfatório. Certo de que quando regressasse à fazenda seria severamente castigado, era justa a sua grande aflição. Desesperado e cansado já de tanto buscar o animal nos lugares mais afastados e nas grotas mais profundas, fez então uma prece à Virgem para que o ajudasse no transe amargurado em que se via.
Passados alguns minutos apenas, eis que o aflito escravo divisa no alto do morro, como uma aparição sobrenatural, esplendente de luz, uma senhora ricamente vestida de azul e branco, tendo à cabeça uma coroa, e que lhe acenava com o braço convidando-o a que fosse até ela.
Refeito da estupefação, o escravo tomou a direção indicada; em lá chegando verificou contristado que a Senhora havia desaparecido. Em seu lugar, porém, estava a rês tresmalhada.
Sabedor do ocorrido, o fazendeiro teria mandado levantar a ermida naquele sítio, para perpetuar a lembrança do impressionante acontecimento.
No entanto, Frei Agostinho de Santa Maria, no livro “Santuário Mariano”, datado de 1723, também citado por Amadeu de Beaurepaire Rohan, traz luz ao assunto, manifestando-se de outra forma sobre a razão da construção do templo, que deve ter ocorrido durante o ano de 1664. Diz o velho escritor sacro o seguinte: “Fundou esta casa naquele alegre e notável sítio o padre Manuel de Araújo. Este devoto clérigo era devotíssimo da Mãe de Deus e bem podia ser que de Lisboa levasse esta imagem para o Rio de Janeiro, e que na viagem lhe fizesse alguns milagres por cuja causa lhe dedicaria aquele santuário naquele tão notável sítio ao qual a Senhora enobrece com muitas e notáveis maravilhas”.
Como não se ignora, PENA é sinônimo de penha, elevação de pedra, penedo. E, tendo vindo de Portugal para aqui a imagem, trazida pelo padre Manuel de Araújo, nada mais justo que esse sacerdote erigisse no alto do penhasco a capela dedicada à Virgem tendo possivelmente no pensamento a suntuosa igreja sob o mesmo título que se levanta na cidade portuguesa de Leiria. 
Esta história talvez seja mais... consistente, mas a anterior é muito mais bonita e a que toda a gente prefere!



Por hoje, e para terminar, “a cereja do bolo”: a mais antiga capela, capelinha, que mantem o traçado original, apesar de ter sido várias vezes restaurada, é a Capela de Nossa Senhora da Cabeça. Trata-se de um dos mais antigos templos religiosos da cidade que manteve sua configuração original. A capela de Nossa Senhora da Cabeça está hoje situada nos terrenos da Casa Maternal Mello Mattos, na Rua Faro 80, na encosta do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, envolta pela mata remanescente da Floresta da Tijuca.
Quando foi construída ficava dentro dos terrenos do antigo Engenho d´El Rey, que se estendia por toda a área entre a lagoa e as encostas do Corcovado, desde a Gávea até o Humaitá, com sede na área onde hoje está o Jardim Botânico. Construída a meia encosta da serra da Carioca, às margens de um riacho que também tomou o nome de Cabeça.
Junto a este riacho tinha construído o Governador António Salema (governou o Rio de Janeiro entre 1576 e 1577) um Engenho, junto à Lagoa de Socopenapã, atual Lagoa Rodrigo de Freitas, que ficou conhecido como o Engenho d’El-Rei, e que lhe terá custado três mil cruzados! Em 1603 o novo Governador, Martim Correia de Sá, o primeiro e quase único governador nascido nesta cidade, mandou restaurar o Engenho que se encontrava abandonado, e perto do mesmo levantou a Capela de Nossa Senhora da Cabeça.

 


Um pouco mais tarde Quanto ao Engenho um provedor de Fazenda aconselhou o soberano a desfazer-se do mesmo que “não valeria nem quinhentos cruzados. O conselho foi seguido e vendeu-se a Diogo de Amorim Soares que está na origem da família Rodrigo de Freitas que acabou “roubando” à lagoa o nome de Socopenapã (o barulho dos socós – uma ave pernalta que descansa em uma só perna) para ficar conhecida, até hoje, por Lagoa Rodrigo de Freitas.

N.- Convenhamos: Socopenapã era um nome muito mais bonito!

Até janeiro, só vou apresentar mais um texto, antes do Natal. A seguir uma paradinha!

14/12/2015


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015



Lisboetas - V

Capela de N. Sª da Glória - Lisboa

O campo baldio, em parte do qual fora no século XIII construído o mosteiro de religiosas seráficas, em Lisboa, era desde longa data conhecido pela designação de Campo da Forca, a qual lhe adveio de nele se realizarem as execuções capitais; este campo só depois, provavelmente no século XVII ou XVIII, passou a chamar-se Campo de Santa Clara, como ainda hoje o continua sendo. As religiosas do velho e nobre mosteiro, que tão frequentemente eram surpreendidas pelo lúgubre espetáculo que de quando em quando as justiças lhes punham à vista dos olhos, supli­caram um dia que tais execuções não fossem mais efetuadas naquele local; no que foram aten­didas, sendo depois escolhido para tal fim o chamado Cardal da Graça, vasto terreno, ermo de moradores naquele tempo, confinado entre as ruas da Graça, da Cruz dos Quatro Caminhos, e da Bela Vista. Da abundância de cardos e outras ervas daninhas, veio ao sítio tal designação, ainda hoje conservada na Rua do Cardal, ali existente, e no da antiga ermida de que vamos falar, que era nomeada sempre nos documentos da mesma e pela população da vizinhança: ermida de N. Senhora da Glória, ao Cardal da Graça (1).
A origem desta capela, verdadeira ermida noutros tempos, pois ermo era o sítio onde ela foi erigida. Depois de a forca (2) ter começado a funcionar no Cardal da Graça, um dia, em data impossível de precisar, alguém, uma alma compassiva e piedosa certamente, condoída do abandono a que eram votados os infelizes que ali, nos derradeiros momentos da vida, nada podiam contemplar que lhes lembrasse a misericórdia divina, mandou colocar, fronteiro à forca, um painel representando, sob a invocação de N. Sª da Gloria, aquela que é nas torturas desta vida, o Refúgio dos pecadores e a Consolação dos aflitos.
Esse piedoso painel da Virgem Mãe começou também um dia a ser alumiado, talvez por algum parente ou pessoa amiga de qualquer justiçado, quem sabe? A devoção tornou-se fre­quente, e um dia, para melhor resguardar o painel e o lampadário, foi erguido sobre quatro pilares um alpendre, como se nos deparam ainda pelos recantos das nossas aldeias.
Assim, perdurou o mesquinho alpendre e assim se mantinha espalhando, pelos curiosos que ali acorriam e pela vizinhança, a devoção de N. S.ª da Glória; um dia porém o mesquinho painel foi substituído por uma imagem de vulto erguida num singelo nicho de pedra, mais chamando a atenção e mais santificando o lugar.
Estavam assim as coisas quando o fatal terremoto de l de Novembro de 1755 tudo veio modificar; os vastos e quase desertos terrenos do Campo de Santa Clara, da Cruz dos Quatro Ca­minhos, do Cardal da Graça e proximidades foram desordenadamente invadidos no decorrer da­quele dia, e seguintes, por muitos moradores da cidade destruída, que, espavoridos, fugiam aos horrores de tão desabalado cataclismo. (Anda vamos falar sobre o Terramoto!)  
Entre esses fugitivos, um grande número era constituído por moradores da freguesia de S. Bartolomeu que, com o seu pároco, vieram refugiar-se ao Cardal da Graça, acampando junto ao alpendre de N. Sª da Glória, onde de joelhos suplicaram ao reverendo Prior que, por miseri­córdia, lhes fosse distribuída a Sagrada Comunhão da píxide que fora salva da sua igreja em ruínas e que eles ali haviam acompanhado.
Luís Gonzaga Pereira, filho de um dos refugiados por essa triste ocasião, escreveu no seu livro Monumentos sacros de Lisboa em 1833 o seguinte, referindo-se à igreja da freguesia de S. Bartolomeu de Lisboa: «Todas as imagens que possuía este templo ficaram destruídas pelo motivo do terremoto, salvando-se os vasos sagrados que foram em tão funesta ocasião conduzidos para a humilde casa de N. Sª da Glória ao Cardal da Graça, bem como outras paroquiais, em devotíssimas procissões, e naquele território se acomodou esta freguesia em uma mais decente barraca que se edificou, a fim de não se faltar à administração dos sacramentos; em cujo termo se edificou em 1762 a digna capela que hoje se vê dedicada à San­tíssima Virgem N. S.a da Gloria, ao Cardal da Graça.
Isto condiz com as seguras informações dadas pelo Padre João Baptista de Castro no Mapa de Portugal (1762-1763), onde, ao referir-se à já mencionada freguesia de S. Bartolomeu, escreve: «Vendo-se neste desamparo e consternação, o pároco desta igreja, como os seus fre­gueses se tinham ido abarracar em maior número para o Campo de Santa Clara, Quinta do Alcaide Fidalgo (3), Cardal e Cruz dos Quatro Caminhos, determinou erigir uma barraca decente, posto que pobre, no Cardal da Graça, onde existiu, sem faltar à administração dos sacramentos. As exigências do culto e fazê-lo em local apropriado levaram os próprios foragidos a trabalharem, de colaboração com os moradores mais próximos, para se erguer uma pequena capela, embora de construção ligeira, com taipas e adobes, na qual se pudessem reunir, resguardados das inclemências do tempo, para a celebração dos atos religiosos e de piedade. A esta capela provisória se refere o prior da freguesia de Santa Engrácia no seu relatório paroquial de 22-07-1759, informando: «A ermida de N. S.ª da Glória sita no Cardal, erigida depois do terremoto para nela se colocar interi­namente o Santíssimo Sacramento da Basílica de Santa Maria, que há menos de um mês se tras­ladou para a igreja do Menino Deus, onde reside a sobredita Basílica. É de pouca duração por ser de tabique”.
Decorridos dois anos depois do nefasto cataclismo de l de Novembro de 1755, foi a sede da freguesia de S. Bartolomeu, por causa do descómodo em que estava na ermida do Cardal, levada para outra ermida não muito distante, pequena também é certo, mas construída de pedra e cal, a ermida de N. S.ª do Rosário (Rosarinho), à Travessa da Verónica, onde permaneceu não se sabe bem até quando, sendo porém certo, segundo afirma Júlio de Castilho (Lisboa Antiga) que já em 1770 a freguesia se encontrava instalada em Xabregas, na Igreja dos cónegos de S. João Evangelista, passando a denominar-se de S. Bartolomeu do Beato.
Das famílias que em seguida ao terramoto se estabeleceram em abarracamentos provisórios no Cardal da Graça e proximidades, algumas por ali se deixaram ficar em moradias definitivas que foram melhorando com os anos. Estas e outras famílias continuaram muito ligadas ao culto da Santa Virgem e nasceu a ideia de constituírem uma irmandade com a invocação de Nª Sª da Glória e levantar-lhe um templo onde fosse dignamente venerada a Padroeira.
Segundo a tradição já em 1762 se iniciaram essas diligências. Em 1766 começaram a inscrever-se vários irmãos de boa vontade. Em 1773 fez-se nova eleição da mesa da irmandade e os novos membros, animados de entusiasmo comprometeram-se a não abandonarem os seus cargos sem que a obra estivesse concluída.
Porém em 1780 paralisaram-se as obras: falta de meios e algumas dívidas, mas logo recomeçaram. Em 1794 já se encomendavam obra de talha para o altar, depois o piso de mármore e outros arranjos e em 1797 foram comprados os painéis de azulejos da capela-mór e muita outra coisa.
Depois de acabadas as obras, tanto externas quanto internas, não tardou a, de triste memória, Lei do Mata Frades, que acabou com as ordens religiosas e logo a pequena capela foi saqueada!
Muito mais tarde restaurada, hoje podem ver-se os dois painéis de azulejos, que são curiosos.
Um deles, por cima da imagem, tem a seguinte legenda que lembra como tudo por ali começou:

NA TARDE DO DIA DO
TERRAMOTO DE 1 DE NOV.BRO de 1755
NESTE LUGAR DESCANSOU O SACERDOTE
QUE CONDUZIA O S. S. SACRAM.TO E A INS-
TANCIAS DO IMMENSO POVO QUE SE A
CHAVA
AQUI MOVIDO DE TÃO PIOS DESEJOS, O E
XPOS À ADORAÇÃO DE TODOS, QUE COM
LAGRIMAS E SUSPIROS; PROSTRADOS POR
TERRA PEDIRÃO PERDÃO, E MIZERI-
CÓRDIA


(1) Também com a designação de «ermida de N. Sª da Glória, existiu outrora uma capela, à Calçada da Glória”, onde passa hoje o Elevador da Glória.
(2) Em diversos locais de Lisboa funcionou a forca para execuções capitais; entre outros apontaremos o Campo de Santa Bárbara, o Caís do Tojo, o Campo de Santa Clara, os Campos da Cruz de Buenos Aires e da Cotovia, a Ribeira, etc.. Referente ao Cardal da Graça, diz Júlio de Castilho em Lisboa Antiga: «No tempo de Tolentino (1741-1811) foi necessariamente o Cardal da Graça o sítio onde se enforcavam os criminosos. Haja vista o soneto XXXIII do mesmo poeta, que principia «Ergueu aos céus alegre gritaria”, e termina «dar gosto ao povo do Cardal da Graça».  (Masoquistas, hein?)
(3) Ignora-se a local exacto desta quinta; seria no terreno sito entre a Rua da Senhora da Glória, a Travessa da Pereira e a Rua do Sol, terreno pertencente ao prédio n.° 14-15 do Largo da Graça? Faltam testemunhas que o confirmem ou neguem. A Quinta do Alcaide Fidalgo compreendia não só o quarteirão de casas situadas entre a Travessa da Pereira, a Rua da Verónica e a Rua da Senhora da Glória, mas ainda mais terreno para nascente deste quarteirão. A rua de N. S.ª da Glória foi rasgada em terreno desta quinta e possivelmente outras ruas como a Leite de Vasconcelos).

N.- No próximo ano (!) falaremos de algumas igrejas do Rio de Janeiro.


15/11/2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015



Cheiro a Mar – 3

Texto dedicado em especial aos “navegantes do Mussulo I”
(Hoje já mais dez anos passados, a saudade!)

Se não fizeres hoje,
o amanhã será igual a ontem.
Se fizeres mal, será pior.

3.  Ao fim de trinta anos de “sequeiro”...

Os primeiros trinta anos de Brasil foram uma luta de sobrevivência... complicada. Terráquea. Só.
Barcos, com vela ou remos ficaram longe, muito longe até do subconsciente. Até um dia... e isso está contado no livro “Mussulo – Um Abraço à Vela”, o mar me chamou. O Abraço que fomos levar a Angola.
Finalmente, já lá vão, outra vez, dez anos, quando após meses de preparação, no dia 3 de Dezembro de 2005 largávamos as amarras do veleiro, e as dos corações guardávamos com carinho, vendo cada vez mais longe aqueles da família e amigos que se tinham ido despedir de nós, e sabíamos que ficavam com o coração também apertadinho, vendo-nos numa minúscula casca de noz!
O barco, uns ridículos e valentes doze metros, amarrado na Marina da Glória mostrava já a sua pequenez ao lado de alguns iates grandões que só servem para exibir fortunas, fazer relações públicas e levar meninas “oferecidas” para fins de semana.
O dia estava bonito, um vento agradável, a vista para todos os lados na baía era, sempre foi e continua a ser, o mais bonito cartão postal do mundo.
Há quem chame ao Rio a “Cidade Maravilhosa”, letra duma bela canção que Caetano Veloso imortalizou, mas a verdade é que o maravilhoso não é a cidade, mas a natureza que a circunda. Podiam ser as duas, mas... isso é para outra conversa.
Dentro daquela “coisa pequenina” em que decidimos atravessar o Atlântico para levar um Abraço a Angola, os três marinheiros sabiam que teriam muitos problemas pela frente, mas esperavam que houvesse, sempre, muita água “debaixo da quilha”!

A largada, à exata hora prevista com 3 meses de antecedência!
Soltas as amarras às 14H00M, sair da Marina, e eram 14H17M já a navegar

Percalços logo na saída, porque, “vítima dum pequeno grande erro” tivemos que ir abastecer os tanques de combustível. Por fim, velas envergadas, a caminho da saída da maravilhosa baía.
Sentíamos que todos os inselbergs, os antigos fortes que nos velhos tempos defendiam a entrada de estranhos e inimigos na baía da Guanabara, as florestas e até o casario que ainda se avistava, não tiravam os olhos de cima daquele pequeno ponto branco que se atrevia a enfrentar os “monstros marinhos” que os grandes descobridores acabaram, felizmente, por não encontrar, quando meticulosamente percorreram todo o Atlântico Sul, para o mapearem e assim permitirem o famoso caminho das especiarias pelo mar. Terras de Vera Cruz cedo foram encontradas e só muito mais tarde divulgadas ao mundo atônito pelas descobertas realizadas pelos destemidos e sábios navegadores portugueses de antanho.
A saída da tranquila baía trouxe-nos não uma surpresa, porque havíamos bem estudado a meteorologia, mas um desagradável vento contra, uma ondulação extremamente incômoda, enquanto o sol, talvez envergonhado por não nos poder proporcionar um pouco mais de luz e beleza, escondia-se atrás das montanhas da Tijuca.
Perto da costa e sabendo do relativamente intenso tráfego marítimo em idas e vindas para as plataformas de petróleo, a navegação à noite exigia redobrados cuidados. E ou seguíamos batendo de frente nas ondas ou seriamos obrigados a alterar o rumo, virando a sul e nos afastando da rota mais curta.
Só ao fim de dois dias o mar se mostrou mais compassivo e a navegação menos violenta. Já se cozinhava, e bem, o almoço, passados os enjoos, todos tinham o seu quarto de descanso, o tio o direito a não fazer quartos durante a noite! Privilégio da “tenra” idade.
Durou pouco a confortável navegação. No quinto dia Neptuno quis mostrar quem era o “Senhor Absoluto” daquelas águas e exibiu o seu poder. Algumas vagas que podemos chamar de alterosas, dada a pequenez da atrevida embarcação que as percorria, encharcaram parte da cabine e acabou com alguns dos equipamentos eletrônicos que ajudavam no traçar da rota. Uns banhos para matar saudades...


Mais adiante foi o “Éolo, Senhor dos Ventos” que nos enganou, pregou-nos uma partida, fazendo-nos pensar que havia um melhor rumo que nos permitiria “cortar” caminho para Luanda. Ingênuos, fomos levados para uma zona de calmaria.
’Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? Qual o oceano?
(Castro Alves – O Navio Negreiro)

Dali só conseguimos sair, sem nunca termos visto o raio verde, a motor, para vinte horas mais tarde voltarmos a encontrar o vento que nos levaria então ao destino, mais a sul, Namibe,
Apareciam golfinhos e aves. Os primeiros vinham cumprimentar-nos e correr ao lado e à frente do barco, fazendo cabriolas para nos distraírem. As aves, também admiradas do atrevimento daquela asa branca ensaiavam até pousar no topo de mostro! A meio do oceano desapareceram esses simpáticos parceiros para um ou dois dias depois voltarem outros. Curioso: outras espécies de golfinhos e de aves. Estavam-nos a mostrar o meio do oceano e a dizer “já falta pouco”! 
As condições dos ventos e do mar e a consciência de que as conhecemos, dá-nos uma paz de espírito enquanto navegamos, e o contato íntimo com a Natureza dá-nos a dimensão real da vastidão do mar.
De madrugada, após trinta e um dias de mar e céu, chegámos a Namibe, onde uma recepção fantástica nos aguardava. A comoção foi tão forte que nos humedeceu os olhos.
Trinta e um inesquecíveis dias. Mar e céu, que à noite, quando sem nuvens, se mostrava esplendoroso.
Depois mais dois dias de bela navegação ao longo da costa, aquele calorzinho gostoso de Angola, ansiosos para chegarmos à Ilha do Mussulo!


Dois dias no paraíso, umas horas mais de navegação, e finalmente Luanda!
Uma nova onda, não de mar mas de emoção nos assaltou. Um “tsunami”!
Muito ficou guardado cá bem dentro, que ninguém mais de lá arranca.
Mas quem quiser ver um pouco da chegada a Angola: um filminho, montado pela Ana Clara Tendinha, com muito trabalho, muita simpatia, com duração de 20 minutos.
Em cima duma cómoda, na sala, mais outra pequena recordação a juntar à saudade de tantos amigos novos, os “sobrinhos”!

Parece que esta foi a etapa que encerrou as possibilidades de continuar com as minhas muitas paixões e sonhos pelos mares, que andaram sempre comigo!
Ainda cá ficou dentro uma sementinha que, quem sabe, ainda vai dar algum fruto! Estou a amadurecer a ideia! Nem seja atravessar nas barcas Rio – Niteroi!
Antes que a barca de Caronte me venha buscar só com passagem de ida!
Qui sera... sera!

05/04/2015



domingo, 29 de novembro de 2015




Cheiro a Mar - 2

Não esqueças, nunca,
Que é ficar para trás não ir avante.
Ramon de Campoamor- Poeta espanhol, 1817-1910
2.   Por África e não só

Como seria África? Igual ao que víamos nos filmes do Tarzan? O tempo iria desvendar-nos muito desse continente magnífico, que tanto nos marcou pela vida fora.
Por estas terras, muitas foram as andanças por cima das águas. Logo de entrada, quando em Angola só havia dois pedaços de estradas asfaltadas, 60 km entre Luanda e Catete, que parecia uma montanha russa, tantos os altos e baixos, e mais 30 entre Benguela e Lobito, tudo mais naquela extensa terra era mesmo de terra, e pontes... nem me lembro já se havia, ou quantas, de modo que o cruzar os rios era feito em toscas, mas fortes jangadas de madeira. Um cabo de aço preso nas duas margens, homens fortes, troncos nus, a ximbicarem, e na travessia do Quanza, na estrada para a Quibala, cantavam:
“Vai, não vai / vira, não vira / mata-bicho... cem angolares”
para “comoverem” os motoristas a não esquecerem de lhes dar o musendu, ou o matabisu, uma gorjeta suplementar! Sempre recebiam.
E havia jangadas em muitas estradas. Na estrada para a reserva da Quissama, no Cubango, e muito mais.

A caminho da Quissama, já com jangada a motor.
Ali está o Fusca do meu grande amigo Armando Avillez

Em alguns ribeiros se as chuvas não tivessem sido muito fortes, passava-se com o carro por dentro da água. No tempo em que perguntar pelo estado da estrada a resposta era simples: se não tivesse chovido, “passa” se tivesse caído uma boa chuvarada, “não passa”! E quando não passava, à espera de baixarem as águas, às vezes mais de um dia, dormia-se dentro do carro! Tudo era aventura!

Pelas "auto-estradas de Angola

Por mares, muitas viagens de navios: de volta a Lisboa, saído do Lobito, primeiro no velho “Quanza”, que parou em Luanda, Pointe Noire, ex-Congo Belga, onde entrou um casal que se tornou um dos mais fortes amigos que tive: a Arlete e o Zé Neto! A seguir um dia na Madeira para descarregar 1.500 toneladas de milho que Angola mandava para aquela terra (hoje não manda nada!) e nos proporcionou visitar aquela maravilhosa ilha. Regresso a Angola, de avião e mais uma vez no “Niassa”, do Lobito para Lisboa. Sempre sozinho nestes percursos. Finalmente, desta vez levando junto a família, ainda só com dois filhos, de volta a Angola no “Pátria”. Muito mar cruzado!
Vivendo em Luanda e tendo que me deslocar com frequência, e com receio de enjoar nos aviões, os brilhantes DC3, algumas idas a São Tomé no “Moçambique” e no “Vera Cruz”, e alguns passeios especiais neste último, convidados pelo comandante, saudoso primo, fazendo, em dois dias Luanda-Lobito-Luanda. Tudo isto misturado com muito voo para a Europa e dentro de Angola, nos aviões de carreira e em teco-tecos alugados em serviço da Cuca.
No meio de estudos e estágios em fábricas, na Europa, um dia, depois de tantas vezes ter visto um risco vermelho num mapa da Europa que guardava havia muitos anos, entendi que aquele risco indicava uma ligação marítima entre Harwich na Inglaterra e Esbjerg na Dinamarca. Uma vez em Londres, 1961, fui informar-me. Havia! Comprei a passagem para o casal e mais o nosso belo carro na altura, um Simca Aronde. Saímos de Harwich ao meio dia, um inabitual calor de verão nas terras de suas majestades, o Hide Park cheio de londoners estendidos ao sol, à noite já navegando no Mar do Norte um mau tempo incrível fez o barco balançar como louco. Parte da viagem incluía jantar, típico de dinamarquês – smorrebrod com arenque fumado, que achámos mais ou menos intragável – a minha mulher cheia de medo do temporal não comeu nem dormiu e eu quase cai várias vezes do beliche com os balanços, para chegarmos à Dinamarca no dia seguinte às sete da manhã e zero graus de temperatura! Foi barato. Ainda hoje esse trajeto para dois adultos e um carro médio custa £ 150,0.
Mas o mar lá estava sempre, sempre, a banhar Angola, convidando a que o gozássemos, tentador, lindo, e começa a doença da vela roendo-me as ideias desde a mais tenra idade, a vela, que me fez cair apaixonado pelo Argus, que acabei por comprar, além dum pequeno Moth Europa para um dos filhos se ir iniciando.
Com muita animação e vontade, organizou-se o 1° curso de Patrão de Costa (no Brasil, Mestre Amador) e mais tarde, sozinho, em Moçambique, com o auxílio de um jovem oficial da Marinha, a difícil Carta de Patrão de Alto Mar (Capitão Amador no Brasil), no tempo em que não havia GPS, e tudo era feito na base do sextante, cálculos matemáticos, consulta de “cartas de altura”, perto da costa a orientação pela rádio, uma boa canseira de que o próprio jovem oficial já nem se lembrava!
Mas tinha o MEU barco! Agora sim, podia gozar a independência, o horizonte infinito, a calma e o chuá-chuá da água a roçar pelo casco, os fins de semana a navegar em mar aberto ou no Mussulo, sem ter que ficar espalmado na praia a apanhar sol como um largarto e ficar a semana toda incomodado com a queimadura!...
Não falhava um fim de semana! Marinheiros “auxiliares” os filhos: um, dois ou todos conforme a disposição deles!

Um dos “auxiliares”: Tiago com pouco mais de um ano

O Sonho de um dia fazer uma navegação a sério, correndo o mundo, levava-me a sonhar...
Transferido para Moçambique, não podia levar o Argus. Calhou, no meio das viagens pela Europa ir a Londres onde aproveitei para comprar os planos dum catamaran polinésio de 40’, sem cabine central, simplesmente um estrado unindo os dois cascos, que considerava ideal para passear pelas costas africanas e arribar às praias sem dificuldade. Procura em Lourenço Marques um bom construtor naval, discutimos o projeto, ele diz que tem que encomendar as madeiras de qualidade que teriam de esperar pelo menos um ano para não empenarem depois de cortadas. Se tem que ser assim, é. Quando um dia, uns dois anos depois, ele me avisa que poderia começar a obra, tudo pronto, madeiras em condições,... o “glorioso” vintecincobarraquatro com cravos vermelhos antecipadamente encomendados pelo partido dos comunas, que estava a par de tudo, acabou de vez com o meu barato e o de milhares de outros.
Até uma prancha de surf à vela que tinha encomendado em França nunca recebi!
Entretanto só tivemos ocasião de comprar um Optimist para os filhos menores e um Vaurien para os outros, que ainda conseguiram chegar conosco de volta a Luanda.
Mas já era tarde para gozar o mar!
Pouco depois... acabou-se África. Refúgio no Brasil, com a mulher e sete filhos no lombo. E aqui não houve mais dinheiro para fantasias desportivas!
Ficaram os sonhos dos mares, as saudades, dos rios, das savanas e muito das gentes das terras africanas!
Só a assinaturas de algumas revistas de vela onde, feito criança, ia “estudando” e definindo o barco que melhor se adaptaria para um dia... um dia... o sonhado cruzeiro à volta do mundo, feito Joshua Slocum, por milagre, se tornar realidade!

(continua)


quarta-feira, 25 de novembro de 2015



Cheiro a Mar - 1
Um mergulho nas profundezas da memória

E nunca que ouvimos a nossa vida em nós,
Só ouvimos é quando chega o seu silêncio...
José Luandino Vieira, in “Águas do Mar, o Guerrilheiro”


1.                  De Portugal até Angola
Um mergulho nas profundezas da memória, sem óculos nem “snorkel”, o coração cheio de vontade de reviver alguns momentos que as águas proporcionaram.
A água é, como sabemos, o mais precioso dom que a natureza, com toda a sapiência do Criador, nos legou. E está a tornar-se um dos mais raros, poluído pelos resíduos industriais dos grandes potentados financeiros, em fase de destruição total do planeta. Rios e mares.
Creio que todos começamos a nossa vida por beber, além do maravilhoso leite materno, água.
Em pequeno, o quanto era chic aquelas roupinhas “à marujo”, que se usavam em dias de festas! Um chamado às águas, há tantos anos, que esqueci quando foi, mas ficou para sempre! Quem lembra destas elegâncias???


As brincadeiras nas praias, no tempo em que as ondas eram perigosas, um ou outro mergulho meio a medo, porque as ondas grandes ninguém as enfrentava e hoje são brincadeira de surfistas. Nas marés baixas, o mar afastava-se de mansinho, afloravam rochas pequenas, cobertas de rasas algas, onde brincávamos com minúsculos caranguejos e anémonas, e nas grandes marés apanhávamos mexilhões, lapas e percebes (que delícia!). Comendo-os, muitas vezes ali mesmo, come-se e bebe-se mar, tal como disse Tomaz de Figueiredo: Aquele gosto e o cheiro a mar nunca mais saíram das papilas sensoriais, do coração, do pensamento, da vontade de o ter sempre por perto.
E tê-lo sempre por perto nem que seja para sentar em qualquer lugar e ficar olhando, olhando, sonhando.
Andar pelas margens do Tejo, ver aquelas lindas asas brancas como cisnes, dos pequeninos “Lusitos” de instrução a futuros mareantes, passeando em cima das águas...
Talvez 1940 e tal. Criança, foi para mim um espetáculo “quase grandioso” atravessar o rio Tejo, em Vila Franca de Xira, numa jangada. Ainda nem projetada estava a ponte que continua a chamar-se “Marechal Carmona” e que, por ter em cada lado, nas entradas, uma esfinge do então simpático Presidente da República, ficou conhecida como a "Ponte Bi-Carmonato de Pontássio”. Genial.
Inaugurada em 1951, já pelo Presidente Craveiro Lopes e Salazar que chegaram a Vila Franca, imponentes, numa viatura espetacular: um “Landau de Cinco Vidros”, carro lindíssimo que se encontra hoje no Museu de Carros de Cavalos na Quinta da Bouça perto de Viana do Castelo. 



A travessia, com os carros a balouçarem a jangada quando entravam, era emocionante!
Outras travessias, por vezes com o Tejo mal humorado, muitas de Lisboa para o Barreiro, onde apanhava o comboio da linha “Sul e Sueste” para Évora. Na Casa Branca, quilómetros antes de ali parar, à nossa espera já nos invadia o fumo e o cheirinho maravilhoso, uummm... das bifanas incomparáveis que estavam a fritar no cais, e o copo dum tinto mais que alentejano que se bebia no bar da estação tirado diretamente do pipo, um candeeiro de petróleo dando a todo o ambiente um misto de paz e verdade, o comboio separava-se: parte seguia para o Algarve e outra para Évora e audiante. Os que íamos para a famosa e saudosa Escola de Regentes Agrícolas, a Herdade da Mitra, saíamos no apeadeiro do Tojal, hoje desativado, onde nos aguardava uma carroça da Mitra para nos levar as malas! Os seis ou oito quilómetros que nos separavam da Escola eram galgados a pé. E à noite.
Deixemos o sequêro e voltemos às águas.
Saudade da calma e linda baía de Cascais, algumas velejadas no Sharpie 9 do meu querido irmão, compadre e padrinho Luis Quintella, e ser projetado para fora pelas suas “traiçoeiras” brincadeiras ao cambar quando eu estava distraído e a retranca me obrigava a banho forçado!
Lembro bem as primeiras águas que cruzei. Doces.
Por cima das águas, não esqueço duas visitas importantes: uma ao Navio Escola do Brasil, “Almirante Saldanha”, em 1946 (?) na primeira viagem que este belíssimo navio fez à Europa, instruindo os Guarda Marinha, os “Espadinhas”, entre os quais um primo que nos deu um prazer imenso ter conhecido.
  


Em 1950 a primeira “Grande Viagem Oceânica”! Ano Santo, excursão a Roma de rapazes da Acção Católica, no “Mouzinho”, navio comprado em 1929 e que morreu em 1954. Enjoo de começo e muita alegria a seguir, com amigos que muitos já se foram e outros ainda por cá estão e preenchem o nosso coração. Os que tinham dinheiro viajavam nas cabines. O maralhal, nos porões transformados em caserna de combate. Uma maravilha! Vimos Roma, alugámos uma Vespa e fomos recebidos pelo Papa Pio XII em Castel Gandolfo.
Ficaria mal se não dissesse que ficámos hospedados num colégio de freiras – era verão e não havia aulas – e as boas das freirinhas não tinham mãos a medir à voracidade com que aquela rapaziada devorava as espantosamente boas “paste cotta con salsa di pomodoro e formaggio”. Vão 65 anos e ainda hoje me abrem o apetite!
Mais tarde, já nos anos 50 e qualquer coisa, a visita a Portugal do porta-aviões americano “Coral Sea”, um imenso gigantão dos mares. Impressionou, sobretudo por dentro, o tamanho do elevador para os aviões que lhe estacionavam no porão (130!); parecia que todo o cais lhe caberia dentro. 295 metros de comprimento e 230.000 HP de força dos motores, 33 nós de velocidade! Um monstro dos mares.


“Coral Sea” fotografado em 1986 já com novos aviões a bordo.

Depois começaram as águas a “sério”.
1954. Primeiro de Agosto. Casado há pouco mais de duas semanas, embarcava no “Moçambique”, sozinho, a caminho de Angola. Deixava no Cais da Rocha, em Lisboa, mãe, irmãos, tias, sogros e a noiva que só iria ter comigo dois meses e meio mais tarde. O navio a afastar-se, do cais uns lenços brancos em acenos tristes e eu, coração apertado, apertadíssimo, levantava tristemente a mão para que me vissem entre as serpentinas que atiravam os emigrantes para fingirem que era uma festa. A maioria com os olhos lacrimejando!
Meio enjoado nos primeiros dias, a escala na Madeira, com toda a sua beleza natural e um casual encontro com um amigo de infância, o querido Zé Perestrello, retemperou-me as forças e um pouco do espírito. Depois, uma semana mais de mar, com peixes voadores e golfinhos alegrando a monotonia, a disposição já refeita, boa comida – na mesa do comissário – sem que as saudades abrandassem, uma manhã, bem cedo, surge no horizonte um “chapéu mexicano com algodão envolvendo a parte média do cone”. São Tomé.
Ainda cedo o navio lança âncora na bela baía Ana Chaves, pouco afastado do cais.
As minhas tias sabiam que ali vivia um afastado parente, Humberto Gomes de Amorim, administrador das roças do Banco Ultramarino; mandaram-lhe um telegrama avisando da passagem do “parente-emigrante”.
Homem influente na ilha, lá estava em terra, brilhante careca à mostra. Entrou na primeira lancha que se dirigiu ao navio e foi a bordo buscar-me. Simpático, levou-me para tomar o “mata bicho” cheio de frutas tropicais e um belo café na varanda da sua casa – quase um palácio – e depois dar uma volta por aquela ilha das maravilhas. Tivemos dificuldade em saber qual era o nosso antepassado comum, mas ao fim de muito procurarmos lá estava: o bisavô dele, Francisco Gomes de Amorim, tio e padrinho do meu também bisavô e homónimo! Bingo.
Mais um dia e meio de mar entrámos finalmente na baía de Luanda, à noite. Dez dias de mar, e toda uma nova vida pela frente.


05/04/2015