sábado, 25 de julho de 2015



Soltas (3) e (muito) Dispersas


5.- Um dos melhores e mais extraordinários monumentos caligráficos de todo o mundo e o maior que Portugal possui é a Bíblia dos Jerónimos, manuscrita, em sete volumes, com iluminuras para além de magníficas. Nesta obra participou o grande artista António de Holanda.
Feita entre 1495 e 1514, dizem que foi presente da corte de Roma ao Rei Dom Manuel, ou de... quem?
Quando das invasões francesas o senhor Junot ROUBOU esta maravilha e levou-a para sua casa em Paris.



Depois que se estabeleceu novamente um governo em Portugal, o Duque de Palmela multiplicou enérgicas reclamações junto do Gabinete Francês. Finalmente, em 1815, o rei de França Luis XVIII, querendo fortalecer a sua delicada situação, entremeada com o pavor do regresso de Napoleão, meteu a mão no bolso e indenizou ele mesmo a viúva do ladrão Junot em 50.000 francos.
A maravilhosa Bíblia dos Jerónimos voltou então para sua casa e descansa, esperamos que per omnia saecula saeculorum, na Biblioteca Nacional.  

6.-  António de Holanda, depois de terminar os seus trabalhos na obra Bíblia dos Jerónimos, escolheu Évora para continuar os seus trabalhos. Foi investido no ofício de Arauto d’Armas de Portugal, o que lhe permitiu mandar ir para sua casa os livros magnos de Tomar que, dizem, ornou com suma habilidade. Apesar da avançada idade o grande miniaturista deixou a sua vivenda em Évora e foi estabelecer-se no Castelo de Tomar na antiga residência do Grã-Mestrado da Ordem de Cristo. 
Aqui, cercado de obras primas, que melhor do que ninguém sabia o valor, continuou o seu trabalho.
Infelizmente os livros magnos de Tomar “sumiram” no final do séc. XIX. Coisas da República!
Garcia de Resende, também grande desenhista e arquiteto – é dele o projeto da Torre de Belém – foi um dos artistas que executaram uma preciosidade, em que terá também trabalhado António de Holanda, a Árvore Genealógica dos Reis de Portugal, levada aos tempos mais afastados, como a Magg, filho de Japhet e neto de Noé.
Uma obra excelente dos miniaturistas portugueses do século XV, hoje estão... no Museu Britânico! Ainda se encontrava em Lisboa, mas em 1843, servindo o então adido à Legação da Inglaterra em Portugal, o sr. Newton Smith, Portugal vendeu a obra aos ingleses!
São onze folhas de pergaminho de não menos de um pé e dez polegadas de alto sobre dez polegadas de largo cada folha, estendidas todas sobre outras tantas lâminas de chumbo e protegidas por vidraças contra as injúrias do tempo!
Talvez tivesse sido bom irem para Londres. Lá estão bem entregues com o título de Portuguese Drawings.
Portugal já tinha abandonado o Mosteiro dos Jerónimos que estava em ruinas, e se o rei Dom Fernando não tivesse chegado a tempo para o salvar, assim como o Mosteiro da Batalha, vendido a um comerciante, que estava a ser desmontado para se venderem as suas pedras, o que seria feito dele? 

7.- Houve um período em que pela Coudelaria de Alter do Chão aparecia um “velho e rabugento” coronel, alentejano de todos os costados, cujo nome, por não ter já a certeza, não menciono. Aquela figura de coronel, empertigada, bigodes frondosos e revirados nas pontas!
Chefe de família grande, um dia alguém o foi cumprimentar e dar-lhe os parabéns porque ia casar mais uma neta.
O velho coronel, voz rouca, desdenhou:
- Ora, ora, pu* as as mesmas, cab** ões mais um!
Como o bom coronel previa o futuro e compreendia a família!

8.- Existem duas prováveis justificativas para explicar a origem da expressão "pagar o pato", sendo a primeira a referência a uma história do século XV e outra uma antiga brincadeira portuguesa. 
De acordo com a história, um camponês passava pela rua com um pato, quando foi abordado por uma senhora que queria comprar o animal, mas não tinha dinheiro e por isso propôs pagar com "favores sexuais". 
Passado algum tempo, a mulher alegava que já tinha feito sexo suficiente para pagar o valor do pato, mas o camponês exigia mais... pelo bicho. O marido da mulher chega à casa e encontra os dois discutindo e pergunta o motivo da briga. A esposa explica que o camponês queria mais dinheiro pelo pato que ela havia comprado. O marido, para evitar mais discussões, oferece dinheiro para o camponês, literalmente pagando pelo pato.

9.- Norte de Moçambique. Reza a tradição e narram na bula-bula escutada atentamente pelos mais novos, que quando o primeiro macua foi gerado de um caniço, e logo depois surgiu a primeira mulher, ambos começaram a conviver, comportando-se como macho e fêmea. Viram que era bom fornicar, ignorando que aquilo que lhes dava tanto gozo, pudesse resultar em procriação. Quando a mulher embarrigou e depois, surpreendida, viu sair de dentro de si uma criança, não relacionou o fato com o que fazia com o homem quando o corpo lho pedia. O nascituro era parte de la e exclusivamente sua. O macho nem deu conta de poder ter interferido no evento. A mulher atribuiu a natalidade, que ignorava poder ser fenómeno biologicamente simples, a forças que excediam o seu entendimento. Sem perceber o mistério, julgou trata-se de magia sobrenatural que a excedia. Refletindo depois, eventualmente, sobre o mistério, pode ter interiorizado, sem disso se aperceber, um incipiente conceito de religiosidade.
(Tabus e Vivências em Moçambique – Edgar Nasi Pereira)

06/2015



segunda-feira, 20 de julho de 2015




Soltas (2) e Dispersas


1.- Já não sei que ano corria, mas seria no princípio do século XX. O rei Dom Carlos, em 1907 (?) visitou a Real Coudelaria de Ater do Chão e era diretor da mesma Cristiano Mendes Callado, creio que avô de quem mais tarde foi o diretor da Escola de Regentes Agrícolas de Évora, um Grande Homem, o Engenheiro Agrónomo Augusto de Matos Rosa, nascido naquela Vila, na altura com seis anos, e quem me contou o episódio.
Sua majestade chegou numa viatura fantástica: um automóvel! Jamais havia sido visto naquelas bandas, semelhante meio de transporte. Seria talvez o que foi dele. Um Peugeot de 18 CV de 1905.



Com o rei seguia a rainha Dona Amélia, motorista e ajudante. No regresso da visita à Coudelaria, o rei passou na casa do diretor da mesma para o deixar, e o menino Augusto entusiasmou-se de tal modo com o automóvel, que quis por força entrar nele. O rei, amável, como parece que sempre foi, pegou na criança, sentou-o entre ele e a rainha, e o carro seguiu em frente com a intenção de o deixarem um pouco adiante, na praça principal, para onde o pai seguia a pé. Uma distância de menos de duzentos metros!
O pequeno Augusto sentia-se como o Petit Prince, levado às alturas!
A rua onde moravam, numa bela casa, tinha no final – e ainda tem – uma curva muito apertada, fazendo um ângulo de quase noventa graus – e ainda me lembro que não era qualquer um que cinquenta anos depois se atrevia a passar ali de carro! – e o carro d’El-rei... não passou! Engasgou-se na curva, tiveram que vir braços extras para o colocarem para trás, e andando de ré foram até à porta do menino que ali foi deixado com imensíssimo desgosto!  A viagem fora demasiado curta!
Suas majestades recuaram um pouco mais e seguiram viagem por outra rua!

2.- Finalmente encontrei, aliás, tomei conhecimento do meu mais antigo antepassado!
Segundo grandes cientistas, o primeiro ser, não contando as amebas, mas aqueles onde já se encontrava algo como o DNA, os “famosos” eucariontes ou eucariotas, seriam os primeiros seres que deram toda a vida animal a este planeta.
Nunca fui muito fã destes eucariotas, porque me lembravam o Judas Escariotes, e era um peso na consciência ter um antepassado ligado a essa família, mesmo sendo isso há dezenas de milhões de anos, se não bilhões.
Agora, para meu sossego nova descoberta foi feita, e descobriram que os eucariontes são descendentes dos procariontes ou procariotas, de modo que a minha árvore genealógica ficou muito mais simpática.
Falta só descobrir como era a cara do vovô Procariontes!
Devia ser alguma coisa como o que aqui vai, mas sem o rabo que os macacos ficaram com ele. Ainda por cima era um “flagelo”! Mas que o DNA é igualzinho ao nosso... é.

Mas agora, em plena idade da decrepitude, o médico – visita de rotina – receitou-me dois medicamentos que me vão proporcionar a eternidade!
Um deles, cujo preço é de extrema singeleza para a compreensão humana, anunciado pela farmácia na Internet é De: R$ 157,01 mas vendem por: R$ 22,99. Vejam só quando gentileza pública: 85,5% de desconto!
O outro é o autêntico elixir da vida eterna (Amén). Na sua composição entram: cera alba (cera de abelha) cera de carnaúba (com que se dá polimento a móveis e automóveis), dióxido de titânio (que é um pigmento para tintas ou para protetor solar), farinha de trigo (do padeiro), goma arábica (um dos componentes da Coca-Cola e o que eu usava em garoto para fixar o cabelo) laca vermelha (um corante tirado da cochonilha), muito outro lixo e talco (esteatita, um mineral filossilicato, com composição química Mg3Si4O10(OH)2, muito usado para pôr nas virilhas do bebés para não assar).
Com tal composição, além dumas inúteis vitaminas, isto só pode ser o elixir da longa vida!
Mas no Brasil é assim, descontos, sem que se peça alguma coisa, que vão a, pelo menos, 85,5% e mais um remedinho cheio de coisas para o deixar lustroso com as ceras, penteado com a goma e fresquinho com o talco.
Será que eu estou bem dos neurónios?

3.- A conquista do trono de Portugal pela coroa de Castela, começa em 1580 quando o rei Filipe II de Espanha manda um exército comandado pelo duque de Alba que entrou em Portugal em julho e rapidamente foi destroçando as forças portuguesas que se lhe opunham.
Em Cascais, no mês de agosto, venceu a guarnição portuguesa enforcando o comandante dela, D. Diogo de Meneses, além do alcaide Henrique Pereira e dois artilheiros. Depois de enforcado D. Diogo de Menezes foi degolado.
Em 1619, meio apagada já a lembrança das assolações e cruezas do Duque d’Alba, Filipe III (II de Portugal) decide visitar Portugal. Em 10 de Maio entrou em Elvas e mandou avisar que ao passar em Évora queria presenciar um Auto de Fé. Deram-lhe a ambicionada festa, que durou desde manhã ao pôr do sol, com cento e vinte penitenciados e doze criaturas queimadas vivas, quatro homens e oito mulheres. (Este Filipe não será o mesmo, com outro nome que comanda agora o ISIS?)
Em 29 de Julho fez a sua entrada solene em Lisboa e não pôde este monarca reprimir um grito, de admirado e surpreso ao contemplar as riquezas variadas que por todas as partes se lhe antolhavam. Haviam saído a recebe-lo as corporações dos mesteres ou ofícios e, circundando os arcos triunfais em cada rua levantados, achara reunidas as pompas do Oriente e do Novo Mundo. Registrou-lhe a história um dito, que a hombridade portuguesa fez depressa esquecer ao seu sucessor: “Só hoje sei o que é uma recepção real!”
Quando a corporação dos ourives desfilou em sua presença, não se contentaram os diretores da festa com adereçar de simbólicas imagens douradas o préstito; apresentaram ao frouxo herdeiro de Filipe II estátuas de prata maciça.
Durante toda a sua permanência em Portugal sempre mostrou a máxima indiferença pelos negócios públicos.
Depois desta visita ficaram ainda mais acentuados os desentendimentos entre Portugal e a Espanha.

4.- Um dos meus tios, casado com uma irmã de meu pai, aquele tio de quem todos mais gostávamos, gordo, sempre sorridente, simpático, nunca criando qualquer problema, para ele estava sempre tudo bem.
Impecável, o cabelo cheio de brilhantina, muito bem penteado e muito bem vestido, era um companheiro esplêndido.
Gostava do seu copo e, infelizmente bebia demais, o que o fez “ir-se embora” mais cedo. O seu vício era tal que um dos meus irmãos, seu afilhado, estava encarregado de providenciar para que o seu frasco de “água de colónia” no quarto de banho estivesse sempre cheio, para que a tia não percebesse; a água de colónia era gin, que ele começava a beber logo pela manhã!
Nós, os irmãos, que cedo ficámos sem pai, e nunca tínhamos um tostão furado, aos domingos, quando íamos almoçar em casa dos avós, aguardámos, impacientes a chegado do tio Chico!
- Quem quer fazer um favor ao tio, e ir comprar cigarros? Player’s Navy Cut.


Os mais velhos apresentavam-se em menos de um segundo! O tio dava-nos dez escudos e os cigarros, já não lembro bem mas custariam uns três ou quatro, e nós guardávamos o troco! Era a maneira que esse tio arranjava de, disfarçadamente, nos ir dando uns cobres!
Sempre trabalhou na empresa que, creio que até ao fim da II Guerra, representava a Peugeot e Packard, de modo que o tio Chico tinha sempre um Peugeot, um pexoxinho, como ele lhes chamava.
Muitas vezes, no verão, de Sintra para Lisboa lá ia o tio, só ou comigo ou o meu irmão, quando eu teria aí os meus dezoito anos. Volta e meia o carro engasgava-se, saía fumaça de algum lugar, o tio encostava na estrada, abria o capô, olhava para dentro com ar compenetrado e soltava o seu habitual científico veredito:
- Isto deve ser qualquer coisa. O melhor é chamar o mecânico!
E ali ficávamos à espera que alguém passasse e chamasse um mecânico na primeira povoação!
O seu mal foi o álcool. Mas era um indivíduo de coração imenso, afável, bem disposto, avesso a discussões e que adorava o seu Belenenses; o Belenensesinho!
Foram tristes os últimos dias da sua vida, mas está, de certeza lá em cima, num lugar tranquilo, em Paz.

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06/2015







sexta-feira, 17 de julho de 2015




Pétain e Coulibaly


Em França, dois nomes são hoje condenados ao ostracismo e, pior ainda ao ódio e repulsa da maioria dos franceses.
O primeiro, do grande Marechal, que eu por mais de uma vez defendi em conversas com amigos que foram membros ativos da Resistance, e o fuzilariam outra vez se pudessem, foi um grande herói da França, e o ÚNICO, apesar dos seus 84 anos a opor-se à guerra com a Alemanha que ele sabia ser a condenação a uma derrota total. Em 1939 a França, e o seu glamour, estava totalmente despreparada para enfrentar uma guerra, e alguém tinha que procurar atenuar, dentro do possível, a fúria nazista. Todos deram o fora e o velho Marechal assumiu a pseudo presidência do país, sabendo, com toda a certeza, que iria sair vexado, infamado, aos olhos do povo. Até odiado.
O “grande herói” De Gaule, inteligente também, ao primeiro contato com os invasores logo viu que qualquer resistência em termos de enfrentamento direto seria um desastre. O que fez? Rapidamente deu o fora, fugiu, e foi para Londres berrar aos microfones para que o povo, os civis, lutassem contra o invasor. Ele estaria lá longe, bem instaladão.
Pétain fez o que faria qualquer pai de família que visse a sua casa invadida por bandidos a quererem roubar e matar toda gente. Ofereceu-se como “medianeiro”. Refém. Sabia que ia ser maltratado, enxovalhado, desprezado, sacrificado, mas com a ideia de proteger a família. Ele, o maior herói de França com 84 anos, não fugiu. Assumiu um cargo que nem o diabo aceitaria.
Moderou a ocupação alemã? Certamente ou talvez não ou quase nada, mas... em vez de o condenar, considero que a sua atitude foi de herói. A maioria trata-o com traidor.
É evidente que à sombra do seu nome se cometeram inúmeras atrocidades. Mas ele não mandava nada; era pouco mais do que um joguete na mão dos nazis, que tanta vez procurou enganar.
No fim da guerra, foi julgado e condenado à morte, comutada a pena em prisão perpétua que cumpriu na Ilha de Yeu, onde morreu com 95 anos.
Se ele não tivesse aceite o cargo, teria sido melhor ou pior para a França? Que responda quem souber. Quem souber; e não quem queira simplesmente palpitar.

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Coulibaly, outro nome amaldiçoado, desta vez por razões bem diferentes.
Um louco, Amedy, nascido em Paris de pais malineses, envenenado pelo islão radical, cometeu aquela série de assassinatos em Paris, começando por uma policial e depois mais quatro judeus no assalto do supermercado kocher. Morto no tiroteio com a polícia, deveria estar a pensar que iria encontrar-se com as prometidas virgens no “céu” islâmico!
Deixou um nome amaldiçoado.
Mas há muito mais Coulibalys que ficaram assim com o nome envenenado, sem nada terem a ver com isto. Um deles, Souleymane, da Costa do Marfim é jogador de futebol do Tottenham Hotspur Football Club, de Londres.
Outro futebolista, Adamo, também de pais marfinenses, joga no Racing Club de Lens, de Pas-de-Calais no Norte de França.
Um outro, Ousmane, de origem malinesa, futebolista também, joga na Superliga Grega no Palatanias F.C.
Coulibaly parece ser um nome relativamente corrente em diversas regiões de África.
Entre 1906 a 1922, um principe senegalês, de alta estatura, sereno e valente, foi ordenança do General francês Charles Mangin, a quem assistiu dia e noite com devoção e ostentação e que o general tanto apreciava.
Esteve sempre ao seu lado nas inúmeras guerras em que o General andou – na guerra dos Boxers na China, no Sudão, campanha de Marrocos, 1ª Grande Guerra em Verdun e Marne, e por fim na ocupação de Mayence (Mainz) na Alemanha, protegendo o seu comandante e cuidando do seu bem-estar.
Charles Mangin deixou escrito elogiando este desconhecido herói que tanto deu à França. Chamava-se Ali Baba Cloulibaly. Depois foi esquecido!
Mas pronunciar, hoje o seu nome...
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Quantos heróis a história regista que foram assassinados por “traição”? Todos os que secundavam Stalin, os principais obreiros da União Soviética, desde Lenin a Trotsky, passando por Nikolai Bukharin, Lev Kamenev, Alexei Rykov, Joseph Stalin, Mikhail Tomsky, Grigory Zinoviev, Sergei Kirov, Mikhail Tukhachevsky, Nikolai Yezhov foram expurgados... a tiro, além de mais quinze generais de exército e milhões de outros mandados para a Sibéria ou simplesmente desaparecidos. Eram “traidores”.
Hitler, com ameaças à família obrigou o grande Marechal Rommel a matar-se.
Até o pobre José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, sem ter traído coisa alguma foi enforcado, degolado, esquartejado. Bode expiatório.
Como Ganga Zumba, que o pressuposto Zumbi envenenou à traição e matou, sendo este quem, realmente, traiu os quilombolas.
A História é coisa complicada. Um indivíduo é condenado por traição e mais tarde reabilitado vira herói, como o contrário continua a ser possível.
A lei dos homens, não é lei, é conveniência a favor dos mais poderosos.


01/07/2015

domingo, 12 de julho de 2015



A Grécia tem, ultimamente ocupado os noticiários, as discussões, a política, as cabeças do mundo ocidental (o Oriente está-se bem lixando para a Grécia e para o Euro) com o suspense do vai ou não vai, sai ou não sai. A novela pelos vistos é bem antiga e uma olhada neste pequeno apanhado dum livro de 1858, dá um retrato bem claro e nítido do que se passava, e pelos vistos passa ainda nas terras de Helena, Ulisses, Penélope e Nausica, Aristóteles e outros nossos conhecidos.
Nomeado membro École française d'Athènes, Edmont About vai viver dois anos na Grécia, de 1851 à 1852, onde a conheceu em profundidade.

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LA GRÈCE

CONTEMPORAINE


PAR EDMOND ABOUT



TROISIEME   EDITION



PARIS

1858
 
LIBRAI RI E  DE  L.  HA C HE TTE  ET  C1ª.
Rue  Pierre Sarrazin,  14
Droit de traduction reservé
  

CHAPITRE    VII.

LES FINANCES.

Observations generales sur la situation financière  de la Grèce.­ La Grèce  vit  en  pleine  banqueroute  depuis  sa naissance.  - Les  impôts  sont  payés  en  nature.  - Les  contribuables  ne payent point  l'État , qui ne paye point ses creanciers. -Budget d'exercice et budget de gestion. - Les  ressources  du  pays  ne se sont pas accrues en vingt années.

Le regime financier de la Grèce est tellement extraordinaire et ressemble si peu au nôtre, que je crois necessaire, avant d'entrer dans les détails du budget, de placer ici quelques observations generales.

La Grèce est le seul exemple connu d'un pays vivant en pleine banqueroute depuis le jour de sa naissance. Si  la France ou l'Anglelerre se trouvait seulement une année dans cette situation, on verrait des catastrophes terribles: la  Grèce  a vécu plus de vingt ans  en paix avec la banqueroute.
Tous les  budgets, depuis le premier jusqu'au dernier, sont en déficit.
Lorsque, dans un pays civilisé, le budget des recettes ne suffit pas a couvrir le budget des dépenses, on y pourvoit au moyen d'un emprunt fait a l'interieur. C'est un  moyen  que le gouvernement grec n'a jamais tente, et qu'il aurait tenté sans succes. Il a fallu que les puissance protectrices de la Grèce garantissent sa solvabilité pour qu'elle negocie un emprunt a l'exterieur.
Les ressources fournies  par  cet  emprunt  ont eté gaspillées par le gouvernement sans aucun fruit pour le pays; et, une fois l'argent depensé, il a fallu  que les  garants,  par pure  bienveillance,  en  servissent les interêts : la Grèce ne pouvait point les payer.
Aujourd’hui elle renonce a l’espérance de s’aquitter jamais. Dans le cas on les trois puissances protectrices  continueraient indefiniment a payer pour  elle, la Grèce ne s'en trouverait  pas beaucoup mieux. Ses depenses ne seraient pas encore  couvertes  par ses ressources.
La Grèce est le seul pays civilisé où les impôts soient payés en nature. L'argent est si rare dans les campagnes qu'il a fallu  descendre  a ce mode de perception. Le gouvernement a essayé d'abord d'affermer l'impôt, mais les fermiers, apres être temerairement engagés, manquaient a leurs engagements, et lÉtat, qui est sans force, n'avait aucun  moyen  de  les  contraindre.
Depuis que l'État s'est chargé lui même de percevoir l'impôt, les frais de perception sont plus considerables, et les revenus sont a peine augmentés. Les contribuables font ce que faisaient les fermiers: ils  ne  payent pas.
Les riches proprietaires, qui sont en même temps des personnages influen ts, trouvent moyen de  frustrer l'État, soit en achetant, soit en intimidant les employés. Les emplos, mal  payés,  sans avenir   assuré,  surs d’être destitués au premier changement de ministère, ne prennent point, comme chez nous, les intérêts de l'État. Ils  ne  songent qu'à  se faire des amis, à amenager les puissances et à gagner de l’argent.
Quant aux petits proprietaires, qui doivent payer pour les grands, ils sont protegés contre les saisies, soit par un ami puissant, soit par leur propre misère. La loi n'est jamais, en Grèce cette personne intraitable que nous connaissons. Les employés ecoutent les contribuables. Lorsqu'on se tutoie et qu'on s'appelle frères, on trouve toujours moyen de s'entendre. Tous les Grecs se connaissent beaucoup et s'aiment un  peu. Ils ne connaissent guere cet être abstrait qu'on appelle l'État, et ils ne l'aiment point. Enfin, le percepteur est prudent: il sait qu'il ne faut exasperer personne, qu'il a de mauvais passages a traverser pour retourner chez lui, et qu'un accident est bientôt arrivé.
Les contribuables nomades, les bergers, les boucherons, les charbonniers, les pecheurs, se font un plaisir et presque un point d'honneur de ne point payer d'impôt. Ces braves gens se souviennent qu'ils ont ête Pallicares*: ils pensent, comme du temps des Turcs, que leur ennemi c'est leur maître, et que le plus beau droit de l'homme est de garder  son argent.
C'est pourquoi les ministres des finances, jusqu'en 1846, faisaient deux budgets des recettes: l'un, le budget d’ exercice, indiquait les sommes que le gouvernement  devrait  recevoir  dans  l'année, les droits qui lui seraient  acquis; l'autre, le budget de gestion, indiquait ce qu'il esperait recevoir. Et, comme les ministres des finances sont sujets a se tromper a l'avantage de l'État dans le calcul des ressources probables qui seront realisées, il aurait fallu faire un troisieme budget, indiquant les sommes que le gouvernement était sur de percevoir.
Par exemple, en 1845, pour le produit des oliviers du domaine public, affermés regulierement aux particuliers, le ministre inscrivait au budget d'exercice  une  somme de 444.800 drachmes. Il  esperait (budget de gestion) que sur cette somme , l'Et at serait assez heureux pour percevoir 61.500 drachmes. Mais cette ésperance etait au moins presom ptueuse, car l’année precedente, l'État n'avait perçu, pour cet article ni 441 800 drachmes, ni 61 500  drachmes, mais 4.457 drachmes 31 cent., c'est-a-dire environ un pour cent sur ce qui lui etait dû.
En 1846, le ministre d'es finances ne redigea point de budget de gestion, et l'habitude s'en est perdue.
L'État ne veut pas prevoir en principe  qu'il ne sera pas payé de ce qui lui est dû. Mais, quoique les budgets suivants soient plus reguliers dans la forme, l'État continue a solliciter vainement ses debiteurs recalcitrants ou insolvables.
Une dernière observation qui m'est suggerée par l'examen des differents budgets de 1833 a 1853, c'est que les ressources de l'État ne se sont pas accrues sensiblement dans ces vingt  années.
De 1833 a 1843, la recette moyenne de chaque année a eté de 12. 582.968 drachmes 9 lepta. La dépense moyenne a eté de 13.875.212 dr. 39 lepta.  Le deficit annuel de 1.292.211 dr. 30 lepta.
En 1846, les recettes esperées se montaient a la somme de 14.515.500  dr.
Le budget de 1847 était le même que celui de 1846, sauf une augmentation esperée de 360.725 dr. 79 lapta sur les recettes.
Depuis cette époque, les revenus de l'État ont subi one diminution considerable: en 1850, par l'affaire Pacifico et le blocus du Pirée, qui arreta le commerce maritime des Grecs pendant toute une  campagne, tandis  qu'un hiver extraordinairement rigoureux tuait des troupeaux, ....
(Continua o livro, com 252 páginas, que se recomenda a quem quiser conhecer melhor a Grécia)

* Pallicares: Soldat grec (ou albanais), réputé pour sa bravoure, resté fidèle aux traditions nationales.


12/07/2015

quarta-feira, 8 de julho de 2015



Os (países)  poderosos
e os Outros

Num dos últimos textos lembrei que após a partilha de África os alemães foram “contemplados” com vários territórios que colonizaram com aquele respeito pelo Outro que foi depois o toque de excelência do período nazi.
No Sudoeste Africano, hoje Namíbia encontraram vários povos, alguns deles com os respetivos chefes alfabetizados, e elevado nível de instrução: os hereros, povo banto, pastoril, ali chegaram atrás do gado talvez no século XVI, e os nama ou namaquas, que os colonos começaram por chamar de hotentotes, vindos do sudeste da África atrás também do seu gado.
Além destes os San ou bosquímanos, caçadores recoletores, que viviam em pequenos grupos isolados.
Logo de entrada os alemães decidiram que aquela terra teria que ser deles, e começaram com a vigarice duns “contratos” onde os nativos “cediam” a terra por um valor abaixo de simbólico e que passavam a fazer parte da “grande Alemanha”.
Não tendo conseguido os seus intentos através de “contratos”, e após terem começado a exterminar pequenos povoados, não perdoando mulheres e crianças, os nativos revoltaram-se e deram o troco a muitos colonos alemães.
Matar um colono alemão foi a estopim. O Kaiser não gostou e mandou um assassino, o general Lothar von Trotha, com terrífico passado por onde andou, um exército de 15.000 homens equipados com o mais moderno que se fabricava para matar, metralhadoras, canhões que disparavam granadas de fragmentação, e outros, com um objetivo bem definido: Vernichtungsbefehl, “exterminação total! ”
Os namas e os hereros não cederam às exigências impostas – a cedência dos seus territórios – e, em 1904, o general avançou com todo o seu poderio e foi matando. Os que caiam, ainda vivos, eram acabados no sabre ou baioneta para economizar munição, as crianças que choravam perdidas levavam o mesmo fim e os que conseguiram fugir para o deserto, sob um sol e calor extenuante encontraram os poços de água envenenada.
Dos cerca de 80.000 hereros que compunham aquele povo não devem ter sobrevivido mais de 15.000 e metade dos namas, que seriam 40.000.
Entretanto os psicóticos alemães, com a neurose da raça pura, o arianismo e o eugenismo, não se poupavam a esforços de fazer medições anatómicas aos que eram obrigados a consentir em tamanha vergonha e ofensa à dignidade de cada um, e a pagar aos soldados para, durante a noite violarem as campas dos nativos mortos, a tiro ou à fome em campos de concentração e mandarem sobretudo crâneos para serem analisados pelos “cientistas”.
Chegaram ao ponto de, aos mortos em combate e os terem degolado, mandar os nativos apanharem as cabeças, cozê-las em água fervendo, limpar-lhe toda a carne e pele e devolvê-las limpas para serem enviadas para “estudo” aos tarados na Alemanha!
Um dos aspetos que mais interessavam a esses “cientistas” era poderem estudar as características dos basters, os mestiços de boers e mulheres africanas que tinham igualmente vindo da África do Sul e constituíam um grupo separado.
Os alemães tinham imenso horror dos mestiços!
Em 1919 e 1920 um exército francês ocupou a Renânia, conforme o Tratado de Versailles de 1919. Comandava esse exército o general francês, Charles Mangin, que se estabeleceu em Mayence - Mainz - e incorporava um regimento de atiradores senegaleses.
Os alemães sentiam-se ofendidos, como mais tarde dizia Hitler que essas tropas só serviam para a “poluição e negrificação do sangue francês”!
Mangin, reconhecendo o isolamento dos seus homens, que estavam a habituados, mesmo na guerra, a serem seguidos por suas mulheres, deu ordens para que os alemães abrissem bordeis com mulheres... arianas. Imagina-se a indignação que isso provocou, mas aconteceu.
Quando os franceses se retiraram foi dada ordem para se esterilizarem todos os mestiços nascidos dessas ligações afim de não “conspurcarem a raça”.
Só em 1985, as Nações Unidas reconheceram a tentativa da Alemanha de exterminar os povos hereros e namaquas do Sudoeste da África como uma das primeiras tentativas de genocídio no século XX. O governo alemão pediu desculpas pelos eventos, um século depois, em 2004.

Em 1917 o governo inglês decide fazer um inquérito sobre o massacre. Um jovem irlandês, major, juiz, tomou sobre os seus ombros o trabalho. Deslocou-se à Namíbia, por lá andou dois anos e escreveu um relatório a todos os títulos horrível, que ficou conhecido pelo Blue Book.

O livro que ficou conhecido como o "Blue Book"

O relatório foi uma bomba! Em 1926 a Alemanha “pediu” à Inglaterra que destruísse todos os exemplares do livro. Se não o fizessem eles publicariam um outro “White Book” com o relato, detalhado, de toda a pouca vergonha e atrocidades cometidas pelos ingleses em África. “Gentlemen”, covardes, os ingleses baixaram as orelhas, obedeceram e mandaram destruir TODOS os livros que estavam espalhados pelo mundo. Todos? Esqueceram de um, que há pouco foi encontrado numa biblioteca em Pretória, e onde se voltou a dar a conhecer o “carinho” com que os colonizadores saxões trataram os povos colonizados.

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É bem sabido também o cuidado que os ingleses tiveram com as populações colonizadas, e até com colonos europeus que antes deles se haviam estabelecido em África, o mais gritante dos casos, o que fizeram com os boers. A Guerra dos Boers é mais uma página suja na história do Reino Unido, como o são muitas das guerras por todo o lado, sobretudo na Índia.
Internamente também são conhecidas vergonhas sobre o modo como lidavam com o seu próprio povo. Por um momento esqueçamos os irlandeses e os escoceses, aliás impossível de esquecer. Vejamos como eram, e são, caritativos, os ingleses.
Durante um largo período os serviços sociais e as igrejas inglesas, “caritativamente” decidiram o que fazer com as crianças que nasciam de lares pobres ou de mães solteiras. Simplesmente as retiravam à força de suas famílias e prometendo-lhes “Oranges and Sunshine”, e ainda no século XX as deportavam para a Austrália. Lá teriam um lar, boa, comida, bom tratamento, etc.
Esta prática que visava reduzir os custos sociais dessas crianças no seu próprio país, começou no século XVII com o envio de crianças para a Virgínia, e manteve-se durante 350 anos, enviando-as para a América do Norte, África e Austrália até 1970!
Em 1987, Margaret Humphreys, depois de muito investigar, tornou público o programa Home Children, mostrando a sua bestialidade, desumanidade. Primeiro diziam às crianças que não tinham família, que iriam viver uma vida de maravilha, e todas elas, todas, ao chegarem aos destinos, eram entregues a famílias, que quase sem exceções as faziam trabalhar como escravos, mesmo com idade de 5 ou 8 anos. Quando atingiam a idade adulta ainda lhes diziam que estas lhes deviam um monte de dinheiro pelo “acolhimento” que lhes foi prestado.
Calcula-se que mais de 150.000 crianças foram deportadas brutalmente.
Quem não viu, que veja o filme “Oranges and Sunshine”.
Um relatório de 1989 atribui as brutalidades e abusos sexuais sobres as crianças à Igreja Católica da Austrália. Estranho! Quem manda no Reino Unido é a Igreja Anglicana, por isso foi fácil atirar as culpas para os católicos.
E em 2009 e 2010 os PR da Austrália e da Grã-Bretanha... pediram desculpas.
Os alemães também pediram.
Covardes, todos.
Maledetti.

Massacres (quase) atuais:
De indígenas nos Estados Unidos (1778-1911) - mortos: 13 milhões
De africanos nos Estados Unidos, até... agora – mortos: quantos?
De filipinos na Guerra Filipino-Americana (1899-1913) - mortos: 1,5 milhão
De hereros e hotentotes na Namíbia pela Alemanha (1904): mais de 100 mil mortos
De armênios no Império Otomano (1915) - mortos: 1,5 milhão
De assírios no Império Otomano (1915) - mortos: 500 a 750 mil
De ucranianos na União Soviética (1932-1933) - mortos: 2,6 a 10 milhões
De russos sob Stalin – mortos: quantos?
De judeus, ciganos e outros na Alemanha nazista (1939-1945) - mortos: 6 milhões
De chineses na guerra com Japão e Revolução de Mao (1966-1969) - mortos: 16 milhões
De minorias no Camboja (1975-1979) - mortos: 2 milhões; (25% da população à época)
De minorias em Kosovo (1997-1999) - mortos: 300 mil
De tutsis em Ruanda (1994) - mortos: 800 mil
De minorias no Sudão (2003-atual) - mortos: 400 mil
De igbos no Biafra na Nigéria (1967-1970) – mortos: 1 milhão de
De curdos no Iraque (1986-1989) - mortos: 100 a 150 mil
De “pessoas” no Brasil (2004-2014) - assassinados: 600 mil

Só aqui somam cerca de 50.000.000 assassinados, por política, ganância, racismo, etc. E faltam muitos outros casos, como a Coreia do Norte, a Guerra Civil de Angola, idem de Moçambique, Zimbabué, Etiópia, Somália, Cirenaica, Congo, e os mortos nas duas Grandes Guerras 1914-18 (9 milhões de mortos e 30 milhões de feridos) e 1939-45 (25 milhões de soldados, 42 milhões de civis, os quase 6 milhões de judeus, um total de cerca de 60 milhões).
Tudo somado, e praticamente no século XX, foram estupida e bestialmente mortas mais de 130 milhões de pessoas!
Homo sapiens ou homo bestia?


06/07/2015