sexta-feira, 29 de dezembro de 2017


Rir é o melhor remédio


Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly


Raros serão os que conhecem este nome, este indivíduo, ou alguma vez dele ouviram falar, mesmo por outro nome em que era conhecido, Aparício Apporelly. Eu, até há pouco me encontrava entre esses ignorantes da vida e da história do Brasil.
Foi jornalista, escritor e o pioneiro do humorismo político no Brasil.
Agora sei também que nasceu dentro de uma diligência, em 29 de janeiro de 1895, quando se dirigia (na barriga da mãe, como é de supor) do Uruguai para o Rio Grande do Sul. Nasceu mesmo na fronteira!
Nascido ainda no século XIX, intitulava-se “herói de dois séculos”!
Começou os estudos num internato jesuíta em São Leopoldo (RS), onde logo dá largas ao seu humor nato, em 1908, no jornalzinho "Capim Seco", do colégio onde estudava, satirizando a disciplina dos padres jesuítas.
Com 18 anos, no 4° ano de medicina, sofre um AVC e abandona os estudos e começa a escrever, sempre com a sua verve satírica.
Em 1925 vai para o Rio de Janeiro, começa pelo Jornal “O Globo”, depois no “A Manhã”, onde as suas piadas aparecem sempre na primeira página, mas logo cria o seu próprio jornal, “A Manha”, alcançando de imediato uma forte tiragem.
Durante a Revolução de 1930, Getúlio Vargas dirige-se à capital federal, então o Rio de Janeiro, e a imprensa alardeou que haveria uma batalha sangrenta em Itararé. Isso foi vastamente divulgado na imprensa e Apporelly não ficou fora da fofoca. Esta batalha ocorreria entre as tropas fiéis ao Presidente Washigton Luis e aquelas sob o comando de Getúlio, que vinham do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro para tomar o poder. A cidade de Itararé fica na divisa de São Paulo com o Paraná, mas antes que houvesse a batalha "mais sangrenta da América do Sul", fizeram acordos. Uma junta governativa assumia o poder no Rio de Janeiro e não aconteceu nenhum conflito. Apporelly comentaria este fato da seguinte maneira:
Fizeram acordos. O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve.
Em outubro de 1930, se autodeclarara Duque nas páginas de A Manha:
O Brasil é muito grande para tão poucos duques. Nós temos o quê por aqui? O Duque Amorim, que é o duque dançarino, que dança muito bem mas não briga e o Duque de Caxias que briga muito bem, mas não dança. E agora eu, que brigo e danço conforme a música.
Mas como ele próprio anunciaria semanas depois, "como prova de modéstia, passei a Barão."
Assim “nasce” no Brasil o famoso Barão de Itararé¸ hoje pouco mais conhecido do que pela frase, a mais conhecida, e a toda hora repetida, sobretudo em relação a políticos:
De onde menos se esperadaí é que não sai nada.
Em 1934, fundou o Jornal do Povo. Nos dez dias que durou, o jornal publicou em fascículos a história de João Candido, um dos marinheiros da Revolta da Chibata, de 1910 (Chibata, porque era com uma chibata que eram punidos os marinheiros nos navios de guerra!). Em represália, o barão foi sequestrado e espancado por oficiais da Marinha, até hoje, nunca identificados. Depois desse episódio, voltou à redação do jornal e colocou uma placa na porta onde se lia: "Entre sem bater", mantendo o seu espírito humorístico.
O jornal A Manha circulou até fins de 1935, quando o Barão foi preso por ligações com o Partido Comunista Brasileirolibertado em dezembro de 1936. Retomou o jornal por um curto período, até que viesse nova interrupção, ao longo de todo o Estado Novo, de Getúlio, e voltando em edições espasmódicas até 1959.
Foi candidato em 1947 a vereador do Distrito Federal, com o lema "Mais leite! Mais água! Mas menos água no leite!", é eleito com 3669 votos, o oitavo mais votado do PCB. Em janeiro de 1948, seus vereadores foram cassados: "Um dia é da caça... os outros da cassação", anunciou A Manha.


Depois deste pequeno curriculum, algumas frases e escritos deste famoso e “nobre” Barão:
Em 1949 - Há quem afirme que Itararé é o Bernard Shaw do Brasil. Mas essa comparação é irritante e impertinente. Shaw é magro e Itararé é gordo. Aquele é vegetariano e este é onívoro. Shaw é um velho quase centenário e Itararé, embora nascido em 1895 conta apenas 39 anos. Assim, se não fosse um vulto fora do comum, deveria ter atualmente, feitas as contas, 54 anos. Exibindo documentos insuspeitos, Itararé, entretanto, demonstra que perdeu 10 anos, repetindo a segunda série da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, onde era sempre reprovado em anatomia descritiva. São, portanto, dez anos perdidos, que não podem ser contados. A seguir, somando todos os pequenos períodos que passou na prisão, onde se enclausurou para meditação e retiros espirituais, como hóspede do Estado e com guarda permanente à sua disposição, verifica que perdeu mais ou menos dois anos na cadeia, os quais, somados aos 10 da Faculdade, fazem 12 que não se contam. E, finalmente, manuseando, com um ar de romântico desconsolo, um velho diário de notas, todo tatuado de nomes femininos, de corações sangrando, com endereços e números de telefones, tendo as páginas separadas por fitinhas mimosas de diversas cores e, às vezes, entremeadas de folhas murchas, de pétalas secas de rosas e raminhos de violetas descoradas, mas que ainda parecem roxas de saudades, Itararé chega à conclusão de que perdeu pelo menos três anos perseguindo mulheres bonitas, sem nenhum resultado. Esses três anos, adicionados aos 12, perfazem 15, que, por serem negativos, devem ser subtraídos dos 54, dando 39 anos, afinal, como idade natural.

Espírito positivo, diz ele, revela-se superior a Auguste Comte, criador do positivismo.
Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos — dizia Comte.
Itararé não se conforma e responde:
Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos.
Viver para outrem — aconselha, de maneira genérica, o fundador da Religião da Humanidade. Viver para o trem — é o que recomenda Itararé, numa mensagem dirigida especialmente aos ferroviários.
Cantor lírico, Itararé é possuidor de uma voz raríssima, que os críticos ainda não puderam classificar, opinando uns que se trata de um baixo abaritonado, enquanto que outros o consideram como um barítono abaixado.
Como a escala musical, Itararé também tem os seus bemóis e sustenidos, isto é, os seus altos e baixos, as suas ascensões e as suas quedas. Vemo-lo, assim, ora em remígios alcandorados de águia, dominando os espaços, ora voando baixinho, como perdiz nos últimos dias de choco.
Cientista emérito, fez, entre outras, a genial descoberta de que o limão não é limão, mas uma laranja que sofre do estômago. São seus prolongados sofrimentos que o deixam amarelo. O limão é, portanto, uma laranja com azia.
Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira dedos.
Quem empresta, adeus...
Diz-me com quem andas, e eu direi se vou contigo.
Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
Monólogo
Eu tinha doze garrafas de uísque na minha adega e minha mulher me disse para despejar todas na pia, porque senão...
- Assim seja! Seja feita a vossa vontade - disse eu, humildemente, e comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha ingrata tarefa.
Tirei a rolha da primeira garrafa e despejei o seu conteúdo na pia, com exceção de um copo que bebi.
Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma maneira, com exceção de um copo que virei.
Arranquei a rolha da terceira garrafa e despejei o uísque na pia, com exceçâo de um copo que empinei.
Puxei a pia da quarta rolha e despejei o copo na garrafa que bebi.
Apanhei a quinta rolha na pia, despejei o copo no resto e bebi a garrafa, por exceção.
Agarrei o copo da sexta pia, puxei o uísque e bebi a garrafa, com exceção da rolha.
Tirei a rolha seguinte, despejei a pia dentro da garrafa, arrolhei o copo e bebi por exceção.       
Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas que escondi atrás do banheiro, para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço que tinha feito de acordo com as ordens de minha mulher, a quem não gosto de contrariar, pelo mau génio que tem.
Segurei, então, a casa com uma mão e com a outra contei direitinho as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram, ao todo, exatamente 39. Para me certificar de que não havia engano, contei tudo outra vez e quando terminei já encontrei um total de 93, o que dá certo, quando as coisas andam de pernas para o ar. Como a casa nesse momento passou mais uma vez pela minha frente, aproveitei para controlar minhas contas e recontei todas as casas, copos, rolhas, pias e garrafas, menos aquelas duas, que escondi no banheiro e que eu acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca...

Para terminar: quem quiser conhecer mais hitórias e ditos deste “nobre” Barão de Itararé pode comprar um dos vários livros que existem sobre ele.

Fica esta ajuda financeira:
Tempo é dinheiro. Vamos, então, fazer a experiência de pagar as nossas dívidas com o tempo.


Que 2018 nos traga só motivos para sorrir, para rir e não para chorar. Nem de dor.

28/12/2017



segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Passou o Natal. Os que puderam beberam do melhor, e talvez muito. Agora podem procurar saber um pouco mais sobre essa bebida de excelência

O Vinho e suas Origens

Há muito que se calculava que o vinho, as videiras, as verdadeiras Vitis Vinicola, teriam vindo de algures lá dum qualquer longínquo algures, como o grão de bico e o trigo saiu da Mesopotâmia, o café dos altos da Etiópia e muito conhecido como Moca por ser exportado do Iêmen, o arroz da Índia, a laranja da China, o tomate e as batatas da América Central, a mandioca do Brasil, e tanta outra coisa hoje indispensável, e tradicional da nossa alimentação. (A vigarice e a corrupção é que são endémicas all over sem origem definida, mas ora instalada nas políticas. Enfim!)
E o vinho? Supunha-se, conjeturava-se, mas... a verdade é que acabou por ficar famoso sobretudo na Europa, toda ela, de Leste a Oeste, e daí repartiu à conquista do mundo. Hoje há vinho bom, ótimo, na África do Sul, Austrália, Estados Unidos, Brasil e sobretudo Chile e Argentina, China, Magrebe, etc. e etc. e até já se começa a produzir na Inglaterra e na Suécia!
E lá nos algures? Tem muito bom vinho no Cáucaso, Geórgia e Armênia, e por todo o lado.
Têm-se encontrado milhares de ânforas onde os fenícios transportavam vinho para a Europa, Cristo abençoou o vinho, os romanos mandavam busca-lo ao Alentejo porque era o melhor que conheciam (eu devo ter uma costela românica!), encontram-se referências ao vinho em todos os escritos e escavações arqueológicas de todo o lugar, mas finalmente encontrou-se num local, onde o Carbono 14 garante que 8.000 anos a.C. já se fazia vinho e, o mais entusiasmante dessa descoberta é que eles cultivavam a Vitis Vinifera, donde saíram a Merlot, Cabernet, Pinot, Ramisco, Touriga, Alfrocheiro, Moscatel, todas.
Onde encontraram isso? Na Ibéria !!!
Imaginem só! Na Ibéria. Nada de Vinho do Porto, ou Rioja, ou qualquer outro muito conhecido nas bandas da dita Península Ibérica.
Foi na “outra” Ibéria de há milhares de anos, que continua a produzir magníficos vinhos como os Kvareli, Kindzmarauli e Saperavi, tintos e Tsinandali e Mtsvane, brancos, e mais uma boa quantidade de outros lados da fronteira que hoje separa essas antigas regiões, como Azerbaijão e além Mar Cáspio, e sobretudo na Arménia, que tem uma Província que se chama Shiraz, que me lembra uma ótima “pinga” em que, sobretudo os australianos se têm vindo a destacar.
Uvas da Georgia

Em ambos os países, hoje Georgia e Arménia, onde dantes era a Iberia, o conhecimento da cultura da vinha Vitis Vinifera e a produção de vinhos remonta a mais de 10.000 anos, e ambos têm, nos últimos anos aumentado substancialmente a sua produção, que, esperemos que não tarde muito, possa chegar às nossas mesas.

Arménia: vinhedo em Artashat, com vista para o Monte Ararat

A Ibéria atual também não pode queixar-se dos seus pergaminhos antigos, porque há indícios e provas de que por ali já se produzia vinho há, pelo menos 5 ou 6.000 anos.
Foi rapidinho da Ibéria antiga para a Ibéria nova!
Como ninguém sabe de onde vieram os Iberos... há evidências linguísticas, como esta – duas regiões com o mesmo nome, que nos levam a supor que os avozinhos dos iberos, hoje ibéricos, tenham vindo do Cáucaso, com a sua tecnologia vinícola.
Naquele tempo primitivo os agricultores ainda não sabiam como conservar o vinho por muito tempo, o vinho era produto exclusivo do suco da uva, e assim tinha que ser consumido em relativamente pouco tempo.
Só um “pouco” mais tarde, e nessas épocas, um “pouco mais tarde” talvez fossem uns milhares de anos, descobriram que a resina de pinheiro era um bom conservante, e vá de o utilizarem para poderem mais tempo usufruírem desse magnífico néctar sem que ele azedasse.
Bons tempos.
A partir do século XIX, começou a usar-se dióxido de enxofre, anidrido sulfuroso, metabissulfito de potássio, goma arábica, açúcar e outras coisas que os expert não nos dizem. Então o Champagne... nisso é campeão!
Hoje o vinho leva uma tal montuêra de química que, como já escrevi, permitia até que o meu amigo Pereira fizesse vinho de tudo menos de uva! O curioso é que até bem bebível.
A verdade, por fim, é que cada vez se bebem melhores vinhos, mesmo que estejamos a encher a barriga de química.
Mas os frangos não são engordados com hormônios femininos? E os agricultores não estão a usar herbicidas altamente perigosos que além do mal direto poluem rios, estragam os solos e depois ainda vão acabar com a fauna e flora marinhas?
E as toneladas de medicamentos que nos fazem ingerir quando a maioria das vezes aquela velha mezinha caseira fazia o mesmo ou muito melhor efeito sem consequências colaterais?
Estamos nos tempos que assim anunciam o fim do mundo.
O meu não está longe. Mas prefiro bater a bota com o papo cheio de metabissulfito e dióxido de enxofre dissolvidos no vinho, do que todo enferrujado se só beber água!
Que lhes parece beber um destes? (Sem essa do "semi-sweete"!)




Dez. 2017



sábado, 16 de dezembro de 2017



NATAL


Meu 87° Natal. Como é de calcular não me lembro dos primeiros, mas, certamente, recebi muitos e carinhosos elogios como: “que bebé lindo, gordinho, ar de saúde, parece-se com a mãe, outros diziam que era com o pai”, (não é vaidade, não!) e hoje acho que me pareço só comigo mesmo, levemente envelhecido, há muito passado o tempo de ser um homem maduro, hoje, como a fruta, a caminho de podre!
Todos os anos, em vez do simples “Boas Festas, etc.”, aproveito para um pouco mais de reflexão, visto que o mundo está muito mais podre do que eu. Podre, injusto, covarde, ganancioso, assassino.
Vendeu-se há dias um quadro de Leonardo Da Vinci, “Salvatori Mundi”, pela vergonhosa e escandalosa soma de mais de 450 milhões de Dólares = 380 milhões de Euros = 1,5 bilhões de Reais!
E ainda há “especialistas” que dizem que o quadro é falso. Também já foi tantas vezes restaurado que da tinta original pouco ou nada deve sobrar. A verdade é que sobraram US$ 450.000.000, !
Fome por todos os cantos da Terra, guerras idem, e um quadrito de sessenta e pouco centímetros de alto arrecada um preço que daria para alimentar, durante muito tempo, uns milhões de seres que só aguardam que aumente a desnutrição!
São mais de 800 milhões abaixo do nível mínimo de pobreza,1,5 milhões de crianças definhadas nos países de África, e um indivíduo só, ou um grupo deles, vai dar quase meio bilhão de dólares por um pedaço de lona com tinta!


E quanto vale um quadro como este? Há aos milhões.

Tem pobreza em África, na Europa, nas Américas (Brasil, Venezuela, Porto Rico, ... e até nos Estados Unidos), os políticos roubam mais do que o valor desse quadro, o que significa que, cada vez mais “os lá de cima” preocupam-se tanto com “os lá de baixo” como se valessem menos do que uma barata nojenta. E morta.
E chega o Natal. Cínica e covardemente muitos ainda têm o descaramento de desejar “Boas Festas e um Feliz Novo Ano” até a quem vive em profunda infelicidade e não tem o que comer. Como desejar Boas Festas a crianças e famílias como as da gravura?
É uma bofetada na cara dos miseráveis!
Cristo, ao tomar conhecimento de que houve quem gastasse aquela fortuna por um falso retrato dele (porque nunca alguém lhe viu a cara para o pintar) deve ter chorado mais do que chorou quando soube da morte de Lázaro, ou sobre Jerusalém, antevendo a sua destruição e mais até do que as lágrimas de sangue que verteu quando orava no Horto.
Desta vez chorou pela infâmia da humanidade. Pelo desprezo que Ele vê, e que parece acentuar-se, nas atitudes para com o Próximo, pelo mais ínfimo, pelo mais humilde.
Há quem tenha esperança na regeneração da humanidade. Que um dia voltará um Messias. Confesso que eu não tenho.
Assistir pela TV ou ler nos jornais e revistas: notícias, a grande maioria é de desgraças, assaltos, assassinatos, roubos, corrupção, politiquice nojenta, um crescendo de armamento, de guerras e guerrilhas, de estrangulamento dos miseráveis pelos poderosos, e as revistas, os filmes e as novelas são um acinte, um convite à destruição da célula base dos humanos: a família.
Acaba-se com o pudor, com o respeito, tudo parecem facilidades, gasta-se em drogas e produtos para embelezar, em academias para se apresentarem mais atraentes, e tudo não passa de bonecos de plástico: vazios por dentro.
As pessoas estão a ficar como os tambores, bonitos e muito barulhentos POR FORA, e completamente vazios POR DENTRO.
Cardeais com roupas extravagantes, judeus ultra ortodoxos com roupas, chapéus e penteados ridículos,
os violentos e assassinos jihadistas e suas mulheres que parecem almas do outro mundo, todos eles parecem ter-se esquecido de sair dos tempos pré medievais.
A igreja de Roma foi a única que deu os primeiros passos em frente, quando do “Aggiornamento” do glorioso Papa João XXIII, e mais agora com o humilde e lutador Papa Francisco. Mas ainda falta muito. Esperemos que não tarde a desaparecerem do Vaticano as roupas de gala. Luxo.
Que aqueles que acreditam que Jesus foi um Messias, o sigam, sem fausto.
E todos os outros que acham que um Messias ainda virá, se vejam bem no espelho, deixem de ser tribos ou grupos fechados, mas se lembrem, mesmo que por ora ainda não aceitem, que somos todos irmãos.
Só nesse dia, se esse dia alguma vez conseguir penetrar nos espíritos egoístas e retrógrados, a humanidade começará a entrar no paraíso terreal, não se esquecendo até de cuidar da Mãe Natureza.
Por ora façamos um balanço das nossas vidas, tal como um contabilista faz, escrevendo nas colunas do Deve e do Haver.
Na coluna do Deve, demoremo-nos um pouco: será que eu fiz tudo quanto podia e DEVIA ter feito?
Na coluna do Haver: será que o Senhor me compensará pelo pouco que fiz e o muito que deixei de fazer?
Devo esperar pelo Mago Melchior que me traga ouro e me faça rico, por Baltasar com a mirra para me libertar dos males do mundo ou por Gaspar com o seu incenso, para que eu sinta o amargo da vida, o sofrimento e possa enaltecer o espírito?
Paz. Todos desejamos a Paz, mas poucos lutam por ela.
Façam um pequeno exercício: leiam, releiam as linhas em azul (sublinhadas), e meditem sobre o que ali está escrito.
Vão encontrar um pouco de Paz, mas esperemos que encontrem determinação para fazer mais e encherem a coluna do Deve!


10/12/2017

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Isto foi já publicado há sete –7– anos, e com certeza muitos já esqueceram.
De qualquer modo um novo exame de consciência não fará mal a alguém.


CONFITEOR , DEO


Aproxima-se o final do ano. É época de Natal. Os sentimentos se não afloram no coração e mente, aparecem, por vezes muito bonitos e muito frios em alguns cartões de Boas Festas que se mandam por obrigação. Assim mesmo é melhor do que o total esquecimento do “outro”.
Uns momentos de solidão, no silêncio, um fixar os olhos além, no horizonte, no infinito, em nada, uma introspecção, um exame de consciência, não custa nada. E é bom.
Muita, muita gente se prepara para o Novo Ano com promessas, previamente falsas e sabidamente a descumprir (sobretudo os políticos), “desejando” que esse novo tempo venha consertar tudo quanto temos ajudado a destruir, mas... tudo, tudo mesmo, já esquecido antes da Festa de Reis!
Não é de admirar; é quando aparece o ouro, as riquezas, e as promessas... esquecidas.
Não é admirar porque todos sabemos que cheio de boas intenções está o inferno. No entanto é sempre bom – não tem efeitos colaterais – analisar o tempo que passou, ver o que se fez de errado, ou pouco, e...
De qualquer modo, venho fazer um exame de consciência publicamente, já que o blog está à disposição de quem quiser.
Comecemos por ver como vivemos dentro do estabelecido pelas Tábuas da Lei, os Dez Mandamentos!
1 - Amar a Deus sobre todas as coisas! Hhiii...! Quantas vezes tive que colocar uma venda nos olhos de Deus para ficar “amando” um carrão, sei lá, um Jaguar, outro cruzeiro à vela pelo mundo fora, apesar de sempre querer que Deus me acompanhasse. O que, aliás, Ele jamais deixou de fazer!
2 - Não invocar o nome de Deus em vão! Então aqui não há perdão. Até misturamos o nome de Deus com palavrões, como por exemplo, quando vimos um político roubar (um não, a corja quase toda) e exclamamos: “Meus Deus! Olha só o que o f. da p. agora aprontou”!
3 - Guardar domingos e dias de festa! Quem guarda? Quantas vezes trabalhei aos domingos, e até em feriados, e tive subordinados a quem estas tarefas eram fundamentais. A fábrica não podia parar! Bom, mas isso faz tempo, porque agora não faço nada! Talvez por isso não me preocupe com este mandamento
4 - Honrar pai e mãe. Creio que este sempre foi o meu maior ponto de honra. A memória deles ainda hoje me faz sentir mais responsável, e cada dia que passa maior é a sua falta, o seu conselho, o seu carinho, o seu exemplo!
5 - Não matarás. Não me recorda de ter morto alguém. Nem à bala, nem atropelamento, nem com veneno. Simplesmente não vou esquecer nunca, de ter dado um tiro de carabina, e pesada - .375 - na perna de um amigo! Mas foi culpa dele. Mas isso não me livra da culpa de pensar que anda por aí muito ser indigno, que precisava de ser transformado em picadinho. Para salsichas!
6 - Guardarás castidade! Aqui o problema complica-se, mas na minha idade este mandamento ... está já bem guardado!
7 - Não roubarás. Pensei, pensei, pensei e, com certeza, alguma vez devo ter roubado alguma coisa. Ah! Sim! Lembro bem; quando tinha os meus dez ou onze anos e voltava do liceu para casa, passava na frente duma minúscula mercearia, que tinha na porta uns sacos com castanhas piladas (secas). Ainda hoje me lembro que roubei umas quantas, e me devem ter ajudado a quebrar algum dente! O merceeiro ou não via ou não se importava, porque nunca reclamou. Saravá, amigo merceeiro!
8 - Não levantarás falsos testemunhos. Não, Deus, isso é que de todo creio que não fiz. Posso ter feito julgamentos errados; mas, quem não erra?
9 - Não cobiçarás a mulher do próximo! Outra complicação. Tem cada “avião” sobrevoando por aí... Quem podia olhar para a Sofia Loren e ficar indiferente? E a Brigitte Bardot? E a Marylin, a Silvana Mangano? Fala sério. Isto há 50 anos!!! Se não cometemos adultério, por vezes éramos obrigados a sonhar, deixando a nossa imaginação percorrer os corpos daquelas estátuas de carne! Neste mandamento estou ferrado! E poucos se safam. No entanto, a verdade, é que também nunca tive uma vizinha, boazuda que me tentasse. E... safei-me!
10 - Não cobiçarás o que a outros pertença. Cobiçar, na verdade não cobicei, mas que doi a cabeça por ter sido sempre um idiota, quando tantos bens passaram pelas minhas mãos e de nada me apropriei... Oh! Deus, acho que me podeis dar aqui uma nota baixa.
Por enquanto o descanso eterno está a ficar cada vez mais longe.
Vejamos os pecados ditos capitais:
- Ira: Senhor! Eu fico irado com tanta malandragem que nos rodeia, que rouba, que maltrata o menor, em idade ou situação econômica desastrosa, que abusa do poder, que corrompe ou se deixa corromper, que vende armas, drogas e abusam as empresas farmacêuticas fazendo os habitantes dos países pobres a servirem de cobaias, a todos os que colaboram conscientemente na destruição do mundo; se ira é um pecado, confiteor Deo...
- Gula: este também é um pecado lixado! Quantas vezes comi demais, porque me apresentavam cada petisco... Não, Senhor, na altura não podia compartilhar com outrém que tivesse fome. Não estavam a meu lado. Se estivesse, Senhor, Tu que tudo vês, sabes que eu até teria comido menos do que o necessário. Mas naquelas horas, quando nos põem debaixo do nariz um ensopado de cabrito a fumegar, ou a caldeirada do meu amigo Alberto, ou uma bacalhauzada no restaurante de outro amigo, o Pereira, não há quem não caia na gula. E a nossa feijoada brasileira??? Confiteor...
- Inveja. Inveja não tive, mas como atrás digo, algum, vago, arrependimento pelo que poderia ter feito melhor. Não fiz.
- Orgulho: Até hoje, velho, nem sei bem o que é o orgulho. Fazemos algo bem feito e se somos cumprimentados ou elogiados, o nosso ego... ri de satisfação. Será isso orgulho? Se for, já me aconteceu muitas vezes, mas foi “doença” que rápido se desvaneceu.
- Avareza: nessa não caí. Odeio avarentos, mãos de vaca, prestamistas, bancos, agiotas, investidores ou aplicadores de fortunas em jogo financeiro, corruptores, etc.
- Preguiça: aahhh! Estou cada vez mais preguiçoso! As forças vão fugindo, o corpo obedece com dificuldade, e... ficar na cama mais uns minutinhos... Quando era novo, não! Este pecadilho chegou tarde!
- Luxúria. Também não será por esta porta que vou enfrentar o famigerado Lúcifer. Nunca estive nessas bacanais que hoje são cada vez mais freqüentes, não xinguei nem maltratei nenhum subordinado. Nessa da luxúria, estou fora.
Chegamos finalmente aos chamados pecados veniais, que são tratados, como dizem nuestros hermanos, como pecadillos. Não são pecados graves. Mas por exemplo, o pecado da omissão; se a gente se omite sempre, se deixa a banditagem pôr-nos, a toda a hora, o pé na cabeça, ou se a vê fazer o mesmo a outros, sem intervir, aqui o venial passa a ser pecado covardal.
Não sei qual será a minha “nota” quando enfrentar, primeiro o São Pedro, e, se conseguir “levar este bom homem no papo”, depois a Deus.
Mas alguma coisa ainda sei: não vou deixar de lutar, e sempre me manifestar contra a vergonha dos poderosos. Se possível cada vez com mais violência.
Que Deus me perdoe.


21 dez. 10

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017


Em 2009 publiquei este pequeno texto em homenagem às Mães.
É hoje, 8 de Dezembro, o Dia das Mães, para os católicos.
Por isso estou a repetir.

Dia das Mães

Minha Mãe a Vovó Zé

Dia das Mães

“O mundo gira às avessas
E muitos julgam que não.
Eu que me julgo por mim
Vejo que o mundo é assim
Com tanta contradição.

Há latagões Serafins,
Desventurados Venturas
E Claras que são escuras
...
Era assim que começava um dos fados cantados por uma velha fadista, lá pelos anos cinquenta, em Lisboa. Velhota, baixinha, não sei mais o seu nome, muito alegre. Já esqueci a maioria da letra, mas não esqueço nunca a verdade da contradição do mundo.
À medida que o desenfreado consumismo vai ditando e impondo as suas regras de conduta universal, mais e mais o mundo fica às avessas.
Invertem-se os valores básicos de toda a sociedade, vendo-se crescer a adulação a qualquer bezerro de ouro, e só a isso.
Cresci no tempo em que a célula base da sociedade era a família. Nos países subjugados pela super ditadura chamada democracia do povo, essa noção de família ia sendo destruída e o mundo ocidental tinha mais medo disso do que da coletivização dos bens de produção.
No fim da guerra dos canhões e dos mortos chegou a guerra fria e um brutal desenvolvimento daquilo a que se chamou neo-capitalismo, social democracia, pseudo socialismo ou qualquer outra coisa bombástica que na verdade pouco significa, e verifica-se que, se de um lado era a luta dum poder totalitário que se estribava no ateísmo para derrubar valores tradicionais e transformar homens em máquinas, do outro a ganância, coadjuvada pela inveja e egoísmo, caminhavam no mesmo sentido mostrando que o único deus vivo é o dinheiro, o poder, o mando.
Beijando ou não o anel dos bispos ou do papa, batendo com a mão no peito nas sinagogas ou encostando a testa aos seus tapetes de oração voltados para Meca, os donos do poder da banda das democracias sociais, conseguiram mais depressa derrubar os valores morais tradicionais do que a força bruta dos dirigentes soviéticos.
Mãe! Qualquer que seja a língua em que tal palavra seja pronunciada, nenhuma se lhe iguala em beleza. Mãe, a mais bela obra da natureza, como dizia Almeida Garrett!
Mas hoje em que o sexo reina desordenado, promíscuo, livre e estimulado pelo cinema, revistas, publicidade, e até como disse o Papa Bento pela facilidade da camisinha, e agora mais pela venda livre da pílula anticoncepcional do “dia seguinte”, pela facilidade do aborto, a pergunta que fica é: “Que Mãe és tu”?
No antigamente os cristãos celebravam o dia das Mães quando a liturgia festejava a Assunção da Mãe de Jesus. O mundo comercial não quis mais esse dia porque deixava de fora os não cristãos, e a data, perto do Natal, não favorecia o negócio. A força do dinheiro falou mais alto. Transferiu-se a festa para um domingo de Maio, passada a Páscoa e longe das férias, quando não há concorrência de outros festejos e as despesas possam ser encaminhadas para essa exclusividade, o Dia das Mães.
O comércio e a indústria gastam fábulas de dinheiro anunciando produtos a vender para presentear a Mãe e, ó espanto dos espantos, esse dia transformou-se numa desobriga de imensa quantidade de filhos. Uma vez por ano compram, quase por obrigação, um bagulho qualquer, vão oferecê-lo às mães e a seguir... até pr’ó ano!
Que filhos são estes? Que Mãe é aquela? De quem é a culpa? Da Mãe que os teve por “aventuras” ou que não soube manter os filhos unidos ao seu coração, ou dos filhos que cresceram esmagados pela força dos cifrões nos olhos e não veem outra coisa que não seja o amor à conta bancária?
Que bom fora que todos pudessem “cantar” com Casimiro de Abreu: 
Feliz o filho que pode, contente,
Na casa paterna, de noite e de dia,
Sentir as carícias do anjo dos amores,
Da estrela brilhante que a vida nos guia:
- Uma mãe!


domingo, 3 de dezembro de 2017


Ciclo dos Amantes

A Vida no Congo ex-belga


No tempo colonial, a Bélgica não deixava nenhum funcionário seguir para o Congo sem ir casado. Não queriam que para lá fossem solteiros e depois regressassem com uns quantos filhos mulatos, nem que os deixassem por lá exigindo a cidadania belga.
A solução encontrada por alguns, cujo vencimento proposto para trabalhar em África era de molde a juntar uma boa soma ao fim de poucos anos, foi fazerem um contrato com alguma mulher que estivesse disposta a receber uma parte dos ganhos e fingirem que eram casados.
Como é de imaginar estas situações deram aso a toda a pouca vergonha que se possa imaginar.
Os congoleses, sabendo desta desavergonhança, se já desprezavam os brancos duma forma geral, a estes então consideravam-nos abaixo de qualquer crítica.
O troca-troca entre “casais” era trivial, chegavam a alugar mulheres a quem necessitasse duma novidade, era como que Sodoma e Gomorra.
Michel foi um dos que não pôde recusar o convite para uma função administrativa no interior da colônia, onde receberia além dum vencimento, casa, carro e até alguns criados.
Informou-se com alguns “veteranos” como devia proceder, e não foi difícil encontrar a perceira ideal. Jovem, bem composta, mas que tinha necessidade de se “alugar” uns tempos, para também ajudar resolver a situação financeira da família que ficara arrasada com a guerra.
Haydée, era uma mulher atraente, com trinta e poucos, loira, forte, nascida no campo onde seus pais eram agricultores na região sul da Bélgica, Valónia, e Michel achou que a divisão dos ganhos com uma mulher bonita seria um ótimo negócio, e assinou o contrato com o governo, exibindo a certidão de casamento, entretanto efetuado na mairie. O normal seria dar à “esposa” entre 20 a 25 por cento dos ganhos, sem que ela tivesse que gastar nada no destino.
Entretanto Haydée foi avisando que o contrato não a obrigava a dormir com ele. Se lhe apetecesse, tudo bem, mas que o contrato era unicamente financeiro. Acordo fechado.
Viagem para África, de navio, onde, durante toda a viagem, alguns olhos não despegavam de Haydée, que de camponesa, ajeitada, se sentia já princesa, até chegarem ao destino, desembarcando em Pointe Noire.
Conduzidos para Leopoldville, hoje Kinshassa, Michel foi entregar a documentação ao governo central que o despachou como administrador da região de Lusambo, a cerca de 1.000 quilómetros da capital, uma pequena localidade à margem do rio Sankuru, rodeada de magníficas florestas.
Terra perdida no middle of nowhere, onde havia somente três estabelecimentos comerciais, um africano e dois portugueses, todos há anos ali estabelecidos, e uma população imensa de africanos a administrar, dos quais poucos viviam na povoação.
O clima, quente e úmido, mas suportável, uma casa confortável, três criados, um cozinheiro, uma lavadeira e um terceiro, Jonas Kipango, que tomava conta do interior, servir à mesa, etc.
Já durante a viagem Michel tinha pretendido avançar em cima de Haydée, que lhe lembrava que o acordo não era de cama, o que não impediu de ter havido, de comum acordo, algumas exceções, sem que com isso Haydée saísse satisfeita, mas que o fazia como política de bom convívio, e não lhe desagradasse. Sempre era melhor do que andar a colher batatas no campo! E lá no fundo... ambos gostavam.
Michel, chegado a Lusambo, logo fez conhecimento com os comerciantes, o que era fundamental, até porque sem a colaboração e conhecimento deles pouco poderia fazer.
Em casa, a vida para ela era duma terrível monotonia. Saía quase todos os dias. Visitava o mercado, a única escola, e a todos cumprimentava com um simpático sorriso. Os maiores atrativos era ir pescar no rio, que generoso, sempre a presenteava com bonitos e razoáveis peixes, ou, uns fins de semana assistir a caçadas. Caça grossa.
Nas caçadas foi um dos portugueses que lhes mostrou a beleza das selvas e das savanas, a fauna magnífica, a dimensão duma África completamente nova e totalmente desconhecida.
Michel agradecia, mas era Haydée quem se entusiasmava com toda a novidade, a grandiosidade, e até, por estranho que pareça, o permanente sorriso, com os alvissimos dentes atrás da pele escura das populações, era para ela um espetáculo que a atraía.
De volta a casa, a rotina. Michel saía cedo para a Administração, e só depois Jonas ia preparar o banho, numa larga banheira, para madame Haydée, onde ela se deixava ficar o máximo de tempo possível.
Ao lado da banheira sempre Jonas deixava ficar, numa cadeira, o lençol e o roupão, muito bem limpos e dobrados, com que Haydée se limpava, e o roupão para voltar ao quarto, que não era ao lado do banho, e então se vestir.
Ao almoço Michel entrava em casa e saía uma hora depois, para entretanto poder dormir uma rápida sesta, e só voltava, normalmente ao sol posto.
Haydée quando não saía para pescar, sempre acompanhada pelo fiel e forte Jonas, ficava sentada na varanda a ler, respondendo a todos os cumprimentos dos que passavam em frente. Vez por outra ia até às lojas dos comerciantes onde se abastecia e encontrava souvenirs para levar de volta à Bélgica.
Por razões de política de boa vizinhança, abastecia-se de todas as lojas, onde sempre era recebida com muito respeito e simpatia.
Uma delas, especialmente. A Maison Borges, do português José Borges, que chegara ao Congo com dezoito anos, há vinte e cinco, os três primeiros passados em Lumbumbashi de onde saíu para se estabelecer em Lusambo. Casado, um casal de filhos pequenos, todos os anos mandava a mulher e os filhos para Portugal, onde ficavam a estudar.
Quando solitário, diziam, repartia o leito com jovens africanas, e muitos fins de semana saía para a caça, que era outra grande paixão.
Logo à chegada do novo casal belga, Borges tinha ido apresentar cumprimentos e oferecer os seus préstimos para lhes mostrar África.
Quando Haydée ia à sua loja, a visão de uma atraente europeia, deixava-o com os olhos presos e pensamentos a perturbá-lo, o que, se a mulher nenhuma passa desapercebido, Haydée sentia como um cumprimento.
A partir de certa altura Borges já convidava a cliente para sentar um pouco na varanda da sua casa, que ficava atrás da loja, para tomarem um café, que acabou por ser aceite. Conversavam sobre a família que ele tinha em Portugal, sobre a vida em África, caçadas, pescarias, etc.
Foi assim que não tardou em convidar o administrador e a mulher para o acompanharem nas caçadas, o que faziam com alguma regularidade, e mais ia aproximando o português da madame belga.
Jonas, sempre respeitoso, quando saía para acompanhar a patroa nas idas à pesca, vestia uma espécie de calção e o tronco nu, exibindo um físico forte, atlético, que cada vez mais chamava a atenção de Haydée. Era uma estátua grega feita em ébano!
A pesca, nas margens do rio poderia envolver alguns riscos. Haydée sentava-se por baixo duma frondosa árvore, bem na margem a uns dois metros acima do leito, que lhe dava uma bela sombra e visão, e Jonas a ajudava e pegar os peixes que ela eventualmente pescasse. Naquele lugar a possibilidade de aparecer algum jacaré era muito remota, mas poderia era escorregar e cair dentro de água, o que um dia veio a acontecer. Rápido, Jonas, entrou na água, pegou na sua madame, toda molhada e assustada, que ao escorregar havia torcido um pé, e não conseguia andar.
Não lhe custou nada, carregou a madame até casa, e cuidadosamente deixou-a estendida numa cadeira na varanda. Foi buscar panos quentes, massageou, depois amarrou com uma ligadura e Haydée passado umas horas sentia-se recuperada, e, sobretudo agradecida.
No dia seguinte quando entrou na sala do banho, como de costume encontrou a banheira cheia com a água na temperatura que ela gostava, e o lençol e o roupão dobrados na cadeira. Tudo normal.
Parou, olhou para aquelas peças e decidiu levar o roupão de volta para cima da sua cama.
Tomou o seu banho, sempre demorado e, quando saíu começou a limpar-se com o lençol. Não “vendo” o roupão, chamou pelo Jonas, que num instante estava atrás da porta a perguntar se madame precisava de alguma coisa.
- Jonas. Não tenho aqui o roupão. Pode trazê-lo?
Jonas ficou confuso, porque nunca se enganava, bate outra vez na porta para lhe passar o roupão e pede desculpa.
Haydée envolta no lençol, abriu a porta, recebeu o roupão, e pediu a Jonas se lhe dava mais uma massagem no pé.
Jonas sentou-se na frente dela e, sempre com cuidado, procurava repetir o tratamento da véspera.
- Pronto, Jonas. Creio que está bom. Por favor ajuda-me a vestir o roupão.
Jonas pega no roupão, tenta desviar o olhar, mas Haydée deixa cair o lençol que mal a cobria e veste o roupão, sem, no entanto o apertar pela frente. Vira-se para trás e Jonas, que impassível aguardava ordens, quando vê a bela madame toda despida na frente dele, quer retirar-se.
Haydée agarra-lhe na mão.
- Jonas eu não lhe agradeci o que você fez por mim. Vem cá.
E leva-o para o quarto.
- Por favor despe essa roupa.
Jonas, nervoso tira a camisa, e depois que a patroa lhe diz para tirar tudo, aparece-lhe uma bela escultura, forte, seguro, maravilhoso, e sempre com cuidado leva-o para se deitarem.
Acaricia-o, repara que aquela pele negra era mais macia do qualquer outra que alguma vez tivesse sentido, Haydée deita-se e arrasta-o.
Jonas não estava a gostar daquilo. Se fosse apanhado com uma branca poderia custar-lhe até a vida, mas não podia mais retirar-se.
Como era um homem grande e pesado e Haydée preferiu dar a volta por cima.
Estava agarrado, com força, e Haydée se contorcia e ajeitava de modo a que ele a levasse ao fim do mundo.
Quando aconteceu ela gritou. Gritou, não sabia se de dor se de prazer. Certamente dor não era. Só se fosse de não ter há mais tempo aproveitado o que sempre estivera ali a seu lado.
Jonas fez o quanto podia e via na cara da sua madame como ela estava “voando”, segurando o mais tempo que pudesse, antes de dar por findo o “trabalho”.
Haydée ficou na cama. Suava, esgotada. Jonas vestiu-se e com ar de quem vem do mercado, foi até à cozinha, onde o cozinheiro, ar “apimentado”, lhe perguntou porque demorara tanto com a senhora.
- Ela está mal do pé que torceu ontem, e não quer sair da cama. Tive que massagear de novo.
- ?!
Michel chegou para o almoço, Haydée na cama, disse que lhe custava a andar e que Jonas lhe levasse ao quarto alguma coisa, leve, para comer.
Michel fez a sua sesta na varanda para não incomodar Haydée, e quando saíu, Jonas voltou ao quarto para saber se estava tudo bem.
Estava. Quase.
Haydée queria repetir a sessão da manhã!
- Madame, se alguém sabe disto eu estou perdido. Eu gosto muito da senhora, mas sei que corro perigo.
- Não te preocupes. Ninguém vai saber. Tira a roupa e deita aqui.
Jonas com todo o seu belo físico, magnífico equipamento, estendeu-se ao lado da madame e não tardou a pôr Haydée no topo, tanta era a força para segurar o parceiro que lhe deixava as costas marcadas.
Desta vez porém o transe demorou um pouco menos porque ela ainda estava cansada do programa anterior.
Antes de deixar Jonas se levantar, Haydée puxou a cabeça dele e deu-lhe um profundo beijo, hábito não praticado entre as populações da região. Jonas no primeiro momento não entendeu, nem concluiu se tinha gostado ou não.
- Jonas!
- Madame.
- Obrigado.
Os dias seguiam e quase todas as manhãs o ritual se repetia e Haydée querendo introduzir Jonas no jogo paralelo do beijo na boca, profundo, que este, sem se excitar com isso, aprendeu rápido.
Haydée inventava posições, queria sempre mais, mais prazer, e Jonas cumpria todo aquele jogo, com algum prazer, sim, mas sem muito entusiasmo, até porque deixou de ter consideração e de respeitar a senhora. Agora ela era a patroa, sim, mas uma sem-vergonha.
Um dia mandou encher a banheira com água bem morna. Chamou Jonas, pediu-lhe que se deitasse, nu, evidente, no fundo da banheira e ela entrou também. Não se saciava. Excitada, mexia-se de tal modo que à volta da banheira ficou tudo molhado, mas ela não parava e, felizmente, Jonas tinha capacidade para aguentar toda a loucura sem se cansar.
Haydée só interrompia estas festas nos períodos férteis em que pudesse engravidar.
Ao fim de um ano, Michel tinha direito a duas semanas de férias e foi passá-las na capital. Haydée disse logo que não ia. Não conhecia lá ninguém, era uma cidade suja, muita balbúrdia. Preferia ficar em Lusambo, onde levava uma vida traquila (!) e era estimada por toda a população. Combinado.
Michel foi embora, e logo nesse fim de semana José a convida para uma caçada.
- Neste fim de semana, não. No próximo.
Iriam procurar búfalos ou elefantes, o que deixou Haydée emocionada.
Sairiam sexta feira à tarde e voltariam no domingo, dormindo numa confortável barraca de campanha. Teve o cuidado de dizer que levava uma barraca para cada um, e outra para os pisteiros.
A pouco menos de cem quilômetros encontraram o local para acampar. Logo montaram as barracas, as duas principais encostadas uma a outra para eventual defesa e a dos pisteiros mais afastada.
Apanhada uma braçada de lenha, um fogo que servia para os aquecer da umidade da noite, um jantar com alguns acepipes que José levara, o indispensável vinho, e por fim, satisfeitos, recostados nas cadeiras de lona, o café a ser saboreado debaixo daquele céu imenso, límpido, cheio de estrelas.
Haydée estava a respirar devagar para saborear o íntimo contato com a natureza que achava deslumbrante.
Conversaram um pouco, e José avisou que era melhor irem dormir, porque de manhã se levantariam antes do sol nascer.
Cada um se recolhe a sua barraca, mas ambos sabendo que isso era só encenação, para que os pisteiros não dessem conta.
- José! – chama Haydée – não me sinto nada segura dentro duma barraca de pano, sabendo que estamos rodeados de animais ferozes.
- Não se preocupe. Espere um momento.
Em silêncio, e de rastos para não ser visto, saíu da sua barraca, carregando as armas, e passou para a de Haydée.
- Eu durmo aqui ao seu lado. Assim não tem com que se preocupar.
- José. Não seja tonto. Vai dormir aí? No meu colchão, com boa vontade cabemos os dois.
É evidente que José esperava esse convite, e tinha muito mais do que a simples boa vontade, num instante estavam debaixo da mesma coberta e bem agarrados. Não porque o espaço fosse curto, mas porque era assim que ambos queriam.
- Haydée. Desde que você chegou a Lusambo que a sua imagem não sai da minha cabeça. Eu esperava este momento com uma imensa ansiedade. Você é linda.
- Bondade sua José, mas não vamos conversar muito, os pisteiros podem ouvir, e além disso não temos muitas horas para dormir...
José não a deixou terminar de falar. Agarrou-lhe a cara e... Haydée correspondeu com o melhor.
Entretanto os dois corpos já se tinham encontrado, despidas as roupas que impediam de se tocar, e as mãos não se aquietavam.
Haydée logo percebeu que José era um experimentado garanhão. Sabia como fazer as mulheres gozarem o máximo, e isso Haydée agora também aprendia.
Acabadas as manobras, ficaram um tempo assim agarrados, até que, tarde acabaram por adormecer.
Não dormiram tanto quanto seria de esperar para quem no dia seguinte tem uma caçada pela frente. Mas o fim de semana se tivesse terminado ali já teria sido uma maravilha.
Durante o dia, metade do tempo de jeep outra metade a pé pela savana, sempre dava algum resultado, e no primeiro dia caçaram um belo antílope. Um churrasco de lombo desses animais é uma delícia, como se deliciavam os pisteiros e o povo que aparecia para levar a maioria da carne, os dois sempre em volta da fogueira, a boa garrafa de vinho, conversa para passar o tempo e sobretudo uma vontade imensa de se esgueirarem para dentro da barraca, onde repetiriam o acalorado encontro dos corpos sedentos de amor e sexo.
Regresso a Lusambo.
Nos primeiros dias Haydée não chamou Jonas, o fim de semana tinha sido uma festa divina, e ela queria manter essa imagem viva, dentro de si.
Poucos dias passados, o truque do roupão alertou Jonas que tinha “trabalho” a fazer, e comparecia, sempre com o seu corpo de atleta, e ar humilde, “ás ordens” da madame.
Haydée não precisava dizer-lhe muita coisa. Com ar quase militar Jonas despia-se, avançava para a cama, e quase mecanicamente cumpria o dever de subalterno!
Michel continuava na capital. Telegrafou a perguntar se tudo estava bem, o que Haydée confirmou, e avisou que regressava dentro de uma semana, o que para ela era indiferente.
Quando regressou, contou sobre sua estadia, e a falta que ela lhe fizera, mas com sinceridade lhe disse que tinha encontrada bonitas parceiras em Leopoldville, que muito o tinham ajudado a passar o tempo.
- Que bom. Ainda bem que aproveitaste.
- E tu?
- Eu também tenho aproveitado esta calma, fui uma ou duas vezes à caça, mas o que eu gosto mesmo é de me estender aqui na varanda e olhar em volta, ou então de ir pescar.
Naquela noite Michel e Haydée se juntaram. O “casamento oficial” também sugeria encontros, mesmo que raros e casuais. Foi uma espécie de sessão de boas vindas.
Haydée em pouco tempo começou a estranhar que a menstruação não aparecese, mas nada disse a alguém. Pensou só que não teria muito mais tempo para aproveitar os encontros com José, raros e difíceis, e que teria que parar com as maravilhosas aventuras com Jonas. Talvez uns dois meses. Depois diria que se sentia mal, não sabia o que era, não tinha febre, mas alguma coisa se estava a passar, e que teria de voltar à Bélgica.
Regressou. Foi para casa dos pais, agricultores, onde deixou a barriga crescer. Como tinha “casado” com um belga, tudo foi bem aceito pela família e vizinhos.
No momento certo, Haydée foi para o hospital. Parto normal e o bebé nasceu fortão e saudável como o pai.
Um pouco mais escuro do que os avós esperavam.
Mas igual ao Jonas.

25/03/2014