domingo, 24 de fevereiro de 2019



Amigos – 24

Professor Dr. D. Fernando de Almeida Saldanha

Vamos continuar com a família. Tios por casamento, mas que sempre fizeram parte da família.
Ia começar com um primo deles, que por ser muito chegado, como irmão, está incluído no mesmo grupo, outro Dom Fernando, outro tio Fernando, mas após começar a procurar, investigar, tanta coisa interessante achei sobre este Senhor que teria que ficar para uma crónica separada. Aqui vai, muito resumida, porque a vida deste Grande Senhor, notável pelo seu polifacetismo., merecia ser conhecida, não só nos meios técnicos em que trabalho, e onde é muito reconhecido, devia ser um exemplo mais para os portugueses e, porque não, estrangeiros.
A ele, além da imensa amizade, sempre lhe fiquei devendo duas (três?!) especiais atenções:
- Foi ele que ajudou a pôr neste mundo os nossos dois primeiros filhos, em Lisboa (Jorge e Luis);
- E foi também no belo jardim da sua casa que aconteceu o “copo de água” do meu, nosso, casamento.
Desde os seus 15 ou 16 anos, quando numas férias foi “trabalhar” num sítio arqueológico, que a paixão pela arqueologia nunca mais o largou. Ficou-lhe no sangue como “doença” incurável! Já médico conceituado sempre aproveitava as férias para ir com a sua pazinha e martelo, cutucar em lugares por onde andaram os celtas, romanos, visigodos e outras gentes. E como sabia história!
Formou-se em medicina em 1924, um muito considerado ginecologista e obstetra, e professor na Faculdade. Em pouco mais de 50 anos publicou quarenta e seis trabalhos científicos de grande valor, tendo sido ainda o redator da revista Lisboa Médica.
Uma boa disposição contagiante, quando um dia estava em casa duns amigos (primos?) e alguns jovens ali hospedados já a caminho da faculdade, numa conversa em que entraram uns copos, talvez a mais, sabendo do seu interesse por arqueologia, convenceram o tio Fernando, com 46 anos, a também se matricular na Faculdade de Letras, apesar de ser já um grande médico, professor de medicina, muita obra publicada, e um reconhecimento que ultrapassava as fronteiras de Portugal.
Dois outros convivas, parentes, com aproximadamente a mesma idade, acharam a ideia de voltarem a estudar... divertida e decidiram, todos muito bem na vida, matricular-se também na Faculdade de Letras em ciências históricas e filosóficas..
O tio Fernando gostou da idéia e assim fizeram. Ele que tinha paixão pela história e sabia já muito, foi andando, sempre com boa classificação. Os primos, que se tinham matriculado mercê duma espécie de brincadeira, só apareciam na Faculdade quando lhes dava na gana! No fim do primeiro período um contínuo foi encarregado de levar uma mensagem ao Dr. D. Fernando:
- Os seus primos vão ter notas péssimas e é uma vergonha para eles. Era bom que cancelassem a matrícula.
É evidente que o fizeram, tanto mais que não estavam nada interessados em estudar! O tio Fernando seguiu, formou-se em 1954 e quando apresentou a sua tese de licenciatura quase envergonhou os examinadores porque sabia tanto ou mais do que eles, e logo foi convidado para professor assistente.
Foi tão importante esse trabalho que a Gulbenkian o publicou logo a seguir: “Egitânia, História e Arqueologia”.
Durante o curso, sem ter abandonado a sua já muito ativa vida de médico, e de professor de Medicina, passaram-se dois episódios que relatam, uma vez mais a nobreza deste senhor, e isto são palavras dele:
“Durante um exame escrito, a meio da prova veio o contínuo avisar-me que da maternidade me chamavam ao telefone; logo de início eu lhe tinha dado essas instruções e ele cumpriu sempre. Já se tinha passado uma outra vez na cadeira do Prof. Mário de Albuquerque, e este senhor me dissera logo, sem rebuço, ‘vá ao telefone e se puder volte para concluir a prova’, julguei poder repetir o pedido para o qual esperava idêntica resposta, que foi rápida: ‘o senhor pode ir ao telefone, mas não volta aqui!’ Fiquei estarrecido, era meu dever ir, e disse: ‘Pois vou, não volta, e acabo “isto” de qualquer maneira rápida’. Se bem o disse melhor o fiz. Preparava-me para rabiscar a assinatura quando me bateram no ombro: ‘Olhe eu fui ao telefone, é a senhora tal, que diz que está com dores, etc., etc. e está ao telefone’. O Professor parecia preocupado e eu tive a coragem de lhe responder; ‘Muito obrigado pelo favor e já agora pedia a V.Excia. para dizer à senhora para tomar o remédio x’, e retomei o exame. Poucos minutos depois volta o Professor: ‘A senhora diz que já tomou esses remédios e ficou na mesma’. ‘Pois então que tome este outro que dentro de maia hora já lhe telefono’. E lá voltou o santo Professor Mário Chicó com o recado. Ficámos amigos.
Numa das excursões com alunos, ao explicar o estilo da Igreja de São Francisco em Évora, viu, por detrás de um arco a palavra “encartado” (fazia parte de uma tabuleta de um “solicitador encartado”), e com o seu ar cativante pergunta ao assistente: “Olhe lá, está ali escrito encartado! O que é um arco “encartado”?
Continuou com a medicina, aulas aos futuros médicos e simultaneamente aulas também na Faculdade de Letras.
Uns anos depois, 1962, foi a vez de apresentar outra tese, de doutoramento, outra trabalho magistral “Arte Visigótica em Portugal”, obra que mereceu o prémio Calouste Gulbenkian de Arqueologia, o primeiro doutorado em Arqueologia em Portugal. Convidado para diretor da Faculdade, professor catedrático de Arqueologia, aceitou e abandonou a medicina! Ficou até se aposentar em 1973, acumulando as funções de Diretor do Museu Nacional de Arqueologia Leite de Vasconcellos, presidente ou vice da Associação Nacional dos Arqueólogos, membro da Academia Portuguesa de História desde 1958, Diretor do Museu Tavares Proença Jr. Em Castelo Branco, tem-se notabilizado em todos os ramos que abrangeu.
As opiniões e testemunhos de antigos alunos seus, não economizam loas ao seu saber e à sua maneira de ser, sedutor pela simplicidade e educação, dialogante vivo e sempre disponível, organizador e agitador benévolo e sorridente. Latinista, uma dos maiores epigrafistas que Portugal conheceu e professor, fez incursões pela entomologia e pela pintura, relojoaria, cerâmica e azulejaria. Estudou história, línguas, filosofia, teologia, matemática, ciências exatas e naturais. Acima de tudo, despertou-os para a liberdade e a ousadia plenamente vividas. A sua figura marcou em definitivo, como aconteceu com o Professor Agostinho da Silva, o século xx português.
Num dos últimos textos – Amigos 23 – falei na Mocidade Portuguesa e que um primo tinha tirado a carta de condução com 16 anos. Volto agora a falar nessa hoje tão comentada como desconhecida Mocidade Portuguesa. Contado pelo atual Prof. Dr. Luis Raposo, também arqueólogo:
Conheci pela primeira vez D. Fernando de Almeida, tinha eu acabado de fazer 16 anos, e frequentava o 5° ano do liceu. Por influência de um professor, jornalista e arqueólogo, inscrevi-me no núcleo de arqueologia ali existente e logo depois fui aceite para frequentar, e obter diploma, no 3° Curso de Iniciação à Arqueologia promovido pela Mocidade Portuguesa. Entre os professores contava-se o D. Fernando de Almeida. Recordo-me do seu inconfundível trato, de uma séria afabilidade, matizada com elegante boa disposição... Posso dizer que espertei para a arqueologia nessa ocasião.
Como Diretor da Faculdade de Letras, foi convidado algumas vezes para ir dar aulas em Luanda e Lourenço Marques (Maputo) onde eu tive a oportunidade de o ouvir. A sua forma descontraída e leve de se dirigir aos alunos e outros ouvintes cativavam de tal forma que as aulas terminavam sempre com uma longa salva de palmas.
Lembro, um tanto vagamente que numa dessas aulas explicava que os trabalhos desenvolvidos nas ruinas de um hipódromo, em Miróbriga (Santiago do Cacém, cerca de 150 kms a sul de Lisboa) já existente no tempo dos celtas (sec. IX aC) que os romanos depois desenvolveram, tinham lá encontrado os “sanitários”! E, espantem-se, separados para homens e mulheres. A sua explicação, sempre com a máxima simpatia e educação, detalhava até o modo como eram usados. Como é de imaginar, a assistência adorava e fartava-se de rir.
Numa dessas idas a Luanda, final de 1969, um fim de semana levámos o tio para passar o domingo conosco andando de barco (a motor) pelo Mussulo, o que ele, naturalmente muito apreciou. Para poder lá estar o máximo de tempo navegando pelas belezas daquela zona, preparou-se um farnel onde entravam uns croquetes de carne.
A Helena, filha, com 9 anos, amável, perguntou ao tio:
- Ó Tio! Quer mais um pastel de bife?
No fim do passeio fez questão de nos fotografar, todos ainda com traje de praia.... quase nus!!!
Regressado a Lisboa mandou a foto acompanhada desta tão simpática carta:
“Angola desconhecida
Tribu mossulense dos A-Morines em traje de festa (traje de banho, no barco!). Alimentam-nos, engordam-nos, e chamam-nos Ohtio! Esta tribo está aculturada. São muito inteligentes. Trabalham o dia todo desde antes de nasceram e são muito prolíficos. A-Morines, na sua língua tribal, quer dizer, segundo um Ohtio que por lá passou, encantadores. Dizem que tinha razão. Como se vê pela gravura junta (a tal foto que entretanto... se perdeu!) andam nus, por serem descendentes do “macaco nú”; mas usam artefactos de pano na cabeça, com o que ficam muito satisfeitos. Há a maior esperança de virem a povoar Angola por completo, com o que muito nos alegraremos todos por serem muito amáveis, simpáticos, enfim uns “taras”, mas verdadeiros A-Morines.
Aposentado em Portugal, em 1976 estava a dar umas aulas na Universidade em Recife a convite desta gente de cá. Agora insistem em levar-me para a Universidade de Marília, com um ordenado a sério. Não vou. Para quê? Já dei a chamada “última lição” por duas vezes e chega!
Devem-lhe muito os sítios de Idanha-a-Velha (Civitas Igaeditanorum), São Miguel de Odrinhas em Sintra, Olisipo, Sines, Mértola, Miróbriga e Tróia em Setúbal, São Cucufate e São Gião da Nazaré, e por todo o país, como Vidigueira, Portel, Monforte, Tomar, Serpa, etc., etc.
Publicou trabalhos sobre arquitetura romana tardia e paleocristã, pintura e mosaicos romanos, epigrafia paleocristã, numismática suevo-visigótica, ambientes funerários de inumação.
E um excelente livro intitulado Ruinas de Miróbriga dos Célticos.    
Um encanto de pessoa, desde a adolescência como irmão do seu primo Augusto (era como meu irmão, ou melhor), e deixou um vazio cheio de saudades.
Dizem os seus alunos que este Mestre nos legou nobreza da sangue, nobreza de alma, nobreza de coração, e é com toda a ternura filial que curvo diante da sua memória. (Palavras do Professor Dr. José d’Encarnação)
Um grande senhor D. Fernando de Almeida e Silva Saldanha (1903-1979)



9 Feb. 19

sábado, 16 de fevereiro de 2019


Troquei a série! Foi primeiro Amigos 23 e agora o 22.

Amigos – 22

Quem tem família grande, consanguínea ou colateral, sempre encontra mais ou menos afinidade com alguns dos parentes. Desta vez vou lembrar alguns primos, dos quatro costados, três do meu lado e dois por virtude conjugal! Vou lembrar por ordem... de idades... ou não.
O mais velho, francês, médico, vivia em Salies-de Béarn, un très bel et sympathique petit village, nos Pyrénées-Atlantiques, fazendo parte ainda do país basco francês, Baixa Aquitânia, local de termas.
O seu nome Salies, do Occitane Salias – sal –, devido às suas águas ricas em sais que deram origem às termas muito conhecidas e de grande qualidade.
A uma tia, irmã de minha mãe, por razões de saúde foram-lhe recomendadas tais termas e aí vai ela, durante alguns anos fazer o seu tratamento termal. Praticamente sempre acompanhada da sua única filha, uma muito simpática e bonita garota, por quem o nosso médico em questão não demorou a ficar de beiça caída. E ela também!
Muito correto, quando decidiu que estava na hora de casar, foi a Portugal falar com o futuro sogro, milionário, homem de poucas falas e poucos sorrisos, que estava bravo com a ideia de ver a filha que iria herdar uma gorda maquia, casar com um zé mané médico de termas! Ele queria um genro do mesmo padrão financeiro!
O noivo não se intimidou e avançou para uma conversa, a sós, porta fechada com o terrível futuro sogro, para expor as suas intenções.
Lá dentro o sogro disse que estava a reservar a filha para um marido que a pudesse sustentar sem que ele ficasse preocupado com isso. O noivo, sempre tranquilo, só lhe disse que após o casamento quem tinha que se preocupar com ela era ele, o marido, e que não precisava nada do dinheiro do sogro, o que este não gostou.
Nós, os primos, sabíamos que a seguir a esse pedido iriamos todos comemorar, aguardávamos, em profundo silêncio, juntos com a futura sogra, nervosa, o desfecho do difícil diálogo. Não demorou muito. De repente o pai da noiva sai da sala, monco caído, e quando a tia lhe perguntou “e então?” a única resposta que ele deu foi “o gajo é muito feio”!
Estava resolvida a parada. Fomos para uma boite, no Estoril, comemorar, conversar, rir e dançar e, poucos meses depois, 1956, aconteceu o esperado casamento, e o casal foi viver na casa dele, em França.
A noiva, minha prima direita, era a maior amiga da minha mulher, de modo que cada vez que íamos a França (e por razões de trabalho tive que ir diversas vezes, e de carro) sempre fazíamos pontaria para ficar um, dois dias lá em Salies, com eles.
O novo primo até podia não ser bonito, e não sendo eu especialista nisso, prefiro fixar-me nas suas verdadeiras qualidades.
Muito amável, alegre e sempre educado, muito estimado lá nas termas, cuidava de rico e pobre, não tardou que entre nós se estabelecesse um vínculo que foi sempre muito forte e gratificante.
Conseguia tirar umas horinhas, enquanto as primas ficavam no papo, para ir comigo, por exemplo a um negociante de vinhos, já bem serra acima, Pirinéus, que além de ter uma adega muito bem fornecida, para o simpático docteur os preços eram sempre especiais. Saí de lá um dia, de regresso Angola, via Lisboa, com duas caixas de vinho... que hoje não teria dinheiro para comprar, como Bourgogne Nuits Saint George e outros néctares!
Numa das vezes que mais me demorei em Paris, a sua terra natal, o casal foi lá passar uma semana conosco. Eu estava ocupado durante o dia, o casal e as primas visitavam familiares e museus, e ao fim do dia juntávamo-nos todos em boa e alegre convivência.
Eu corria Paris de carro, rodava o Arco do Triunfo sem abrandar e ainda a contar histórias o que muito o divertia.
Lembro dum carro que ele teve, um DKW Junior, 1960, 796 cm³, três cilindros, dois tempos, que era uma bomba na estrada! Não deixava que alguém lhe pusesse as mãos, mas quando lá passei e quis num dia ir com a minha mulher ao Santuário de Lourdes ele fez questão que fossemos no carro dele e lhe deixasse o meu velho Simca Aronde. Cerca de 100 kms. Na estrada aquele carro voava! Era só tocar no acelerador que ele parecia um Ferrari. Um espetáculo de carro que ganhou quase todos os ralis em que entrou!
Era igualzinho a este, cor e tudo!

No final de 61 nasceu o nosso quinto filho, o João, e em casa deles o segundo e último, François.  As duas mães trocaram cartas que se cruzaram pelo ar, cada uma convidando a outra para serem madrinhas do novo neófito. E foram.
Guardo muita saudade de ambos.
A querida prima/irmã Maria Joana Frick Gonçalves e o querido médico Joseph Oliveau.

       
*          *          *          *

Vamos seguir com a mesma família. Fica mais fácil.
Primo direito, mais novo dois anos do que a irmã, e menos sete do que eu, sempre muito brincalhão, muito alegre, ótimo companheiro, apesar de pai rico, tentou toda a vida seguir os seus próprios passos, o que o trazia em inúmeros desentendimentos com o pai, que ele, com seu espírito alegre e bom, conseguia ir resolvendo, e entusiasmou-se muito quando conseguiu a representação da Estée Lauder, e até fazer alguns destes produtos famosos na fábrica de sabonetes da família, a Santa Clara, do famoso Feno de Portugal (que Deus haja), fábrica que o tempo “comeu”!
Quando nosso avô comum morreu, e muito pouco deixou, não sei como ele conseguiu ficar com alguma coisa dele, porque a viúva, a nossa avódrasta, uma saloia espertalhona, jamais devolveu à minha mãe o que lá estava em casa e era da minha avó! Coisas!
Pois o primo ficou com a espingarda de caça, que era boa, e mais uns cinco pequenos copos de cristal. Quando um dia, em Lisboa passei em casa dele, mostrou-me a espingarda e os cinco copos, eu lhe disse: “ficaste com TUDO que era do avô. Eu não tenho nada!” Amável deu-me dois desses copos! Uma simpática recordação.
Nós vivíamos em Luanda e um dia por lá apareceu e, como é evidente, ficou em nossa casa. E foi descobrindo “coisas” novas! Uma delas foi o maracujá que nunca tinha comido! E havia na cidade uma senhora que fazia um maravilhoso sorvete com esse fruto. Pois todos os dias fazia questão de ir comer um belo sorvete e comprar uns quantos frutos que comia com especial prazer.
O fito da viagem era arranjar clientes para os produtos Estée Lauder. Apresentei-o aos donos das melhores casas da terra – sobretudo Quintas & Irmão e Armazéns do Minho – deixando um dos Quintas com interesse no negócio, e a mim como seu “representante, apesar de eu estar já no banco. Mas era assunto que me ocupava só uns instantes de quando em vez.
Regressa a Lisboa, prepara uma gorda dose de produtos de toda a qualidade e feitio, homme e femme (não sei se já existia unissex!!!), despacha para Angola, manda os documentos para mim e que avisasse o Quintas.
Quando fui levar o assunto para os Quintas, a coisa se complicou, dando eles uma desculpa toda esfarrapada: Ah! Nós somos representantes da Gilette... e eles não querem que trabalhemos produtos concorrentes... de modo que não podemos trabalhar a Estée Lauder.” Caso encerrado e uma montuêra de perfumes na Alfandega.
Telefono-lhe: “O Quintas... nhã, nhã, nhã, não quis ficar com a mercadoria!”
- Guarda em tua casa. E vamos abrir aí uma boutique.
- ?!?!?!?!?
- Vou-te mandar o dinheiro para pagar os direito da alfandega (diziam que Angola era o mesmo que Portugal, Minho, Alentejo, etc., mas mercadoria que circulasse entre os dois territórios tinha que pagar direitos!!!). Entretanto vocês procuram aí uma loja para alugarmos, e eu vou mandando daqui roupas de marca, o mais chique que conseguir.
- ?!?!? Engoli em seco e disse ‘então vamos nessa’.”
Guardei tudo lá em casa, no andar térreo onde era suposto ser o quarto de uma criada... que não tínhamos! O cheiro daquela perfumaria toda, que seria de alto nível, invadiu a casa e foi por todos os andares, que até hoje, quase sessenta anos passados, o cheirete da Estée Lauder ainda me enjoa!
Um pouco mais tarde mandou-me um representante de maiôs de praia (em Portugal fatos de banho!) para que eu escolhesse e encomendasse os que se deveriam vender na loja. Eu jamais havia comprado semelhantes artefatos (nem hoje o faço!) e pensei reunir em casa umas amigas da minha mulher para que, em assembleia dessem a sua “abalizada” opinião quando chegasse o vendedor! Foi uma farra. As senhoras olhavam, discutiam e concluíam que tal modelo ficada muito bem à amiga “a’, um outro à outra amiga “b”, etc. e ao fim de mais de meia hora tinham escolhidos uns seis maiôs, para as amigas (!) que o vendedor cheio de paciência me fazia compreender com o seu olhar que aquilo jamais se venderia. Então tomei o comando, e perguntei: “O que se vende?” E ele mostrou os bikinis mais “escandalosos” que tinha, dizendo que quem comprava aquilo eram as “boazudas” das boates e outras de “convivência fácil”! Indicou quais os tamanhos convenientes e fechei a compra.
Estes, “escandalosos” venderam-se num instante. Os especiais para as amigas, se a loja existisse ainda lá estariam!
A seguir pedi para não me mandarem comprar nada de artigos para a loja porque é assunto que continua a não me interessar minimamente!
A minha área nessa nossa sociedade eram microscópios, artes gráficas, equipamentos de raios X, e outros o que, na realidade não tem muito a ver com modas.
Pouco tempo depois abríamos em Luanda a mais simpática e elegante boutique da cidade, a “Chimene” – nome em homenagem a mulher do grande Cid, El Campeador, Don Rodrigo Dias de Bivar!
Olhem a beleza do pequeno envelope para embrulhar uma pulseira ou algo pequeno... mas bonito!

Aí por 1970 descobri num ferro velho um carro abandonado por um babaca que tinha estado em Angola no serviço militar. Um (ex magnífico) MG TC de 1947, bastante maltratado, mas, carro dos sonhos de todo o jovem dos anos 50/60, comprei-o. Fui arrumando umas coisas, precisava de um painel novo e mais uns quantos outros arranjos, mas quando soube que tinha que ir para Moçambique decidi vender aquela relíquia. Quem a comprou? O primo, que o levou para Portugal. Lá o teve muitos anos.
(E ainda vendi outra! Um Morris Minor, 1932, 640 cc!)

Luanda 1970 – Com os oito filhos

Tinha brincadeiras malucas: gostava de aparecer numa sala metendo a mão por dentro das calças e fazendo aparecer um dedo no meio da braguilha, e ele mesmo se divertia com isso.
Uma noite, quando jantávamos em Luanda, com um grupo de amigos, pedimos vinho, tinto. Ele pediu também uma garrafa de água porque sempre misturava um pouco de água no vinho. O que foste fazer! Alguns dos amigos presentes, os do “politicamente certo” começaram logo a sentenciar que ninguém mistura água no vinho, que estraga o vinho, que isso não se faz, e outras similitudes verbais, ao que ele responde com o ar mais calmo:
- É assim que eu gosto. É assim que eu bebo.
Todos meteram a viola no saco, e hoje é assim que eu quase sempre faço!
Sempre brincalhão, ele e a irmã na meia idade sofreram duma terrível doença pulmonar que levou a ambos. Primos direitos, irmãos. Muita saudade Teddy – Eduardo Frick Gonçalves


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Para o texto não ficar muito longo, os outros primos vão esperar mais uns dias!

26-jan-19




domingo, 10 de fevereiro de 2019


Amigos – 23

Já há dias em Amigos – 16  falei no pai deste que agora segue, primo direito do meu pai, mas esqueci-me de contar que por ser oficial da Marinha andou quase sempre de Herodes para Pilatos, casa e filhos às costas, porque foi por duas ou três vezes nomeado Capitão do Porto da Beira em Moçambique, nos intervalos voltava para Lisboa, depois regressa a Moçambique, e assim os primos da minha idade também só os víamos com intermitência!
O mais novo foi com quem por diversas razões mais me dei, dois anos menos do que eu, mas a simpatia e um sorriso sempre cativante.
Lembro uma espécie de aventura que ambos vivemos, e volta e meia gosto de a contar, que se terá passado nos meus 19 ou 20 anos. A praia que frequentávamos, como é evidente, nos verões portugueses, era a Santo Amaro de Oeiras, a uns 20 kms de Lisboa. A praia era ótima, ali tínhamos uma grande quantidade de amigos, e foi lá que nos encantámos, a minha mulher e eu.
Nessa época o dinheiro era abaixo de curto, e infelizmente como a história se repete, o mesmo está reacontecendo agora nesta provecta idade, para nos deslocarmos à praia no combóio da linha de Cascais, na classe popular, e aos fins de semana cheíssima, 3ª Classe... isto porque não havia 4ª.
Um sábado, de regresso a Lisboa o combóio superlotado, com gente até pendurada nos estribos. Com um jeitinho para encaixar a ponta de um pé, só um, e agarrar em qualquer coisa para não cair, nem que fosse a outro passageiro, o jovem primo e eu lá nos pendurámos, fomos furando um pouco e chegamos à plataforma externa, esmagados pela imensa gente que ali estava.
A carruagem da frente, de 1ª Classe, vazia e portas trancadas, o que era absurdo. Lá dentro um funcionário da companhia dos combóios, com ar de gozo fazia sinal que ali não podia entrar ninguém, o que irritou profundamente a quase totalidade daquela gente, quase todos trabalhadores que regressavam a casa depois dum dia de trabalho, e não tardou que começassem a elevar o tom dos insultos que incluíam a mãe do funcionário! Eu tentei acalmar a turba, mas totalmente indignado com o bestalhóide do funcionário, a quem, na primeira estação onde parámos fui pedir satisfações que não deu em nada.
 O tumulto e os cumprimentos ao dito filho de uma senhora mal comportada (coitada da senhora que nada tinha a ver com o assunto) fez com que o chefe do combóio chamasse a polícia que nos aguardava na penúltima estação. Aqui a coisa começou a complicar-se, porque os polícias, ignorantes e brutos como eram nesses tempos em Portugal, julgando-se donos do poder quiseram entrar à força para onde nós estávamos apinhados, sem que houvesse espaço para uma agulha.
Segurei um polícia e disse-lhe:
- Você está a ver que aqui não cabe mais nada, se empurrar alguém eu jogo-o fora do combóio. Se for educado e pedir com respeito talvez se arranje um lugarzinho para pôr um pé.
Entraram dois pés, porque eram dois polícias e começaram logo a implicar com o trabalhador baixinho que havia insistentemente cumprimentado o idiota que seguia na carruagem vazia. Foram também advertidos que se lhe tocassem o caso ia ser feio.
Chegámos ao final da linha, Cais do Sodré, e lá nos aguardavam, a mim, ao primo jovem e baixinho como sempre foi, e ao miserável trabalhador que era o alvo primário da polícia, o chefe da estação, um homem calmo e educado e ainda mais dois polícias, a quem expliquei o que se tinha passado, que considerava um abuso de autoridade, mais ainda porque o funcionário que se fechara, argumentava que o tinha feito porque era portador do correio e não podia arriscar-se a perder aqueles sacos. Tudo isto estaria certo e aceite não fosse o caso do idiota ainda dar risada para cima daquele apinhado de gente.
Entretanto um polícia ia dizendo que, pelos insultos, o trabalhador, é claro com ar de pobre, tinha que ir preso, ao que eu respondia se ele for, eu também vou. O polícia, glorioso, achando-se Napoleão, retorquia então vão os dois. E eu: acontece que eu não vou! O Polícia, então vai ele. E eu: só se me levar arrastado, porque EU NÃO VOU, nem este homem que está aqui comigo (que se agarrava com força ao meu braço salvador!).
O chefe da estação, logo se apercebeu que aquilo não era nada, disse que estávamos todos dispensados e a festa acabou. Mas ainda o vi chamar o funcionário idiota e dar-lhe um sermão!
Ao sairmos da Estação tive que levar o trabalhador até ele apanhar um carro elétrico que o levaria a casa, porque os bestas dos polícias foram-nos seguindo! Só quando se afastou é que voltei às ditas autoridades policiais e perguntei se procuravam alguma coisa!
Viraram costas.
Depois, muito nos rimos.
Passaram anos e o 25/4 diasporou portugueses pelo mundo, e ambos voltamos a nos encontrar no Brasil. E ele e família constituída em Poro Alegre, onde fui uma vez e me hospedei em sua casa, depois eles foram para Campinas, onde os visitámos com os meus filhos, que criaram logo uma profunda amizade, e vinham várias vezes passar um fim se semana em nossa casa, em São Paulo.
Quando decidem regressar a Portugal, entre deixarem a casa em Campinas e aguardar o voo para Lisboa, a nossa casa, cujo lema é sempre cabe mais um, ali os recebeu uns dias, o que foi uma grande farra para todos.
O primo, baixinho, parecia que os anos não lhe passavam por cima. Já na faixa dos 50 e alguns, parecia um menino de 20 e pouco.
Mas era alegre, simpático, amável, uma jóia. A mulher e os vários filhos fazem parte, forte, da nossa família, mesmo sem nos lembrarmos que temos um antepassado comum.
Saravá Francisco Vilardebó Loureiro, que nos deixaste tão cedo.
Aqui está ele, a Madalena e a última filha que ganharam no Brasil.



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Outro amigo desde... adolescentes, casou, correndinho, com 20 anos, com uma prima direita da minha mulher que era uma garota linda, alegre, descontraída e muito simpática, com 19, e como é evidente, cheia de pretendentes. O casamento durou sempre, foram felizes, até ao dia... apagaram.
Esta proximidade nos proporcionou uma amizade sólida, pelo resto da vida. Tanto que para o único filho homem que tiveram me convidaram para padrinho, apesar de eu viver em África e eles em Lisboa.
Toda a sua vida profissional fez numa única empresa, onde viveu com entusiasmo, que ele dividia com a aviação.
Piloto amador, foi um dia convidado a visitar Angola e Moçambique, onde nos encontrávamos, e foi uma alegria tê-lo um pouco conosco.
Nessa altura presidente (?) do Aero Club de Portugal, e tinham recebido a visita de um dos astronautas que pisaram na lua, creio que o Neil Armstrong.  O principal anfitrião conversou com o visitante e contou que este dissera algo como “a aventura dos portugueses, quando se lançaram à descoberta do mundo, foi muito mais importante do que a ida à lua. Foram na cara e na coragem e nós fomos cheios de tecnologia”.
Aqueles que hoje imaginam que sabem alguma coisa da história de Portugal do tempo da ditadura de Salazar, gostam de malhar em tudo quanto foi dessa época, porque assim dizendo um monte de besteira se julgam modernos, esquerdistas, mas nem libertários conseguem ser.
Vem isto a propósito da Mocidade Portuguesa de que ainda voltarei a falar.
Como é sabido só se podia ter carta de condução a partir dos 18 anos. Pois este meu compadre, através da Mocidade Portuguesa obteve a sua carta (carteira) com 16 ou 17 anos, e era reconhecida oficialmente.
Aí por 1948, fim do verão, o Diretor da Escola de Regentes Agrícolas de Évora, o engenheiro Matos Rosa, a quem eu devo uma grande parcela da minha personalidade, foi a Lisboa no seu belo carro, um Auburn 1936, cor vinho, lindo, lindo mesmo, o carro em que aprendi a conduzir. Nesta foto ele, carro, e eu aí por 1948

Telefonou-me, disse em que hotel estava e fui lá estar um pouco com ele, e... namorar aquele carro!
- Se tivesses já a carta podias sair com ele.
- Eu tenho um amigo com carta. E é tranquilo, cauteloso.
Chamei o “encartado” que veio correndo, e saímos, ao fim do dia, naquela beleza como se fossemos os príncipes do Sião! Sem correrias, para não haver problemas, rolámos pela marginal Lisboa-Cascais, semeando inveja pelo caminho para
Santo Amaro de Oeiras onde moravam as duas primas, a que ainda está comigo, e a que veio a ser mulher dele.
Foi um sucesso. Demos um pequeno passeio, que naquele tempo não se deixavam os “gatos” pôr as unhas de fora nas “gatinhas” (!), e esse passeio serviu-nos depois, durante anos, como uma recordação repetida com saudade!
Casaram e foram morar em Campo de Ourique o longo resto de suas vidas. Ao princípio era um bairro sossegado, imensos lugares onde estacionar o carro, o que lhe permitia sair quando e a que horas quisesse porque ao regressar a casa estacionava a viatura quase em frente da porta. Passam os anos, aumenta a “população” de carros e cada vez fica mais difícil encontrar um cantinho para parar a “droga” do carro.
Solução: ir jantar fora... só de carona ou de taxi; passar a tarde a ver os primos (como nós quando íamos a Lisboa) sair a tempo para chegar antes das 6 da tarde; fins de semana no campo, em casa do filho (meu afilhado) obrigado a regressar antes das 5 ou 6 da tarde.
Eu bem lhe dizia para vender a porcaria do carro, aliás, muito bom, mas que só lhe servia de empecilho.
Coisas de “belas” cidades sem estacionamento nos prédios, problema comum em Lisboa.
Uns primos de que ficam, como sempre, as saudades a magoarem.
Vivian Greenwood Meunier e José Vieira de Sampaio.
Uma recordação de 2003:

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Primo afastado de minha mulher, com quem desde cedo fui tendo contato, mas com quatro anos a menos, só em Moçambique é que realmente tivemos muitos momentos juntos.
A ética, a simpatia e a modéstia personificadas, nele e na mulher, ambos magros, elegantes, trabalhava na TAP que se lhe dava para viver, não era de certo para enriquecer. Não esqueço que quando eu estava na 2M lhes mandei entregar em casa uma ou duas caixas de cerveja e/ou Coca-Cola ou 7-Up talvez por ser aniversário do casal ou de algum dos dois filhos, ou para agradecer a forma como me iam recebendo, mas a mãe das crianças não quis receber, e telefonou-me. Não merecia que lhe oferecesse, o que a mim nada custava. Tive quase que me zangar com ela, para que aceitasse! Numa outra ocasião já não reclamou!
Mas creio que nunca tínhamos visto alguém tão regradamente económica: a dona da casa, como quase toda a gente em Moçambique tinha um cozinheiro que habitualmente era quem ia às compras. Ainda não havia supermercados onde hoje as donas de casa vão e gastam muito mais do que poderão precisar!
Quando dava as suas instruções ao cozinheiro, com qualquer receita, dizia-lhe para usar uma cebola. Uma. Só que, quando comprava as cebolas, jamais as grandes. Sempre pequenas! Uma forma simplista e inteligente de economizar. Ninguém passava fome naquela casa, e eu sei isso bem porque quando cheguei a Lourenço Marques, antes da chegada da mulher e filhos, fui lá mais de uma vez jantar com eles. Nunca me apercebi que as cebolas eram pequenas!
Os dois filhos, da idade dos nossos dois mais novos, iam volta e meia lá a casa e ficavam na brincadeira de crianças dos 3 aos 6 anos, e por vezes a mãe também os levava quando lhe pedíamos para ficar um pouco, tipo baby sitter, quando à noite tínhamos qualquer jantar fora.
Lá vinha a tia, como os nossos filhos lhe chamavam, no seu magnífico carro um mini Suzuki, um quase carro, motor de dois tempos e 360 cc, tamanho q.b. para um casal de peso ligeiro e duas crianças, com o seu barulho característico, sempre carregando os dois filhotes, que passaram a ser conhecidos como os Suzukis!
Quando pensei que regressaria (eu) a Luanda em 1973, o que só aconteceu no final de 74, no Natal de 72 fiz um “brinquedo” em cartão prensado (que me deu um bom trabalho!) para que tirássemos umas fotografias de despedida.


A partir da esquerda os Suzukis Miguel e Luis, e os Amorim Tiago, Lourenço e João
Idades: 3, 6, 5, 2, 11

Depois dessas datas foi a anti-diáspora! Eles para Portugal, nós para o Brasil e passámos só a nos encontrarmos nas rápidas visitas a Portugal.
O tempo e doenças graves já levaram os pais, de quem guardamos a maior saudade e até admiração.
Isabel Festas Gorjão Henriques e Nuno Gorjão Henriques. (duas fotos antigas, recuperadas)




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Isto de primos e sobrinhos tem vários “graus”: os consanguíneos, mais ou menos chegados, e os do coração. Um sobrinho, nosso vizinho já em Luanda, como irmão dos nossos filhos e, como nós, “refugiados” depois no Brasil. Com os pais (já falei do pai dele) sempre fomos também como irmãos.
Ainda bem menino, talvez uns 3 ou 4 anos a mãe vestiu-me todo muito bem, para ir a uma festa de amiguinhos da sua idade. E lá vão pela rua, o menino todo elegante quando cruzam com uns garotos angolanos. Estes ao verem-no tão aprumado soltaram uma exclamação de admiração: “Que banga!”
Banga é uma termo quimbundo que significa, elegância, ostentação, garbo. A partir desse dia o querido sobrinho do coração ficou sendo sempre conhecido e chamado de Banga.
Vivíamos em São Paulo, e um dia o pai dele apanhou um valente susto, dores no peito, dificuldade em respirar e correrem com ele para o hospital. Enfiaram-no na UTI e nada de visitas, a não ser da família, e um por vez.
O filho, o mais velho, ficou como é de imaginar extremamente preocupado, e deixou no hospital a lista dos nomes da mãe e irmãos e o meu, com o único “primo” que ele tinha no Brasil.
Telefona-me, muito assustado a pedir-me para lá ir ver o pai.
Quando cheguei estava o paciente cheio de tubos no nariz e uma porção de cabos que o ligavam às máquinas. Panorama de UTI. Mas antes de o ir ver perguntei qual era o diagnóstico e soube que era peritonite, mas nada de grave.
Entrei então para o ver.
Estava com ar de moribundo! Perguntei-lhe:
- Olha lá, vais morrer?
- Não, porque????
- Toda essa parafernália por causa duma porcaria duma peritonite... Diz ao médico que te mande embora para casa, que lá te tratas muito bem. Aqui essa maquinaria ainda te vai dar cabo do físico.
Rimos, um ou dois dias depois foi para casa, melhorou.
O sobrinho tinha comigo uma relação muita próxima. Volta e meia ia lá a casa, almoçava conosco, e conversava muito comigo sobre a sua vida profissional. Estava a fazer carreira em seguros.
Como fui das pessoas que mais cedo tiveram um computador (1984), o que quase se tornou uma atração (!) e tinha na nossa casa um escritório separado do “lar”, um dia, aí por volta de 87 ou 88, veio dizer-me que queria sair da corretora e abrir um negócio com um colega. Por causa do computador, pedia-me que o deixasse trabalhar no meu escritório e que me pagaria um aluguel qualquer.
Fui-lhe logo dizendo que negócios não se fazem por amizades. Amigos, amigos negócios à parte. Que se vá o negócio, mas que fiquem os amigos. Amigos são com a família e não se podem envolver em questões de dinheiros.
Fiz-lhe então uma sugestão: Vocês fazem a sociedade e assinam comigo um contrato simples. Quando tiverem lucro pagam-me um “x %” desse lucro.
Mas para trabalharem em seguros faltava-lhes um elemento fundamental: um corretor. Perguntei quem seria, e ingenuamente me respondeu que tinham amigos e conhecidos que podiam ajudá-los. Voltei a repetir: nunca faças negócios “assim” com amigos. Acabam sempre mal. E tem mais: eu conheço um dos melhores corretores de seguros deste país, e neste momento está com pouco trabalho. Esse sim. Ótimo, sério, jamais, vos trairia, em quem eu deposito 100% de confiança.
- Que bom tio. Quem é?
- O teu pai!
- Pois é. Como não pensei nisso! Mas ele foi para Portugal.
- Põe-lhe o problema e vais vê-lo aqui em dois dias.
­Lá fizeram a sociedade, e o pai voltou logo para o Brasil!
Durou pouco a sociedade. Primeiro porque o colega lhe passou a perna. Mas o pior foi uma doença grave que o levou tão cedo do nosso convívio, quando tinha somente 29 anos.
Um sobrinho muito querido, quase como um filho. Bartolomeu Vidal Perestrello de Vasconcelos.
8 fev. 19