sábado, 31 de outubro de 2009

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A Garota que caiu dos céus

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“Ninguém pode afirmar que tem coragem,
se não enfrentou o perigo”.
François de La Rochefoucauld. 1613-1680
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Corriam tranquilos os primeiros meses dos anos sessenta, em Luanda.
Os céus, por incrível que pareça, estavam ainda longe de ameaçar a tempestade que pouco depois começou a desabar em cima de Angola, primeiro com a guerra colonial, e depois muito mais violenta e devastadora com a guerra interna, que se pode chamar de muitas maneiras, nenhuma delas correspondendo à verdade absoluta: civil, tribal, político partidária (dificilmente esta versão), leste-oeste ou comunismo versus capitalismo, simples (simples?) ambição individual, etc.
Em Angola a vida corria, pode dizer-se tranquila. Não para todos, infelizmente, como em toda a par-te do mundo, que parece ser eternamente só para alguns.
Entretanto jovens angolanos, a maioria deles que tinha ido para Portugal estudar nas universidades, começavam a redespertar para o que estava acontecendo mundo afora, relativamente à subjugação dos povos através do colonialismo.
Decidiram, de entrada somente uns poucos, criar um Movimento que mostrasse ao mundo as injusti-ças praticadas nas colónias portuguesas, bem como a injustiça intrínseca do próprio sentido colonial, procurando apoio internacional para uma ação mais vasta e completa, que se preciso fosse levasse à luta armada, uma vez que sabiam que o governo português não ia largar da mão, de graça, os territórios que considerava seus e, no total, eram vinte e tantas vezes maiores do que a própria Metrópole. Alguns deles ricos, muitos ricos, Angola sobretudo.
Não eram só os de pele café que queriam livrar-se da tal Metrópole. Não. Eram todos os que ali viviam e passaram a considerar Angola como a sua terra.
O governo central e suas sofisticadas técnicas de espionagem próprias, herdadas da secular experiên-cia da Inquisição e seu mestre grande, um dos maiores e mais completos biltres e criminosos de toda a história da humanidade, que se alinha com Stalin, Mao Tsé Tung e Hitler, chamado Torquemada, sabia de tudo quanto se passava em Portugal, colónias e mesmo no estrangeiro.
Fazia prisões de cafés, leites e quaisquer outros matizes que não se mostrassem da cor do governo. Os que conseguiam escapar imigravam para a Europa central, para o Leste europeu e para alguns pa-íses já independentes em África, os únicos que obviamente os apoiavam, como os Congos, Ghana e Guiné-Conackry, e até Algéria, esta batendo-se ainda pela sua própria independência.
Em silêncio, Portugal ia-se preparando para defender militarmente os seus territórios, o que se pode ver pelos orçamentos das províncias, que votaram, já em 1959, para as forças armadas, o dobro das verbas destinadas à educação, cuja falta foi talvez o maior crime cometido por Portugal nas suas co-lónias, crime com atenuantes atendendo à sua tradição de país com o maior índice de analfabetização na Europa!
Os órgãos de informação rigorosamente controlados, proibidos de falar em quaisquer movimentos ou idéias independentistas ou separatistas, os investimentos a crescer na indústria, leis coloniais traves-tidas em ultramarinas para fingir que estava tudo bem, afirmando-se que um minhoto era igual a um boximane ou um macúa ou um timorense, enfim, o interior de Angola estabilizado com as populações rurais fixadas, utilizando-se de uma rede de estabelecimentos comerciais que alcançavam até ao mais recôndito das terras do fim do mundo, onde se adquiriam os excedentes de produção, encami-nhados depois para as principais cidades.
Viajar por esse interior, ao encontro de uma natureza ainda muito virgem, era algo que até hoje a memória guarda como um privilégio. As estradas eram poucas e na altura das chuvas dividiam-se em pouco mais do que duas categorias: passa ou não passa! Quando não passa, passava-se por vezes um, dois e mais dias à espera que a situação se revertesse, ali, no mato, socorrendo-se o viajante do prés-timo do chamado nativo, sempre pronto a ajudar. Nesses momentos, difíceis, incómodos, porque o carro era o hotel, a melhor solução era tirar partido da parte positiva que a espera e os obstáculos im-punham, e mesmo não falando a língua local, apreciar um pouco aquelas rodas de conversa à noite, à volta de uma fogueira, pedindo ajuda a algum intérprete que nos pusesse ao corrente do que se ia contando.
Lamento hoje, e o lamentar tardiamente, é sinal de arrependimento, sendo este próprio dos fracos, mas..., não ter na altura sido despertado para uma maior penetração na alma e sentir daquele povo, aprendendo a sua língua. Para a vida quotidiana e profissional nunca fez falta, nem mesmo para andar pelo interior, onde praticamente em todo o lado se encontrava quem falasse melhor ou pior o por-tuguês. Em muito lado podiam não falar com perfeição, mas o entendimento nunca deixou de se fazer, usando uma mistura de todas as palavras que se conheciam de parte a parte.
Lá, nos planaltos, as noites frescas, o céu lindo, estrelado, a fumaça da fogueira subindo ao ritmo do batuque e danças e dos contadores de histórias. De vez em quando uma estrela cadente rasgava por entre todo aquele cintilar, e no mesmo instante um pedido se elevava, que fizesse durar aquela paz e tranquilidade por todo o sempre!
Os céus de Luanda eram mais pesados. Junto à costa, muito maior a umidade do ar, assim mesmo muitas noites aquelas estrelas lá ficavam vaidosas mirando-se e refletindo-se na quietude das águas da baía, deixando a cidade dormir em sossego. Clima tropical, turvavam-se de vez em quando os a-res, anunciando chuvas ou simplesmente pairando incómodas, no cacimbo, baixando a temperatura mas aumentando desagradavelmente a umidade relativa do ar.
Luanda no cacimbo ficava mais triste. O sol passava com dificuldade através daquelas nuvens e em casa o que não se arejava, embolorava!
As épocas melhores são sempre as intermediárias, que se na Europa se chamam Primavera e Outono, ali eram o fim das chuvas, início do cacimbo, por decreto oficial marcado para o dia 15 de Maio, em que efetivamente não chovia mais, mesmo que na véspera, a 14, tivesse caído uma boa chuvarada como despedida, e o fim deste, início das chuvas, a 15 de Setembro, quando, exatamente nesse dia, em muito lugar caíam as primeiras chuvas oficiais, como que a dizer-nos: cumprido o decreto!
Durante o cacimbo não se ia à praia! Estava frio! E se alguém se aventurava a enfrentar esse gelo, ia até lá vestido, calça e camisa, para se sentar naquelas rochas e ali ficar gozando o eternamente belo espetáculo do mar. Outros, mais desportistas, pescavam, e aquele mar generoso a todos contemplava com alguma coisa. E coisas boas tinha aquele mar...
Voltemos aos céus. As forças armadas em Angola, nesse tempo eram em número pouco mais do que teórico, mas começavam a crescer.
Para inaugurar o início das atividades da Força Aérea, até ali ausentes de África, organizou-se uma espécie de “festival” aéreo, com uma dúzia de aviões que para lá tinham sido destacados, aprovei-tando-se para se fazer também uma exibição dos homens que vêem dos céus!

Um dos "F 84" que foram para Angola

Na altura dizia-se que aqueles aviões tinham sido cedidos pela OTAN (NATO), em que Portugal es-tava integrado, para exercícios de defesa da Europa. Manhosamente, Salazar, convenceu os parceiros que fazia os exercícios de treinamento em África! Ninguém engoliu tão esfarrapada mentira, mas to-dos fizeram ouvidos de mercador. E, como é cronicamente sabido, os piores diplomatas do mundo são os americanos. Cegos, todos, por dinheiro, tudo Tio Patinhas, cederam aviões para a OTAN e quando souberam que eles estavam em África, e os seus interesses visavam também o chamado Co-ne sul africano, ou o Atlântico Sul, ou a rota do petróleo e mais as riquezas africanas - África do Sul, Rodésias, Moçambique, Angola e Congo – acharam que não seria má idéia disfarçar e ajudarem a manter o status quo dessa zona de África... até ver.
Os Estados Unidos e a sua clássica incapacidade de política externa ainda não tinham despertado pa-ra o mundo novo, os novos países africanos, que se voltavam para a União Soviética, que abertamen-te os apoiavam. Só mais tarde é que decidiram ajudar e financiar alguns grupos rebeldes, não tanto independentistas, como o FNLA, porque as suas ligações e/ou compromissos com o Congo, nunca ficaram muito bem esclarecidas!
A verdade é que Portugal, levou de graça para Angola uma dúzia de caças a jato!
Independente do aspeto político que representava para os povos que queriam a sua independência a chegada de uma nova força de repressão, o espetáculo anunciado seria interessante, sobretudo se pensarmos que foi em África, há mais de quarenta anos, onde praticamente não havia pára-quedismo. Ninguém queria perder a oportunidade de ver descer dos céus aqueles pequenos cogumelos, devagar, que aumentavam de volume até se desfazerem de encontro ao chão.
Sabendo que esse festival aéreo daria início à instalação de mais uma força, certamente para não só intimidar, mas combater pretensões de independência, um dos partidos, todos ainda muito incipien-tes, dando os primeiros passos, distribuiu clandestinamente um panfleto-manifesto alertando as po-pulações para o significado desse tal festival, aconselhando-as a não comparecerem. Distribuído com a maior dificuldade, porque clandestino, alcançou pouca gente, e muita desta assim mesmo ainda quis ir ver o que seria essa nova ameaça.
Os jatos da força aérea evoluíram por cima da cidade, vôos de espetáculo, e os de transporte de tro-pas soltaram umas dezenas de homens pelos ares. A surpresa maior estava reservada para o final, e essa nada tinha a ver com a guerra que acabaria por eclodir: o primeiro salto de pára-quedas de uma mulher! Um acontecimento na história da evolução dos povos, quando por esse tempo a mulher pou-co mais fazia do que parir e cuidar de filhos e marido!
O tempo estava meio fechado no fim daquela manhã, quando o grande feito ia acontecer, por cima do Aeroporto.
Todos os muene-mputu presentes, desde o nguvulu aos secretários, os cabitangu, respectivas esposas e povo em geral.
Tinha vinte e quatro anos a mocinha que se ia atrever a tamanha temeridade. Os machos pára-quedistas e outros elementos da Força Aérea, terrivelmente preocupados com o que poderia aconte-cer à frágil e feminina atrevida.
Avião escolhido para a aventura: um velho Dragon Rapid, que atingia a vertiginosa velocidade de cruzeiro de 213 km/hora, bimotor, asa dupla, estrutura tubular, forrado a lona, para transporte de pas-sageiros em linhas “regulares”. Passageiros, não recordo bem, mas o máximo de sete! Grande avião.

Deve ter sido nesta "amarvilha" que a aventura se passou!
Aqui recebendo passageiros, talvez em Benguela. Ou Moçamedes?

O mesmo "Dragon Rapid", restaurado e pertença de colecionador

Piloto, um amigo, experiente comandante da Divisão de Transportes Aéreos de Angola, a DTA, do mesmo modo igualmente preocupado com a responsabilidade de “largar a primeira moça nos ares de Angola”, o Jorge Verde.
Chegada a hora, entram no avião, o piloto, fundamental, a destemida aventureira, um fotógrafo para documentar o histórico salto, e este, que hoje, tantos anos passados, “faz a reportagem”, amigo de in-fância da heroína, privilegiado assim para de mais perto e melhor ver o famoso salto!
Em terra, silêncio! Tensão. Céu meio encoberto de nuvens. O Dragon ganhou altura, e ficou voando em círculos bem por cima do Aeroporto, onde o salto se devia efetuar. O piloto, nervoso também por causa do natural machismo e porque não conseguia ver o chão com clareza, ordenava que a mocinha só devia saltar quando ele mandasse. Lá de cima, a pista, pequenina, aparecia e sumia logo encoberta com as nuvens. Já íamos talvez na quarta volta, o tempo seguia, que é o único que não se preocupa com tristezas ou alegrias, sol ou chuva. Páraquedista junto à porta, fotógrafo à ilharga, eu no centro daquele aviãozão. O Jorge Verde:
- Não saltes ainda. Espera que eu te diga.
Ordem que eu retransmitia. Porta do avião aberta, o fotógrafo amarrado a um banco com medo de ser levado porta fora mesmo sem pára-quedas, eu atrevidamente mal assomava com a cabeça a um me-tro da porta, e a valente moça, tranquila, mas desesperada para saltar logo.
-Espera mais um pouco.
A dada altura sai e fica em pé na asa! Imaginem só a loucura! O fotógrafo e eu arrepiados, talvez mesmo apavorados e com mais vertigens do que jamais havíamos pensado. E o piloto:
- Ainda não estamos na posição certa. Espera.
Neste momento a frágil e feminina aventureira, diz:
- Não vou esperar mais. De repente, lá vai ela. Saltou!
Nós, dentro do avião deixámos de a ver no mesmo instante, e ninguém se atrevia a pôr a cabeça de fora para ver aonde ela ia! Deus nos livre.
Tínhamos ambos a sensação de que se puséssemos a cabeça de fora, no mesmo segundo saíamos dali mesmo sem páraquedas. Passado um pouco ouve-se novamente o piloto:
- Espera só mais um pouco. Vamos agora passar bem em cima.
- Não te preocupes mais. Já voou!
- Mas ela é maluca! Não devia ter saído sem eu lhe dizer!
- Pois é. Mas agora já lá deve estar em baixo!
A única solução foi regressar à base. Nada mais havia a fazer lá nas alturas. Quando aterrámos, já ela estava, pés bem no chão, rodeada de gente. O povo espectador aplaudia, os machos da aviação ralhavam com a menina:
- Foi uma temeridade... que loucura... tanto tempo em queda livre... que perigo... não foi para isso que você aqui veio... podia ter acontecido um desastre e nós éramos os responsáveis, e outras obser-vações dentro da mesma tónica.
Os homens ainda não estavam habituados a que as mulheres rivalizassem com eles em situações de coragem! Raros os que se lembram por exemplo de uma Brites de Almeida, a terrível padeira de Aljubarrota, ou de uma Joana d’Arc!
Cumprimentos, despedidas, muitos obrigados, etc., acabou a festa, e a mocinha, nossa hóspede, foi conosco para casa. Ligámos logo a telefonia para ouvir a reportagem, em diferido, como hoje se diz, porque ainda não havia o em direto, ou ao vivo, e enquanto almoçávamos fomos ouvindo o locutor e o seu relato.
- Estamos no aeroporto, presentes as diversas excelências, etc. e vamos agora assistir ao primeiro salto de páraquedas de uma mulher, nestas terras de Angola. Jovem, enfermeira páraquedista, veio de Lisboa expressamente para nos mostrar o quanto as mulheres podem fazer, saltando dos ares, quando necessário, para levar a saúde e a esperança a feridos e doentes, em lugares onde outro tipo de ajuda pode fazer perigar a vida do doente. O exemplo desta jovem deve ser admirado e seguido.
O avião, com a destemida rapariga, já levantou aqui do aeroporto, e está a ganhar altura. O tempo está bastante encoberto o que não permite que daqui de baixo o possamos acompanhar o tempo to-do. Ouvimos o ronco do seu motor, mas mal o adivinhamos quando de repente passa entre duas nu-vens...
Olha, passou agora. Ihh! Já deixámos novamente de o ver... O avião anda lá por cima às voltas. Vamos ver quando nos aparece a pára-quedista. OLHEM! Apareceu agora. Lá vem ela. Mas... o pára-quedas não se abriu!... Meu Deus! O páraquedas nunca mais se abre. Que horror... ela vai cair. Já vem a cair há uns cinco minutos e o páraquedas não se abre!...
Nesta altura a voz do locutor está ofegante, cansada! Ele já antevê uma tragédia! A emoção mais forte do que ele.
- F I N A L M E N T E ! Graças a Deus! O páraquedas abriu-se... lá vem ela... descendo... devaga-rinho. Lá vem... Está agora... a pousar... no chão... para lá... já se encaminham... os que a vão re-ceber... e felicitar. Uff! Que grande susto nós levámos!
Um pouco mais tarde, almoçando tranquilamente, a então jovem e hoje vovó Isabel Bandeira de Melo Rilvas - reviveu esta “apavorante” descrição da sua aventura... “ao vivo”!
Estávamos em 1960!



27-out-2009

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

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Voltemos a Angola!
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À  Baía  das  Pipas
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Depois deste passeio pelos incas, mapuches, peruanos e argentinos, vamos voltar a falar do nosso amigo O ALBERTO, sobre quem escrevi nos “Contos Peregrinos...” e transcrevi para o blog no último dia de 05 de Agosto.

Os blogs vão sendo conhecidos, palavra puxa palavra, o princesadonaimbe passou palavra, contatou o memoriaseraizes que, e aqui surge a grande surpresa e alegria, conhece e vive perto do famoso “O Alberto”, no Algarve!

Neste último – http://www.memoriaseraizes.blogspot.com/ – está a história da família Gomes, algarvios da gema, que em meados do século XIX partiu à aventura para as águas ricas de peixe, e se fixou na orla do deserto do Namibe, tanto em Porto Alexandre, hoje Tômbua (o nome gentílico da famosa e misteriosa Welwitschia Mirabilis) como em Moçamedes, agora Namibe.
Dessa família, há quase noventa anos, nasce o nosso Alberto, ainda hoje cheio de vida e histórias para contar e, apesar da idade, sempre forte e a criar à sua volta uma aura de simpatia, simplicidade e amizades.
Hoje recebi todas essas notícias, com algumas das fotos que aqui ficam, no seguinte e-mail:

Caro sr. Francisco Amorim
O meu nome é Telmo e sou de Moçamedes.
Através do blog da minha amiga Nidia Jardim (Princesa do Namibe) descobri o seu blogue onde tem desfiado as belas histórias sobre africa e não só.
Mas a que me interessou, foi claro, a história do Alberto Gomes.
E isto porque já tinha ouvido parte da história do encontro na fragata, o ano passado quando fui com o meu amigo Claúdio Frota a casa do Alberto, onde assisti ao vivo ao grande contador de histórias que é Alberto Gomes, ainda hoje, com quase 90 anos.
O Alberto e "seus oficiais"! À sua esquerda o ten. Emídio Navarro

E contou a historia, porque tinha lá na parede afixada uma foto desse encontro na fragata: e perante isso, pedi-lhe a dita para digitalizar e eventualmente incluir no texto que o Claúdio estava a escrever para o seu blogue ( http://memoriaseraizes.blogspot.com ).
Mas como as histórias foram tantas, essa foi uma de algumas que ficaram de fora do texto, bem como a foto: aqui vai ela se quiser utiliza-la no seu blogue.
Mas perante a bela história que o Francisco escreveu: falei com o Claúdio e decidimos dar conhecimento ao Alberto, que vive a alguns kms de nós, em Quarteira.

 

O Alberto, seus jovens 90 anos, na terra de seus avós!

E claro que Alberto Gomes nos recebeu de braços abertos como é costume e desfiou um rol de historias, inclusive quando o Claúdio estava a ler o seu texto.
Além de confirmar as historias que ia ouvindo com: "É VERDADE, SIM SENHOR!!"
Ao ouvir a historia ficou muito sensibilizado pela forma como foi recordado por si,pois é uma das belas recordações que trouxe de áfrica (uma de muitas que tem recordado nas conversas) e por fim agradeceu e pediu para lhe mandar "UM GRANDE ABRAÇO de saudades!"
Além do texto, também lhe mostrei algumas das fotos que tem no seu blogue (das férias na Argentina e da viagem no Mussulo em 2006).
E depois resolvemos tirar algumas fotos (no porto de pesca em Quarteira e em Vilamoura) para lhe enviar, que seguem em anexo.
Cumprimentos,
Telmo

A história da visita à fragata, foi muito sucintamente contada. Deve ter-se passado, como está na foto, em 1963. Já lá vão quarenta e seis anos!

 

Um ano antes, acompanhado do meu muito querido amigo, irmão, Alfredo Duarte Figueiredo, nessa altura diretor da Cuca em Nova Lisboa, sendo eu o responsável comercial da Companhia, decidimos fazer uma viagem de trabalho pela zona sul da Angola, região para onde era vendida a cerveja produzida naquela unidade. Moçamedes foi uma das cidades visitadas. O fim de semana chegou na mesma ocasião (creio que organizei a viagem já com esse objetivo!) e uma visita à família Gomes na Baía das Pipas, estava mais do que assente! Era fundamental.
Muita alegria, festa, banquete de frutos do mar, um pé de dança ainda hoje guardado em fita de vídeo, filmado na altura em 8 mm, uma pequena caçada pelo deserto (quando encontrámos as zebras), e todo aquele ambiente paradisíaco, que entra tão fundo no nosso ser que jamais sai!
O Alfredo era tio do Emídio Navarro que estava em Angola a cumprir serviço militar na Marinha como tenente engenheiro. E “tão mal” ouviu falar sobre o Alberto, que logo no seu navio, a fragata “Pacheco Pereira”, o comandante (creio que era o capitão de fragata Manuel Perestrello) decidiu que na próxima ida ao sul passariam na Baía das Pipas a visitar esta nobre e amiga figura.
Foi assim que, como descrito, uma bela manhã, surge para espanto daquela gente, nas tranqüilas águas da Baía das Pipas um “imenso” navio de guerra, donde baixa um escaler para buscar o nosso Alberto a ser recebido com “honras” a bordo!
Imaginem este navio "imenso" (93,7 metros de comprimento) a entrar na Baía das Pipas!

 

Na foto do grupoa, tirada ainda dentro do navio, há só um pequeno erro, quando indica como “brigadeiro” Navarro o que era na altura o tenente engenheiro!
Fica prometido para... quando... se... uma ida ao Algarve abraçar o meu querido amigo. O único problema é que daqui do Rio de Janeiro a Quarteira são mais de 10.000 km. e muitos dólares. Se assim não fosse hoje mesmo estaria a caminho!
Fica o abraço “virtual” enquanto a oportunidade real não surgir!
Saúde, sempre, meu amigo Alberto.







sexta-feira, 9 de outubro de 2009

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Ó  Incas!  Ó Incas!
Sugestões
- 4 -
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Parte do muito que faltou ver, porque...
- em Lima...o Conveno de Santo Domingo, mais algumas casonas, as ruinas de Huallamarca, no corção do bairro San Isidro (o que tem as oliveiras com quinhentos anos) e tanto mais...

Convento de Santo Domingo

- as ruínas de Pachacamac, o principal templo de tempos muito anteriores aos incas, e que está somente a 30 km de Lima, com a sua Acllauhuasi (casa das virgens);

Parte das ruinas de Pachacamac

- o Lago Titicaca, a quase 4.000 metros de altitude, lago salgado, pedaço do Oceano Pacífico, que os movimentos da crosta terrestre encerrou e elevou às alturas, de onde uma das lendas fez sair os fundadores dos incas; simpático, o comandante do avião que nos trouxe de volta ao Brasil sobrevoou durante bastante tempo este Lago que... é uma outra maravilha;

O famoso Lago Titicaca e suas embarcações feitas de caniços

- as famosas Lineas de Nasca, que terão sido feitas entre 100 d.C. e 600 d.C. - cultura Nasca - ainda hoje tem adeptos convictos de que foram feitas por astronautas; além disto são de brilhante arquitetura os aquedutos subterrâneos que atravessam o deserto, desde as montanhas para levar água às populações da costa;

Eram mesmo "Os Deuses astronautas"?
Ao centro, em baixo consegue ver-se a "Aranha"

- todo o Vale Sagrado e suas construções, quer de oráculos ou templos, como de aproveitamento agrícola, os famosos andenes, a terra trabalhada em andares até hoje quietos nos lugares onde foram construídos apesar dos constantes abalos sísmicos;

- os caminhos, as estradas dos incas e suas pontes, algumas delas com duas passagens, uma para os nobres e outra para o povo (democracia, hein?)

Caminho Inca


Olha os Incas nas suas deslocações!

- o monolito de Sayhuite, enorme peça de granito com 2,30 metros de alto e 11 de diâmetro, com mais de 200 figuras nele talhado, mostrando o meio geográfico da região, cursos de água, animais, etc.

O monolito de Sayhute

- os monumentos de Chavin que testemunham mais de três mil anos de história;

Mural em cerámica em relevo policromado con esmaltes. 2.40 x 0,90 m.


- a zona arqueológica de Chan Chan;
- e Puno, e Arequipa, e Ayacucho, e...
- as ruínas de Cuélap com muros que chegam a 19 metros de altura e continuam a desafiar os terremotos;

Ruinas de Kuelap

- e as ruínas de... e as belezas de... e até a Amazônia peruana.
E que mais? Hiiiii... tanto mais. Vão lá ver.
E não esqueçam: a melhor lã do mundo é de Vicunha!

Vejam só que belezoca de animal! Este é um filhotinho, lindo.

O máximo que posso fazer, além desta já longa pequena descrição da nossa viagem, é recomendar-lhes a melhor agência de viagens do Brasil: a Pack Tour. Falem com a Joana. Ela sabe tudo (sobretudo depois de ler lido tudo isto, não é Joana?)

Nov. 2002

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

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Ó  Incas!  Ó  Incas!
- 3 -
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Levantar bem de madrugada, porque o trem sai muito cedo, e é preciso recolher todos os turistas espalhados por tanto hotéis da cidade.
Agora a caminho de Machu Picchu o ponto alto de todo o destino nos Andes! Não tão alto porque saído de Cusco baixa-se até 1.700 m, Aguas Calientes, de onde se sobe a montanha para Machu Picchu a 2.400.
Sai o trem de Cusco e tem que vencer uma das montanhas que circundam a cidade, para passar no alto lá pelos 3.800m. Como as curvas em caminho de ferro têm que ser largas e com declive moderado, os cusqueños criaram um sistema sensacional: o combóio começa devagar, indo de frente; de repente pára e inverte a marcha, muda a agulha, vai de ré e sobe mais um pedaço; mais adiante volta a andar no sentido inicial. Estrada em “Z”! E fazendo isto mais duas vezes chega, resfolgando, ao cimo do morro de onde a vista sobre a cidade é total!
Já do outro lado da montanha inicia a descida para o Vale Sagrado dos Incas até Ollantaytambo, donde segue depois ao longo do rio Vilcanota, que também se pode chamar de Urubamba, e ao entrar no Brasil passa a chamar-se Solimões, cujas águas acabam no Amazonas, através dum vale mais do que apertado, uma profunda garganta entre montanhas grandiosas, altíssimas, imponentes, um espetáculo em que nos sentimos cada vez mais ínfimos!


Parte do Vale Sagrado


Um dos "cicerones", a simpática e desconfiada llama !

Durante o trajeto, num trem ótimo, em que nos servem um lanchinho como nos aviões, gente sempre simpática, os guias turísticos chamam um por um todos os turistas que são: alemães, gringos, portugas, brasileños, guatemaltecos, franceses, poloneses, ingleses, colombianos, e tudo o mais que se possa imaginar e avisam: “eu, F., sou o vosso guia. À chegada do trem cada um deve procurar um lugar no primeiro ônibus que puder e que se encontram do outro lado do rio. Lá no alto, à entrada da Machu Picchu, eu chamarei pelo meu grupo para entrarmos todos juntos”. Uma alegria.
Finalmente chegamos a Aguas Calientes, assim chamado o local por ter uma nascente de águas termais, na base da montanha de Machu Picchu. Lugar especial onde tudo quanto há são os tais ônibus que levam o dia todo a transportar turistas encosta acima e abaixo, 700 metros de desnível em meia dúzia de quilômetros, umas dúzias de restaurantes de todos os preços, sempre de sorriso e simpatia disponível e uma rua estreitada pelas tendas dos vendedores de souvenires, que os ônibus atravessam com margem de milímetros para os objetos expostos!
Após a subida, num num zig-zag incrível, MACHU PICCHU.


Não se pode descrever a subida em ônibus por este declive e estas curvas!

 Finalmente, o tal sonho da juventude a tornar-se realidade. O expoente máximo dos “segredos” dos Incas, do culto do Sol, das aclla huasi, dos sacerdotes, dos...



O mítico Machu Picchu, e em baixo uma vista com a subida da serra

Não creio que exista alguém neste planeta, minimanente informado, que não tenha visto uma, ou muitas, fotografias de Machu Picchu. Na curva dum rio, elevado aos tais setecentos metros acima dele, rodeado de outras montanhas que ultrapassam os três e quatro mil metros, lá estava o... a... aquilo que ninguém consegue saber bem o que foi e para que serviu, mas que por isso mesmo estimula a imaginação e nos leva a sonhar com o que de certeza não foi um lugar idílico, um paz e amor, um recinto de meditação e oração!
Mas é uma beleza. Não sei se tem muito ou pouco que ver. Na primeira visita, guiada, andámos lá dentro mais de duas horas. O Templo do Sol, do Condor, as Accla huasi,... À tarde voltei, pouquissima gente, um silêncio profundo, um ar limpo, um não sei quê de mística que toda a lenda nos envolve! Aqui e além um ou outro turista tira do bolso um pequeno livro, ajoelha e faz uma oração! A quem? À fé deles, ao deus de cada um “na eterna mentira de todos os deuses, porque só os deuses todos são verdade”, como dizia Fernando Pessoa (a primeira vez que o cito, em todos os meus escritos).


Um dos "equipamentos" para medir a posição do sol

No dia seguinte, manhã cedo ainda a nova avalanche de turistas não tinha chegado e ali estava eu de novo a respirar aquela tranquilidade e, porque não, a comunicar-me com o Mango Capac e o Pachacutec, o fundador de Cusco e grande estadista inca, vendo o sol contornar algumas daquelas misteriosas pedras que foram meticulosamente colocadas de modo a determinar com rigor o início da época das sementeiras e das colheitas, mostrando os extremos dos solstícios, e pensando que foi dali, dos Andes, que nos vieram as batatas, o milho e até hoje as melhores lãs do mundo, das vicuñas.
Não sei se fiz ou meditei alguma oração a algum deus. Mas que todos naquele lugar têm que louvar a criação e sua infinita capacidade... têm.


Mais um pouco de Machu Picchu

No regresso de Machu Picchu, novamente de ônibus, este deixa-nos no mesmo local onde nos recebeu na chegada. Só que para chegar a esse ponto, uma vez que não há espaço para manobras, umas centenas de metros antes do “ponto final” o motorista inverte a marcha, e tal como o combóio à saída de Cusco, preenche a última parte do percurso... de ré! Nem olha para trás! Parece mesmo nem sequer olhar pelos retrovisores! E lá vamos nós, pelo meio daquela pequena rua cheia de vendedores, os tecidos e outras peças de artesanato “olhando” serenamente aquele e mais umas dezenas de ônibus a passarem-lhe a escassos centímetros sem jamais os derrubarem!
É quase o fim do espetáculo. Depois do almoço num restaurante pequeno e muito confortável sobre as rochas que obrigam as águas do Vilcanota a dançarem corrente abaixo, é compulsória uma visita a esses vendedores. E barganhar aquilo que já não é caro, mas é tudo bonito. Séculos de artesanato, artesanato com ARTE maiúscula, transformado em recordações, e não só, para os turistas! Os tais meio$ são o único fator limitador das compras!
No regresso a Cusco um carro nos aguardava a meio caminho, em Ollantaytambo. Dia de eleições, a povoação estava em festa. O povo com os seus trajes típicos davam ao local uma cor e uma animação que nos parecia fantasiosa. Não era. Aquela povoação conserva muito das suas tradições e o povo veste-se, em grande parte, como sempre se vestiram os seus antepassados. Lindo.


A beleza e a alegria do colorido


Atravessámos um pouco do Vale Sagrado, sagrado porque era dali saía a maioria dos alimentos do povo, que fica a uma média de 2.800 metros de altitude e subimos outra serra a caminho de Chincheros, para voltarmos a Cusco. Paisagens lindas, ao longe, entre outros, o monte Chicon (vejam a coincidência) com 5.600 metros, coberto de neve a partir dos 4.500.
Nas pequenas povoações que atravessámos, com frequência se viam nas portas de algumas casas um pau comprido, talvez uns 3 a 4 metros, inclinado a 45° com um pano vermelho amarrado na ponta. O que significava? Venda de chincha, uma bebida muito popular, tradicional, feita de milho, levemente fermentada.
Parámos. Casa modesta, para não lhe chamar pobre e um copo enorme de chincha por 0,50 soles. Muito agradável e que de momento me transportou a Angola onde fazem, ou faziam, o mesmo tipo de bebida que se chamava uálua, quimbombo, quissângua, macau, etc. O troco de 1 sole dei-o ao garotinho, talvez de cinco anos, que estava à porta, cara redonda, bochecha vermelhinha, roupa típica. O sorriso que fez quando viu a moeda na mão talvez tenha sido a resposta dos Incas à nossa conversa lá em Machu Picchu. Valeu.


Estava a chegar ao fim a nossa estadia. Uma semana tinha voado.
Enchemos a barriga de arte, de história, de tradição, de lenda e mistério! Teríamos lá ficado mais um mês ou dois para beber mais.
Pode ser que um dia... quem sabe, Ó Incas, ó Incas?



No próximo texto, algumas sugestões peruanas. Confira.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

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Ó  Incas!  Ó  Incas!
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Dia seguinte Cusco, ou Qosqo! Capital do antigo Peru e dos Incas e, como os peruanos agora lhe chamam, Capital Arqueológica da América, Patrimônio Cultural da Humanidade decretado pela Unesco, situada a 3.350 metros de altitude. Num antigo palácio inca, logo “oferecido” ao irmão de Pizarro, que por sua vez o ofereceu ao clero e a seguir parou um pouco nas mãos do marquês de Salas y Valdés que, com a humildade própria dos nobres espanhóis, mandou colocar sobre a porta principal quatro bustos: o dele, sua mulher, seu filho e nora, hoje, magnificamente restaurado, é o Hotel Libertadores, um 5 estrelas que parece um museu. Dentro, dois claustros à moda castelhana e uma longa parede de pedra inca que é uma beleza.

O claustro do hotel

 
À chegada, um chá de coca, para ajudar o debilitado físico a aguentar-se melhor naquelas altitudes. E aguenta!

Cusco é uma cidade para se visitar a pé. Pequena, suaves declives, e muita, muita construção não só incaica como colonial. Pelos registros fotográficos, em 1935, e até 1950, Cusco era uma cidade velha, suja, arruinada, semi-abandonada. Hoje, recuperada, limpa, com as velhas casas coloniais em rápida recuperação, tem muito que ver e aqui aproveitámos para ver quase tudo a que tínhamos direito, e não só!

O Peru está situado numa região em que terremotos são uma quase constante e, em cada século, tem sempre mais do que um de grande violência. As construções modernas e/ou coloniais sofrem brutalmente, mas as incaicas ou até bem mais antigas permanecem impassíveis, tranquilas. Os incas, e seus anteriores sabiam muito mais de construções anti-sísmicas do que a engenharia atual! Incrível, mas a realidade.

Os muros dos incas podem dividir-se em duas categorias: os das construções dos nobres ou de templos, de pedras quase polidas, que se encaixam umas nas outras de forma impressionantemente perfeita, e as restantes, em pedra tosca, mas em ambas a resistência aos terremotos está à vista! Não cedem um milímetro!

Olhem a maravilha desta parede!
 
Logo após a chegada dos espanhóis, desenvolveu-se em Cusco uma arte riquissima mista, porque estes vieram aqui encontrar um imenso escol de artesãos que os Incas haviam trazido de todo o lado do seu incipiente Império, para ali desenvolverem a sua arte: ourives, prateiros, tecelões e outras áreas têxteis, técnicos de construção e hidráulica. Cusco se já o era antes, mais ainda desenvolveu o gosto e qualidade artística que se respira por todo o lado.

Catedral de Cuszo
Como em Lima, a Catedral de Cusco não tem descrição: a grandeza e a riqueza deixam o visitante esmagado! Ouro, prata, pintura e escultura cobrem aquelas imensas paredes e tetos e altares, num nunca acabar de arte! E a Gran Custodia de ouro maciço de 22 kilates, 1,20 metros de altura, tendo incrustadas só 331 pérolas, 263 diamantes, 221 esmeraldas, 89 ametistas, 62 rubis, 43 topázios, 17 brilhantes, 5 safiras e 1 ágata! Um espanto.

Nem o Gil Vicente fez melhor!


Como é evidente há muitas outras igrejas e todas têm riquezas imensas. E tem museus e ruínas dos tempos incaicos com as suas impressionantes muralhas, por onde começa mesmo a nossa grande aventura dos tais “Ó Incas...”


Um "pedacinho" duma parede em Sacsayhuaman.
Algumas das pedras têm 4 metros de altura

Nos arredores da cidade é obrigatória a visita a diversos sítios, onde o guia, por muito bem que nos explique o que aquilo foi, nós saímos sempre com uma sensação de frustração porque na realidade ninguém sabe ao certo a finalidade daquelas maravilhas: Sacsayhuaman, Q´engo, Pucapucara, Tambomachay.
 

A igreja de São Francico, construida em cima do Templo do Sol.
Os terremotos derrubaram a igreja dos conquistadores "n" vezes,
mas a estrutura do Templo do Sol nem se mexeu!
Por todo o lado o turista é assediado por vendedores de algo típico: tecidos, pinturas, colares de pedras ou prata, e tudo isso, tudo é muito bonito, dum bom gosto notável.

Os Incas é que ficaram na história e têm todo o direito disso, porque foi um Inca, talvez menos de cem anos antes da chegada dos espanhóis que teve uma profunda visão de Estado e começou a reunir sob o seu governo todas aquelas tribos ou etnias que até então ou se ignoravam ou se guerreavam entre si. E eram muitas, muitas. Uma pequena idéia de parte delas: os ayamarcas, os azángaros, os cajamarcas, cañaris, cayambis, chachapoyas, chancas, chinchanos, chiriguanas, chuchaychos, chupaychos, cochucos, collas, collec, coyallos, guambos, guarcos, guayacondores, hatun collas, huancavillas, lucanas, pacajes, panataguas, quechuas, sauaseray, wari, yauyos, yungas, e mais uns quantos.

Antes dos Incas só os Wari, lá para as bandas do Lago Titicaca é que tiveram um arremedo de império ou organização de estado, mas segundo as lendas, que no Peru tudo são lendas, terão sido os chancas, grupo que vivia da pilhagem, que lhes acabou com a “festa”. Foram mais tarde esses chancas que pelo contrário deram origem ao Império Inca, ao Tahuantisuyu, como hoje se lhe chama, quando foram derrotados pelos incas, acabando por outros povos se juntaram a estes... os mais fortes.

Interior do Templo do Sol
Tupac Inca Yupanqui, o grande chefe inca de visão de estado, mais tarde chamado Pachacutec, começa assim o tal Tahuantisuyu - que talvez se possa traduzir por reunião de regiões ou grandes etnias - mas que não passa do seu quarto seguidor, quando chegam os espanhóis e ajudaram a desfazer toda essa organização!

Entretanto os incas, baseados em todo o saber ancestral deles e de outros povos, construíram milhares de quilômetros de caminhos. Não conheciam a roda porque não tinham animais de tração, e daí os caminhos serem estreitos. Mas espantosamente bem delineados e construídos. Nas regiões de declive acentuado e chuvas fortes todos têm valas para escoamento de águas, à beira dos precipícios construiram muros de proteção - alguns caminhos passam a mais de 4.900 metros de altitude - e assim interligaram uma imensa região que vai de Quito no atual Equador a Santiago do Chile, abrangendo toda a região montanhosa e a faixa costeira daquela região da América.

Construíram imensos depósitos de alimentos em todo o lado, com a finalidade de alimentar a população em anos de fome ou os exércitos em movimento, experimentaram novos cultivos, tentando, e conseguindo em muitos casos, adaptar plantas de regiões mais quentes a outras mais frias ou agrestes, e fizeram tanta outra coisa que a nossa admiração tem que lhes render homenagem.

Até maquetes das cidades e templos que pretendiam construir, para as estudarem nos seus mínimos detalhes!

Outro aspeto dos muros de Sacsayhuaman
Não se pense que os Incas eram uns sujeitos tipo Paz e Amor e adoradores do Sol! Não. Eram uns déspotas como quaisquer outros. Ou por mim ou contra mim! Quando um daqueles muitos povos, farto das exigências do governo central começou a fazer rezas aos seus deuses para se livrarem dos Incas, estes ao tomarem conhecimento disso atacaram essa gente, destruíram o seu templo, mataram todos os homens, todinhos mesmo, e levaram consigo mulheres e crianças!

Cortar pescoços aos do contra... era outra festa. Tinham até instrumentos próprios para cortar pescoços, e se o nível do inimigo o merecesse esse instrumento seria de ouro!

Mas... como criar e manter um império?

Outra coisa que faziam era exigir dos povos subjugados a permanente entrega de jovens meninas, entre os oito e dez anos, para serem educadas nas aclla huasi - casa das escolhidas. Logo depois da adolescência as mais bonitas ficavam para os Incas - o que se espera? - as de sangue nobre destinavam-se ao culto, sendo uma delas nomeada a esposa do Sol, e na terceira escolha, mas boas ainda, ficavam aquelas que se iriam ofertar aos curacas - chefes de tribo ou de clã - com quem os incas procuravam manter laços de amizade, e por fim sobravam as servidoras de las démas! Entre todas, as feias, separavam-se as que tinham boa voz para alegrar as festas da corte!

Era uma farra. Como é de imaginar os tais povos submetidos não gostavam muito que lhes levassem as filhas!

Por essas e outras, no dia em que os espanhóis chegaram, aqueles viram aí um modo de se livrarem da canga dos Incas e largamente contribuíram para a queda do tal império, o Tahuantisuyu!

A famosa pedra dos doze angulos, que mostra bem a engenheria
deste povo
É muito estranho verificar-se que os incas, com tanto conhecimento tecnológico adquirido ao longo de séculos, com obra espantosa, não tivessem desenvolvido uma escrita! Daí que toda a sua história anterior à chegada dos conquistadores esteja envolta em lenda e incertezas. Os espanhóis escreveram ainda muita coisa sobre esse tempo anterior, mas tudo envolto em mistério e lenda e ainda sem qualquer noção de tempo, em anos, que parece que para aqueles povos isso não contava.

Tudo em Cusco nos envolve nessas lendas, arte, história, mistério!

Até a comida! Uma carne de alpaca, grelhada no carvão, acompanhada de papas horneadas... Ó Incas... que delícia!

Cansou? Uma chásada de coca e volta a ficar ótimo. Doidão!


E é bom ir dormir cedo que amanhã o levantar é às 04 horas para ir de trem para o grande atrativo “histórico-esotérico” do Peru: Machu Picchu.