quinta-feira, 31 de maio de 2012



Entre a Grandeza, a Euforia

 e a Mentira !


Não há dúvida de que o Brasil vive momentos de grande euforia. E de grandeza. Euforia (do grego euphoria – força para aguentar) e esta “grandeza” convém esclarecer que é grande, enorme, desmedida, a vergonha, os compadrios, as burlas, a corrupção, e o total desprezo pela justiça. Nisto é que está a sua grandeza!
CPIs criam-se muitas, mas levam anos e anos para acabarem arquivadas, esquecidas e/ou os seus canalhas ilibados.

Agora fala-se muito numa retumbante CPI envolvendo um monte, sim, um monte de senadores, deputados, governadores e outros quejandos que, através dum “bicheiro” (os donos do “ilegal” jogo do bicho que não precisam prestar contas ao fisco!) têm levado bilhões em superfaturamentos, lobbys, e outras manobras de enriquecimento vertiginoso.

Mas já se antevê que tudo acabe em pizza porque o indiciado bicheiro e mais o seu compadre senador, detém dossiês completos de cada congressista que, em teoria, os irá questionar. E como tal... quem se aventurar a tentar entalar o compadre vai ter toda a sua vida colocada em vitrine de luxo, e passar “mocinho a bandido”!

Mas não há grande perigo, até porque ambas as casas, câmara de deputados e senado federal, para evitar mais lavar de roupa suja, nojenta, decidiram acabar com os respetivos conselhos de ética! Ética para quê? Para complicar a vida deles próprios? Jamais.

Há pouco mais de um mês o glorioso eminente e eterno senador josé marimbondo, deu declarações (04 de Abril), justificando a medida e dando as razões que a motivaram: “Olha, me pareceu o melhor a se fazer, porque todo mundo está mesmo pendurado. Quem não está pendurado na justiça, está pendurado pelos dossiês que os pares possuem. Aí resulta que nunca conseguimos preencher as vagas. Ademais, ninguém se sente a vontade julgando um par. Realmente, quem somos nós para julgar? Aquela coisa de jogar a primeira pedra e tal. Se o suplicante for do partido do suplicado, então todos declinam alegando conflitos. Era uma dor de cabeça só.... E se por nada fosse, é a primeira vez, depois de oito mandatos, que eu vejo unanimidade nas duas casas!”

Que brilhante raciocínio! Que integridade. Que moral!

Mas isto ainda é pouco. Não há nem uma semana o outro eminentíssimo sapo barbudo, que ainda se julga (e em boa parte é) dono cá do pedaço, chantageou um juiz do SUPREMO Tribunal Federal, para que fosse adiado o julgamento do famoso caso do “Mensalão” que foi uma das maiores escroquerias do seu mandato, e que ele “nunca viu nada”! ”Era melhor esperar mais uma ano”; disse o super honoris causa de todo o mundo, ex-presidente deste maravilhoso país, que enriqueceu loucamente, deixou a família milionária e mais os seus correligionários! Porquê esperar mais um ano? Porque há dois juízes que passam à aposentadoria e os novos... talvez possam lá ser colocados por ele, ou melhor ainda caducar o prazo.

Isto é a esculhambação total. O chamado fim da macacada! A imoralidade oficializada.

Como soam cada vez mais alto as palavras de De Gaulle!!!

Entretanto os planos do governo são espantosos:

- como o PIB no primeiro trimestre não cresceu nem 0,2%, após o cantar de galo do governo afirmando que em 2012 iria crescer 5%, a saída encontrada foi baixar alguns impostos de carros, geladeiras e material de construção, e aumentar o crédito ao consumidor!!!! Maravilha de governação.

Um carro que custava 50, agora fica baratíssmo... só 48,5! Um dos pequenos poréns é que há algumas centenas de milhares de carros encalhados nos parques das montadoras e das distribuidoras, e as vendas, este ano baixaram mais de 15%.

Segundo estudos a família brasileira já tem mais de 25% dos seus proventos comprometidos com dívidas. Assim, deixam de pagar as prestações do que compraram e também não há quem compre carros usados. Muitos nem conseguem já “oferecer” o carro desde que o novo dono pague as restantes prestações. A inadimplência aumenta de mês para mês (o último foi de 5%)!

- Para ajudar, a Bolsa de Valores já perdeu 15% nos últimos 12 meses e os investidores estrangeiros estão levando a carroça para outras bandas.

- As perspectivas de “voltar a enriquecer” com as exportações é negra porque o mercado mundial está todo ele nas encolhas.

Solução: investimento em infraestruturas. Mas pobre Brasil: no último ano não investiu mais do que 0,4% do PIB.

Então na educação: pior ainda. É grande o anafalbetismo daqueles que “completam” o ensino básico!
Solução? A curto prazo ninguém consegue enxergar. Mais longe, quando os pts conseguirem largar a mamata, e para o governo entrar gente capaz.
Mas quando? Deus que é brasileiro deve saber quando. Mas só Ele.
Também só Ele sabe quem anda a roubar notas fresquinhas, mesmo dentro da Casa da Moeda. Para quê corromper se ali a fonte é imaculada! Mas roubou pouco... está ferrado. Se muito... aparecerá senador!


31/05/2012













segunda-feira, 28 de maio de 2012



Sobre MOÇAMBIQUE

Um livro a não perder



De vez em quando recebo um inesperado presente! Desta vez foi um livro sobre uma tremenda aventura vivida por um grupo que não conseguia sair de Moçambique, logo nos princípios da sua independência.
Escrito por um ex-Comando (parece que os Comandos nunca ficam “ex”!) e depois piloto militar e comercial, o Cor. Jorge Cruz Galego descreve uma aventura que merece ser lida.

No livro “MOÇAMBIQUE – VOO PARA A LIBERDADE”, relata como, semi-presos em Moçambique, conseguem sair do país e levar com eles seis aviões. Um feito e tanto.
Um relato em que se vê uma perfeita organização numa altura em que Moçambique vivia uma fase de total despotismo e anarquia.


O livro, publicação da Associação dos Comandos, pode ser adquirido através da internet neste site



O lema desta Associação – Audaces Fortuna Juvat – está perfeitamente adequado a este feito!
Há no livro uma passagem – um diálogo entre o então jovem piloto e um antigo oficial alemão que depois da II Guerra se estabeleceu, sózinho e vivendo numa cabana na Praia das Cochas, norte de Moçambique, quando este, a propósito da situação que se estava a degenerar rapidamente logo após o 25/Abril lhe diz:

- Se as coisas mudarem, nunca serão melhores para ninguém!

- Você deve preparar-se para coisas difíceis. Vai descobrir que os bons não são os que você pensava, e que os maus vão surgir como bons. Não acredite em nenhuns!

- A política é uma forma de se estar na vida. E quando se é bom político, esquecem-se os preconceitos, não existe ética au¬têntica e a mentira mais evidente é a verdade mais irrefutável! -

- Meu caro amigo. A política e os jogos de poder destroem os melhores exércitos, eliminam os melhores generais e elegem os maiores trapaceiros, corruptos e incompetentes. Se alguma coisa acontecer em Lisboa semelhante ao que tem acontecido, ao longo da História, como você ainda é novo, veja isso de longe!

- Se assim o não fizer, e por mim falo, por saber que é praticamente impossível devido à sua integridade, junte-se a eles, mas nunca traia os seus princípios!

- No fim, o resultado é sempre o mesmo. Verá que, se não ficou pior do que está, ficou pelo menos bem melhor com a sua consciência.

Palvaras sábias que poderiam ter sido inscritas na história desde os seus primórdios, e que continuam tão atuais como o diário nascer e pôr do sol!
De fato a política muito mais destrói... se alguma vez conseguiu construir o que quer que seja.
Não precisamos ir muito longe: basta ver o que se passa na Europa e... no pais do tal futuro.

26/05/2012











quarta-feira, 23 de maio de 2012





Com este texto, e respetivo documento que o atesta, “começa” a história escrita dos desportos náuticos em Angola, sobretudo a história da vela, quando,em 29 de Outubro de 1863, “estavão em linha 2 escaleres à vela e uma balieira...” na baía de Luanda.
O que era nesse ano a “Associação Naval de Loanda” transformou-se no “Club Naval de Luanda”.
Infelizmente o único registro conhecido que chegou até nós, está no magnífico livro de José de Almeida Santos – “PÁGINAS ESQUECIDAS DA LOANDA DE HÁ CEM ANOS – IV – A VELHA LOANDA. Nos festejos, nas solenidades, no ensino”. Edição da Câmara Municipal de Luanda, 1972.
Como se lê nos dois primeiros parágrafos, a “Associação Naval de Loanda” e os desportos náuticos já vinham acontecendo há algum tempo. Infelizmente, por enquanto, nada mais se sabe, sobretudo quando terão começado.
Uma boa pesquisa no Boletim Oficial do Governo de Angola, daquela é poca, talvez possa ajudar.

UMA REGATA DA «ASSOCIAÇÃO NAVAL»

E FESTEJOS COMEMORATIVOS DO NASCIMENTO

DO PRÍNCIPE D. CARLOS

No dia 29 de Outubro de 1863, a «Associação Naval de Loanda», de que era presidente o Governador Geral e vice-presidente o Chefe da Estação Naval Portuguesa, realizava mais um festival náutico na baía em prosseguimento dos festivais já levados a efeito.
O gosto pelos desportos náuticos parecia ter-se inveterado nas predilecções da sociedade luandense desde o estabelecimento da «Associação Naval de Loanda». Organizavam-se regatas, com aparato de música e de festa; con¬corriam aos convidativos prémios embarcações pertencentes a cavalheiros abastados da Cidade. E as senhoras aproveitavam a oportunidade para exibirem elegâncias, desejosas de se tornarem notadas num espectáculo a que a presença do Chefe da Província dava um prestígio cerimonioso.
Na data assinalada, logo pela manhãzinha saía do «Caes da Alfândega» em direcção à Ilha um escaler conduzindo o Governador e algumas damas convidadas. No rasto da embarcação de S. Exa. singravam, em alegre revoada, 14 barcos de remos servindo-lhe de escolta, onde se viam também muitas senhoras.
Já no cais da Ilha, aguardavam respeitosamente o Chefe da Província e o Vice-Presidente da «Associação Naval», Capitão-tenente C. A. de Simas, os cavalheiros que constituíam a direcção do Clube.
Após o desembarque daquelas altas personalidades e dos restantes convidados, e após os cumprimentos da praxe, a banda de música do Batalhão de Infantaria n.° l, requi¬sitada para abrilhantar o espectáculo, rompia na execução da primeira peça do seu variado repertório.
O Governador mandou pouco depois colocar a balisa para se dar início à regata anunciada. S. Exa. foi instalar-se na casa do abastado proprietário Sr. Pamplona, e dali daria as suas ordens e instruções para a competição.
Depois do tiro de peça convencional iniciava-se a primeira prova, com seis escaleres de 4 remos lançados a toda a força cortando as águas da baía. Venceu esta prova, com bela vantagem, o escaler «Dona Izabel», propriedade do comerciante americano A. Archer Silva que servira, ele próprio, de patrão. Muito aplaudido e havendo recebido a pecúnia do prémio, distríbuiu-a o americano pela tripulação do seu barco.
Prosseguia a disputa desportiva — depois de meia hora de intervalo — com a competição entre quatro embarcações de 5 remos, donde regressou triunfante a baleeira «Augusta», propriedade dos negociantes irmãos Oliveira Machado, que arrancou o prémio de 5 libras entregues à tripulação envoltas numa nota de 5$000 réis — lembrança particular do Senhor Governador Geral, Presidente da «Associação».
Chegara, entretanto, a hora do repasto preparado pela direcção para obsequiar S. Exa. e os convidados. E o Chefe da Província e as senhoras foram solicitadas a passarem à sala onde se haviam armado requintadamente as mesas.
Tratava-se, na realidade, de uma lauta refeição servida a 70 convidados, decerto com o apetite desperto pelo ar vivo do mar e pela emoção nervosa das corridas. Às cabeceiras da grande mesa ficaram o Governador e o Vice-Presidente Simas, este muito pressuroso e cortezão em dispor as damas nos lugares de mais evidência e de maior distinção.
No termo do copioso e alegre festim, levantaram-se os inevitáveis e ardentes brindes ao êxito e aos vencedores das provas desportivas, a El-Rei D. Fernando e a El-Rei D. Luiz.
E concorreram de novo aquelas damas e cavalheiros aos seus postos de observação — sem dúvida já um pouco pesados e enlanguescidos na digestão dos acepipes — pois iria completar-se o programa com a competição entre dois escaleres à vela e uma balieira. Regressou vencedor o escaler «Joli» do negociante Sr. J. J. Castro Leite.
Às cinco horas e meia da tarde acabava o espectáculo, e S. Exa. o Governador Geral e o Vice-Presidente da «Associação Naval», após os cumprimentos de despedida, encaminharam-se de novo para o cais da ilha a fim de embarcarem no escaler que os conduziria a Loanda.
Como uns dias mais tarde, na Imprensa, diria o ilustre e inspirado Arsénio Pompeu de Carpo, no final de várias considerações de proselitismo liberal, habilidosamente inseridas, «(...) a regata é uma prova do desenvolvimento do progresso, é uma diversão sim; mas com ela as artes muito lucrão.
O Theatro, a associação commercial, as sociedades beneficentes e humanitárias, as companhias, as reuniões, e mil outras diversões úteis e agradáveis, são o resultado dos esforços da autoridade, que funda a sua maior gloria na união de toda a família loandense, e na paz da provincia». (*)
Este festival náutico-desportivo realizou-se a poucos dias da chegada a Loanda da grande nova esperada de Lisboa: o nascimento do Príncipe Real. Com efeito, a 28 de Setembro de 1863 nascia no Paço das Necessidades, pela 1 e meia da tarde, o Príncipe D. Carlos, tragicamente marcado pelo destino para vir acabar depois de rei às mãos da sanha revolucionária.

N.- Era governador de Angola o Capitão de Mar e Guerra José Batista de Andrade, mais tarde promovido a Almirante.


100 anos mais tarde era o ARGUS que navegava na baía de Luanda... e não só!

 
(*) - Documento N.o 230


O FESTIVAL DIA 29 D'OUTUBRO
 
 NA ILHA DE LOANDA.

Uma regata



As 9 e meia horas da manhã do dia 29, largou do caes d'alfandega o escaler que conduzia a seu bordo s. Exa. o governador geral, presidente d’associação naval em Loanda.
14 embarcações levadas a remos, acompanhavão a expedição para a regata.
No escaler em que ia s. ex.a o governador geral, ião algumas senhoras, e muitas outras tiverão passagem nas diversas embarcações de que já fizemos menção.
A direcção d’Associação Naval de Loanda, esperava sobre o caes da ilha o seu presidente e vice-presidente, o chefe da estação naval portugueza nesta costa, o sr. capitão-tenente C. A. da C. Simas.
Tendo a banda de musica do batalhão d'infanteria n.° l, executado várias peças, s. exa. mandou colocar a balisa para começar a regata.
O sr. Simas, vice-presidente d'Associação Naval de Loanda, deu as suas ordens ao sr. capitão do porto que foi colocar a balisa, um pouco á terra da corveta Sagres, e ao sul d'ella.
S. exa o sr. governador geral, occupava a casa do sr. Pamplona na ilha, onde a direcção da regata havia feito preparar um lanche.
D'alli s. Exa. deu as suas ordens, e a um signal de tiro de peça, 6 escaleres a 4 remos que se achavão em linha, soltaram a carreira sobre a balisa.
Na melhor ordem, voltaram, encalhando na praia da ilha o escaler D. Izabel, propriedade do sr. A. A. Silva, que, na qualidade de patrão do seu escaler, tão bem o havia dirigido que, sendo altamente victoriado, levantou o prémio que entregou aos tripulantes do seu escaler.
Seguiu-se um intervallo de meia hora, e collocadas as embarcações de 5 remos, a um signal de tiro de peça, partiram 4 escaleres sobre a, balisa vol¬tando á praia da ilha as embarcações da regata, nella encalhou a balieira Augusta, que com vantagem chegou ali adiante do escaler Airam, que pela segunda vez perdeu.
A balieira Augusta, ganhou o prémio de 5 libras que, com uma nota de 5$000rs. em que o exm.° presidente da regata as havia embrulhado, forão entregues á tripulação da balieira Augusta. É propriedade dos srs. Oliveira Machado Irmãos, e o seu patrão na corrida foi o sr. Luiz A. d'O1iveira Machado.
Perdeu também nesta corrida o escaler Sem Nome, de que era patrão o sr. E. Jaime C. da Silva, que protestou com espírito, contra os que lhe havião tomado a dianteira, episódio que deu mais diversão á regata.
Depois das duas corridas a remos, a direcção veio convidar a s. Exa. o sr governador geral, e as ex.mas senhoras presentes para um lanche que estava servido com 70 talheres, e em cuja mesa só ficaram 6 lugares por occupar, dous dos quaes pertenciâo a dous cavalheiros directores, que quizerão attender ao bom serviço da mesa.
O sr. vice-presidente Simas, occupou a cabeceira da mesa em frente de s. ex.a o governador-geral, e collocou as damas nos lugares mais commodos e distinctos.
Servido o lanche levantou s. Exa. o sr. governador geral alguns brindes análogos ao dia e ao acto festival. Um brinde a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando 2.° foi altamente victoriado, assim como o último levantado a El-Rei o senhor D. Luiz I, com o qual findou a refeição.
Estavâo em linha 2 escaleres á vela e uma balieira, que, ao signal con¬vencionado, singraram sobre a balisa, da qual voltaram na melhor ordem, tendo avançado com vantagem a todos o escaler Joli, do sr. J. J. de C. Leite, e do qual era patrão o sr. António de Souza, que recebeu o prémio que lhe tocava.
O divertimento útil e agradável, findou ás 5 e meia horas da tarde, sem a menor concorrência desagradável, retirando-se a esta hora o exm.° sr. governador geral e o distincto vice-presidente da associação.

Agora o nosso juízo critico.
Não nos será preciso recorrer ás vetustas estantes do secular philologo loandense, e menos consultar as antigas épocas, para demonstrarmos a rapidez com que o progresso e a civilisação vão calando, por estas plagas africanas.
Todavia, se consultássemos o século que succedeu ao em que teve lugar a conquista d'estes reinos, tínhamos que admirar uma civilisação que desappareceu, e á qual difficilmente poderemos vir a chegar.
Se recorrêssemos á philologia do paiz, acharíamos, não diversões, como a da nossa regata, mas dias como aquelle em que aqui caiu ao mar a fragata Loanda, que ainda no fim do século passado, avultava como navio primorosa¬mente construído entre a nossa numerosa esquadra.
Essa civilisação desappareceu completamente desde os primeiros tratados, que tornaram mais invejadas as levas de braços para além-mar.
Começou a cair para o retrocesso este paíz, e a sua civilisação a desapparecer em 1814, depois mais e mais em 1817, e de todo em 1831, época em que terminantemente findava o praso para a exportação legal d'homens pretos.
Portugal, viu, pela dura e desgraçada experiência, que era preciso acabar com a exportação de braços, que nem servião ao Brazil para o seu engrandeci¬mento, nem deixava a esta colónia lucro algum real.
Para esta passagem do mal para o bem, do falso para o verdadeiro, do bárbaro para o humano e do estúpido para o racional, viu o governo da metropoli, a precisão de pôr os destinos d'este paiz em mãos capazes de comprehender e dirigir-nos a um futuro, em que a mãe pátria tem uma pronunciada esperança.
A pasta da marinha e colónias, tem vindo sucessivamente a ser depositária de trabalhos que nos fazem chegar á época em que tudo temos a esperar de quem tem estudado as nossas precisões, como o exm.° sr. José da Silva Mendes Leal.
A regata é uma prova do desenvolvimento do progresso, é uma diversão sim; mas com ella as artes muito lucrão.
O theatro, a associação commercial, as sociedades beneficentes e humanitárias, as companhias, as reuniões, e mil outras diversões úteis e agradáveis, são o resultado dos esforços da autoridade, que funda a sua maior gloria, na união de toda a família loandense, e na paz da província.

Loanda, 30-10-63.—C.

(In «Boletim Official do Governo Geral da Provincia d'Angola» n.0 46, de 14 de Novembro de 1863—Páginas 389 e 390).


22/05/2012


sábado, 19 de maio de 2012

Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem " O GOVERNO GERAL DO REINO DE BENGUELA Continuaç...":


Como vejo que andou a investigar nos arquivos e bibliotecas, gostaria de perguntar-lhe se por acaso encontrou alguma relação com os nomes dos homens que acompanharam a Manuel Cerveira Pereira nas suas viagens a Benguela?
Cordialmente,
Fernando
Resposta


Fernando


Os nomes que seguem serão da "época" de Manuel Cerveira Pereira, e estariam lá em Benguela quando ele morreu. Foi tudo quanto consegui encontrar e espero que lhe sirva.
Antonio Pinto – capitão mor
Manoel da Costa - capitão
Lucas Ferreyra - alferes
Dionizio da Mota - sargento
Manoel Roiz - cabo
Cristovão Roiz - alferes reformado
Paulo Ribeiro - idem
João Pinheiro - idem
Soldados:
Manoel de Freitas, Gaspar de Souza, Antonio Dias, Je. Freyre, Nicolao Ferreira, Mel. da Costa Albernaz, Ignacio Rodrigues, Adão de Gusmão, Ant. de Oliveira, João de Oliveira, Mel. de Oliveira, Fran.co Alvar, Matheus d'Orgas, Fran.co Teixeira, Mel. Glz (Gonçalvez), Ant. Miz, Simão Barbosa, Manoel Pereira, Domingos Alvarez, Gonçalo Roiz, Fran.co Pinheiro, P.o Alvarez, P.o Diaz, P.o Frz. Pasqueira, Francisco d'Elgado.


“Destes soldados ficavão ympedidos pera não poder tomar armas quatro, sem medico, çurugião, e sem Capelão todos nus, e descalços,e faltos de todo o remedio pera a vida, e saude, e em dezesperação tão grande q. se lhes pode perdoar a culpa se a cometerão.”

19/05/2012

quinta-feira, 17 de maio de 2012



Mais uns copos...

Desta vez do melhor!



Começámos a falar de vinhos e... como diz o Abade de Travanca, foi só para começar.
Não sou ententido em vinhos, só o bastante para apreciar. Um apreciador à minha moda e paladar, porque também não sou obrigado a gostar de Picasso, Juan Miro ou Tarsila do Amaral, apesar de valerem milhões.
A verdade é que ao almoço não me faltam – Deo Gratias - pelo menos dois ou três copos, que têm ajudado a minha saúde a desfazer-se dos cerca de 3.500 compridos que sou obrigado a ingerir por ano, isto se não me der uma torcedura na coluna ou uma gripe!
E faço com dizia Winston Churcill, “eu não sou exigente, para mim contento-me com o melhor!”
Apesar de não ser um apreciador de Champagne, reconheço que a sua preparação é extremamente exigente, daí ser uma bebida cara, mas ver, constantemente, os vencedores de qualquer prova desportiva – carros, corridas a pé, de bicicleta ou nado, ou ping-pong – abrirem “Veuve Clicquot” ou “Dom Pérignon” para jogarem tudo fora, uns para cima dos outros, acho um crime não só contra a economia, uma afronta a quem não tem dinheiro para beber esses vinhos e uma ofensa a Baco. Enfim, uma cretinice. Modismo é no que dá.
Aquela bebida, transparente, amarelinha, com um delicado gás, acreditem ou não é feita sobretudo de uvas Pinot Noir... tintas! É verdade, com as uvas Pinot Noir de que se faz o maravilhoso Bourgogne, tinto, faz-se também o champagne branco! Como? Expremem pouco, para não esmagar a película que dá a cor (não se aflijam que esta não se joga fora! Aproveita-se para outro tipo de vinho.) E o célebre Dom Pérignon, um monge da abadia de Hautvilliers, degostador de génio, grande químico e físico, aperfeiçoou este vinho para o elevar à qualidade que tem hoje.
É feito duma mistura de uvas, concluindo que a mistura das três resulta melhor do que qualquer delas separadamente! Depois dum longo repouso, completa-se cada garrafa com um pouco do que chamam “licor de expedição”, uma mistura de champagne velho, açúcar cristalizado e por vezes cognac. Conforme esta mistura o champagne será brut, extra-sec, doux, etc.
E depois de anos de trablaho os trogloditas despejam tudo nas cabeças uns dos outros.
Se Dom Pérignon adivinhasse isto... e foi ele, com todo o seu conhecimento, quem passou a usar rolhas de cortiça, em vez do velho batoque revestido com um trapo oleado! Foi ele mesmo o “inventor” das rolhas de cortiça!
Apesar do Champagne ser muito famoso, caro, e obrigatório quando os emergentes querem aparecer, eu não troco pelo melhor vinho do mundo!
 
Colares

O maravilhoso vinho que está a desaparecer com o avanço da urbanização, e pela complexidade da sua multiplicação.
Colares, para quem não sabe, fica “ali”, na base norte da Serra de Sintra. Lugar lindo, aprazível, perto das praias das Maçãs, Grande e Adraga. Conquistada aos mouros em 1147, foi sede de concelho com o primeiro foral concedido nos primeiros tempos da monarquia. Em 1154 Dom Afonso Henriques já refere o vinho da região, concedendo-lhe privilégios, e em 1255 D. Afonso III fazia doação do Reguengo de Colares a Pedro Miguel e sua mulher, Maria Estevão, com a obrigação de plantar mais vinhas.
A fama deste vinho vinha de longe. Políbio, (c. 203 a.C. - 120 a.C.) já escrevia também que no seu tempo o vinho da península, era caro, valia 4 reis o litro! Na região existem ainda hoje, resistem, casas agrícolas romanas, algumas delas tão bem conservadas que mostram o sistema de aquecimento central da água!
O clima daquela região é especial: na base norte da Serra de Sintra, onde os ventos de noroeste, carregados de umidade do oceano se vêm chocar, dão à região a umidade necessária, e justa, para o florescimento da vinha.
Influem na qualidade deste vinho, o tinto da casta “Ramisco”, esta constante umidade e o seu terreno de areias. Areias do período terciário, assentes sobre argilas cretáceas, mais recentes! Ao plantar o bacelo (a vara da videira que se planta para reprodução) a cava tem que encontrar a argila, onde ele é fixado. Como a camada de areia tem uma profundidade que oscila entre 1 e 8 metros, imagina-se o trabalho, imenso que é necessário para alcançar essa profundidade.
Não há muito tempo estas cavas, em vala, eram feitas à mão, e como as areias não são firmes, sempre havia o perigo de as laterais desmoronarem quando o cavador lá estivesse dentro. Para evitar o pior, o capataz estava sempre atento, com um cesto de vime à mão, para lançar sobre a cabeça do trabalhor e ele não morrer asfixiado!
O “Colares – Ramisco” tem outra particularidade notável: quando ainda no século XIX a malfadada filoxera, um inseto f... , atacou as vinhas da Europa, devastando a maioria das plantações, acabou com as vinhas do Alentejo (ele e o Marquês de Pombal!!!) mas o “Ramisco” nada sofreu! O maldito inseto não conseguiu alcançar a raiz da planta! Isto porque desenvolvendo-se esta a grande profundidade, em areia, o insetinho (miserável) quando começava a crescer não conseguia abrir caminho através da areia e morria! E esta, hein?
Sempre houve quem comparasse o “Colares-Ramisco” aos melhores vinhos de Medoc. E são de Medoc só, por exemplo, o Chateau Lafite-Rothschild, o Chateau Margaux, Chateau Latour, e outros (“vinhos correntes” ) para milionários!
Colares chegou também a ter o seu castelo que com o tempo sumiu.
Mas o seu vinho, infelizmente raro, continua a não “pedir meças” aos notáveis, mesmo sabendo que hoje já não é 100% Ramisco, porque está a desaparecer. Mas assim mesmo...
Uma perda nacional!
E nas areias de Colares ainda resiste, igualmente pouco, o branco “Malvasia”. Vinho forte, ótimo para acompanhar peixe bem temperado, “primo” do Muscat francês. (Só para fazer inveja: bebi hoje a última garrafinha que tinha desse vinho!)

Linhagens que estão a desaparecer e empobrecer o que de, MUITO BOM, Portugal.. ainda tem.


17/05/2012



domingo, 13 de maio de 2012




Ainda o Vinho,

São Martinho

e os dias da semana




Dizem os sábios que a videira terá aparecido no período Terciário, cerca de 40 milhões anos atrás. Ninguém estava lá para contar a a história, mas vamos todos partir do princípio que foi assim mesmo.
Aliás esse detalhe é de somenos importância.
A mais antiga produção de vinho parece ter começado por volta de 6.500 a.C., na Geórgia, Irão e China, mas a arqueologia já encontrou vestígios desta mesma época também na Grécia.
Há documentos que mostram que o faraó Pepi II (2287 a.c. - 2187 a.C.) que reinou em Memphis durante 94 anos (!!!) tinha sempre na sua mesa uma verdadeira carta de vinhos: branco, tinto e três “appellations controlées”: do Delta, de Pelusium (onde será hoje Port Said) e de Létopolis (Sekhem) um pouco a norte de Memphis. A Bíblia especifica vinhos de Agaddi e de Baal-Hammon (Cartago?), na Grécia eram célebres os de Samos, Creta e Tassos, no Império Romano bebia-se Falerne, Chianti, vinho do Vesúvio, e até o comandante Cousteau encontrou no fundo dos mares ânforas com a marca de um vinhateiro de Pompeia.
Há até duas inscrições egípcias muito curiosas:
- “Enche-me dezoito copos de vinho. Vê, eu tendo habitualmente a ficar bêbedo, mas a minha garganta está seca.”
Outra inscrição no túmulo do Faraó Peti I – pai do acima:
- O vinho tem a virtude de fazer as pessoas falarem livre e francamente e de fazer dizer as verdades.”
E por aí vai. Também é sabido que os romanos quando ocuparam a península Ibérica, se encantaram com os vinhos do Alentejo que mandavam para Roma.
Isto confirma que, sem dúvida, após tantos anos e tanta sabedoria aplicada, o vinho seja a melhor bebida que existe.
Napoleão também sabia disso quando dizia “Pas de vin, pas de soldats!”
Como vimos no texto anterior, Saint Martin terá melhorado a cultura da vinha, os burros ensinaram a podar, e até hoje, não só em França, como em Portugal se celebra a festa do vinho, a festa de São Martinho a 11 de Novembro.
Época em que já aparecem as castanhas assadas no fogo, donde vem o nome da festa do “magusto”e, além de se provar algum vinho novo, sobretudo se bebe a “água pé”, uma bebida maravilhosa, feita com a água da lavagem do bagaço ou pé da uva, ou jeropiga, um vinho “abafado” com aguardente!
A água pé, de teor bem baixo, pode beber-se à vontade (quase!), e é um ótimo refresco. A jeropiga... é mais valente, e assim derruba mais depressa.
Em meados do século VI teve Portugal também o seu bispo Martinho, que curiosamente terá nascido igualmente na Panónia, e vindo para Portugal criou a primeira diocese de Dúmio, próximo de Braga, e foi depois Metropolita de Braga então capital do reino suevo. Canonizado também, São Martinho de Dume, tem a data da sua celebração litúrgica a 20 de Abril, mas o povo prefere festejá-lo no mesmo dia 11 de Novembro, como o “xará” de Tours.
Mas este São Martinho tem um curiosa particularidade: na sua luta contra o paganismo, acabou com as designações pagãs dos dias da semana - Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies - sendo o primeiro a usar a terminologia eclesiástica para os designar (Feria secunda, Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies), donde os modernos dias em língua portuguesa (segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo), caso único entre as línguas novilatinas, e a única a substituir inteiramente a terminologia pagã pela terminologia cristã.

Túmulo de São Martinho de Dume 

Mas em todo Portugal são belas as festa de São Martinho! No entanto parece que a Portugal não chegou a idéia de chamar os burros para a festa de São Martinho, nem no Brasil! Lembro bem do São Martinho, na Golegã, que em vez de burros faz a bela festa do cavalo português, de grande animação e... muita bebedeira! E saber que Golegã deve o seu nome a ter começado por ali se estabelecer uma mulher vinda da Galiza! Foi até chamada a Vila da Galega!
Bons tempos em que eu ia a essas festas!
Mas sempre:

- Em São Martinho provas o vinho!

Em 1537, Wikram, escrivão do magistrado de Colmar, com toda a sua jurisprudência, declarou:

Há cinco motivos para beber:
1º À chegada de um hóspede;
2° À sede presente;
3° À sede futura;
4° À bondade do vinho;
5° Por qualquer outra razão...

E, como escreveu Jean Jacques Rousseau:

- Nunca um povo desapareceu por excesso de vinho; todos acabam pela desordem das mulheres. A razão desta diferença é clara: o primeiro dos dois vícios afasta os outros, o segundo gera todos.

Nisto não estou muito de acordo com Rousseau. Acho preferível juntar os dois vícios, sem esquecer o que rezam os “10 Mandamentos do Abade de Travanca”, seguramente do Mosteiro em Amarante, região onde o vinho... huummm:

O primeiro bebe-se inteiro
O segundo até ao fundo
O terceiro como o primeiro
O quarto como o segundo
O quinto é para provar
O sexto para apreciar
O sétimo para começar
O oitavo para continuar
O nono para não parar
O décimo... já esqueci!


Tchin! Tchin! Saúde!



14/05/2012

sexta-feira, 11 de maio de 2012



Os vinhos de Touraine
 
e o São Martinho



Touraine foi uma antiga província da França cuja capital era a cidade de Tours.
A antiga Touraine é cortada pelo rio Loire e seus afluentes Cher, Indre e Vienne. E seu nome proveniente de uma tribo Celta chamada Turones, que habitava a região no início da era cristã.
Conhecida como O Jardim da França, Touraine era o retiro dos reis no fim da Idade Média e Renascença.
A cultura da vinha foi praticada em Touraine desde antes de primeira invasão romana. Desenvolvida a partir do século IV sob o impulso de saint Martin, a quem a lenda credita a introdução da principal videira produtora do vinho branco, Pineau de Loire, também conhecido como Chenin Blanc.
Diz-se que saint Martin, retornando de Sabaria, na Panônia, seu país natal, (antiga provincia do Império romano, às margens do Danúbio, hoje região dividida entre a Hungria, Áustria, Croatia, Sérvia, Eslováquia e Bosnia Herzegovina.) colocou a jovem planta, à medida que ia crescendo, em um osso de ave, em seguida num osso de leão, finalmente num osso de burro. Ele a plantou em seguida nas encostas de Vouvray, perto de Marmoutier, ao lado de Tours. A partir do ano seguinte (quase como milagre), os vouvrillons colheram três pintes do suco. (Não se conhece o volume desta medida, mas se for o pint inglês é de cerca de 586 cc.)
Ao beber o primeiro, eles cantaram como pássaros.
Com o segundo, tornaram-se fortes como leões.
No terceiro, começaram a urrar como burros.
Foi ao que parece o burro de Saint Martin que ao comer as pontas das plantas, ensinou a todo mundo como podar as videiras. A lenda chega a precisar que esta revelação ocorreu entre os monges de Bourgueil.
Desde esse dia foram chamados todos os burros de Martin, e em 11 de novembro, o dia da festa do que veio a ser bispo de Tours, Saint Martin de Tours, data em que morreu com oitenta e um anos, os vinhateiros da região de Tours provam e verificam os vinhos novos, a que chamam " martinent les vins " (... martinhar os vinhos?!)
A região de Touraine foi duplamente afortunada por servir de “clos” (área fechada) dos reis de França e por alguns dos maiores escritores franceses, que não lhe pouparam louvores, como Ronsard, Rabelais, Vigny, Balzac, Alexandre Dumas.
O túmulo de São Martinho repousa na Basílica de Saint Martin em Tours, basílica que foi reconstruida, atráves dos anos uma porção de vezes.

Basília de Saint Martin - Tours

Vitral mostrando o corpo de Saint Martin, levado de barco para o seu túmulo

Para completar esta “festa” vinícola, aconselhamos a beber o magnífico vinho de Touraine, se for branco, da casta Pineau Loire ou Chenin Blanc, a uma temperatura de seis a sete graus, a acompanhar frutos do mar, peixes ou simplesmente como aperitivo, ou ainda durante toda a refeição!
Se tinto, será um Cabernet Franc, ali chamado Breton. Temperatura ideal cerca de 15 graus, e vai com as carnes, assados, caça e queijos.
Bom apetite.

Em Portugal a festa de S. Martinho, existe desde tempos muito antigos, de norte a sul do país, e realiza-se na mesma data que na Touraine.
Mas Portugal... fica para a próxima.



11/05/2012

terça-feira, 8 de maio de 2012



Grandes caçadas!



Há muito que não relembramos caçadas! Qualquer caçada! Só o sair para o interior, para o mato, fizesse frio ou calor já era um espetáculo e um fim de semana magníficos. Lugares tranquilos, longe do barulho e da infelizmente chamada civilização, muitas vezes no meio da natureza selvagem e imensa.

Fosse caça grossa ou rolas, que havia aos milhares, ou nas lagoas, aos patos, o único sentimento incômodo que se trazia era a consciência de ter matado algum animal.

O vício no entanto era mais forte, e como a carne sempre era aproveitada, e não se caçava mais do que se podia comer e distribuir pelos amigos, caçar era um prazer imenso.

A chuva prejudicava muitas vezes esse encontro com o imenso espaço, e a solução era aguardar que passasse. Quando possível.

Sábado pelo meio dia saímos de Luanda em dois jeeps, quatro mais três nos dois carros, e de todos estes, pelo menos sete caçadores! Direção Zenza do Itombe. Objetivo: caçar uma ou duas pacaças.

De Zenza seguimos para norte por uma estrada - estrada ? - por onde quase ninguém circulava. E começa a chover; aquelas chuvaradas tropicais que fazem a chuva entrar até no pensamento.

Um dos jeeps só tinha capota, daquelas de lona para proteger do sol, nada de janelas, e em pouco tempo neste carro todos estavam encharcados! No outro, um Land Rover de capota rígida, o pessoal ia mais protegido.

O dia a chegar ao fim e um dos caçadores, conhecedor da região, decidiu, ao fim duns tantos, muitos, quilômetros dessa picada, entrar mato adentro, porque haveria por ali uma baixada que ele conhecia bem, onde sempre encontrava caça. Nem por picada seguiamos. A “olho” que o caçador conhecia tudo muito bem. Não entrámos muito. O jeep da frente chegou à tal baixada que as chuvas tinham transformado em lamaçal, e atolou. Tração 4x4, vai à frente – não vai para lugar algum – e ficámos à espera do segundo jeep que vinha atrás, e parou quando nos viu, mas também já em cima da lama. Atolou.

A noite chegou, a chuva continuou, e a melhor decisão foi esperar pelo amanhecer, para se poder fazer alguma coisa. Pode-se imaginar a comodidade em que passámos a noite em dois carros atolados na lama, sem se ver mais do que os faróis mostravam: no Land Rover não entrava água mas como só tinha o banco da frente, três “caras” querendo dormir... Mas no Jeep as coisas eram dramáticas! Nada de capas ou plásticos (nem sei se já os haveria na ocasião) e o incômodo e o frio deixaram todos a bater os dentes. Assim que a chuva amainou sai-se do jeep para mexer as pernas, mas até isso era difícil por se enterrarem os pés na lama!

Começa a surgir o dia e analisa-se então a posição: crítica! Vá de cortar ramos, paus - e procurar pedras, que não se encontraram – e após uma boa luta, foi possível recuar o Land Rover para terra mais firme. Depois, com o guincho deste, rebocar o Jeep. O meio dia aproximava-se e a caçada às pacaças... terminava também, antes de começar!

Regresso a casa com os dois jeeps e os caçadores carregados de... lama.

Assim mesmo foi ótimo!
Em Portugal, no Alentejo, vou visitar um amigo e após o almoço desafia-me para darmos uma “volta” aos coelhos. Campo lavrado (arado, no Brasil), chão de cor acinzentada, um em cada ponta, e aí vamos nós. Coelhos que era bom... nada. Andámos um quanto tempo, e de repente, ao dar mais um passo, vejo que mesmo no lugar onde ia colocar o meu pé direito, estava um coelho, deitado, imóvel, da cor do chão! Fiquei de perna no ar, no momento sem saber o que fazer. O bichinho não se mexia, os seus pequenos olhos fixados em mim, medrosos, e pensei então apanhá-lo à mão. Assim que lhe toco ele sai numa corrida à minha frente. Ponho a arma à cara, miro, mas a lembrança do simpático coelhinho ali parado a olhar para mim, travou-me o dedo. Para não “parecer mal” dei o tiro meio para alto e deixei o bonitão seguir a vida dele! O meu parceiro de caça comentou que tinha sido um tiro péssimo! Eu ri, e disse-lhe que tinha sido ótimo!

Voltemos a Angola, lá no Sul, dois caçadores e dois penduras, saida de madrugada, noite gelada a querer ceder, procurar ou esperar os animais ao romper do dia. Desta vez o alvo procurado seriam elefantes.

A manhã toda, vasculhando até de binóculo, horizontes, savanas e pequenas matas, mas a caça, nesse dia estaria de folga! Regresso ao acampamento a meio da manhã, com o calor já a apertar, quando os animais param de comer e se abrigam nas melhores sombras, tornando-se quase invisíveis. A carabina trocada por uma caçadeira 12 para a eventualidade de aparecer algum pequeno animal que nos pudesse dar um bom e saudável almoço.

Sol a queimar, quase no caminho do jeep salta uma perdiz. Arma à cara, sai o tiro, a perdiz cai. Todos com os olhos fixos no lugar onde ela caiu, não fosse ela começar a correr e ir embora. Saio do carro para apanhar o “petisco”, mas no lugar onde este caíra, nada se encontra. Uma porção de folhas secas, mas perdiz que era bom... cadê ela? Os parceiros, de cima do jeep faziam-me sinal, garantindo que ela estaria ali. Agacho-me, olho bem, volto a olhar, mas... de repente, no meio daquela folhagem “adivinho” um pequenino olho. Só! Era a perdiz, tão bem escondida e disfarçada; um belo espetáculo de mimetismo.

Estava condenado o bichinho. Com um tiro nas asas ficava liquidado. Infelizmente, hoje, e não na época, acabou como aperitivo. E, verdade seja dita, aperitivo ótimo!

Lembro um dos meus avôs que nos anos 30 foi a Angola caçar. A caça que ele mais recordava, quando já velhote me contava as suas “proezas”, era o que lhe dizia um amigo quando perguntado sobre a caçada: “não acertámos nenhum tiro nos amigos, ninguém passou mal, o dia estava lindo e não caçámos nada! Foi uma bela caçada!”
Esta filosofia sempre me acompanhou, e ainda hoje, para situações que nada tenham a ver com caça, mas com a nossa maneira de interpretar o que nos circunda.



08/05/2012