segunda-feira, 26 de março de 2018


Portugal
Um “rolé” - 2

Ora bamos lá cum Deos!  Ainda falta um bocado para Portugal ser o paraíso que tantos, incluindo eu, apregoam.
Para quem chega de longínquas paradas, e só conhecia o Portugal do chorinho (de choro mesmo), da queixa, quase imitando os franceses das greves e passeatas, da desgraça, e do desbarato dos dinheiros da União Europeia, do fado da mulher estraveculosa, e das saudades do Salazar, chega agora a quase repetir Camões quando escreveu, bem sei que em sentido inverso que
na ocidental praia Lusitana,
os perigos e guerras já passados,
mais do que prometia a força humana,
entre gente remota edificaram novo reino,
que tanto sublimaram.
É verdade que já não se fala em guerra, nem nos pseudo-heróis do vintecincobarraquatro (apesar de terem enchido as cidades com nomes de indivíduos que foram uma desgraça para o país, como o que deram ao aeroporto de Lisboa que deveria ser o do Almirante Gago Coutinho), quando apáticos não havia força humana que lhes prometesse nada, entre a gente que de remotas paragens lhes acodem agora aos milhares, reedificaram e sublimaram um novo país.
Tanto sublimaram, e disso estão tão orgulhosos que até anunciam que Portugal tem o melhor pão do mundo. E tem mesmo.
Para quem vai do Brasil onde o pão, o genérico, abaixo de péssimo, quinze minutos depois de sair do forno parece reles espuma de forrar cadeiras baratas, uma espécie de chewing gum do tempo das Guerras Púnicas, e que, quando se procura um  pão um pouquinho mais sofisticado, continuando assim mesmo quase intragável, desembolsa ouro, chegar a Portugal e comer pão, mesmo que seja só pão, já acha que está às portas do céu!
Claro, para quem gosta de pão, como eu.
Depois se acrescentar um pouco de queijo da serra, de Azeitão ou da Ilha do Pico, e acompanhar tudo com uns copos de tinto do Alentejo ou do Douro, então fica com a certeza que adentrou os ceús e fica aguardando que surja o bom São Pedro para o acolher na alegria dos justos.
Isto sem falar no pão de Mafra com chouriço.....................
Mas desgraçado turista se teve a infeliz idéia de alugar um carro. Se o fizer, tem mesmo que ter junto um GPS no telemóvel, quando não fica dando voltas à cidade de Lisboa, lendo placas indicativas que não lhe indicam coisa alguma. Só enigmas.
São bonitas as placas, mas em vez de indicarem nomes de cidades ou direções, como Sul ou Norte, têm siglas enigmáticas, como A1, A2, A3... até A11, e outras como CRIL, CREL 1 e 2, que só os iniciados nos segredos auto-estradistícos conseguem interpretar.
E aí vai o turista, feliz, achando as estradas ótimas, o clima e a luz brilhantes, mas quando dá por si, ou continua às voltas no mesmo lugar ou foi para o sentido oposto.
Estas siglas são do exclusivo conhecimento dos portugueses, e pronto.
Segredos de Estado, tão bem guardados como as notícias das descobertas de Além Mar nos séculos XV e XVI.
Mas comer bem, lá na terrinha... não há igual. Mesmo sabendo que desde sempre, sempre, Portugal importa 30 a 40% do que necessita para a sua alimentação. Como o bacalhau, onde Portugal é campeão inquestionável no mundo. Não admira. Muito antes de Cabral ter chegado ao Brasil já há séculos que éramos os primeiros nessa pesca.
A história da pesca do bacalhau pelos portugueses começa em 1353, quando D. Pedro I e Edward III de Inglaterra firmam um tratado autorizando os pescadores de Lisboa e Porto a pescarem o bacalhau nas costas da Inglaterra por 50 anos. Este acordo mostra que esta atividade já se realizava desde muitos anos anteriores, e em tal quantidade, que justificava a necessidade de a enquadrar nas relações entre os dois reinos.
No século XV, apesar do fim da colonização da Groenlândia, não foi esquecida a informação da localização dos bancos do bacalhau. Cinco séculos de relações comerciais tinham também estabelecido boas relações diplomáticas com a coroa dinamarquesa, e o Infante Dom Henrique, obteve do rei da Dinamarca um piloto Sofus Larsen – Wollert - que veio até Portugal, e terá transmitido os conhecimentos náuticos daquela região.
John Cabot, (c. 1450-1499) um dos primeiros europeus a chegar ao continente americano navegou com pescadores portugueses, de Bristol, que já pescavam nessas águas.
Em1470, João Corte Real, esteve numa expedição mandada efetuar pelo rei Cristiano I da Dinamarca a pedido do rei de Portugal Afonso V. No relato desta viagem ficou registada a Groelândia e “A Terra dos Bacalhaus”, o que mais uma vez indica a pratica antiga desta pesca. Mais tarde esta terra foi conhecida por Terra Nova dos Corte Real e depois somente Terra Nova, Newfoundland!
A comer e cozinhar bacalhau desde há mais de oito séculos... o que se podia esperar? Magia.
Mas não importa só bacalhau, não. Infelizmente em Portugal a agricultura é pouco diversificada. E deste modo, para não faltar a boa pápa aos portugueses e seus milhões de turistas, importa porcos da Polónia, cebolas da Holanda, e até imaginem, ameijoas do Vietnam! Aquelas maravilhosas ameijoas, preparadas como recomendou no século XIX, o romântico poeta Bulhão Pato, vindas do Vietnam, é pecado! As da costa portuguesa eram (eram porque escasseiam) dignas da poesia de qualquer poeta e dos suspiros dos gourmets. Não as cantou Camões nem Pessoa, mas canto eu... em prosa.
E, não esqueçam que Açores e Madeira fazem parte do mesmo Portugal... desde antes dos irmãos Corte-Real, que dali eram, terem chegado à Terra Nova.
Num próximo projeto sobre férias em Portugal levarão inúmeras vantagens os que se decidirem por mais umas milhas e visitar aquelas ilhas atlânticas.
Não está bem esclarecido quem contou a Platão sobre a Atlântida, e não consta que ele se tivesse deslocada aos Açores ou à Madeira.
Mas pelas maravilhas que descreve, vê-se que o sacerdote egípcio, que lhe falou sobre estas ilhas, deve lá ter estado! Regressou maravilhado e nem as pirâmides lhe interessaram mais.
Já imaginaram o que vai de história entre o bacalhau, os Açores, a Atlântida e maravilhosa gastronomia portuguesa?
Quem mais tem tanta história para contar?
E não esqueçam: Portugal já é o primeiro produtor de azeite! Sem ele... como ficaria o bacalhau?
Não esqueçam, também, o vinho!

25/03/18



terça-feira, 20 de março de 2018



Um “rolé”* por Portugal

Já lá não ia há quase cinco anos! E como tudo está diferente!
Amigos e parte da família que entretanto descansaram na Paz do Senhor, e que nos fazem tremenda falta, os outros, como nós, envelhecidos, numa idade em que pouco tempo faz enorme diferença, alguns tiveram que ser visitados em suas casas porque a idade ou doenças complicadas não os deixaram sair, mas nada disso impediu que nos encontrássemos com tantos, teimosos, alguns passados os noventa e se mantém firmes e alegres como jovens de vinte. Ou melhores!
Foi um corre-corre para podermos estar com o máximo de amigos e familiares. A verdade é que em pouco menos de três semanas conseguimos abraçar mais de cento e trinta amigos, e porque não, soltar aqui e além uma ou outra lagrimita de tristeza ou alegria.
Mais de uma centena. Não de conhecidos. De amigos muito queridos. Infelizmente não estivemos com todos que tanto desejávamos. Não foi possível.
Foi a correr, não deu para conversarmos horas sem fim com cada um, mas estivemos com o melhor do nosso patrimônio: a família lusitana e os amigos, muitos dos quais nos acompanharam também por terras de África e do Brasil.
Ainda houve, numa rápida fugida, tempo para abraçar um outro, amigo de há meio século, que nunca nos tínhamos encontrado! Sabíamos um do outro, sempre tivemos os mesmos amigos, vivemos nos mesmos lugares, no mesmo tempo, sem que jamais nos tivéssemos visto. Coisas que é difícil explicar. Mas conseguimos, finalmente, nos abraçarmos e, sem surpresa, sentirmos que aquele abraço há muito estava dado!
É evidente que foi uma imensa corrida, cheia de emoções fortíssimas.
Por fim, véspera de embarcar de volta a casa, o acúmulo dessas emoções mostrou que tínhamos esgotado a nossa capacidade de resistência, e o físico deu um forte recado. Uma semana sem nada fazer ainda não conseguiu reparar o estrago!
E as saudades, se as matámos na ocasião dos encontros, depois afloraram mais fortes!
Como é difícil estar longe daqueles que amamos, alguns dos quais nossos companheiros desde há oito décadas!
Mas enfim, por enquanto consegui sobreviver...!
E Lisboa está uma cidade diferente. Muito mais limpa, os velhos prédios em restauro, o céu inigualável, quando está limpo mostra uma das mais bonitas luzes de todo o mundo.
Milhares, talvez milhões de turistas. Por todo o lado. Em primeiro lugar brasileiros, franceses, chineses, hindus, russos, de todo o lado.
Hotéis surgem de um dia para o outro, em cada canto, como cogumelos, e estão cheios. Os alojamentos via Airbnb e outros, igualmente lotados, restaurantes grandes e pequenos, em todas as ruas, todos os bairros, onde sempre se come magnificamente, preços muito aceitáveis e, voz corrente, hoje em Portugal não há mais vinho ruim. Todo, todo, desde o mais barato, é muito bom! E o peixe, huuummm, que delícia.
Espantam-se os brasileiros que podem sair de noite, a qualquer hora, de telefone celular na mão! Os franceses com a limpeza das cidades e, sobretudo, por não verem gente nas ruas a fazerem greves ou manifestações.
Os monumentos, as ruas, a beira rio ou mar, cheio de turistas. Encantados. Navegando num mar até há pouco desconhecido ou ignorado do mundo.
Os pequenos comércios de bairro, tipo frutas legumes e algo de mercearia, está nas mãos de gente que veio de longe: Nepal, Myanmar, Índia, Bangladesh. Outras lojas, que vendem tudo, dominadas pelos chineses.
Centenas, milhares daqueles pequenos carrinhos que só víamos nos filmes e reportagens da Índia, os tuk-tuk, atraindo turistas para um “tour” pela cidade. Motoristas? Raros portugueses!
Gente comprando imóveis, sobretudo brasileiros, como é de esperar inflacionaram o mercado imobiliário, e há, como em todo o lado, os oportunistas. Alguns mais abonados pagam fortunas pelo que há dois ou três anos valia menos da metade. Mas assim mesmo estão felizes, e isto não se passa só em Lisboa e Grande Lisboa, que abarca, por exemplo, Cascais e Sintra.
Mesmo com menor intensidade a febre chega a todos os cantos do país.
Quanto tempo vai durar esta euforia, ninguém sabe.
Mas enquanto o pau vai e vem as costas folgam!
Não pensem, os que pensam para lá imigrar, que há oferta de trabalho para todos. Os próprios portugueses estão a sofrer com isso e com um governo, que igual aos antecedentes, lhes entra nos bolsos de todo o jeito. Impostos, redução da aposentadoria, a inevitável corrupção, donos da política a encherem os bolsos, mas como isso é o trivial all over the world... a esperança está em que este boom de turistas dure... Dure. Dure, porque um dia vai acabar.
Tem agora a seu favor a total insegurança nos ex-paraísos do Egito e Magrebe, na própria França e até na Espanha, cansados de verem monumentos bonitos, lindos, na Itália, Hungria, e São Petersburg, e saberem que em nenhum outro lugar se encontra aquele tempo gostoso, sol único, aquela comida maravilhosa e de bom preço, gente pacífica e sorridente, educada, cidades limpas e ordenadas, que acolhe o turista com alegria e com segurança, sem se preocupar se ele é cristão, hindu, ateu, judeu ou muslim.
Portugal viveu essa mistura desde antes da sua independência há quase nove séculos.
Nem se preocupa com a vida sexual dos visitantes. Que vivam a sua vida e sejam felizes.
Lembram da música do Ary Barroso: “Você já foi à Bahia, nêgo? Quem vai à Bahia, nunca mais quer voltar”!
A música é a mesma, mas mudou a letra: “Você já foi a Portugal? Quem vai a Portugal... e come bacalhau, pasteis de nata, parguinhos grelhados e bebe AQUELES vinhos... nunca mais de lá quer sair!”
Para o brasileiro, classe média, o póbrema, está no Real. Realmente aqui a realidade é de pobre. E aventurar-se numa ida à terrinha é um custo pesado. Mas quem não deseja?
Vale o investimento?
Cada um sabe de si e Deus de todos.
Boa viagem.

* Rolé – No Brasil, um giro, um passeio, uma volta.

Rio (cheio de calor e humidade) 20-mar-18