quarta-feira, 27 de julho de 2011


Dom Teotónio e

O Mosteiro de Santa Cruz



Natural de Tui, Galiza, filho de Oveco e Eugénia, Teotónio, que em grego significa “divino”, desde cedo se mostrou virtuoso, amante do estudo, e, levado a Coimbra por seu tio, Dom Crescónio, bispo da dita cidade, com Dom Telo, de quem falamos no texto anterior, e fundador do Mosteiro de Santa Cruz, aprendeu os primeiros passos da vida religiosa, a ler e a cantar. Morto o tio, Teotónio foi mandado para Vizeu sendo recebido na Sé da Bem Aventurada Virgem Maria.
"Chegado à crescente idade da letra de Pitágoras, sem tardança largou o lado esquerdo, e começou, com o celestial desejo, a subir em todas as coisas, maduro e grave." *
Ordenado hostiário, foram-lhe, entre outras obrigações, confiadas as chaves da igreja que rigorosamente e religiosamente guardou, lançando fora porcos, cabras, infiéis e excomungados que invadiam o lugar sagrado. Com sua conduta e conhecimentos ensinava o catecismo, e alguns anos depois foi ordenado diácono, servindo a igreja com todo o fervor.
Mais tarde, já presbítero, foi nomeado prior dessa igreja. A sua vontade, e fé, haviam de levá-lo à Terra Santa, para percorrer e orar nos lugares da vida de Cristo, para o que entregou o priorado a seu colaborador. No regresso não quis mais ser o prior, dedicando-se com toda a sua força e devoção aos pobres e doentes.
Dom Telo que em Coimbra, principiava a criar o mosteiro de Santa Cruz, convenceu-o a não voltar a Jerusalém, onde cria levar uma vida de oração, mas a praticar a sua oração e caridade em Portugal, entrando para o primeiro grupo de monges, doze, que em pouco tempo eram armados cavaleiros de Cristo da Ordem de Santo Agostinho.
O Mosteiro precisava de um prior, e Dom Telo, humildemente, e bem mais velho, recusou tal liderança, e foi Dom Teotónio escolhido então, como o primeiro prior de Santa Cruz.
Homem de impecável retidão, contam-se dele algumas histórias, com toda a possibilidade de serem verídicas, que mostram o seu caráter de retidão:
- Quando prior em Viseu, estavam um dia a assistir à missa a rainha Dona Tareja e seu... amante Fernando Peres de Trava. Dom Teotónio, na homilia, indignou-se com a presença na igreja dos que viviam “mal casados”! Dona Tareja e Fernão Peres, levantaram-se, saíram da igreja, envergonhados, mas nenhuma represália sofreu o prior;
- Ainda em Viseu, um domingo, Dona Tareja preparava-se para assistir à missa; mandou dizer a Dom Teotónio que “se despachasse e dissesse azinha aquela missa”! Ele respondeu que “outra Rainha estava no céu e muito mais nobre sem comparação, à qual com muita reverência e muito devagar havia de celebrar aquela missa, e que ela, a Rainha, se podia ir ou ficar na igreja a ouvi-la, que em seu poder estava tudo. Dona Tareja conheceu seu erro e considerou-se culpada. No fim da missa mandou chamar Dom Teotónio, e logo mui humildado seu espírito, chorando lágrimas, se lançou a seus pés e pediu que rogasse a Deus por ela.”
- Bem mais tarde, a nova Rainha, Mafalda, mulher de Afonso Henriques, quis por todos os modos visitar o interior do Mosteiro de Santa Cruz, cenóbio exclusivamente reservado aos monges; o prior, “com bons modos lhe disse que havia dentro outra Rainha, e que não era regra nem costume deixar entrar mulheres num local em que habitavam os que haviam fugido do mundo, o que desagradou à Rainha, mas demonstrou o padrão de honestidade de vida daquele santo prior.”
A fama do bom prior (hoje seria chamado de abade) crescia e o Rei tinha por ele, e por toda a obra do Mosteiro a maior consideração, enchendo- de dádivas. Inclusive o Rei o chamava quando se encontrava doente, porque era conhecida a “força” da sua presença e orações, e tanto nele confiava, que nas vésperas de atacar Santarém “com um tipo de combate não costumado, a saber, furtivamente e como se fosse um assalto, pois nunca o tinha conseguido com aparatos bélicos (o lugar era inacessível por causa da sua situação) foi ter com aquele homem de Deus e manifestou-lhe só a ele o seu plano, ao mesmo que lhe encomendou a sua alma como se fosse ártir deste mundo; indicou-lhe, bem assim o dia em que pensava actuar e pediu-lhe empenhadamente que nesse dia, com os irmãos fizesse oração de comunidade por ele, e partiu.
No dia marcado o prior expôs o assunto a todos os irmãos, e que de pés descalços se fizessem ladainhas públicas e orações privadas.
No dia seguinte um bom mensageiro se apresentou a trazer a boa notícia e a anunciar, cheio de alegriaque a cidade tinha sido tomada e submetida ao Rei.
Faleceu a 18 de Fevereiro de 1163 (?), aos cincoenta e seis anos da vida Del Rey, e trinta e cinco de seu reinado, com setenta e oito anos.
Terá sido canonizado no aniversário do primeiro ano após a sua morte, em cerimônia presidida por Dom João Peculiar, arcebispo de Braga e D. Miguel, bispo de Coimbra. Só em 1234 é que a canonização passou a ser reservada ao Papa, com as Decretais de Gregório IX.

* Como tendo sido inventada por Pitágoras seria o Y, letra mística, significaria a vida humana, as duas direções de vida com que se encontra o adolescente. Pela esquerda seguiria o caminho do mal. Pela direita a retidão, juízo e honradez.

Todos estes apontamentos sobre o Mosteiro de Santa Cruz, foram colhidos no livro “Hagiografia de Santa Cruz de Coimbra” – edição crítica do prof. Aires A. Nascimento.

26/07/2011

sábado, 23 de julho de 2011


É de supor, pelo interesse sempre demonstrado pelos portugueses, que poucos se lembrem da chegada do € euro a Portugal. Foi uma festa. Uma euforia. Estavam ricos, iguais à Alemanha, França, etc.
E vá de gastar, comprar, comprar, conceder empréstimo para tudo (banco quer é juros), fazer estradas e... os investimentos produtivos ficaram esquecidos os postergados... ad semper. Esqueceram.
Foi em Janeiro de 2002, que o € entrou em Portugal como os generais em Roma depois duma grande vitória!
Em Março de 2003 escrevi este texto que parece continuar a ser oportuno para lembrar as burradas (crimes) que fazem os políticos e os “homo pseudo-sapientes” nas coisas da economia.

 



A história, a inflação, as moedas e...



Hoje vou contar-lhes uma história. Aliás, para ser verdadeiro vou mostrar uma história escrita há muitos anos...

Era uma vez... - a bem da verdade também não era a primeira vez, mas façamos de conta que sim, para nos deixarmos de entretantos e irmos aos finalmentes - juntaram-se uma porção de nobres, ou reis ou presidentes e, com uma pseudoconsulta feita às gentes das suas terras, ou países, ou regiões, ou aldeias, decidiram mudar a moeda circulante. Bem dito, melhor feito.
Ninguém se lembrou (será que conheciam?) a mais elementar lei de mercado: a economia, que é um animal vivo, vivissimo, cujo domador é o intermediário, ou comerciante, ou... a lei da oferta e da procura! Enfim, como queriam uma moeda forte (moeda só é boa quando existe na mão do povo, mesmo sendo fraca; se for bastante, torna-se forte!) resolveram criar uma que valesse bem mais do que a existente e conhecida.

De entrada foi uma alegria confusa. Uns pensavam que pela moeda ser “forte” ficariam ricos, raros entendiam o novo câmbio, e os atravessadores - comerciantes, fabricantes, etc. - logo se aproveitaram para “arredondar” tudo para cima. Pouco. Só, só umas “migalhitas” de dez ou vinte por cento!

Faz contas, calcula câmbio, troca uma moeda por outra, de repente o povo clamou: “Mas a vida está carissima! Porquê?”

No Brasil, acostumados com mudança de moeda, retirada de zeros, muitos zeros, inflação de até oitenta por cento ao mês, e outras “singularidades da França (?) antártica”, a troca de moeda, sempre favorecendo os mesmos intermediários, como é óbvio, era recebida com naturalidade. Mais moeda, menos moeda... aliás, sempre menos moeda, já era o “pão nosso de cada dia”, quando pão havia nesse dia.

Mas e na Europa? Ah! Na Europa só os ingleses devem ter lido a história e ficaram fora dessa! Agora os “europeus unidos” (para não serem vencidos) choram amargamente a nova moeda imposta de cima para baixo como canga. Aguenta...
Ora leiam a história abaixo que, segundo reza e será verdade, mostra que há setecentos e cinquenta anos se passou exatamente o mesmo! O maravedi que se desdobrava em cento e oitenta pipiões e metaes, passou a desdobrar-se somente em noventa burgaleses e soldos, deixando de haver “dinheiro miudo”!
Ninguém parece ter aprendido e quem paga sempre “o pato” para variar, é o povo!

SUBIDA AO TRONO DE AFONSO X


CRÓNICA DEL REY DOM AFONSO O DEZENO DE CASTELA E LEOM


[CAPITULO 1]


Do reynado del rey dom Afonso, filho deste rey dom Femando, e das parias que lhe dava el rey de Graada. E como mudou as moedas en começo de seu reynado e doutras cousas que fez.
1 Morto el rey dom Femando, alçarom por rey de Castela e de Leom, na muy nobre cidade de Sevilha, onde el finou, o infante dom Afonso, seu filho, primeiro herdeiro. E começou de reynar aos XXIX dias do mes de Mayo da era de mil e duzetos e novêeta annos; e andava a era de Adam en çinquo mil e XXVII ãnos ebraicos e duzentos e oiteenta e sete dias mais; e a era do diluvyo en mil e trezentos e çinquoenta e tres annos romãaos e cento e çinquo dias mais; e a era del rey Nabucodonosor en mil e novecentos e noveeta e oito annos romãaos e mais XXII dias; e a era do grande Phillipe, rey de Greçia, en mil e quinhentos e seteenta e tres annos romãaos e XXII dias mais; e a era do grande rey Alexandre de Macedonia en mil e quinhentos e sesseenta e dous annos romãaos e duzentos e quareeta e quatro dias mais; e a era de Cesar en mil e duzentos e LXXXIX ãnos romãaos e cento e çinquoeeta dias mais; e a era da nacença de Jhesu Cristo en mil e duzentos e LII annos; e a era de Gallizanos, o Egiptiãao, en oitocentos e LXVIII ãnos; e a era dos aravigos en seisçetos e viinte e nove annos; e a era de Sparsiano, segundo a era dos Persiãaos, en seis centos e XX ãnos.
2. E reinou este rey dom Afonso XXXII ãnos e foy / o dezeno rey de Castela e de Leon que per este nome foy chamado.
3 Este rey dom Afonso, en começo de seu reynado, firmou por tempo certo as posturas e aveeças que el rey dom Femando, seu padre, avya posto con el rey de Graada; e que lhe desse aquellas parias que dava a el, pero que lhas non derom tam compridamente como as davam a el rey dom Femando, seu padre.
4 Ca, en tempo deI rey dom Femando, lhe dava el rey de Graada a meatade de todas suas rendas que eram apreçadas a seis centos mil maravidiis da moeda de Castela. E esta moeda era de tantos dinheiros o maravidil que chegava a valer o maravidil tanto como huu maravidil d'ouro, por que, en aquel tempo del rey dom Fernando, corria en Castella a moeda dos pipiõoes e no regnado de Leon a moeda dos leoneses; e, daqueles pipiõoes, valia cento e oiteenta o maravidil.
5 E as compras pequenas faziãnas a metaaes e a meos metaaes que faziam XVIII pipiõoes o metal e dez metaaez o maravidi. E destes maravidiis eram apreçadas as rendas do reyno de Graada en seiscentos mil. E davam a el rey dõ Fernãdo a meatade daquelas rendas.
6 E, como quer que el rey de Graada desse estas parias a el rey dom Fernando, por que o leixasse viver em paz, pero mais lhas dava por manieyra de reconheçimento, por que este rey dom Fernando deu ajuda de gentes e doutros logares do reyno a este rey de Graada contra huu linhagen de mouros que eram seus cõtrairos muy poderosos e chamavanlhes os d'Escabuuvela.

7 Este rey de Graada foy o primeiro rey a que chamaron Abenalhamar. E ajudouho sempre el rey dom Fernando en toda sua vida, de guisa / que nuuca se lhe poderon alçar os mouros daquel reyno. E por estas razõoes avya el rey dom Fernando dos mouros tã grãde contia d'aver en parias.

8 El rey dõ Afonso, seu filho, no começo de seu reynado, mandou desfazer a moeda dos pipiões e fez lavrar a moeda dos burgaleses que valiam noveeta dinheiros o maravidil. E as compras pequenas fazianse a soldos; e seis dinheiros daqueles valiã huu soldo; e quiinze soldos valiam huu maravidil. E destes lhe dava cada ano el rey de Graada duzentos e çincoeenta mil maravidiis.

En este tempo, per os mudametos destas moedas, ecarecerõ todalas cousas nos reynos de Castella e de Leon e pojaron a muy grandes cõtias.

9 En aquel primeiro ano, se trabalhou el rey de fazer as cousas que entendeo que eram prol de seus reynos. E basteçeo e requeri o as villas e logares e casteIlos que erã fronteiros dos mouros e esso meesmo as villas e logares do reyno de Murça que elle guaanhara en vida del rey dom Fernãdo, seu padre, seendo iffante, as quaaes erã pobradas de mouros.

10 E, como quer que os ricos homees e cavaleiros e infanções e filhos d'algo de seus reynos vivyam cõ elle en paz e en assessego, pero elle con grãdeza de coraçõ e por os teer mais prestes pera seu serviço quando os mester ouvesse, acrecentouIhes nas contias muyto mais do que avyam no tempo del rey dom Fernando, seu padre. E outrossy, das suas rendas, deu a algus delles mais terras das que tiinham e outros que as ataaly non ouveron deulhes terras novamente. E, por que a estoria trage o conto dos anos deste rey des o mes de Janeiro, poserom estas cousas sobreditas nos primeiros sete meses deste anno de mil e duzentos e noveenta annos.



[CAPITULO 5]

Como el rey pos almotaçarias en todalas cousas e as tirou depois



1 Enno quarto anno do reynado deI rey dom Afonso, lhe veerom muytas querelas de todallas partes de seus reynos, que as cousas eram assy caras e postas en tã grandes contias que as gentes as non podiam aver. E por esta razom pos el rey almotaçarias en todallas cousas, quanto cada hua ouvesse de valer.

2 E, como quer que, ante que el rey esto fezesse aos homees era muy grave de as poderem aver, muyto peor as ouveron depois por que os mercadores e os outros que as tiinham pera vender guardavãnas que as non queriã mostrar.

3 E por esto se viron as gentes en tam grande afficamento que el rey ouve de tyrar as almotaçarias e mandou que se vendessem as cousas livremete por os preços que se as partes aveessem.

4 E non se acha en este anno outra cousa que de contar seja que a esta estoria perteeça.



Curioso, né? Porque os governantes de hoje (e de ontem) não aprendem mais com a história?

O texto acima foi retirado da “Crónica Geral de Espanha de 1344” .

01/03/03

quarta-feira, 20 de julho de 2011



O Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra



Comecinho do século XII. Estava Afonso Henriques em desavenças com sua mãe, quando o arcediago D. Telo, pediu a Dona Taraja um terreno, fora das portas de Coimbra, para aí fundar um mosteiro, “e não tinha ela dado o que prometera, por então, andava tudo conturbado e não tinha sequer poder sobre si mesma.”

Ao tempo ainda do Conde Raimundo e da Rainha Urraca, D. Telo, agregando a si uma falange de homens de primeiro plano em número igual ao dos doze Apóstolos, começou a lançar os fundamentos do Mosteiro de Santa Cruz, nos arrabaldes de Coimbra, guardando silêncio quanto ao seu surgimento.

D. Telo, homem de origem humilde mas de grandes virtudes, muito estimado e conceituado, depois de ter ido em peregrinação à Terra Santa, e de se ter profundamente informado sobre a vida monástica, de tantos mosteiros que visitou, no regresso, em Montpellier, “não sem a ajuda de Deus, comprara casualmente uma sela, que era muito bem trabalhada e era mais que excelente para montar a cavalo. Certo dia em que o arcediago ia montado numa mula pela porta de Coimbra e caminhava pela Rua Régia, aperceberam-se dela os cortesãos, que notaram o seu bom recorte. Alguém de entre os conselheiros deteve a atenção na sua elegância e propôs ao Infante (Afonso Henriques) que pedisse ao arcediago que lha desse. Sem demora, satisfaz ele o pedido, sugerindo em troca a oferta dos Banhos Régios.

O príncipe, cheio de respeito respondeu que teria de ver o assunto. Mas aos ouvidos do rei e de Hermígio, seu mordomo mor, Deus fez chegar a inspiração de apoiar os planos do arcediago, e é-lhe passado um documento autenticado com as armas reais. Pela sua execução deu o arcediago ao infante um peitoral todo bordado.”

Inicia a construção do Mosteiro com o lançamento da primeira pedra em 28 de Junho de 1131; um ano depois ordena Afonso Henriques a construção da nova Sé de Coimbra, sobre a antiga já muito deteriorada, sem condições de ser o centro espiritual da nova capital de Portugal. Hoje a Sé Velha, uma das maravilhas da arquitetura portuguesa.

Logo D. Telo começa a receber doações, e com isto não tardou que a inveja dos cônegos da Sé, e o próprio bispo de Coimbra, D. Bernardo começasse uma “guerracontra o Mosteiro, onde a obediência, a humildade e a vida de pobreza, contrastavam com o fausto dos seculares, “ora desviando as esmolas dos fiéis, ora impedindo o direito de sepultura, ora dizendo mal da vida religiosa...” Tudo faziam para denegrir a ação de D. Telo, “que comprou por trinta maravedis de ouro, ao bispo Bernardo e aos seus cônegos, um horto que ficava a pegar e tinha abundantissima fonte de águas.” Quis ainda o bispo, e os cônegos, baixar as despesas da obra do Mosteiro para atrasar a obra, e tanto procuraram inflamar os espíritos do povo “coisa que desagradou ao Infante, nosso Rei, que lhes lançou em rosto mulheres de má vida e outras coisas execrandas.

Para se abrigar das exigências do bispo, vai D. Telo a Roma e coloca o Mosteiro, onde já os seus seguidores tinham feito os votos de vida apostólica, acolhendo-se ao hábito e regra de Ordem de Santo Agostinho, diretamente sob a tutela de Roma, do Papa Inocêncio II, nascido Gregorio de Papareschi, que imediatamente o confirmou, escrevendo uma Carta-Privilégio em que definia minuciosamente todas as propriedades já pertencentes ao Mosteiro, e a D. Afonso Henriques para que o protegesse.

Estas Cartas foram sendo confirmadas pelos papas Lucio II, Eugénio III, Adriano IV e Alexandre III, sempre solicitando ao Infante a sua proteção.

Coimbra era já a capital de Portugal, e do Mosteiro Afonso Henriques quis fazer um centro de estudos, talvez a base de uma universidade, dotando-o com livros e dinheiro, e tanto se interessou que, ele mesmo, escreveu ao Papa Adriano “quanta seja a minha estima por ele não serei capaz de o exprimir por palavras, de tal modo que aí o meu corpo seja sepultado e espero que, por permissão de Deus, com isso advenha sufrágio especial à minha alma por benefício de orações. E enquanto por graça de Deus a vida me acompanhar, estarei certo que nenhuma adversidade terá de suportar da parte de qualquer pessoa eclesiástica ou secular, porque a mim pertence velar por aquilo que ofereci, por mor de S. Pedro a quem ofereci.”

Era grande o património do Mosteiro e, detalhes interessantes quanto aos limites do seu terreno, registam várias propriedades de judeus, e até a estrada dos hebreus: pelo sul terminam os termos da paróquia de Santa Cruz na Ribeira dos Judeus, descendo pelas casa de Gonçalo Travesso e o Almocávar dos judeus (o cemitério) até à almuinha (herdade) do rei; no fim da almuinha fica a propriedade que foi de Salvador Zuleima... Do nascer do sol... sobe um tanto até à Fonte dos Judeus. Aí tudo o mais até Gonçalo Travesso o separa do Bairro dos judeus.

O reinado de Afonso Henriques ficou marcado pela tolerância para com os judeus. Estes estavam organizados num sistema próprio, representados politicamente pelo grão-rabino nomeado pelo rei.

O grão-rabinoYahia Ben Yahi foi mesmo escolhido para ministro das Finanças de Afonso Henriques, responsável pela coleta de impostos no reino. Com esta escolha teve início uma tradição de escolher judeus para a área financeira e de manter um bom entendimento com as comunidades judaicas, que foi seguida por seus sucessores.

Mais tarde foram sepultados na igreja do Mosteiro, conforme havia determinado, o primeiro Rei de Portugal, e o segundo, Sancho.

Em 1507 o Rei D. Manuel achou que os túmulos dos primeiros reis não tinham a grandeza que eles mereciam e mandou executar novas obras, que são jóias da arquitetura manuelina.

As fotos a seguir, obtidas na Internet, mostram um aspecto da antiga cidade de Coimbra, vendo-se em cima, à direita em cima, o antigo castelo. O Mosteiro de Santa Cruz ficaria à esquerda a seguir ao vale.

Depois, fotos dos túmulos dos primeiros reis.





20/07/2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011


(Continuação)

Historia da residência dos Padres da

Companhia de Jesu em Angola...

 
CAPITULO 6.°
DOS SOCORROS QUE PORÃO A CONQUISTA DE ANGUOLA

1.° O governador Paulo Dyas de Nabaes trouxe setecentos homens de guerra, gente mui honrrada, e luzida no anno de 1575.
2.° No anno de 1578 veo o Capitão António Lopez Peixoto sobrinho do Governador com quatrocentos soldados, muitas munições e fazenda que mandou a sua custa António Dyas de Navaes pae do dito Governador.
3.° No anno de 1579 vierão duzentos soldados que também mandou o pae do dito Governador e pêra este socorro mandou emprestar o Cardeal Dom Anrique que então governava, vintadous mil cruzados.
4.° No ano de 1584 trouxe o capitão João Castanho Velez duzentos homens a custa de sua magestade. Veo nesta frota o desembargador João Morgado de Reizende com os ofícios de Provedor da Fazenda e provedor das minas com muitos instrumentos pêra as beneficiar (1).
5.° No anno de 15&6 mandou sua Magestade ao Capitão Jacome da Cunha com noventa soldados (2).
6.° No anno de 1587 vierâo obra de cento e cincoenta soldados Tudes¬cos, framengos, e castelhanos os quaes morrerão de doença antes de poderem peleiar.
7° No anno de 1592 mandou sua magestade por Governador deste Reyno Dom Francisco Dalmeida com seiscentos soldados, e muita fazenda pêra pagamentos.
Podemos acrescentar a este numero outros soldados que em diversos tempos vierâo, que forão por todos dous mil trezentos e quarenta pouco mais ou menos.
Destes morreriâo em guerra obra de quatrocentos e cincoenta, os mais fallecerão de doenças, ou se forão pêra diversas partes.
Avera oie nesta conquista, contando os que estão no arraial, em dous presídios, e nas duas villas, pouco mais de trezentos homens de poleia (3).

CAPITULO 7.
DAS VICTOR1AS QUE DEOS DEU AOS PORTUGUEZES

1. Não podia El Rey de Angola com hum Soba levantado o qual lhe tinha desbaratado alguns exércitos que contra ele mandara, e os vencendores pera porem espanto aos emigos, tinhão feitos valados dos osos, e cavei¬ras dos mortos ao longo dos caminhos. Aiuntou o Rey outra vez contra este Soba hum campo de obra de seiscentos mil homens, e por estar amigo com o Governador pedio lhe socorro. Deulhe o Governador cíncoenta arcabuzeiros; marchando o campo do Rey diante, e chegando aos valados das cavei¬ras de seus parentes desacorçoarão, e pedirão aos nossos tomassem a vãoguarda, fizerão no assi, chegarão ao imiguo, desbaratarãono, sem fiquar nenhum soldado ferido. Os da parte do Rey saquearão ao arraial e seguirão aos contrários. Aconteseu esta vitoria no anno de 1577.
2.o No anno de 1579 estando o Governador Paulo Dyas no Anzele terra da província da liamba com obra de cincoenta homens somente, foy sercado de hum grosso exercito por ordem de El Rey de Angola por a ocasião que se dirá no capitulo seguinte. Couza que se não esperava por correrem os nossos em amizade com o Rey, e com todo o Reyno. Defendeuse o Governador muy valorosamente pondo grande terror aos imigos, com os tiros dartelharia. Matou lhes o seu capitão, pello que logo levantarão cerquo. Dahi por diante mandou o Governador ao capitão, e sargento mor Manuel João a destruir aquela província. Matou e cativou muita gente, tomou muitos mantimentos, com que se sustentava nosso campo.
3. No anno de 80 indo o Governador ao longo do rio Coanza para cima com duzentos e noventa portuguezes, com duas galeotas, hum caravelão e outras embarcações menores, pretenderão estorvar-lhe a pasagem alguns Sobas visinhos ao rio. Aloiouse em terra o arraial, e fazendo volta sobre os imigos o capitão Manuel João com cento e sesenta homens os destruiu e queimou algumas três legoas de povoações, e tomou cem pesas vivas. Durou o saco 15 dias com que ficou o arraial provido de gado, sal, azeite e muitos outros mantimentos.
4.o No anno de 81 destruio o nosso exercito a hum poderoso Soba por nome Songa na província da Quiçama, e sogeitou ao serviço de sua Magestade toda aquella província que he de gente mais belicosa que ha no Reyno de Anguola. Foi por capitão António da Costa parente do Governador.
5.o No mesmo anno de 81 estando os nossos no Mocumbe terra da província da Quiçama iunto do rio Coanza, os mandou o Rey cerquar com hum grande exercito. Saiolhes a nossa gente ao encontro huma madrugada, mataria obra de quinhentos, e os mais fugindo se matavão com facas pêra hirem fazendo caminho rompendo pellos dianteiros como tem em custume. Acharão hum Soba emforcado entre dous ramos de huma arvore. Dos nossos nenhum morreo.
6. No mesmo anno de 81 foi destruído pellos nossos hum poderoso fidalgo na província da liamba por nome Anguola Quichaito e o Governador pôs outro em seu lugar. Foi por capitão António da Costa parente do Governador que então servia de Ouvidor Geral.
7. No mesmo anno de 81 passou a liamba o capitão mor do campo Luiz Sarrão, destruio alguns fidalgos com os quaes nunca pode entrar exercito de El Rey de Anguola por estarem fortes em matos de muitos espinhos. Dos nossos foi Deos servido não ser nenhum morto nem frechado.
8. O capitão do campo Luís Sarrão por mandado do Governador Paulo Dyas passou outra vez a liamba na era de 82 com oitenta soldados a socorrer alguns Sobas que estavão por nós porque o Anguola mandara sobre elles hum grande exercito que os deitou de suas terras e pôs outros nellas. Os imigos sabendo a ida do capitão se poserão em fugida sem aguardar o ímpeto dos nossos, tornarão os Sobas amigos a suas terras e de novo se vierão sogeitar a obediência de sua Magestade outros trinta e quatro, e com isto ficou quasi toda a liamba conquistada e também a Quiçama como esta dito. E oje em dia o estiverão, se ouvera nesta conquista copia de gente de modo que huns andarão no campo ganhando terras de novo, e outros em presídios conservando o ia ganhado.
9. Na era de 83 deu nosso Senhor aos Portuguezes a nomeada vitoria que chamão de Talandongo na provinda do Mosseque a qual socedeo desta maneira. Mandou o Governador seu exercito a tomar as minas de prata de Cambambe, de caminho destruirão a hum poderoso imiguo por nome Bambantungo e poserão outro na terra, e o arrayal se aloiou en Talandongo que na lingoa quer dizer terra donde se vee a cidade do Rey, muito fresca de bons ares de muitos palmares e fruitas. Chegou o Governador e fundou ali huma cidade com seus fortes a que pôs nome nova Gaza obra de huma legoa das minas de Cambambe. Estando aqui aloiado o Governador Paulo Dyas, com seu capitão mor Luis Sarrão e todos os mais Portuguezes, que não passavão de cento e vinte, senão quando aos 2 de Fevereiro da dita era que he dia da purificação de nossa Senhora dece sobre elles o mais grosso exercito que dizem aiuntou nunca Rey algum de Anguola. Serião hum conto e duzentos mil homens, tomavão três legoas de terra cubrindo montes, e vales, e vinhãose chegando a Cidade repartidos em três esquadrões. Os nossos confiados no favor da Virgem gloriosa sairão ao encontro aos imiguos acompanhados de muitos escravos seus e gente de alguns Sobas que estavão da nossa parte, repartidos em outros três esquadrões cometerão aos contrários antes de acabarem de deser dos outeiros e isto com tanto esforço que matandolhe hum capitão os puzerão em fugida, seguirão o alcance e fizerâo nelles grande estrague. Dos portuguezes morrerão somente sete, dos imigos huns se matavão na fugida e outros se fazião em pedaços pelas rochas. Morrerão obra de Quarenta mil. Em memória desta mercê de Deos tomarão os Portugueses por avogada desta conquista a Virgem nossa Senhora com titulo de nossa Senhora da Vitoria, a que fazem festa no dito dia e a Maçangano puzerão nome a villa da Vitoria (4).
10. Entrou o demónio em hum preto Cristão filho de hum Soba, foi se ter com El Rey de Anguola e prometeulhe que se lhe dese hum grande exercito e algumas espingardas elle lhe entregaria todo o nosso campo. O Rey parecendolhe bem a promessa aiuntou outro poder maior de gente que o sobre dito, porque dizem chegaria a hum conto e quinhentos mil homens. Deulhe mais quarenta espingardas e meio alqueire de pólvora mesturada com carvão. Não foy este exercito demandar ao Governador que estava em Maçangano, mas foi cometer o capitão mor do campo André Ferreira Pereira, que andava conquistando a província de liamba com cento e trinta soldados, e com obra de oito mil frecheiros dos Sobas que da nossa parte peleiavão. Esta província estava rebelada por se ter o Gover¬nador retirado de Cambambe pêra Maçangano. Sabendo o capitão mor que estavão ia perto saiolhes ao encontro repartindo sua gente em três esquadrões, como vinhão os imiguos. Quis Deos que aquella madrugada cahío emtre os dous campos huma névoa tão espessa, que nem os nossos virão a inumerável multidão dos imiguos, por não desacorçoarë, nê elles quão poucos erão os nossos por não cobrarem mor animo. Deu o capitão mor sobre elles com tanto valor e esforço que os pôs em fugida, de modo que ainda que por duas vezes se reformarão com brados de seus capitães sempre forão desbaratados. Morreo nesta batalha a flor dos fidalgos de Anguola os quaes vinhão apostados a não tornarem a ver orrosto a seu Rey sem vitoria. As cabeças dos três capitães com muitas cargas de narizes forão mandadas a esta Loanda. Os despoios forão muitos assi de fato, como de mantimentos. Os nossos seguindo a vitoria conquistarão mais de cincoenta Sobas, e chegarão até o rio Lucalla, oito ou dez legoas da corte do Anguolla. Aiuntou logo o Rey outro exercito, mas também foi pello nosso desbaratado. Não se concluio desta feita a conquista deste Reyno por falta de gente e pólvora (5).
O traidor que deu o alvitre ao Rey também ouve seu merecido castigo porque sendo tomado vivo lhe cortarão a cabeça, e pêra terror dos outros, lhe queimarão seu corpo. Morreo com muitos sinaes de arrependimento de seus peccados e muito pesante da traição que tinha cometida, e confessadocom hum Padre de S. Francisco que andava no arraial por nome Frei João. Aconteseu esta vitoria dia de S. LUÍS Rey de França a 25 de Agosto de 85 na liamba em huma terra que chamão Casicola.
11. No anno de 89 rebelou contra Sua Magestade hum Soba pode¬roso na liamba por nome Mosengue Azenza e fez rebelar a outros que ia estavão sogeitos. Foi contra elles o capitão mor André Ferreira Pereira deulhes batalha e desbaratouos. Cativou mais de 500 peças e ouve mui grande despoio, muitos vestidos de seda, armas de Portugal, porcelanas. escritórios, muita fazenda e mantimentos.
 
(1) Acerca dos dois socorros de 1578 e 1579 há dúvidas e divergências nos escrito¬res das coisas de Angola. Vejam-se Feo Cardoso, Memórias, páginas 129 e. seguintes; Lopes de Lima, Ensaios, Parte I, página XIII, 89; Alberto de Lemos, Historia de Angola, páginas 137-138; Felner, Angola, páginas 138-139. O Catalogo dos Governadores de Angola, do século XVIII, está, neste passo, de acordo com o nosso manuscrito do sé¬culo XVI. O socorro de 1579, em que iam os missionários Baltazar Barreira e Frutuoso Ri¬beiro, partiu de Lisboa a 20 de Outubro de 1579 e aportou a Luanda em 23 de Fevereiro de 1580. Cf. Boletim da Sociedade de Geografia, IV, páginas 349-350, carta de Frutuoso Ribeiro, de Luanda a 14 de JS^arço de 1580; Franco, Synopsis Ann. 1579, n.° 6; Zma-gem da Virtude... Évora, página 97.
(1) O Padre Diogo da Costa, em carta de S. Tomé a 19 de Junho de 1584, tem que a armada saiu de Lisboa a 25 de Janeiro de 1584, e o Padre Baltazar Afonso acrescenta que os soldados seriam por todos duzentos. Bolefim e volume citado, páginas 374-375. Cf. Lopes de Lima, página XV; Felner, oô. cíí.» página 148.
(2) Franco na Synopsis Ann., 1586, n.° 2, escreve, não sabemos com que fundamento, que na armada de seis navios foram em 1586 para Angola 300 soldados.
(3) No manuscrito original estão escritos è margem, por todo este capítulo, em algarismos os inúmeros que no texto se designam por extenso.
(1) Conta esta célebre vitória o Padre Baltazar Barreira, testemunha presencial, em carta de 20 de Novembro de 1583. Cf. Boletim citado, págs. 371-372.
(5) Esta memorável vitoria é referida pelo Padre Baltazar Barreira em carta de 27 de Agosto de 1585, dois dia depois da batalha. Boletim da Sociedade de Geografia, IV, págs. 37&.380.

(a continuar...)

quarta-feira, 13 de julho de 2011



REPUBLICAS

 
DIRECTOR POLÍTICO DIRECTOR LITERARIO

TOMÁS RIBEIRO   -    Lisboa, 24 de Outubro   -   V. DE CORREIA BOTELHO
 

EDITORES - ADOLPHO, MODESTO & C.a

1.° ANNO -1885 2a SERIE—N.0 45
 

Uma carta, do Sr. Bocage

Um jornal hespanhol que se imprime em Lisboa e que advo¬ga o republicanismo ibérico, publicou uma carta particular do sr. Bocage ao sr. Barjona, segundo affirma o mesmo jor¬nal, e sobre o contheudo d'essa carta se desencadeiam as iras dos republicanos ibéricos de cá e de lá. Iras d'imprensa, declamação de jornalismo, indignação gratuita e graciosa.
A carta que se attribue ao sr. ministro dos negócios estran¬geiros é a seguinte:

«Ministério dos Negócios Estrangeiros.—Gabinete do Ministro.—Par¬ticular.

«III.mo e Ex.mo Sr.
«Meu presado collega e amigo;
«Ha razões muito fortes para suppôr que se está tramando activa¬mente em Lisboa e Elvas contra a ordem publica de Hespanha.
«Presume-se que é principal agente das combinações revoluciona¬rias um Salvochea, antigo deputado republicano, segundo se crê actual¬mente em Lisboa. Urge apanhal-o e expulsal-o d'aqui.
«São-me apontados com insistência um tal La Rosa, director do jor¬nal El Gallego, que se publica em Lisboa, e França Netto como agen¬tes e propagandistas aqui. Parece que o tal La Rosa é o encarregado da distribuição do manifesto de Zorrilla. Convêm fazer vigiar estes dois senhores afim de se descobrir quaes são os individuos com quem es¬tão em combinação, etc.
«É preciso fazer também vigiar o commandante Castilio, foragido hespanhol, o qual está com outros dois dirigindo aqui o movimento revolucionário. Supponho que a Legação de Hespanha pedirá a expulsão d'este senhor.
«A actual situação de Hespanha está animando os fautores de cons¬pirações, é por isso preciso augmentar a nossa vigilância.
«Bem sei que temos mal organisada a nossa policia; porém ainda assim, creio que alguma coisa se poderá fazer se o Governador Civil e Commissario Geral quizerem occupar-se d'este assumpto.
«Desculpe V. Ex.a a importunação e creia-me seu collega amigo venerador»
J. V. BARBOZA DU BOGAGE.»
 
Não traz data mas deve ser antiga se existir.
Leram? que lhes parece? já viram abuso de poder mais desbragado? tyrannia mais intolerável? intenções mais per¬versas? vergonha maior para este paiz que assim manda vi¬giar os estrangeiros que hospeda, quando suspeita que elles conspiram ?
Têem razão de sobra, os nossos hospedes e a sua platea clamorosa! porventura a policia inventou-se para vigiar? os ministros têem alguma coisa com o que fazem os estrangeiros a quem recebemos? Para que serve Portugal se não é para valhacouto de conspiradores contra as instituições, a paz e a administração do paiz d'onde saíram, e do paíz que os acolhe? Já Prim foi expulso d'estes reinos por fazer d'elles banco de ferrador. É demais !
Mas não pára aqui a nossa indignação. E preciso que o povo saiba tudo e pondere no seu juízo são e desapaixonado até onde chega a felonia do nosso ministro dos negócios estrangeiros.
Aquella carta foi escripta de propósito para servir de thema ás objurgatorias dos republicanos ibéricos e de propósito a elles entregue para os avizar do que se passava é para que, publicando-a, se desse rebate aos desacautelados? Por estranha que pareça esta enormidade, é forçoso acredital-a. D'isto accusamos pois o sr. Bocage por honra dos nossos hospedes cuja urbanidade e perspicácia temos em subida conta. Se o cobrem de insultos é jogo que se comprehende;
-— são valores entendidos. E se não foi o sr. Bocage que lh'a forneceu foi o senhor ministro do reino. E a mesma cousa.
Pois como está em poder d'elles uma carta particular e como se publica um tal documento, sem licença do signatá¬rio ou do destinatário ? Não o faziam de certo sem auctorisação previa, apezar de quantas sophismações estudassem com relação ao art. 463 do código penal portuguez, com pe¬nas aggravadas no § 3.°,
— «se as cartas ou papeis abertos forem pertencentes ao «serviço publico, e emanados d'alguma aucthoridade publi¬ca, ou a ella dirigidos.»
Vejam se já foi autoada esta publicação, ou se a imprensa-ministerial, defende o ministro! Singular silencio !
É cazo para pedir contra o governo, incurso nas penas estabelecidas no titulo II capitulo II do código, uma condemnação sem attenuantes.
Com que, a isto chegámos ?
Não sabemos o nome do jornal hespanhol onde primeiro foi publicada a carta do sr. Bocage, pois que a transcreve¬mos d'um jornal portuguez, mas deve chamar-se El Bosforo-lusitano. E pois que este paíz é uma nação de bárbaros, illustres estrangeiros,— o Egypto europeu, se assim quereis, dar-vos-hemos o seguinte conselho, com a mesma urbanidade com que sempre vos tratou a nossa, aliás justa, cortezia:— voltae as costas a este povo intolerável, minado de traições e semeado de tyranias: Ide-vos, que nós merecemos esta saudade: volved la espalda e ao entrar na Hespanha, que vos espera cheia de gratidão, fazei-nos uma longa figa e deixae que este reino ingrato se quede sin gente e sem o inapreciável jornal que (por fé o juramos) digníssimamente redigis.
Nós diremos como Jeremias, ante a enorme solidão que vae fazer-se:
—«Quomodo sedet sola civitas plena popolo!»
Sim, mas o vosso pundonor acima de tudo.—Adeus !

N.- Experimente clicar em cima da imagem da "revista" e ler os anúncios!
12/07/2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011



(Continuação – 2)

Historia da residência dos Padres da

Companhia de Jesu em Angola...


CAPITULO 4.° - DA AMISADE ENTRE O GOVERNADOR E O REI DE ANGOLA E DA OCASIÃO POR ONDE SE QUEBROU


Mandou o Governador ao Rey a embaixada e presente que El Rey Dom Sebastião lhe mandava por hum homem portuguez que hia por embaixador, e por outro natural de Congo criado em Portugal de nome Dom Pedro da Silva que levava o prezente. Folgou muito o Rey com o presente e a embaixada especialmente por saber que o Governador vinha com poder não para lhe fazer guerra, mas para o aiudar nas suas. Despachou bem a Pedro e mandou a El Rey de Portugal algumas manilhas de prata e cobre, peças, e pedaços de hum pão a que chamão quicongo, muito prezado entre elles por ser o verdadeiro sândalo. Desta prata mandou El Rey Dom Anrique fazer hum Cálix que está em Belém.
Pasou o Governador da ilha Loanda a terra firme, fez huma povoação, deu ordem de governo com vereadores e mais oficiaes de iustiça. Deu prin¬cipio a hum ospital, e misericórdia. A primeira Igreia que fez, dedicou ao mártir S. Sebastião conforme a suas doações, ordenarão se logo as con¬frarias do Santíssimo Sacramento e de São Sebastião cuias festas se sole¬nizavam com muito aparato, andando os mordomos em santa porfia a quem o faria melhor (1). Estava em tanta paz com o Rey de Angola que andavão os Purtu-guezes tão seguros pello Reyno como se andarão em Portugal, nem avia quem levantasse olhos para hum Português por saberem amizade de seu Rey com o Governador e que sem os nossos não podia viver. A esta amizade respondia bem por sua parte o Governador dando-lhe socorro para suas guerras como foi quando lhe mandou 50 portuguezes os quaes desbaratarão hum imigo do Rey como se dirá no capitulo 7°. Durou esta amizade 5 ou 6 annos e chegou a tanto que pedio o Angola ao Governador posesse na sua cidade de Cabaça hum capitão dos portuguezes e crioulos de São Tomé com o qual corressem no negocio da iustiça, e assi mandou o Governador a hum parente seu por nome Pedro da Fonseca por capitão.

Sobre gravura em madeira - sem data

A ocasião de que o demónio se aiudou para destruir esta paz e samear a discórdia que até agora dura, e tem lançadas raízes pêra durar muitos anos, foi esta. O Capitão com licença dei Rey prendeu a hum certo por-tuguez que avia mais de 25 anos que andava em Angola. O preso acabou por peitas com o fidalgo que o tinha a cargo, o soltase. Solto elle detriminou vingarse do capitão e de todos os portugueses, e feio por este modo. Poise ter com o Rey e disse lhe que era seu cativo e como a tal o mandase ferrar, e que lhe descubriria hum grande segredo. Espantado o Rey de homem por-tuguez, e christão lhe dizer taes palavras, mandou chamar seus conselheiros, e diante delles lhe fez descubrir o segredo o qual era que o Governador lhe vinha tomar seu Reyno, e minas de prata e para iso tinha ia na cidade da Cabaça 40 soldados com seu capitão, e muita pólvora, e outros 40 vinhão por caminho. Ao dia seguinte forão chamados todos os portuguezes, pola iustiça mor, e diante dos principaes do Reyno ouvirão o testemunho que contra elles dera o malvado traidor. Ficarão atónitos, e querendo dar rezões em contrario lhes foi respondido se recolhessem a suas casas até ver o que se faria. Tomou logo o Rey conselho aserca do modo com que os mataria per manha e traição do qual se dirá abaxo no capitulo oitavo (2).
CAPITULO 5.°. CUSTUMES DOS NATURAES DE ANGOLA

ASSI NA PAZ COMO NA GUERRA

Os custumes desta nação he deficultoso sabellos, assi por não terem uso de letras nem livros por onde se poderao saber como por andarem ate agora os portuguezes em guerra, nem terem com elles pasifica comunicacao que durasse muito tempo. Pelo que apontaremos somente alguns mais notorios e geraes, deixando outros para quem gozar em Angola do tempo da paz quieta.
Entre os Sobas, cuio numero (falando dos que sao conhecidos) he de setecentos e trinta e seis, ha alguns que tem outros Sobas menores debaixo de seu mando. Sao todos mui obedesidos pelo rigor com que tratao seus vaçalos. Asi o Rey como os Sobas tem todos muitas mulheres, e entre ellas huma principal. Sao estas filhas de outros Sobas as quaes comprao por numero de peças e por esta via estao entre si mais unidos, e sao em suas guerras e pretensoes mais aiudados. Porem quanto esta rezao mais se funda no proveito temporal, e respeito umano, tanto mor impedimento he pera a conversao e bem de suas almas que nao sofre no estado de matrimonio mais que huma soo molher. Desdo Rey ate o mais pequeno Soba tem hum Go-vernador a que chamao Tendala que ouve as partes, e lhe faz iustica. Chiambole he o capitao mor da guerra. Tem outros oficiaes menores. Aos mais fidalgos da casa do senhor chamao Macotas.
Tem o demonio tiranizada esta pobre gentalidade, e todas as mais terras vezinhas nesta imensa Etiopia (3) por via dos feiticeiros que lhes mete em cabeça mil agouros e superstições. Vao visitar os lugares onde tem os idolos com taes figuras que bem mostrao a quem representao. Mas segundo se vee parese nao terem nos coracoes muito arreigada a afeicao a seus idolos. Porque tanto que os convidao com o santo Baptismo e lhes declarao os misterios de nossa santa fee, sem muita deficuldade se rendem, e os aceitao.
As oracoes nao se lhes ensinao na sua lingoa por ser curta em vocabulos, e por essa causa serem muito ambiguos e de sinificacoes emcontradas. A doutrina se lhes ensina em portuguez com hum lingoa que lha vae declarando como sempre o costumarao os Padres da Companhia os quaes derao principio a conversao deste gentio, e oie a conservao e levao por diante como se ve na ilha Loanda, e terras vezinhas. De Deus verdadeiro tem alguma noticia confusa ainda que o nao onrrao com culto par¬ticular. Chamaolhe Zambiampungo que quer dizer Senhor do Ceo que tem poder sobretudo. As pessoas que tem experiencia da terra, entendem que nao avera firme e universal conversao desta gentilidade, senao quando Deus for servido tirar della per guerra o nome de Rey natural e sogeitala com poderosos presidios a coroa de Portugal.
São muito inclinados a feiras, e para comprarem barato, e venderem caro, tem tantas manhas que nenhuma nação lhes faz ventagem. Dinheiro de metal não corre entre elles, tudo he comutação dando huma cousa por outra. Em algumas feiras comprão mantimentos por capões, em outras por pedras de sal. Os portugueses comprão as cousas meudas por empondas que são terças de palmilha. Nas feiras comprão peças por panos de preço, por tafetá, damasco, veludo, alcatifas, margarideta, vinho e outras mercadorias de Portugal e da índia.
A quantidade de escravos que cada ano se tira de Angola he mui grande, com se vê dos muitos que se levão a Portugal, e muitos maes pera o estado do Brasil, e minas das índias de Castela, como também dos muitos contos de renda que da saqua delles tem a fazenda de sua Magestade. Destes o numero dos que são cativos em guerra, he nada em compa-ração dos que se comprão em feiras, às quaes feiras os Reys, e Senhores de toda Etiópia mandão vender seus escravos, e este trato he entre elles antiquíssimo e sempre usado, servindose de peças em lugar de dinheiro pêra comprarem vestidos, e o mais que hão mister. As cauzas e titolos mais uzados por onde os Senhores possuem, e vendem a outros pretos por cativos são estas: primeiro quando algum vassalo faz traição ao Senhor, e se lhe quer levantar com o estado ou comete crime com as molheres do Senhor, elle morre e toda a sua geração fica cativa. Segundo, assi os Reys como os Sobas tem todos certo numero de escravos repartidos por diversas aldeãs que seus antepassados lhes deixarão, e elles vão acrecentando com guerras e compras. Dos filhos destes usão por dinheiro e mandão vender nas feiras como está dito.
Quanto a paga de tributos, correm imediatamente com o Rey alguns Sobas poucos, e esses os mais poderosos. Todos os mais correm com os Senhores particulares; nem sofrem serem nisto imediatos a seu Rey, nem ao de Portugal, quando se vem pera nos, e dão por razão, que elles não podem per si tratar com seu Rey, e muito menos com o de Portugal, pello que querem ter Senhores, que conheção, e que em suas demandas e pre-tenções seiâo seus valedores diante do Rey.
O capitão ou soldado que tem Soba, pode tirar delle muito proveito, a saber, maça, azeite, vinho da terra pera os de sua casa, galinhas, capados, etc. Também podem mandar semear e recolher por seus escravos em terra de seu soba legumes e outros mantimentos. Porem quanto rende hum Soba a seu Senhor não se pode por agora saber até que soieitandose a terra de todo El Rey de Portugal, faça foral com moderado tributo que cada Soba aia de paguar. Peças não pagão cada anno, senão cousa muito pouca, mas copia dellas pagão de muitos em muitos annos. Nem sofrem que os tirem de seus antigos custumes, nos quaes seus antepassados e elles nacerão, e viverão sempre. Pello que alguns Portuguezes que avexarão a seus Sobas com lhes pedirem peças em tempos extraordinários derão occasião a nos ornarem avorrecimento, e tratarem de se levantar como oie em dia o estão quasi todos. Tem outro custume obrigatório o Senhor dalgum Soba, que guando o Soba lhe paga tributo, hade gastar com elle hum bom pedaço, em vinho, cedas, e panos finos, como he de 20 peças que lhe traz, hade gastar valia de sete, ou oito. Donde se entende quão grande e excessivo gasto El Rey nosso Senhor tomaria sobre si, se deitasse mão dos Sobas deste Reyno, os quaes como he dito são em numero setecentos e trinta e seis, afora outros de que ainda se não sabe, pois conforme a este custume se obrigava a sostentar huma riquíssima alfândega de todo género de sedas, e outras cousas de preço de Portugal, e da índia para satisfazer a tanto numero de Sobas quando lhe viessem pagar seus tributos.
Quanto aos custumes do tempo da guerra, El Rey de Angola nunca se acha nas batalhas. Quando ha de fazer guerra manda aos Sobas lhe dem certo numero de frecheiros até emcher a copia que lhe parece bastante. Entrega esta gente ao capitão mor do Reyno a que chamão Chiambole, com avsoluto poder no que toqua a guerra. E pera a administração da iustiça manda com elle o Tendala. Se no arrayal aserta algum triste sonhando de gritar itá itá, que quer dizer guerra, guerra, da que tomâo os outros mao aguouro e lhe cortão a cabeça. Assi como o campo vai marchando, tem o Rey por horas recado de quanto nelle passa, e quão longe está do imigo. Quatro ou cinco dias antes daquelle em que sabe se ha de dar a batalha, se aparta de suas molheres, e se recolhe só em huma casa da qual ninguém sabe parte se não hum vasalo de quem se fia que lhe leva de comer.
Dada a batalha o Chiambole (que sempre procura porse em parte donde possa escapar) vai dar conta ao Rey. E inda que ficasse desbaratado nunca da esta ma nova, mas conta como formou seus esquadrões, e quão esforçadamente peleiarão os da parte do Rey. Ordinariamente repartem sua gente em três esquadrões, no do meio vae o Chiambole, nos das ilhargas outros capitães, na dianteira os mais esforçados, como aventureiros a que chamão Gunzes.
As armas ofensivas de que usâo são arco, azagaja, e cutello, e os mais valentes trazem somente huma até duas frechas, e tem grande tento em não perderem o primeiro tiro, porque se o perdem com tanta ligeireza he sobre elles o imiguo, que lhe não deixa embeber a segunda frecha, antes o derruba e lhe corta a cabeça.
Armas defensivas nenhumas tem, toda sua defensão põe em sanguar que he dar saltos de huma parte pera outra com mil trejeitos, e tanta ligeireza que possam escapar da frecha e pilouro que aponta nelles. Deste modo peleiâo mui esforçadamente com os Portuguezes, ainda que em campo razo nunca levão a melhor. Mas acolhemse a suas fortalezas que são matos espeços em tempo que tem folha, de dentro dos quaes tirando sem serem vistos fazem comumente mais dano aos nossos. E he ia aguora tão grande seu atrevimento por algumas vitorias, que em semelhantes lugares por nossos pecados alcançarão (1) que aquelles que dantes fugião somente do soo dos arcabuzes, oie se atrevem a peguar delles e tiralos das mãos aos soldados.
Quando são desbaratados não fogem pera hum lugar onde reformam o campo, mas cada hum se acolhe pera a sua terra, e nesta fugida fazem mais dano huns aos outros do que os nossos lhes podião fazer, porque os que vão detrás pera segurarem aiuda vão matando, e decepando sem doo, com seus cutelos a quantos diante de si encontrão e lhes empedem a fugida. E assi tição os campos semeados de mortos e com pedaços de seus corpos as fragas, e rochedos, pelos quaes com cego medo se arremeção.
Peleiâo melhor nas suas terras que nas de outros senhores e quando são dos nossos acometidos fazem a vâoguarda menos rezistencia, mas de¬pois arretirada dos nossos carreguão com todo o peso da guerra, e metem aos nossos em mor aperto. Pelo que os capitães experimentados sempre põe a gente de mais esforço e melhor armada na retaguarda.

(1) Esta primeira povoação na terra firme em frente da ilha de Luanda, era a vila, futura cidade, de S. Paulo, cuja fundação data de 25 de Janeiro de 1576. O Padre Garcia Simões em carta de 7 de Novembro desse ano, assim refere a fundação: «Já estamos em hum sitio que no principio se offereceo a muytos ser mais cómodo para nossa povoação que outros. Tem nelle o Governador feito hum forte de taipa e assestada sua artilheria e he hum monte que entra com huma grande [ponta] pello mar, na qual ponta estamos situados por ser bom sitio». Citado Boletim, página 348. Cf, Ruela Pombo, Paiih Dias de Novais e a Fundação de Luanda, página 66.
(2) A traição do português, que neste passo e adiante no capítulo oitavo se refere, e também consta do Catálogo dos Governadores de Angola, escrito do s-éculo XVIII, qualifica-a Lopes de Lima de torpe e vergonhosa lenda, por a não ter encontrado nos escritores coevos, como Garcia Mendes de Castelo Branco e Domingos de Abreu de Brito. De facto, nem Garcia Mendes nem Abreu de Brito contam essa traição; mas Lopes de Lima não conhecia este nosso manuscrito, coevo daqueles acontecimentos. Lopes de Lima, Ensaios, Parte I, páginas XH-XIL Cf. Felner, Angola, página 141.
(3) Etiópia vem da palavra grega Aithiops, que significa “rosto queimado, moreno”.

09/07/2011














quarta-feira, 6 de julho de 2011


(Continuação – 1)

Historia da residência dos Padres da Companhia de Jesu em Angola...


Quanto as minas de prata, alem das de Cambambe na província de Mosseque que são as mais nomeadas em Purtugal tem este Reyno muitas outras em grande numero. No anno de 1590 foi Martin Rodrigues de Godoy, mineiro de sua Majestade ao longo do rio Lucala, aonde achou muitas minas de prata, de que trouxe mostras, fez emsayos, e tirou prata ficando muito contente de como respondia, como consta de papeis públicos em que assinou. Concordou Martim Rodrigues na informação com a que Diogo de Raquena mineiro espanhol tinha dada em tempo do Governador Paulos Dias. O qual Diogo de Raquena afora as minas de Cambambe descubrio outras quarenta minas também de prata, a que pôs nomes, e a informação de tudo enviou a El Rey Dom Sebastião. Porem como quer que o beneficio de minas requeira quietação, e até agora neste Reyno não na ouve por ser o gentio buliçoso e os Purtugueses poucos sem presídios nem povoações que possão conservar as províncias ja conquistadas, ficão sempre enterrados tão grandes tízouros com os quaes poderá emriquecer Portugal muito mais que com as drogas que lhe vem de outros Reynos (1). Na provincia do Ungo que está para o sul virão alguns Portugueses grandes esta¬tuas de cobre que ahi se tira, e fundem os naturaes, donde trouxerão argo¬las de notável grandeza. Nas províncias do Lumbo e Mosseque se tira esta-nho e ferro; do estanho não usão os pretos, do ferro fazem armas, e ferramenta pera a lavoura.
A província de Quiçama he sequa, e de poucos palmares, mas de bons ares, e sadia. A gente mais belicosa, e feros que ha no Reyno, peleião em campo com muito esforço e as vezes chegão a pegar das espingardas sem temor da morte. Aqui estão as minas do sal tão rendosas como se fosse de algum metal presiozo, por serem as outras províncias faltas delle, e da qui correr para cilas. Este sal não he de terra mas de agoa do mar, a qual por veas secretas vem de muitas legoas a coalhar-se nesta serra. Serve de di¬nheiro aos pretos com que comprão peças, e mantimentos. O sal não he miúdo, mas cortase nas minas em pedras, que tem de comprimento dous palmos e meio quadradas de largura, e grossura de huma mão travessa, algumas alvas como cristal, posto que não transparentes.
A sogeiçào de Angola depende em grande parte da conquista do Soba em que estão estas minas. Porque como não ha outra parte donde se tire sal senão esta, e elle he a todos tão necessário, feita aqui huma boa povoa¬ção obrigava a muitos virem a obediência de Sua Magestade. O primeiro Rey que se levantou nesta terra, não pode por armas render aos Sobas da Quissama, mas empedindolhes o comercio do azeite com tomar os portos por onde lhes hia da província da liamba que está da outra banda do rio Coanza os fez vir a sua obediência. Asi agora avendo copia de gente e sogeitando este senhor do sal se podia conquistar grande parte do Reyno sem guerra somente com tolher a saca do sal que não corresse para outras partes.


CAPITULO 2.° DO PRIMEIRO REY, E PRIMEIRA VINDA DE PAULO DYAS DE NAVAIS


O numero dos Sobas que se sabe alem de muitos outros de que não ha noticia, he de sete centos e trinta e seis. São como régulos, sõres avsolutos de suas terras. Tinhão repartido o Reyno, e andavão continuamente em guerra entre si. Até que avera obra de oitenta anos se levantou entre elles hum de maiores espíritos, o qual começou de sogeitar alguns vezinhos e pouco a pouco se apoderou das províncias principaes, e tomou nome de Rey. Chamouse Angola Inene que quer dizer o grande Angola.
Este primeiro Rey teve noticia do poder del Rey de Portugal por alguns naturaes de Congo que ia então erão christãos. Quis ter comercio com elle, mandou seus embaixadores ao Reyno, pedio Padres para o instruí¬rem nas cousas de nossa sanefa fee. Chegarão ao Reyno em tempo que governavão a Rainha Dona Caterina, e o Cardeal Dom Anrique. Os quaes mandarão por embaixador a Paulo Dyas de Navaes a el Rey de Angola. Partio de Lisboa a vinte dous de Setembro de 1559 (2). Chegou a barra do rio Coanza aos três de Maio de 1560. E ali esteve até 2 de Novembro da mesma era. Aonde faleceu o padre Augustinho de Lacerda com alguns purtugueses.

Com o embaixador Paulo Dyas vierão quatro religiosos da Compa¬nhia de Jesu mandados pello Padre Provincial Miguel de Torres, e pedidos pela Raynha, e Cardeal, a saber o Padre Francisco de Gouvea por superior, o Padre Agostinho de Lacerda, e dous irmãos (3). Quando chegarão hera ia morto o Angola Inene e reinava seu filho por nome Dambe Angola (4). Feslhe a saber Paulo Dyas de sua vinda, e prezente que lhe trazia dei Rey de Portugal. O Angola mandouo ir a sua cidade de Cabaça. Aonde residem os Reys na província de Dongo, e depois de o ter la, e ao Padre e mais por¬tugueses com o prezente e fazenda de todos, reteveos como cativos seis annos, principalmente ao embaixador, e ao Padre (6). Depois do qual tempo, vendose em necessidade de fato, deu licença que hum delles tornasse a Portugal a buscar mais fazenda. Veose o embaixador, e o Padre Francisco de Gouvea ficou em reféns. Sua ocupação hera dizer missa aos portugueses, confessalos, bautizar pessoas que estaváo em artigo de morte, defendelos de perigos, asi da vida como da fazenda, e ter mão no Rey não fizesse algumas injustiças. Porque como o padre o criara tinhalhe o Rey algum respeito ,e tratavao muito bem. Nesta cidade achou o padre manifestos sinaes de terem vindo a este Reyno pessoas eclesiásticas, como forào míssaes, sinco pedras dará, e alguns ornamentos de feitio muito antigo. Dizem os omens velhos que ouve ia aqui frades de S. Bento ou de S. Bernardo.


CAPITULO 3.°. DA 2a VINDA DE PAULO DYAS A ESTE REINO, DO FRUTO ESPIRITUAL QUE SE FEZ NAS ALMAS E MORTE DO PADRE FRANCISCO DE GOUVEA

Veo a segunda vês Paulo Dyas de Navaes com o titulo de governador de Angola, com doações, e provisões mui importantes dei Rey Dom Sebas¬tião que ia governava o seu Reyno de Portugal (7). Partio de Lisboa a 23 de oitubro de 1574. A frota hera de dous Galeões, duas caravelas, dous pataxos, e huma galeota. Troixe sete centos homens de guerra, toda gente muito honrrada, e luzida. Pôs na viagem três meses e meie, não ouve mortos nem doentes. Troixe mais 4 religiosos da Companhia mandados pello Padre Jorge Sarrão a petição dei Rey a saber o Padre Garcia Simões por Superior, o Padre Baltesar Afonço, os Irmãos Cosmo Gomez, e Constantino Rodrigues (8). Com os ministérios da Companhia se fez nesta viagem muito serviço a Deus Nosso Senhor em as pregações. Missa (ainda que seca) todos os domingos, e santos, e cada dia a doutrina, faziãose amizades, atalhou-se a discórdias, e iuramentos, pêra o que por ordem do Governador erão penitenciados na regra os que erão nesta parte mais soberbos, muita gente se confessou por ocasião de huma tormenta que durou oito dias.
Aos onze dias de Fevereiro de 75 chegou a Armada a este porto da ilha Loanda (8) do qual dizem os mareantes ser hum dos melhores que até agora se tem achado. Porque esta da ilha para dentro não muito longe da terra emparado de todos os ventos, limpo de pedras, e de altura capaz de grandes galeões, e outros navios menores. Tem ágoa que se tira de poças que se fazem no areal a que chamão Quicimas. Todos os dias se pode entrar nele polias menhaas com o terral e a tarde sair com as virações que sempre cursão.
Nesta ilha moravão quarenta homens portugueses muito ricos que se tinhão recolhido do Reyno de Congo por causa dos Jacas ferocissimos bár¬baros que se mantém de carne humana, e tinhão destruído, e comido todo aquele Reyno. Aiuntarãose no porto 14 navios a saber: 7 darmada e 7 de S. Thomé que vinhão ao resgate. Sahio o Governador em terra com toda a gente das nãos muito lusida, com suas trombetas diante, e postos em prosi-cão acompanharão com muita devoção humas relíquias das onze mil virgens que o Padre Garcia Simões levava debaixo de hum palio até a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Ao som das trombetas acudio muita gente preta que na ilha vive, e tem por ofício tirar zimbo do mar que he o dinheiro na Etiópia mais estimado (9).

Por ser entrada a Quaresma começarão os Padres de fazer seo oficio pregando aos domingos, e confessando a gente do mar, da terra e de S. Thome no que se fez muito serviço a Nosso Senhor, e particularmente em arrancar hum abuzo muito periudicial as conciencias que noutras partes reina, e por ventura não sem muita culpa daqueles, que tendo obrigação de atalhar, e estrovalo, com desimularem o deixâo hir cresendo com muito perigo das almas da observância christaa, e preceitos da Santa Igreia. Custumavão comer carne as sestas e sábados do anno, e pela Quaresma, e ainda querião meter medo aos Padres que se ieiuacem não havião de chegar a Páscoa, e com iso elles andavão lastimosos, cheos de lepra, e de doenças incuráveis. Contudo os Padres apertavão com elles nas prega¬ções, e não nos querião confessar. Emendarãose, ninguém mais comeo carne na Quaresma, e no cabo della se acharão melhor, e forão sarando de suas doenças. Muitos delles tomarão por devação confessaremse cada oito dias no que perseverarão muitos anos. Começarão os Padres aos domingos as tardes a iuntar com campainha os pretos, e ensinarmos a doutrina com que também se fez muito fruito nas almas. E este santo exercício se continuou sempre ate agora asi nesta vila de S. Paulo como na de Maçangano, e no arrayal quando nelle andão alguns da Companhia.
Neste tempo avia ia 14 anos que o Padre Francisco de Gouvea estava como cativo do Rey de Angola, por o não deixar chegar ao porto do mar dizendo que não podia viver sem eiïe. Escreverão o Governador e o Padre Garcia Simões ao dito Padre lhes mandasse dizer que modo averia pêra o livrarem daquele cativeiro, respondeo que se não falasse em fazer guerra porque corria risco a sua vida e a dos portugueses, e asi não se tratou por então de a fazer. Porem nem isto foy bastante para estarem muito tempo quietos, porque o demónio que nunca dorme uzando das armas de sua malícia pêra inquietar aos bons levantou a tempestade donde senão esperava. Mandou hum Rey vezinho embaixadores ao Angola os quaes diante do Padre e portugueses lhe derão o rrecado, e hera que como amigo o mandava avizar senão fiase do Governador nem dos Portugueses que tinham em sua corte porque tratavão de lhe tomar o Reyno, e minas de prata. O Rey ficou espantado, e os nossos frios de tão cruel traição de hum Rey a que não tínhamos agravado. Derão suas razões, respondeo o Angola ficase o negocio para se tratar outro dia. Porão se logo os portugueses com o Padre a Igreia a rezar humas ladainhas, e pedir a Deus defendese sua inocência. Aíuntou se o Padre com alguns homens de autoridade e bem entendidos na lingoa e derão taes razões em contrario, que o Rey em mostra de estar satisfeito tomou aos embaixadores, e presos os entregou aos portugueses. Vierão a esta Loanda, e daqui forão a S. Thomé aonde o Governa¬dor Diogo Salema que ali estava com alçada os mandou iustiçar (10). Deste grande aperto, e excesivo trabalho que o Padre tomou em pacificar o Rey lhe sobrevoo huma grande doença da qual foi Deus servido levalo pêra si aos 29 dias do mês de julho de 1575, depois de viver 14 annos como cativo do Angola. Sepultarãono os portugueses na Igreia que o Padre tinha feita na Cidade de Cabaça. Foy sua morte sentida asi dos nossos como do mesmo Rey; dos nossos porque tinhão nelle amparo em seus trabalhos, e perigos da vida, e fazendas; do Rey pello muito amor, e respeito que lhe tinha por o Padre o ter criado e doutrinado de pequeno. E deste sentimento deu o Rei alguma mostra ao uso de Etiópia. Primeiramente quando o Padre estava doente lhe mandou seus cantores e tangedores que de dia, e de noute lhe andavão ao redor da casa cantando e tangendo para espantarem a morte que não chegasse ao Padre. No dia do seu enterramento mandou dar muitos bois aos portuguezes para que o chorassem. E por entender que aquela embaixada fora ocasião da morte do Padre, mandou tomar os caminhos para que nenhum homem branco nem preto viesse mais daquelle Reyno a sua corte, pois lhe matarão seu pae que o criara.

Notas

(1) As minas de prata de Cambambe, que tanto entusiasmaram aos conquistadores de Angola e também aos missionários, não passaram afinal, a-pesar-das testemunhas oculares, de um grande desejo e de uma ilusão. O missionário Diogo da Costa escrevia de Angola em 1585: «Ha muitas minas de prata e muy ricas. Eu vi o sitio onde os mineiros affírmão que té agora se não tem outras minas descobertas tão ricas».

E pouco antes, quando acompanhava o exército português, exclamava cheio de esperanças o padre Baltazar Afonso: «Estamos á vista da terra da promissão... vemos com os nossos olhos a maior riqueza que dizem aver no mundo...... daqui donde estamos vendo as serras que dizem ser tudo prata». Franco, Imagem da Virtude... Évora, páginas 646. Carta de 4 de julho de 1581.
Mas no século XVIII escrevia, para desengano, o padre António Franco: «Assistiu [P. Baltazar Afonso] por vezes no exército dos portugueses, que andava na conquista das minas de Cambaimbe, em que a cubiça tinha fingido montes de prata, mas por fim de largos anos e guerras, conquistada a terra, nada se encontrou do que se sonhava». Ano Santo, página 167. Cf. Felner, Angola, página 189-190.
(2) Partiram de Lisboa em Dezembro, como aliás se nota à margem do manuscrito com outra letra. Vejam-se no Boletim da Sociedade de Geografia, IV, páginas 300-302, alguns capítulos da instrução dada pelo rei de Portugal a Paulo Dias. A instrução tem a data de 20 de Dezembro de 1559.
(3) Os dois irmãos chamavam-se António Mendes e Manuel Pinto. O Padre Francisco de Gouveia era natural de Castelo de Penalva e entrou na Companhia de Jesus a 15 de Novembro de 1554. O Padre Agostinho de Lacerda era castelhano.
(4) Dambe Angola ou Ngola Kiluangi.
(5) Não é exacto que todos ficassem seis anos como cativos. Já em 1562 contava o irmão António Mendes que o rei deixara sair a todos de Angola, menos o embaixador, o Padre Gouveia e ele próprio António Mendes. Só esses três permaneceram «em terra reteudos como captivos». Mas António Mendes, pouco depois teve modo de se livrar do cativeiro, e em 1565 deu o rei permissão a Paulo Dias, que se tornasse a Portugal. O Padre Lacerda falecera na barra do Cuanza em 1560, antes de se porem a caminho para o N'Dongo, corte do rei negro, e António Pinto foi morrer de doença na ilha de S. Tomé. Cf. Boletim citado, páginas 302-303; Franco, Imagem... Évora, página 460 e seguintes; F. Rodrigues, Historia da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, Tomo I, vo-lume I, página 557.
(6) O Reverendo Padre Ruela Pombo no opúsculo Paulo Dias de Novais e a Fun¬dação de Luanda, Luanda' 1926, páginas 37-51 e o senhor Coronel Alfredo de Albuquerque Felner, no livro Angola, Coimbra, 1933, páginas 407-412, publicam integralmente a carta de 6 de Setembro de 1571, em que D. Sebastião faz «doação irrevogável» do reino de Angola a Paulo Dias e seus herdeiros. A carta encontra-se na Torre do Tombo, Chan-celaria de D. Sebastião (Doações), Livro 26, folhas 295 a 299.
(7) Baltazar Afonso, natural de Portel, do arcebispado de Évora, entrara na Companhia de Jesus a 30 de Novembro de 1559. Depois de 28 anos de missão em Angola morreu na vila de Luanda a 29 de Março de 1603. Franco, Ano Santo, 167. O Padre Garcia Simões apenas logrou trabalhar na missão durante pouco mais de três anos, por falecer em 12 de Maio de 1578. Alistara-se na Companhia em Coimbra a 5 de Março de 1556. Era natural de Alenquer. Franco, Ob. cif., página 254.
(8) Garcia Simões diz em carta de 20 de Outubro de 1575 que aos 20 de Fevereiro tiveram vista do porto de Luanda. Boletim e volume citado, página 340.
(9) Sobre o zimbo, concha univalve, assim escreve o Padre Garcia Simões: «Esta Ilha [de Luanda] he mina do Congo, porque aqui se pesca o busio, que he dinheiro que corre em toda esta terra... O mais grosso e o mais miúdo vale pouco preço e assi o joeirão, os meãos é o que mais vale...». Boletim e volume citado, página 340. Carta citada de 20 de Outubro de 1575.
(10) Conta este facto Garcia Simões na carta de 20 de Outubro de 1575, assim como o que segue da morte do Padre Francisco de Gouveia e sentimento do Rei. Ob. cif..páginas 345-346.
(a continuar...)

06/07/2011