quinta-feira, 25 de novembro de 2021

 

Quem chegou primeiro às Américas?

 

 Tem sido dito e redito, por sábios, que o continente americano começara a ser ocupado por humanos há uns 12 ou 13.000 anos. Teriam passado pelo estreito de Bering, na ocasião gelado, enquanto há quem afirme que, mais ou menos na mesma época, ou outras, terão vindo outros grupos da Polinésia, da China, e de...

A verdade é que se olharmos com atenção para as figuras humanas que ainda guardam traços dos primeiros habitantes, constatamos que há indivíduos tipicamente chineses, outros polinésios (braquicéfalos) e outros que mais se parecem com persas que na sua expansão para leste chegaram à ponta da Sibéria e atravessaram para o Alaska (dolicocéfalos). Estes últimos, os índios norte-americanos de que são exemplos perfeitos “Nuvem Vermelha” e “Cavalo Louco”.

E os esquimós, tipicamente braquicéfalos? Vieram de onde, com aquelas olhinhos fechados e carinhas simpáticas de chineses e logo foram viver onde ficaram livres deste clima horroroso, por exemplo do Rio de Janeiro?

Porque os Astecas, cabeçorra alongada, nariz adunco, no seu livro sagrado, sempre esperaram que do Ocidente viessem homens brancos? Quem lhes contou que havia essa outra gente? Bem mal se deram quando esses “esperados” ali chegaram!

Nos Andes e nas florestas do Brasil os “indígenas”, cara e cabeça arredondada, braquicéfalos, em muitos deles narizes levemente alargados, nada têm a ver com norte-americanos.

Nas grutas da Serra da Capivara, no Piauí, lá no Nordeste do Brasil, há milhares de pinturas rupestres, um assombro, e já se chegou à conclusão que permite afirmar vestígios humanos que ali estiveram desde há cerca de mais de 20.000 a 49.000 anos! Arqueólogos e pesquisadores o afirmam.

Certamente não serão antepassados dos que vieram do Alaska há os tais 12 ou 13.000 anos atrás, ou do Pacífico, estes que se fixaram na costa do mesmo Pacífico e nos altiplanos dos Andes.

Então de onde vieram?

Consta, por África, que há muito, muito tempo, tempo que se perde na memória e não deixa mais do que uma ténue lenda, um chefe africano teria sonhado com terras do outro lado do imenso mar, terras férteis.

Ele que via o sol, no final do dia pôr-se lá, bem lá longe atrás de alguma coisa que só podia ser terra, porque para eles o mar era plano e nada poderia esconder o sol.

Dias de melhor tempo, quando em vez, tinha a certeza de ver outras terras, lá... bem longe, parecia até que chamavam por ele. Isso tornou-se uma obsessão, como que um chamamento pr ir ver essas terras, que não o largava.

A sua terra, aí pela região talvez do Congo ou Angola teria sofrido uns anos de terrível seca ou doença, ou talvez ataques da expansão dos “chamados bantus” que terão chegado de mais ao norte, região do Senegal, Mali ou outras, e o povo estaria insatisfeito.

Se foi, por exemplo há 20.000 anos, o Saara estaria ainda sob gelo, visto que o o ‘Saara verde” e as suas florestas só começaram nessa área há uns 9.000 anos, a seguir ao degelo e, eventuais populações daquela área deslocaram-se para Sul.

Seja qual for a razão o chefe africano acabou por tomar uma decisão: mandou construir as almadias maiores que já alguma vez se haviam feito, no que os africanos e os índios do Brasil são exímios artistas, para o que cortaram as mais frondosas árvores e, assim que prontas, embarcou nelas o máximo de mantimentos e de gente que foi possível.

Cada almadia poderia levar até cinquenta ou setenta homens, algumas carregadas com mantimentos, que nessa época tão longínqua não passava de um pouco de alguns grãos e feijões de baixíssimo valor nutritivo, mas bastante peixe e carne seca.

 

Uma pequena almadia, e ao longe o “sonho” de novas terras 

Tudo pronto, fez-se ao mar prometendo que se encontrasse terra boa voltaria para levar o resto do povo.

A lenda diz ainda que muita gente se foi deles despedir, mas nunca, nunca mais tiveram novas dos aventureiros.

Algumas ossadas que têm sido pesquisadas por cientistas lá na Serra da Capivara, afirmam que, para além dos vestígios de ocupação humana com cerca de quase 50.000 anos, alguns crâneos têm nítidas características de gente de África.

Verdade? Mentira? Mas o que sabemos nós (e eles) sobre o que se passou há dezenas de milénios?

Impossível não teria sido.

Os marinheiros, e grandes navegadores, como Bartolomeu Dias sabia e o nosso comandante Pereira Caldas também sabe muito bem, no Hemisfério Sul as correntes circulam no sentido contrário aos ponteiros do relógio, passam lambendo a Costa africana e vêm, quentinhas, molhar as costas do Brasil, como muito bem se vê no mapa abaixo. E parte pode seguir os Alíseos do Norte e chegar às Antilhas.

Em 1952, um cientista e velejador francês, Alain Bombard, demonstrou que era possível viver no mar, sem levar mantimentos, sobretudo para mostrar que náufragos poderiam, sob certas circunstâncias, sobreviver e, num pequeno barco de borracha de 4,5 metros, saiu de Las Palmas, Ilhas Canárias, sem provisões a bordo e chegou às Caraíbas. Durou o trajeto 113 dias, simplesmente levado pela corrente dos Alíseos e seus ventos.

Improvisou arpões, pescou alguns peixes e alimentou-se sobretudo de plâncton. Talvez outros europeus tivessem feito a mesma experiência séculos e séculos atrás, para deixarem com os astecas a esperança que um dia do lado do Sol Nascente, chegariam homens “brancos”.

Amir Klink, o grande navegador brasileiro, também atravessou o Atlântico, a remos, desde Walvis Bay, na Namíbia até Salvador na Baía. Enquanto dormia a corrente o ia levando para o destino!

Porque isso não seria possível a homens de África, habituados a navegar até longe de terra, nas suas almadias, à pesca?

É evidente que, a terem chegado à América, tiveram que apanhar sempre um tempo favorável, nada de tempestades, para receberam por fim o prémio por sua aventura e coragem.

São lendas, só? Ou é história que milénios transformaram em lenda?

Quis dubitat?

 

25/11/2021

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

 


No Afeganistão


Este texto foi escrito em 2014 e perdido, ou esquecido, dentro do computador... até hoje.

Aqui vai, sem retoques, mas um imenso desejo que muitas situações já tenham sido alteradas ou comecem a ser


 Um curioso acaso fez-me chegar às mãos, servindo de papel de embrulho, uma folha do jornal The Times and Democrat, da cidade americana de Orangeburg, South Carolina, com a data de July,18 2006, onde uma pequena notícia informava que tinham chegado àquela cidade uma mulher e duas jovens, afegãs, salvas por um médico do exército americano, Dr. David Solberg.

A notícia despertou a curiosidade e ao fim duma série de troca de informações, que começou com o prório jornal, foi possível reconstituir a história.

Dr. David, natural daquela cidade, jovem médico, judeu, fora incorporado no exército para servir por dois anos no Afeganistão. Como todos os que por lá procuram defender a liberdade, David trabalhava num pequeno hospital de campanha perto de Qoliapol, Mizarka, junto a um posto de controle na estrada de acesso a Kabul.

A região, a seguir ao posto era praticamente dominada pelos talibãs, e portanto de difícil ou quase impossível acesso.

Um dia, o sol a caminho do poente, uma pequena camionete que para lá se dirigia, parou no controle, desceram os homens e mulheres que nela seguiam, e após vistoria foi mandada seguir.

A cerca de meia milha dali a estrada minada, a camionete acerta uma das minas e foi atirada ao ar, desfazendo-se. Do posto saiu logo uma patrulha, e uma ambulância com o Dr. David e um colega afegão Dr. Issur Danielovitch; ao chegarem, o espetáculo era lastimável: um homem, e uma garota que aparentava uns doze, treze anos, mortos, um outro gravemente ferido, além duma mulher e duas adolescentes também muito feridas, com as burcas rasgadas e ensanguentadas..

Segundo a macabra lei imposta pelos Talibãs é proibido às mulheres serem tratadas por médicos homens, o que o médico afegão lembrou a David, que lhe respondeu e perguntou:

- Tratamos desta gente ou vamos embora e os deixamos aqui a morrer?

Carregaram os quatro feridos e não quiseram saber de leis bestas.

No hospital as enfermeiras despiram e prepararam a mulher e as duas adolescentes, que já usavam também a maldita burka, para que os médicos depois cuidassem delas.

O homem tinha uma perna toda esfacelada, que foi amputada, e uma série de estilhaços espalhados pelo corpo. O estado dele era desesperador. Ao fim de muitas horas de trabalho foi possível salvar-lhe a vida.

As mulheres não estavam em estado muito melhor, com exceção da mais nova só com um braço fraturado. As outras tiveram intervenções bem mais complicadas, mas depois de ter nascido um novo dia todas estavam fora de perigo.

O problema que se punha a seguir era o saber-se que se elas regressassem para junto dos seus, uma vez que tinham sido tratadas por homens médicos, a sua sorte estava traçada: morte.

Posto o problema ao comandante do regimento em que David estava integrado, a única solução encontrada era dar-lhes asilo político e levá-las para os Estados Unidos, se elas explicitamente requeressem.

Mulheres, sinónimo de escravas nos fundamentalistas, logo que começaram a recobrar consciência, pediam por Alá que não as devolvessem aos talibãs. Sabiam da sorte que as aguardava.

Assim que possível foram transferidas para o hospital em Kabul, em total segredo e nomes falsos para evitar que os selvagens as fossem ali matar, onde ficaram em convalescença.

O homem, Abdul Kalili, com cerca de cinquenta anos, e não guerrilheiro, foi também transferido para Kabul e não quis mais voltar à sua terra. Quando teve alta, agradeceu muito, de joelhos, aos médicos que o salvaram, e que lhe colocaram uma prótese provisória, sumiu da cidade e não se soube mais do seu paradeiro.

Como para qualquer dos feridos a recuperação foi lenta, deu tempo a que se requeresse o seu estatuto de refugiados políticos que, contra o habitual, foi rapidamente concedido.

Punha-se depois outro problema: o que fariam uma mulher e duas jovens, acolhidas num país de que desconheciam tudo, sobretudo a língua, para sobreviver?

Mais uma vez o Dr. David, repete-se, judeu, falou com a sua família e pediu que recolhesse estas mulheres. Muçulmanas, mas nem por isso deixavam de ser seres humanos.

Zarguna, a mãe, Rahime, Nilofar, embarcaram para os Estados Unidos todas com novas identidades para que as não pudessem mais encontrar, e foram recebidas em casa dos pais do Dr. David, criando na pequena cidade de Orangeburg quase uma revolução! Nunca alguém daquela cidade havia visto gente do Afeganistão e todos queriam ver como eram aquelas desgraçadas que eram obrigadas a usar vestes mais infames do que eles tinham dado aos escravos.

Foi grande o espanto ao verem uma mulher interessante, alta, que não conseguia mais do que chorar, e as duas garotas, suas filhas, sempre bonitas nas idades de dezesseis e dezoito anos.

Não tardou muito que aparecesse no mesmo posto de controle no Afeganistão um homem, aparentando uns cinquenta anos, que queria falar com o médico americano. Minuciosamente revistado pelos soldados, foi levado até ao hospital de campanha e recebido pelo Dr. David. Queria falar-lhe, a sós, mas foi necessária a presença do Dr. Issur, como intérprete.

Zalmai Musa, o seu nome, era o chefe talibã daquela região de combate. Sabia que contrariando as leis dos talibãs, a sua mulher e as duas filhas tinham sido salvas por um médico homem, e o que mais o admirava era saber que esse homem era judeu.

Quando soube, a sua primeira vontade foi preparar um ataque ao hospital, o que teria sido extremamente difícil porque estava bem guarnecido de tropas, mas à medida que ia pensando nisso o seu coração amainava e estava feliz sabendo que a família, sem essa intervenção teria morrido.

Vinha agradecer e também sabendo que não podia voltar para trás, porque seria considerado traidor e certamente morto.

Como fazer para se juntar à família? Tinha concluído que aquela guerra era uma bestialidade.

O caso dele era bem mais complicado, sobretudo por ter sido sempre um ativo guerrilheiro, o que dificultaria a obtenção do estatuto de refugiado.

O Dr. David disse-lhe que se quisesse escrever à família faria o possível por lhes fazer chegar a carta às mãos, mas nem sabia do seu paradeiro, depois recomendou-lhe que fosse para Kabul apresentar o seu problema pessoal à embaixada dos EUA, sabendo que o assunto seria de duvidosa solução.

O Dr. David, quando me forneceu todas estas informações, tinha perdido o contato com Zalmai Musa, e as três mulheres também já não estavam a viver com os pais dele, mas sabia que estavam bem, tendo as duas garotas até casado com americanos, um deles de origem afegã.

9-mai-14

 

Só para se ver o inferno comandado pelos covardes, que tão abertamente mostram o medo que os “machos islamitas” têm da emancipação das mulheres:

 Regras impostas sob o regime Talebã:

1. É absolutamente proibido às mulheres qualquer tipo de trabalho fora de casa, incluindo professoras, médicas, enfermeiras, engenheiras etc.

2. É proibido às mulheres andar nas ruas sem a companhia de um “mahram” (pai, irmão ou marido).

3. É proibido falar com vendedores homens.

4. É proibido ser tratada por médicos homens.

5. É proibido o estudo em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional.

6. É obrigatório o uso do véu completo (Burqa) que cobre a mulher dos pés à cabeça.

7. É permitido chicotear, bater ou agredir verbalmente as mulheres que não estiverem usando as roupas adequadas (burqa) ou que estejam agindo em discordância com o que o Talebã quer, ou ainda que esteja sem seu “mahram”.

8. É permitido chicotear mulheres em público se não estiverem com seus calcanhares cobertos.

9. É permitido jogar pedras publicamente em mulheres que tenham tido sexo fora do casamento (vários amantes foram apedrejados até a morte).

10. É proibido qualquer tipo de maquiagem (muitas mulheres tiveram seus dedos cortados por pintar as unhas).

11. É proibido falar ou apertar as mãos de estranhos.

12. É proibido à mulher rir alto (nenhum estranho pode sequer ouvir a voz da mulher).

13. É proibido usar saltos altos que possam produzir sons enquanto andam, já que é proibido a qualquer homem ouvir os passos de uma mulher.

14. A mulher não pode usar táxi sem a companhia de um “mahram”.

15. É proibida a presença de mulheres em rádios, televisão ou qualquer outro meio de comunicação.

16. É proibido às mulheres qualquer tipo de esporte ou mesmo entrar em clubes e locais esportivos.

17. É proibido às mulheres andar de bicicleta ou motocicleta, mesmo com seus “mahrams”.

18. É proibido o uso de roupas que sejam coloridas ou, em suas palavras, “que tenham cores sexualmente atrativas”.

19. É proibida a participação de mulheres em festividades.

20. As mulheres estão proibidas de lavar roupas nos rios ou locais públicos.

21. Todos os lugares com a palavra “mulher” devem ter seus nomes modificados; por exemplo: “o jardim da mulher” deve passar a se chamar “jardim da primavera”.

22. As mulheres são proibidas de aparecer nas varandas de suas casas.

23. Todas as janelas devem ser pintadas de modo às mulheres não serem vistas dentro de casa por quem estiver fora.

24. Os alfaiates são proibidos de costurar roupas para mulheres.

25. Mulheres são proibidas de usar os banheiros públicos (a maioria não tem banheiro em casa).

26. Ônibus públicos são divididos em dois tipos, para homens e mulheres. Os dois não podem viajar em um mesmo ônibus.

27. É proibido o uso de calças compridas mesmo debaixo do véu.

28. Mulheres não podem se deixar fotografar ou filmar.

29. Fotos de mulheres não podem ser impressas em jornais, livros ou revistas ou penduradas em casas e lojas.

30. O testemunho de uma mulher vale a metade do testemunho masculino; a mulher não pode recorrer à Corte diretamente – isso tem que ser feito por um membro masculino da sua família.

31. É proibido às mulheres cantar.

30. É proibido a homens e mulheres ouvir música.

31. É completamente proibido assistir filmes, televisão, ou vídeo.

 E a pensar que Deus é o mesmo para todos!

18/11/2021


quinta-feira, 11 de novembro de 2021

 

Encontro com Caronte

 

Ontem foi um daqueles jours para esquecer. Tinha passado uma noite sem dormir, sentindo-me mal, mas sem dores, sem febre, com o coração batendo dentro dos parâmetros normais.

Durante a manhã quis dormir antes do almoço, e nada. Depois tentei a sesta e... nada. Só queria dormir um pouco.

Estava muito cansado, com frio, mesmo bem agasalhado, uma fraqueza absurda, tentando entender o que se passava comigo. Telefonei ao médico, que não consegui encontrar, e não me atrevi a ir ao hospital porque me lembrei do que aconteceu com o Carlos Lacerda. (Um político brasileiro, sempre na oposição a tudo, esteve exilado, regressou com a anistia e, com 63 anos sentia-me muito cansado. 1977. Decidiu ir passar um fim de semana na clínica de um médico amigo, para descansar. Entrou, e não se sabe bem como, adormeceu... até hoje!).

Eu fiz de forma diferente. A meio da tarde depois de ter pesquisado tudo na internet (onde se aprende um bocado de choses) pesquisando até se não seria o fim da picada, a tal SEPSE (que não me atrevo a dizer o que é para não assustar ninguém). Mas como não coincidiam os sintomas, Grazie a Dio, decidi que não me entregava assim sem dar luta.

Levantei-me, fui andar no jardim, quase duas horas, e sentia que ia melhorando um pouco. Pouco, mas era já positivo,

Nesse meio tempo apercebo-me que no meio de uma escuridão surgia uma fraca luz que se ia aproximando. Vinha na proa de uma barca, uma candeia de luz amarelada e triste que parecia sair de um túnel.

A bordo um só homem, velho, milenar, que não foi difícil reconhecer: Caronte! Aquele cheira a mortos.

 Aqui já tinha apagado a luz!

 

Quando se aproximou fui logo dizendo ao velho barqueiro para Hades:

- Cumpadre, a mim nã me levas já!

- Vieni con me. È il tuo momento.

- No, non lo è. Torna tra qualche altro anno. (Eu já falava italiano como Dante!)

- Ma tu eri vecchio e malato.

- Vecchio ma vivo. Malata è tua madre.

Aí Caronte, irritou-se, porque falei da mãe dele. Mas como eu sabia que ele não podia sair da barca, afastei-me um pouco da margem, não fosse levar uma remada na cabeça, e soltei uma gargalhada. Caronte estava furioso. Tinha perdido uma viagem.

- Tornerò domani, maledetto.

- Vieni domani e avremo qualche bicchiere di vino toscano. Qui, a terra. Non sulla barca.

Caronte soltou um gritou, um grunhido de centos de decibéis, e começou a dar a volta para ir embora. Mas antes ameaçou:

- Hades ti sta aspettando. So che hai freddo e lì sarai sempre molto caldo.

- Grazie mille, ma carne grigliata preferisco mangiare qui.

Foi-se a barca, a escuridão clareou, eu voltei para dentro de casa e fui beber um copo, à minha saúde.

Comi umas frutas e fui-me deitar cedo.

Dormi doze horas e já mandei um e-mail ao Caronte a dizer-lhe que vai demorar para nos voltarmos a encontrar.

Assim o espero.

 

11/11/2021

 

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

 

O Vacinado

A desinformação, a minha Mãe e um poste de iluminação

 

Belo título para um conto, que conta já muitos dias, e parece que continua a não ter fim!

É evidente que a minha Mãe, que tanta falta me faz, porque continuamos a ter uma parte de meninos que sente, SEMPRE, a falta da Mãe e do Pai, nada tem que ver com o caso, mas... veremos.

Para melhor distinguir um episódio de outro vou dividir em Atos, ou Actos, mas, infelizmente vou ter que deixar cair o pano quando... quando mesmo ?  Deus solus scit.

1° Ato – Vacinas: Eu, mais a esposa amada: 1ª em 8 de Fev, 2ª em 3 Maio, ambas da Zeneca de Oxford (o que muito ajudou a não perder o hábito de ler inglês) e 3ª em 20 de Setembro, da Pfizer. Tudo devidamente inscrito numa caderneta. Perfeito. Pronto para enfrentar o sr. Covid!

2° Ato – Depois da 2ª vacina (ainda não se falava que iria haver uma 3ª) procurei obter, pelas vias da modernidade, i.é, internet, uma espécie de certidão, chamada Carteira de Vacinação Digital. Com os meus vastos conhecimentos de computadores (comprei o primeiro há 37 anos!), comecei por saber que tinha que abrir um site “GOV.BR” ou o “CONECTESUS.COM.BR” para obter o QRCode. Aí começou a via sacra. Depois de muito batalhar chegava a um ponto que dizia “Erro no CPF” (para quem não sabe, o CPF significa Cadastro de Pessoa Física, com um número, é evidente). Ora o meu CPF existe há 47 anos anos, sempre faço, no final do ano a Declaração de Imposto de Renda, e nunca deu qualquer erro.
Pedi socorro à Joana, crac em mexer nessas confusões e logo apareceu a Carteira digital da mamãe, e a minha... deu erro no CPF.

Quando fui receber a 3ª dose apresentei o problema no Posto de Saúde e obtive a mais simples das respostas: “Escreva para a Ouvidoria do Ministério da Saúde. Há muita gente a queixar-se do mesmo”.

Mas com mais de 50% da população brasileira já com as duas vacinas, mais de 110 milhões de pessoas estão a requerer tal Carteira, e entra então o

3° Ato – O Ministério – reparem bem a superior instância da Saúde Pública – mandam-me verificar, junto aos Correios se o CPF tem algum erro. Não tinha! Telefonei para Brasília a informar e reclamar. “Dirija-se ao Posto de Saúde onde foi vacinado e à ouvidoria do GAP 4.0”. Quando me disseram 4.0 logo me veio à cabeça que seria o motor de algum Jaguar.

Fui ao Posto. Mandaram-me procurar alguém na sala 126. No Posto só tinha salas até ao número 118!!!! Indo às profundezas das minhas meninges buscar um pouco de tranquilidade e trancar a hipótese de saída de palavras menos convenientes para insultar qualquer um, perguntei a uma médica que estava a controlar a vacinação de mais jovens se sabia onde ficava a sala 126. Não fazia ideia, mas perguntou-me o que queria. Expliquei. Amável disse-me “Deixe estar. Nós vamos resolver isso aqui”. Maravilha. Viu que as vacinas estavam todas digitalizadas, fotografou os documentos que passou para o meu celular, mas... quando quis entrar no tal CONECTESUS, apareceu o recadinho filho de (não digo de quem) “Erro no CPF”. Continuando com a sua amabilidade, foi comigo à secretaria do Posto, onde a responsável simplesmente disse que ali estava tudo correto, CPF, etc. No desespero perguntei se tinha que escrever ao Papa. Indicou-me a Subsecretaria de Saúde, a tal GAP 4.0.

4° Ato - Lá vou eu à Secretaria onde fui atendido por uma muito amável funcionária, que em quase uma hora de tentar descobrir onde estava o problema, telefonou para Brasília, para o Ministério, mandaram-na falar não sei com quem, teve acesso direto à Receita Federal (dona dos CPFs todos) onde se certificou que o meu CPF estava certo, mas conseguir a tal Carteira Digital... NADA!

Com o carinho próprio deste povo, disse-me que ia discutir com o Ministério e depois me ligava. Uns dias depois liga para mim e “o Ministério não me dá resposta!”

Voltei ao GAP 4.0, só não explodindo porque a funcionária era extremamente prestável e interessada em resolver o problema. Fomos para a sala dela e de mais sies funcionárias ver o que se conseguia no seu computador. NADA. Só que apareceu um outro aviso “CPF BLOQUEADO. ERR0015575”.

Alto! Agora sabemos onde está o erro. Na Receita Federal.

5° Ato – A caminho da Receita Federal. Fechado. Eram 15h00. Só atendem das 9 às 12 horas!

Voltei no dia seguinte, cedo. Chovia. O chão molhado e muita formiga passeando debaixo dos nossos pés. Fila, pequena, chegou a minha vez. Atendido na rua, através de uma janela.

Qual o problema?”  Era a minha Mãe! Tinham perdido a minha querida Mãe lá nos computadores, e sem Mãe ninguém consegue fazer nada. Retorqui: A minha Mãe está registrada na Receita há mais de meio século e agora deixam-na fugir? Nem riram. “Tem que trazer uma certidão de nascimento ou de casamento, comprovante de residência e cartão de identidade.”

Meti-me no carro, corri a casa, pequei TUDO aquilo (lá estava o nome da minha querida mãezinha) e corri de volta. Volta à janela, mostro a documentação, e perguntam-me “Trouxe xerox?” É evidente que não, ninguém me pediu isso! rrrrrrrrrrrrrrrrrr. Onde posso tirar as xerox? “Ali, na primeira rua”.

Andando o mais depressa que a minha juventude permitia, a pé, aí vou eu.

6° Ato – Em frente da janelinha da Receita tem uma pequena divisão no meio da rua para os carros estacionarem dos dois lados. Tentei andar por ali. Eis se não quando tropeço em algo que não se apercebia, entra-me um ferro de concreto dentro da sandália, que a arranca do pé, e só não vou de cara ao chão porque estava no meio de vários carros. Felizmente o que me aguentou tinha a mala atrás, onde me agarrei.

O pé a sangrar, calcei a sandália e continuei a caminha das xerox... coxeando e sangrando (pouco).

O que me fez tropeçar foram os resíduos de um poste de iluminação que para o tirarem dali, foi quebrado! Ficou uns 15 cms. acima do chão com dois ferros para os lados. Um crime...

Lugarzinho bom para enfiar o pé com sandália!


Não era na primeira rua. Era na segunda.

Fiz os xerox, voltei à janela do inferno e mandaram para a porta ao lado.

Enquanto aguardava que me atendessem, uma das formigas também filhas de... tinha subido pela minha perna e mordeu-me na coxa. Na Receita Federal até as formigas nos perturbam. Dia de sorte. E o pé a doer.

Aí perguntaram-me qual era problema. Mataram a minha Mãe, ou a deixaram fugir do computador! Preenchi um papel com nome da Mãe – ainda perguntei se queriam também do Pai e dos avós; não, não era necessário, e disseram que uns 7 dias depois tudo ficaria arrumado.

Estou, com o pé ferido, o ânimo desesperado, à espera do sétimo dia. E mais um pequeno derrame no braço.

Depois irá começar a nova fase: obter um Passaporte Internacional de vacinação que o Ministério da Saúde informa que ainda não existe!

Já requeri visto de residência para me mudar para o Congo.

 

Finalmente chegou, hoje o sétimo dia e encontraram já a minha Mãe!

Desbloqueado!!!

 

05/11/2021