quinta-feira, 29 de abril de 2010

1a. Parte

Copia da relação dos costumes, Ritos e usos do Reino do Congo, que o Bspo deu a vmgde. e pecados que nelle se cometem.

(da Biblioteca Nacional de Lisboa. Secção Ultramarina. Caixa 145 Angola)


Snor.



Continuando na informação q. V. M.de me manda dar por escrito acerca dos costumes dos moxicongos e naturaes do Reino de Angola, digo que segundo o que alcancey em perto de dez annos q tratei có elles, não tem vertude, vergonha, verdade, nem constancia, senão, em o mal, por q. são de ordinario çençuaes, sem perdoar a parentésco muy chegado, assy de consanguinidade, como de affinidade e per tradição antiga e rito gentilico tomão por mancebas todas as q. os paes e pessoas a que suçedem tinhão por suas, e as netas e tendo trato iliçito con a Irmaã mais velha, o tem con todas as mais, e os Reys se não tirão destes abusos e pecados, antes con mor liberdade, e descompocissão caem nelles; e o que agora Reyna chamado dom Alvaro terceiro, tem por mancebas muitas que o forão de seu par dom Alvaro segundo, e hua Cunhada sua Irmá de sua molher, ambas filhas de manibanda que se chama grão duque, e nem amoestado; nem reprehendido a dexa, nem se envergonha de lho dizerem, Esta foi casada; e tem filhos do Duque de Sundy dom Alvaro seu tio, e q. elle matou em guerra por levantado. E quando vay fora a Igreja, ou a escaramussar vão muitas dellas có elle, e chamãolhe damas o Quanto mores senhores são, mor numero dellas tem, como fazem os q. são gentios, q. por terem muitas, se dão por poderosos, riquos, honrados, e aparentados, e assy he, porque tem por essas as filhas dos senhores, e fidalgos principais, para cujo effeito lhas dão seus pais, e o duque de Batta que por titolo se chama Aio deI Rey de Congo, e he muito seu parente, sendo
casado có hua tia Dell Rey Irma de seu par, ella se foi amançebar cõ hum sova gentio das partes de dande Vassallo do mesmo Rey, ficando elle, e o Duque cõ isso muy quietos, e porque o duque tomou por manceba principal hua filha de hum fidalgo seu vassallo, e a tratava em publico e na Igreja como duquesa, e como a essa a fazia venerar, indolhe eu a mão e pedindo a El Rey que ho prohibi:se, El Rey e o duque me pedirão por vezes que deixasse estar a molher do duque tia delRey cõ o gentio co que estava por manceba principal, e desse liçença ao duque para se casar em vida da molhe e co a mançeba qo tinha, cuidando que podia ser, e não crendo dizer lhe Eu o contrario, antes escandalisandosse de lhe Eu não dar a liçença que pedião de que se deixa ver o como estão na fé, e como a entendem, e guardão, pois destas cousas ha muitas no Rey, e nos mores senhores) que delle tem mais noticia que a outra gente, e neste viçio vevem todos de ordinario, não o tendo por afronta, nem pecado.São tão dados ao vinho que de nenhuá manhã custumão (alias despois de jantar, nem El-Rey, nem os grandes senhores, por que não ficão para isso nem se correm de assy ser, antes o tem por grandesa, mas sendo elle as vezes de ma calidade lhes fas cometer pecados e alguas vezes, chegou ElRey a escaramussar de guerra contra my, Clerigos e vassallos de V. M.do, dizendo em publico, e em vozes cõ os seus que nos avião de matar a todos, e que ja não querião bautismo, Igreja, nem Clerigos, senão viver em sua liberdade e assy se está lá arisquo de o Vinho hua ves acabar cõ tudo. fazem cõ elle, arremedando as escomunhões da Igreja, prohibições de fogo, agoa, lenha, feira, e mais mercados a que chamão escomunhões da terra, e perseverão nellas algús dias com gritos, alaridos, e pregões, de dia e de noite, q atemorisão, e representão acabarsse tudo, padeçendo nisso os vassallos de V. M.de estas vilissimas necessidades, e vexações, e quando lhos passa como se nao ouvera nada, se dao per amigos, pedindo vinho e outras cousas, e q lhes perdoem, e tambem elles alguas vezes, perdoão co facilidade os agravos q recebem, e mostrão temer as escomunhões da Igreja, e em quais quer trabalhos pedem absolvições geraes, não dando numqua satisfação das culpas.
Dão por vaidade, porq tem muita, e por ella não ha cousa que diga grandes a magestade, Estado, que não procurem remedar, tendosse por valentes, não o sendo, por muy nobres e antigos (como são) por gentis homes e avisados, por mais poderosos q todos os monarcas do mundo, motejando de seus poderes, acompanhansse cõ muita gente sem ordem, tem muitos estromentos de musica, e de guerra ao seu modo, e cõ todos juntos saem fora, ainda q seja
na Igreja, representando cõ isso e cõ as muitas çerimonias q se lhe fazem húa confusão grandiosa, trasem panos, custosos, e riquos, da sinta ate os pés, em lugar de sintos huás ataduras muy grossas a q chamão empondas, cabayas sobre a carne nua, e os braços de fora, chapeos de Clerigo bem guarnecidos, sapatõens, e as vezes botas, muitos abanos de rabos de cavalos, muitas insignias de suas dignidades, e os seus ministros mais graves e vallidos lhes vão mosrando o caminho, e alimpando e tirando delles qualquer tropeço, e cousa sem limpesa.

Muita da gente milhor criada, sabe ler, quando ElRey vay a Igreja vay muy acompanhado, e quando falta não vay lá gente; os domingos guardão mal, e os santos peor, se não São Sãotiago e são João bautista, ElRey e os titulos trasem huás carapusinhas a que chamão empua que não tirão, nem ao santissimo sacramento, (posto q eu melhorey este abuso) mas não cõ EIRey, na proçissão das endoenças Vay ElRey descalço, e descoberto, e todos os seus, e assy andão a sesta feira, dá EIRey alguás esmolas e faz merces a muitos e aos Bispos mais q a todos por que tambem lhos pede a meudo o que ha mister.
As suas armas são, arcos, e frechas, espadas largas, e adargas, e adagas, podões, machadinhas, azagaias, e hús ferros ao modo das nossas lanças, ElRey e todos andão apee, e assy vão a guerra, e de hum dia para o outro se junta grande cantidade de gente, sem ordem e sem mantimentos, e se não levão consigo algus portuguezes, fazem pouco mais de nada, temem os jagas de manrª, que de ouvir fallar nelles se desordenão, e fogem.
São folgasóes, e preguicoosos, e por isso tendo terras larguissimas, e excellentes, por não samearem, senão muy poucos mantimentos peressem a fome, os mantimento os de que uzão são groçeiros, comvem saber: maça meuda, maça grossa, luco q he como painsso, felgoes, ortalissa, ervas, aboboras, canas de açucar, miçefos e bananas, e alguas frutas do mato, tem alguas parreiras, romeiras, figueiras, çidreiras, larangeiras, limoeiros, e limeiras, e dando isto tudo ao menos duas novidades no anno, todavia he pouco, porque não cultivão.
E o mesmo he em galinhas, porcos, ovelhas, cabras, e vaquas em todo o Reino de Congo, e no de Angola, e nos Ambundas tudo sobeja porque são mais trabalhadores e criadores, ha poucas fontes, e muitos Rios de que algus são caudalosos, muita caça, da de qua e outra diferente, e muitos generos de animais em que entrão, empacaças, e em palancas, q são como vacas, porcos monteses, e engallas q são ao seu modo; Zevras, Elefantes, tigres, onças, leões, gatos de Algalea, cobras grandissimas, e lagartos q fazem muito dano, cavallos marinhos, Ageas reaés, e bastardas, e da mesma manra Pilicanos, e muitos outros generos de Aves q esperão muito porq não andão acoçados.
ElRey he hum despençeiro ordinario de todos os seus, e se assy não for dandolhes de jantar lodos os dias, levantarssehão contra elle, e andando sempre em festas, o dia q lhe falta que dar aos fidalgos, escondesse e tudo he malencoria ./.
Morrendo ElRey dom Alvaro segundo, o duque de Bamba q he muy poderoso, governou tres dias, pondo e dispondo quanto quis, ao cabo delles levantou por Rey dom Bernardo Irmão do Rey morto, e por este despois de jurado o querer ser, se levantou contra elle mesmo manibamba que o tinha feito, e lhe deu guerra, e o constrangeo a que ferido se saísse do seu aposento, e se fosse a hum em que vivia antes de ser Rey, dando lhe palavra que o não matarião, e elle para se sigurar mais, se recolheo na Igreja de santo Antonio co seis ou sete dos mais seus vf1idos, levantou então manibamba por Rey dom Alvaro terceiro, que agora reina, filho de dom Alvaro segundo, Este despois de jurado por não ter companheiro no setro, e Croa, entrou de noite na Igreja cõ mão armada, e matou ao tio que estava deposto de Rey, e aos q achou cõ elle, e os descabeçou, e descabeçados os fes levar arastar ate o lugar publico do pelourinho, a onde estiverão quasy tres dias, despois dos quaes por obra de piedade os enterarão algús clerigos as escondidas, E ElRey Emanibamba tomarão tão mal este acto de misericordia, que declarão aos Clerigos por imigos seus, e nesta alteração tão violenta, matarão muitos senhores, e outra gente, em diversas partes a que tinhão oferecido, seguro e perdão ./,
Avera como anno e meo que por presunções mal fundadas, EIRey dom Alvaro terceiro, tem publicado guerra contra manibamba seu sogro e reconciliandosse alguas vezes por terçeiras pessoas, e por my, e por meu Vigairo geral, todavia, se não virão numqua, e agora tem apregoado guerra de parte a parte, a fogo e sangue, de q se entende q Manibamba levara o milhor, porque he velho, sagas e poderoso, e por todas as vias ajunta assy os portuguezes que pode, queixandosse que ElRey o quer matar sem causa, e porque lhe pede que não esteja amançebado co sua filha, pois he casado cõ outra, e he artificio muy ordinario nelles, quando querem derrubar alguem, publicar que he mao christão ainda que assy não seja, e para este effeito, tem manibamba cosiguo todos os que por qualquer via tem pretenção ao Reino ./.
7 de setembro de 1619

... a continuar

segunda-feira, 19 de abril de 2010


MEU  PAI


Para falar de meu pai, JORGE DE LA ROCQUE GOMES DE AMORIM, tenho que começar por seu pai e meu avô Francisco, Gomes de Amorim - o outro avô era também Francisco, mas Frick – que após terminados os seus estudos gerais que lhe teriam permitido ingressar na universidade, face às dificuldades financeiras em que a família vivia – seu pai escritor e quase sempre doente e mais quatro irmãs que naquele tempo não saíam de casa para ir trabalhar – decidiu imigrar para o Brasil. Destino: Santa Maria de Belém do Pará, onde seu pai estivera e deixara amigos, entre ele Agostinho José de Almeida, padrinho do novo imigrante.
No dia em que se despediram, em Lisboa, o pai escreveu-lhe uma carta, bonita. Vale a pena ser lida, não só pelos meus filhos e netos e vindouros, mas por toda a gente, porque encerra uma profunda lição de dignidade. Já foi aqui divulgada em 17.Abril.2009, mas nunca será demais ler essa lição de dignidade e ética.

Meu avô, homem equilibrado e trabalhador, casava, quatorze anos depois da sua chegada, com uma doce criatura, minha avó paraense, Aurélia Da Costa de La Rocque.

Veio o primeiro filho chamou-se Francisco, para continuar a tradição da família, mas ao fim de um mês morria. O clima era difícil e as condições médico sanitárias mais ainda. Veio segundo filho, também Francisco e durou três meses. Os pais ficaram extremamente traumatizados e veio a terceira, filha, Albertina, o nome da sua avó paterna Albertina Teixeira de Melo, que com poucos meses lutava entre a vida e a morte com pneumonias e outras doenças a que os médicos não conseguiam dar solução.

O conselho foi simples: se quer salvar esta filha saia de Belém. Meu avô vendeu o que tinha conseguido juntar e regressou a Portugal. Remédio “santo” já que esta minha tia acabou falecendo nas vésperas de fazer 101 anos!

No ano seguinte nascia em Sintra, com o novo século XX, meu pai, Jorge, que a saúde dos primeiros irmãos, não deixou ser brasileiro, razão porque comecei com a ida do meu avô para o Pará!

Alegre, simpático, formou-se em engenharia silvícola - silvicultura - e desde cedo, o seu bom gosto e extrema sensibilidade, o leva para o planejamento de parques e jardins, sendo nomeado diretor do departamento de Urbanização e Jardinagem da Câmara de Lisboa.

Vivia-se na Europa, nos anos 30, sob a ameaça da expansão do comunismo que, poucos antes provocara a revolução russa. A Espanha estava dividida e logo entrava numa horrorosa guerra civil que dizimou um milhão de irmãos, e Portugal, se o comunismo se instalasse no país vizinho, não teria como escapar de igual sorte.

A ditadura, com Salazar, habituada a perseguições de caráter político e religioso que vinham desde há mais de um século, usava de todos os meios para impedir que isso acontecesse, e entre as medidas tomadas criou uma força paramilitar para atuar em caso da possibilidade da revolução vermelha atingir o país, que se chamou “Legião Portuguesa”, e para a qual entraram, voluntariamente, todos os portugueses que não queriam ver o seu país submetido à violência daquilo a que eufemisticamente se passou a chamar democracia popular, e que não foi mais do que uma violentissima ditadura, haja em vista os muitos milhões que Stalin e Mao Tse Tung assassinaram para impor um regime, que, por antinatural, acabou ruindo.

Meu pai entrou para a Legião, hoje vista em Portugal quase como algo fantasmagórico, brutal, inadmissível! E foi seu entusiasta, porque entendia ele, e muito bem, que se o país corria perigo, todos, todos, teriam que dar o seu contributo para o defender. Naquele tempo, e é necessário que se compreendam sempre “aqueles tempos” com os olhos “daquele tempo” e não com os de hoje, a Legião Portuguesa poderia ter sido chamada a operar como mais tarde trabalharam os membros da Resistência Francesa, contra um invasor, um inimigo. Não foi necessário, felizmente.

Naquela época, que eu ainda apanhei um período longo, todos vivemos sob a ditadura e não para a ditadura. Ainda mais os técnicos!

Entretanto remodelava os jardins de Lisboa, arborizava as ruas e a capital do país ia aparecendo cada vez mais bonita e arrumada.

Um dia, os setes filhos nascidos, morávamos ainda no segundo andar dum prédio na rua Almeida Brandão, à Estrêla, vésperas de Natal, um homem tocou à porta. Homem simples, trabalhador de enxada, a quem meu pai tinha conseguido emprego como jardineiro da Câmara. Roupinha lavada, grande perú vivo debaixo do braço, atraíu a meninada toda para a entrada da casa. Não que um perú fosse novidade, mas um perú, vivinho, “para nós brincarmos” num segundo andar... era um presentão!

Nosso pai apareceu também à porta. Recebeu o simpático aperto daquela mão calejada do trabalho e com o sorriso amável que era parte do seu ser, devolveu o perú ao pobre homem, contra a vontade da infantil assistência que já se antevia em correrias atrás do bichinho pela casa fora.

O homem insistiu. Que era uma lembracinha, que ele mesmo criara o perú, etc.. Não. O perú foi de volta, e não foi necessário explicar aos filhos aquela atitude, que no fundo, todos nós respeitámos e ainda hoje não esquecemos.

Ainda lembro de um dia 21 de Outubro, data da conquista de Lisboa aos mouros, estávamos talvez em 1941. O nosso pai entra em casa, chama os três (ou quatro?) filhos mais velhos, meus irmãos Luis com 12 anos, Helena com 11 e eu quase nos 10. Trazia umas moedas “lindas”, novinhas em folha, rebrilhando, de 2$50 cada. Vinte e cinco tostões, ou antes, “vintecincostões”. Para “comemorar” essa data, ao mais velho deu quatro moedas, a minha irmã duas e a mim... uma só, o que achei uma “injustiça” tanto mais que eu era “homem” e levara menos que minha irmã! E ainda recomendou que não gastássemos tudo de uma vez! Foi o que eu fiz, claro. Naquela mesma tarde comprei um chocolate e... pronto! Naquela tarde, sim, por nesse tempo todos tínhamos aulas de manhã e de tarde. No que respeita a educação e escolas, públicas, esses eram, sim, bons tempos.

Com a idéia de comemorar os oitocentos da independência do país e trezentos da libertação da tutela de Espanha, o governo decidiu promover um grande evento, em 1940, a “Exposição do Mundo Português”, tal como hoje se fazem as Expo´s por esse mundo fora.
A II Guerra Mundial rebenta um ano antes, impedindo que essa Exposição tivesse a repercussão que se esperava. Assim mesmo foi um enorme sucesso. Toda a decoração de plantas e jardins ficou a cargo do Eng. Jorge Amorim, que no final, pelo conjunto do seu trabalho aqui e em toda a cidade, foi agraciado com o grau de oficial da Ordem Militar de Cristo.


Reestruturavam-se também sob o comando do maior ministro que Portugal já teve, não o Marquês de Pombal, que fez obra mas enriqueceu e apropriou-se indebitamente de imensissimos bens, juntando uma das maiores fortunas do país, mas o Eng. Duarte Pacheco, o único homem público cuja visão se pode comparar ao também grande rei Dom Diniz. Reestruturavam-se os arredores de Lisboa, e com isto a transformação de morros desertos em parques florestais, como Monsanto. O projeto foi do arquiteto Continelli Telmo e a florestação a cargo de meu pai. Lisboa tem hoje uma cintura verde que, poucos sabem, mas foi começada a plantar em 1938. Sob proposta deste ministro meu pai foi também agraciado com a comenda da Ordem Militar de Santiago da Espada.

Quando ingressou na Câmara de Lisboa era o Eng. Duarte Pacheco o seu Presidente. Foi fácil o entendimento entre dois homens que se respeitavam e nunca deixaram de trabalhar juntos.

Por isso, em Novembro de 1943, lá foram juntos a Vila Viçosa, 150 quilometros de Lisboa, onde se estava a restaurar o Palácio dos Duques de Bragança. No regresso, atrasado como sempre para os seus compromissos, e desta vez para uma reunião de Conselho de Ministros, o carro que os transportava corria, tempo de chuvinha miúda, derrapou, saiu fora da estrada e no acidente morreram ambos.

Não pôde meu pai gozar de todo um trabalho profundo e até original que desenvolvera. Nem os filhos. Muito menos estes puderam aprender com ele. Com 43 anos deixou viúva e sete filhos, o mais novo com apenas ano e meio de idade.

Mas deixou muito mais do que isso: um sentido de respeito, bondade, dignidade e equilíbrio que acabou por nos ajudar a pautar a nossa conduta.



28/05/03

domingo, 18 de abril de 2010


ESTRELAS  DE  ANGOLA




1954



Por um daqueles azares mecânicos que nunca acontecem, quebrar-se uma peça dentro da caixa de velocidades do carro (caixa de marchas), este aconteceu, e imobilizou a nossa carrinha numa subida daquela estrada, onde passava, quando muito, um a dois carros por dia.
Tração completamente bloqueada, como se uma força misteriosa tivesse soldado as rodas ao chassis do carro. A custo desviou-se a inútil viatura para a berma a fim de se procurar melhor identificar a avaria e tentar consertá-la, o que se verificou ser impossível, e também para deixar passar eventual outro, a hipótese do nosso socorro.
O sol dera por cumprida a sua missão, vermelho de cansaço depois de um dia de muita luz sobre este mundo, sumia sonolento atrás das árvores e do carro e, como em todas as noites tropicais, num instante as trevas nos evolveram. Não se via rigorosamente nada, além das miríades de estrelas, lindas, brilhantes, que enfeitam de alegria e vida os céus daquelas latitudes, mais ainda quando se está em zona de planalto. Só elas nos olhavam lá de cima e, naquele momento, eram o nosso único conforto.
Ali estavam todas elas, cintilando, em alegre conversa, quem sabe se falando de nós, ou até a falarem para nós.

Dentro do carro, a minha mulher, barriga a crescer, o ajudante Sebastião, e eu. A perspectiva de ali passarmos a noite, noites sempre frias em altitudes acima dos mil metros, não era agradável, mas era a única possível.

Petiscou-se um pequeno farnel, composto de meia dúzia de biscoitos de socorro, passeou-se um pouco estrada acima e abaixo, procurando dar nomes a algumas daquelas estrelas, para ver se assim o tempo corria mais veloz e o desejado socorro aparecia, mas a solução acabou sendo ajeitarmo-nos, sem jeito, dentro do carro, e tentar vencer a noite com um olho aberto e outro fechado para não deixar que alguém passasse por nós sem visto e abordado.

As horas paradas dentro do relógio, e nem mesmo os vinte e poucos anos de idade nos impediam de mudar constantemente de posição naquela espécie de dormitar sentados no incómodo banco do desconfortável carro. Só o Sebastião, mais rijo, porque habituado a menos conforto, num instante dormia estendido atrás dos bancos da carrinha, enrolado num cambriquite, corpo e mente tranquilos, naquele respirar compassado e certo, dos justos.

O tempo corria. Aliás o tempo não corria. Nós é que corríamos atrás dele na esperança de ver chegar novamente o dia que, mesmo não resolvesse o problema mecânico, nem fizesse aparecer o desejado socorro, nos traria uma outra sensação de conforto e de menos solidão.

A noite até ao mais forte assusta, preocupa. É durante a noite que os pensamentos mais negativos nos assaltam, e quando as horas são mais difíceis de passar.

Entre o dormitar e abrir os olhos, de repente, no ar, ao longe, uma pequena chuva de faúlhas subia ao céu ao encontro daquelas estrelas. Produto do meio sono, no primeiro instante o pensamento foi acreditar que essas faúlhas seriam pequenas estrelas terrenas, avermelhadas, correndo a abraçar as suas irmãs eternas.
Mas logo despertos realizámos que aquelas faúlhas só podiam sair de uma locomotiva dos caminhos de ferro, cuja linha acompanhava a nossa estrada, que até àquele momento, não sabíamos a que distância se encontrava.

As pequeninas estrelas de fogo continuavam a subir, sem no entanto se deslocarem no caminho.

- Vejam! Ali tem uma estação do caminho de ferro! E o combóio está parado. Estamos garantidos.

Saímos do carro, e lá estava, lá, a uma distância que a noite não permitia calcular com exatidão, o espetáculo. Talvez meia noite.

- Corre lá Sebastião, que a minha mulher com esta barriga tem que ir a passo!

Num instante Sebastião sumiu na noite e não tardou ouvir-se o ladrar forte de um cão, ao sentir a aproximação de estranhos. Pelo ronco grave, seria grande!

Prudente, Sebastião mais depressa do que desaparecera, regressa da noite, e prefere acompanhar-nos, seguindo prudentemente um pouco atrás de nós! Continuámos a avançar, eu sempre assobiando e chamando o mastim para lhe mostrar que íamos carregados de boas intenções e cansaço!

Logo se ouviu gente falando da estação, apontando para o nosso lado um lampião que nos servia para melhorar a orientação, e em pouco tempo com o peludo guarda farejando e rosnando de nariz encostado aos nossos joelhos, fomos recebidos pelo pessoal da linha e sua pequena família.

O combóio, continuava ali parado, resfolgando e exibindo toda a sua arte jogando para o ar aquele lindo fogo de artifício, como que a chamar-nos e a mostrar-nos o caminho, enquanto tranquilo o pessoal o reabastecia de lenha e água, única função daquela estação.

A família do funcionário, mulher e uma filha pequenita, receberam-nos com espanto e carinho, oferecendo-nos um reconfortante e quente café.

Explicámos a nossa situação, e ficou assente que no dia seguinte se encontraria pessoal para empurrar o avariado carro até ali, onde seria embarcado num vagão e transportado para a cidade. Com esta esplêndida solução, o carro chegaria ao destino um dia e meio depois. Havia que requisitar o vagão à Central, embarcar o carro, etc., mas a verdade é que o problema estava praticamente resolvido. Faltava o dos passageiros, e estes não podiam seguir dali em qualquer trem porque os de passageiros não paravam naquele ponto. Só de carga.
Acordou-se entretanto que o Sebastião, sem ser visto, seguiria dentro do carro, no que o funcionário foi logo dizendo que, de certeza, ele não estaria preocupado em olhar para esses detalhes no momento em que o carregassem no vagão!
Agora, tratar de descansar o melhor possível o restante da noite. De manhã se pensaria no que fazer. Ou passava uma boleia ou se chamaria, através do telefone interno da linha do caminho de ferro, um qualquer socorro da povoação mais próxima.
Regressámos ao nosso hotel de quatro rodas, único disponível nas redondezas, para dormitar mais algumas horas, onde o desconforto foi menos sentido sabendo que boa parte do problema estava já solucionado.

Sebastião, de volta ao seu cambriquite, em escassos segundos retoma o seu profundo sono, que tanta inveja nos fazia!

Céu a clarear, outra vez a caminho da estação onde se podia lavar a cara, tomar um café quente e até adquirir alguns alimentos que a boa mulher nos cedeu da sua dispensa para matar o bicho e abastecer o Sebastião para a prevista jornada como clandestino, deitadão dentro do carro.

A seguir contratar quatro homens que empurraram o carro, cerca de um quilómetro estrada acima, comigo dentro, não por comodidade, mas porque sem carregar no pedal da embraiagem o carro não se movia. Depois as duas últimas centenas de metros, já fora da estrada, em leve descida numa estreita picada até à linha, onde ficou aguardando a vinda do seu vagão especial, já encomendado, e que chegaria no final do dia!

A esperança da solução para os dois e meio passageiros sobrantes era esperar que o primeiro carro a passar na estrada os pudesse carregar, ou na negativa que avisasse na povoação a seguir para alguém os ir buscar.

Sebastião sempre conosco, preocupado com a senhora, que apesar da aventura e de uma noite mal recostada, estava passando muito bem.

Uns quantos paus, muita folha e algumas pedras e estava improvisado ao lado da estrada um assento com todo o conforto que o mato podia proporcionar. A boa vontade até ajeitou uma cama onde a futura e jovem mãe se deitou para melhor descansar e aguardar quanto tempo fosse necessário!

Sombra não faltava porque a região era muito arborizada com as imensas plantações de eucaliptos, o combustível das locomotivas, e a temperatura, amena, era até um convite para gozar daquela paz e daquele silêncio que tanto queríamos ver quebrado pelo roncar de um motor.

Ali ficámos algumas horas esperando que nos levassem, quer num sentido quer noutro, porque na primeira localidade tudo o mais se resolveria.

Finalmente ouve-se um motor ao longe, vê-se a poeira levantada da estrada e em poucos instantes chega um carro, que seguia, por sorte, no mesmo sentido do planalto. Carro, grande, confortável, mas já cheio com cinco passageiros!

Boa vontade em África nunca faltou, e num chega p’ra lá, passa a perna por aqui e outras ginásticas, lá conseguimos entrar, tendo eu que levar a minha mulher no colo!

Não sei já quanto tempo demorou este final de viagem, mas acabámos chegando ao destino, um pouco moídos, o que a juventude de então não permitiu que nos perturbasse muito.

Ao outro dia chegou o carro, e dentro, como se tivesse acabado de viajar em primeira classe, bem disposto, encantado com a aventura que lhe renderia bons dividendos no sungui junto aos amigos, o Sebastião.

Reboque para a oficina, dois dias para aprontar, e de novo na estrada.

Prosseguimos o nosso caminho agora sempre atentando de que lado nos ficava a linha do combóio, várias vezes cruzada para um e outro lado!

Cumprida a missão profissional que me levara às diferentes localidades situadas ao longo da linha, o destino era seguir em direção ao sul, voltando as costas ao salvador caminho de ferro, e atravessar uma região muito menos povoada e com difíceis possibilidades de socorros mecânicos!

Havia que ir, lá fomos, e como tantas outras vezes, preferindo começar a viagem ao fim do dia, quando se apanha menos calor, e a luz dos faróis definem melhor os buracos, imensos, daquela espécie de estradas! Além destas vantagens, o viajar de noite, ainda permitia que começasse o dia seguinte mais cedo, mais descansado e mais limpo a seguir a um bom chuveiro!

África, na primeira metade dos anos cinquenta. Viajar por aqueles caminhos, mesmo sabendo que se chegava ao destino tendo roubado à estrada uns quantos quilos de poeira que, além de encher o carro, se carregava na roupa e em todos os poros do corpo, era uma aventura, talvez melhor, um espetáculo inesquecível.

A quietude e a grandeza do espaço, o tempo parado naquelas populações que nos viam passar e sempre saudavam com um sorriso, são imagens que o tempo, por muito que passe, não apaga.

Ao fim de largas horas de caminho, correndo pouco que o carro e a estrada, pouco mais do que picada, não permitiam outra coisa, xanas e savanas atravessadas, olhos da fauna selvagem a brilharem logo que os faróis do carro se acendiam, o que dava à jornada todo um pinturesco muito especial, perto da meia noite chegamos ao destino.

Povoação de pouca gente, uma larga praça à espera dum desenvolvimento que o tempo não confirmou, e um silêncio total e absoluto acompanhando o descanso da escassa população.

No último degrau do edifício da Administração, dominando o largo, num vulto escuro, como um gigantesco ovo de extinto dinossauro, adivinhava-se o cipaio envolto em pesado cambriquite, que ali, à noite, o frio era a sério.

O cipaio ficava de noite de guarda ao edifício da autoridade! Nem o ruído nem os faróis do carro apontados para ele o acordaram! Foi necessário sacudi-lo para que, estremunhado, acordasse e nos indicasse onde havia algo que pudesse ser equiparado ou fizesse as vezes de hotel ou pensão.

Ali, no segundo prédio ao lado. O comerciante tinha uns quartos que alugava a quem se aventurasse àquelas longínquas paragens.

Também não foi fácil acordar esta gente, sem hábito de receber forasteiros a altas horas da noite! Socada várias vezes a porta, ouve-se um ronco lá no interior, depois vê-se o tremular de uma vela ou dum petromax, e logo apareceu toda a família composta de casal e duas filhas, que talvez pelo adiantado da hora e pela nossa pouca idade nos olhavam como alienígenas. Sem muitas delongas que a hora não permitia, mostraram-nos um quarto, fora de casa, com porta para a rua lateral. Dentro, lavatório com um jarro de água, uma espécie de armário, cambando sem um pé e portas de pano velho, e uma velha cama que teimava ainda por manter algumas tábuas a segurar o colchão! Poucas.

Uma passagem de água na cara e cabeça para retirar parte da poeira acumulada no caminho e logo estávamos deitados.

Depois de apagada a chama do candeeiro de petróleo e nos habituámos à escuridão, bem por cima das nossas cabeças, um buraco no teto, e lá estavam aquelas mesmas estrelas, lindas, na sua infindável conversa cintilante a dizer-nos que podíamos fechar os olhos, tranquilos, que elas velariam pelo nosso sono.

Era assim África. E.. será!

Maio/01

quinta-feira, 15 de abril de 2010


Apreciem a beleza desta descrição do grande mestre Óscar Ribas:


UANGA (feitiço)

Romance Folclórico angolano
de Óscar Ribas
Editora : União dos Escritores Angolanos
Retirada do Canto "Festa de Núpcias ''
Páginas 44 – 47

Conheceram-se numa massemba.
Este bailado, rico de fogosidade e elegância, persistiu do caduque, dança de Ambaca. Como afinidade, persistiu a característica fundamental - a semba ou umbigada. O caduque executava-se ao ar livre sob a toada do goma (tambor comprido), dicanza (chocalho de bordão ) e uma lata vibrada com duas baquetas grosseiras. Com o aparecimento da harmônica, nasceu então a massemba: substituiu-se o tambor e a lata por aquele instrumento, pela sala trocou-se o ambiente campestre.
Ultimamente, o instrumental associou o pandeiro, os ferrinhos e a garrafa, funcionando esta como aparelho de sopro. O fogope - voz de comando para a semba - passou a determinar o ritmo da musica, circunstância que releva a melodia. A indumentária também se requintou: as damas chegaram a trajar de igual, poupando até, num sarau, duas mudas; e os cavalheiros embora menos rigorosos , já se apresentam com a mesma uniformidade inclusivamente de smoking.
Apesar da evolução, a messemba tende a desaparecer: os bailes invadem as esferas humildes, e vestimenta européia, hodiernamente proferida pelo elemento feminino , não se harmoniza com ela. Entretanto sua glória repreenderá através das páginas do folclore angolano: Alimentou a folia durante séculos. Em séculos, em seus volteios recrearam-se muitos colonos, alguns do nosso escol.
Outra famosa dança campal era a jimba. Exercitava-se sob o acompanhamento de canto, com puíta (tambor feito com uma ancoreta , sendo aberto um fundo e outro tapado com uma pele, a qual prende interiormente um caniço , vibrado com uma corda ) e bendo (pífaro de caniço).Mais teatral que a massemba, movimentava-se em círculos determinados pelos dançadores: com cabriolas, pelos homens, com saracoteios, pelas mulheres. Mais tarde originou a quimuala.
Ambas já não se praticam e pertenciam as camadas inferiores.
Essas e outras diversões mortas, porém subsistem debaixo de diferentes aspectos, pela transplantação de antigos escravos, procriaram em países remotos, mormente o Brasil. Mas como bons filhos essas mesmas assinalam sua procedência: a mágoa nos cantares, o viço no folguedo.
E todo o mundo, no arrebatamento do prazer, aquece-se ao eletrizante calor da saudosa prole africana.
Na massemba em que o casal se relacionou, soluçava a harmônica em ais de amor, ria a dicanza em loucas gargalhadas. E, em aprazível orfeão, homens de flor na lapela, mulheres de fita pendente do turbante, todos vaidosamente trajados, cantavam com delírio:

Soou o tiro,
Ó gentes que somos do senhor Quinjango
Quinjango é forasteiro ilustre,
Como militar anda por muitos caminhos.

Contados-lhe os dias
Hoje chegou Quinjango
Ele é forasteiro ilustre,
Como militar anda por muitos caminhos.

A patroa deu à luz
A escrava abortou, Quinjango:
Quinjango é forasteiro ilustre,
Como militar anda por muitos caminhos.

Comprastes uma galinha-do-mato
Mistura com galinha de casa, Quinjango
Quando fugir a galinha-do-mato,
Fica a galinha de casa, Quinjango.

O dinheiro, para ti,
Vale mais que mais a vida, Quinjango:
Ele é forasteiro ilustre
Como militar anda por muitos caminhos.

O mestre-sala comanda:
- Com elas!
Nas rodas dos dançantes - pá - rebenta uma palma uníssona.
Ao centro, depois dum breve saracoteio, detém-se em frente deste ou daquela, com a mão espalmada no peito saúda-os com uma vénia, que é correspondida com outra.
E: “Damas e cavaleiros para o centro!” – os saudados saem dos lugares, serpeiam pela sala, e – “Fogope!” - entrechocam-se com um figurante do círculo. Por sua vez, esse irrompe do cêrco, o outro preenche-lhe o posto, e as sembas sucedem-se na mesma cadência.
E à luz rutilante de dois candeeiros de carboneto, cavalheiros e damas, cada qual primando no donaire do volteio, rodopiam sobre si mesmos, ondulam garbosamente, dançam a famosa massemba, o típico bailado de Luanda.
A animação lateja no ambiente: havia elasticidade nos movimentos, ardência nas entoações. A harmônica, sempre súplice, gerava afetuosos sentimentos, ao passo que a dicanza, galhofeira por índole, desvairadamente se ria das pieguices despertadas. Mas ninguém ligava importância ao chocalho de bordão: ele era insensato, apenas sabia cachinar.
Pela sua veleidade, os corações só escutavam os lamentos da harmônica: falava em amor, amor concebia.



Lições de Agostinho da Silva


Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu, do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.



Agostinho da Silva

terça-feira, 13 de abril de 2010


“Quando as Rolas Deixam de Arrolhar”





Este o título do livro que Inácio Rebelo de Andrade acaba de publicar pelas Edições Colibri.

Inácio tem um percurso de vida impecável. Começou em Angola, onde nasceu em Nova Lisboa, como Regente Agrícola, passou a Engenheiro Agrônomo, e hoje é Professor Catedrático Aposentado da Universidade de Évora.

Além de todos os trabalhos técnico-científicos que apresentou durante a sua vida profissional, e foram muitos, desde 1994 vem desenvolvendo e publicando uma quantidade impressionante de romances.

Quase todos, ou todos, baseados na sua vivência angolana.

Sem linguagem acadêmica, mas simples sem ser pobre, o que dá aos seus escritos um valor especial, e nos proporciona uma leitura agradável, quase um tipo de conversa entre amigos.

Sobressai seus nos romances e contos uma ética infelizmente rara nos dias de hoje, e até os temas mais íntimos, como as intimidades de marido e mulher na cama, são tratados com respeito e subtileza.

No final de cada conto deste livro fica no ar uma mensagem, por vezes fria, do egoísmo humano, mas sempre como um recado dado com a sabedoria da simplicidade e dignidade.

Gostei, Inácio, e por isso coloco esta “crítica” no meu blog.

12.Abril.2010

NOTICIAS  DE  LONDRES   -2-



Já lhes falei nos “péssimos” serviços de transportes públicos ingleses, quando comparados com os brasileiros!
E os hospitais públicos ?!
Disso então nem se fala. Como o frio em Londres estava pior do que no Pólo Sul, com aquele ventinho que entra até pelos tímpanos e nos arrefece as idéias – quando as temos - sensação térmica de 1°C positivo a 1°C negativo, a saúde dum velho mamífero tropical... foi-se abaixo!
Dor de garganta, febre alta e outros inconvenientes, obrigaram-no, apesar de levar um seguro de saúde que poderia ser atendido por médicos particulares, a recorrer, já noite, a um hospital.
Agora, para quem conhece a maioria dos hospitais do Rio de Janeiro fará uma idéia do que era aquele, hospital universitário. A rapidez do atendimento e sua simplicidade – nome, morada, telefone e que sintomas tem – a sala de espera, certamente acabada de pintar e lavar sabendo que um visitante estrangeiro poderia comentar, as cadeiras confortáveis, e cerca de uns quinze minutos depois, já a ser atendido!
Exatamente como aqui no Rio! Simplicidade, rapidez, limpeza e organização, tudo, tudo, copiado dos nossos serviços de “saúde”! ... de saúde?
O primeiro médico deu-lhe logo alguns comprimidos para baixar a febre e encaminhou-o para um GP- general practice.
- No outro pavilhão ali em frente.
Passou ao outro pavilhão. A mesma impecável “sujeira”. Atendimento e sala de espera, com cadeiras confortáveis.
Nova e rápida inscrição, aguarde um pouco, e, de fato, não tardou a ser atendido. Simpático, o médico diagnosticou uma laringite forte, e passou uma receita de Amoxilina 500. Quando lhe disse que não se dava bem com esse medicamento tirou-lhe logo da mão a receita que havia feito e substituiu por outro.
Eram cerca de nove horas da noite. E agora onde encontrar uma farmácia aberta? Logo um dos atendentes indicou qual farmácia, que estava a caminho de casa.
Ali passaram; entregue a receita ao sujeito que estava a atender, espera um pouco e volta ele com o medicamento.
O velho tirou da carteira uma nota de £ 20, para pagar. O farmacêutico olhou-o com ar de espanto: “This is what for?”
Foi nesse momento que ele se apercebru que os medicamentos receitados no hospital são gratuitos!
Valeu a pena ter apanhado aquela laringite para poder comparar o que faz um país, organizado, mas que não admira porque copia tudo o que os governos do Brasil têm feito!

Fala sério... ó meu!

12-abr-10

Já do Brasil, por Francisco G. de Amorim

domingo, 11 de abril de 2010


NOTICIAS  DE  LONDRES



Os ingleses têm coisas admiráveis! Não foi a minha primeira visita a este país, talvez a décima, tendo a primeira acontecido há quase cinquenta anos.
Quando me refiro a “coisas admiráveis” não estou a falar do Big Ben, a Tower Bridge, nem os inacessíveis Bentleys, mas à atitude do seu povo no dia a dia. Eles gabam-se de terem sido os primeiros a estabelecer um regime (quase) democrático, quando obrigaram o rei John Lackland a aceitar a Magna Carta, os primeiros a usar máquinas na industrialização, explorando vergonhosamente a mão de obra das classes pobres que se alimentavam de gin e, às vezes um ovo. Também inflam o peito com a gloria dos primeiros sindicatos, dos seus grandes físicos, matemáticos e pensadores, sem esquecer Darwin o “pai” da teoria da evolução.
Armaram piratas e corsários, sobretudo o famoso Sir Walter Raleigh a quem (dizem as más línguas... e as boas) a rainha Elisabeth I emprestava furiosamente os seus amores, antes de se auto-denominar a rainha virgem! Entretanto espalham-se pelo mundo criam o grande império onde o sol nunca se punha e começam a levar para casa alguns hábitos dos novos povos. Espionaram e espionam todo e qualquer detalhe que os puossa favorecer ou aumentar o seu poderio e a sua organização. Viciaram-se no tabaco, elegeram a batata como base da alimentação, e não fizeram do “Five ó clock tea”, essa aguinha chilra e quente, um dos seus modos de vida.
Uma das regiões de grande espionagem, é hoje o Brasil, que, dizem as boas e também as más línguas, não tarda a ser a quinta potencia mundial, tanto mais que os ingleses, depois de terem sido a primeira, não tarda estarão depois da décima!
Posto isto vamos citar algumas das melhores cópias que os ingleses levaram para a sua terra. Primeiro a rede de caminhos de ferro! Igualzinha à do Brasil. “Ligeiramente” maior, mas... E os seus preços! Um grupo de sete pessoas pagou, ida e volta Londres-Brighton, £ 29,00, o que traduzido em Reais dá cerca de 80,00 reais. Todos bem instalados, confortáveis. Cerca de R$ 11,40 por cabeça! Ora como de Londres a Brighton são cerca de 75 quilômetros, equivale à distância entre o Rio de Janeiro e Petrópolis, cujo ônibus – não tem mais linha de trem! – só na ida, custa cerca de $20,00.
Além de mais os trens no Reino Unido partem e chegam a horas rigorosamente certas... tal e qual.
E os bus de Londres? Aqui é flagrante a cópia da organização dos ônibus do Rio, onde há dezenas de empresas a explorar os transportes públicos, cada uma com pior serviço do que outra. Um turista, em Londres, compra um ticket de uma semana e pode andar de ônibus o tempo todo, custando-lhe isso £ 16, (cerca de R$ 45,00). As carrocerias dos ônibus, bem como toda a mecânica é feita em ambos os respectivos países. O Brasil já é autônomo em combustíveis e ainda tem os renováveis, coisa que a Inglaterra não tem, e motoristas, no entanto ganham em Inglaterra mais do dobro do que os do Rio! Porque tanta diferença em serviço, qualidade, preço, etc., é isso o que os espiões da rainha tentam descobrir.
Os bus são impecáveis de limpos, os motoristas educados, as pessoas levantam-se, mesmo, para dar o lugar a idosos, em cada ponto dos bus tem afixado o horário em que cada linha ali passa, enfim viva o Brasil que tanto tem a ensinar ao velho e decrépito mundo.
Outros detalhes: lá pelo país da rainha,quando se repara o piso de uma rua, nem se dá conta de ter havido ali ou um buraco ou uma obra. Já no Rio o pessoal é muito mais clever! Normalmente ao tapar (?!) o buraco – coisa que não se tem feitos há anos, daí estarem as ruas e estradas todas num estado abaixo de lastimoso – os “técnicos tapa buracos”, colocam areia demais, pouca pedra e deixam um calombo! A idéia, interessante, é que com o tempo os carros ao passarem por cima acabam por nivelar o piso! Nunca nivelou, mas... E é conveniente saber que, por hábito, o mesmo buraco é refeito inúmeras vezes! A verdade é que é preciso dar trabalho a empresas contratadas para o efeito, que se fizessem o trabalho bem feito, ao fim de pouco tempo perdiam essa “boquinha”!
E os ingleses nos sinais de trafico! São uns complexados! Ninguém avança o sinal vermelho mesmo que não haja num raio de muitas milhas um simples cidadão que queira atravessar a rua. Tal qual, tal qual, como no Brasil, onde a luz verde significa que se pode passar a 80 quilômetros/hora e o vermelho só a 70!
O mais escandaloso são as escolas publicas. Toda a criança, inglesa ou imigrante, tem que frequentar as escolas. Criança vinda de fora não se lhe exige qualquer certificado: entra na aula da garotada da mesma idade, e como normalmente tem dificuldade em acompanhar o professor – língua nova – as escolas dispõem de educadores suplementares para ajudar estes novos a atingirem o nível que lhes compete.
E os professores não faltam às aulas. Incrível! Nos intervalos das aulas, as crianças ainda aprendem uma porção de jogos: basquete, tênis, futebol e outros, sendo que têm os devidos espaços e campos para praticarem esses desportos.
Estou a lembrar-me duma escola publica em Jacarepaguá onde uma professora de nome dedicado ao sacrifício – Joaninha d`Arc – faltava duas a três vezes por semana as aulas: ou dizia que ia ao medico, ou levava a filha ao medico, ou a mãe! Devia ser a mãe!
E os ingleses com os seus serviços secretos do MI6, tentam captar a filosofia básica dos brasileiros, nestes, e muitos outros aspectos, e levam do Brasil os conhecimentos e organizações para os implantarem em terras de Albion!
Para terminar estas notícias a rainha Elisabeth II ainda está para durar!
Mas...fala serio!
 
09-abr-10

do Brasil, por Francisco G. de Amorim