quarta-feira, 25 de março de 2009

João Driesel Frick
(mais outro bisavô)
Genealogia
Em pesquisas anteriores foi fácil encontrar o sobrenome Frick em alemães, suíços, austríacos e até boêmios, hoje checos. Nem sempre o nome era bem escrito, alguns “escriturários” dos séculos passados eram meio analfabetos, ou os sotaques variavam de região para região, e assim encontrámos, além de Frick, Fricks, Fricke, Fritsch, Fritsche, e outros. Vamos nos fixar no Frick.
Em registros de 1804 e 1825 da Igreja Evangélica Alemã em Lisboa, consta um Jean Daniel Frick, assim como uma quantidade de outros alemães cujos descendentes são hoje portugueses, como Meyer, Oom, Ulrich, Hintze, Moser, Poppe, etc.
Luiza Driesel era filha de imigrantes da Boémia, hoje república Checa e teve mais três irmãos que não deixaram descendência.
Filho (único?) de João Daniel Frick, que seria suíço, e de Tereza Emília de Araújo, casados em Lisboa em 1790, Francisco Daniel Frick (que se crismou João e assim se passou a chamar) nasceu em Lisboa em 1794 e casou com Luiza Driesel, também lisboeta de 1804.
Francisco Daniel (João Daniel) e Luiza tiveram seis filhos: Cristina, Palmira e Georgina, solteiras, Virgínia que casou com um senhor Finger, e tiveram uma filha Berta que casou com Hugo Castelo Branco, por sua vez com uma filha solteira e dois filhos, um também Hugo de Lacerda Castelo Branco, que chegou a vice-almirante e Fernando de Lacerda Castelo Branco, advogado.
Outra filha, Luiza, como a mãe, casou com um senhor Schroeter. Tiveram, entre outros, pelo menos uma filha Louise Sophie que casou com Johannes Alfred Wimmer, pais de Anna Marie avó do conhecido historiador e colecionador de armas antigas, Rainer Daenhardt. Até aqui todos em Portugal.
Finalmente, o bisavô: João Driesel Frick, nascido em Lisboa em 1839 e que faleceu em Londres em 1909.
Considerava-se suíço, talvez por ter mantido a nacionalidade do avô, e assim era conhecido no Brasil para onde veio depois de formado em engenharia.
Não sabemos a razão porque terá escolhido o Rio Grande do Sul, Porto Alegre, onde já se encontravam alguns emigrantes de nome Frick, de origem austríaca, como um Guilherme, um Carlos e um Luiz. Possível coincidência.
Não sabemos também se terá sido este João Driesel Frick que participou da Primeira Sociedade de Emancipação do Brasil, em 1869, em Porto Alegre, mas sabemos que aí casou com Joana Viana Lobo, e veio a constituir uma sociedade Frick & Cia., com o construtor italiano Carlos Zanotta.
Deste primeiro casamento nasceram primeiro duas filhas, Luiza e Joana, que ficaram solteiras e a seguir um rapaz, Francisco, meu avô materno, nascido m Pelotas. Tinha este pouco mais de um anos, em 1882, quando a mãe faleceu, e o pai mandou os três filhos, pequenos, para Londres ao cuidado de duas de suas irmãs, também solteiras.
Em 1885 já estava novamente casado com a filha mais nova do Visconde de Mauá, Lísia Ricardina, que deixou quatro filhos, todos no Brasil.
Em 1880 assina, pela firma Frick & Cia., um contrato com a Prefeitura de Cuiabá, para construir o abastecimento de água à cidade em desenvolvimento, que foi inaugurado em 1882 e em 1885, estabelece outro contrato semelhante, desta vez com Piracicaba, mudando o nome da firma para Empresa Hidráulica de Piracicaba.
Em 1900 desfaz-se da sociedade e vai viver para Londres.
A última notícia que temos dele é uma carta datada de Londres, de 1 de Fevereiro de 1907, sob o pseudónimo de Gonçalo da Gama, intitulada “Tradição não é história”, publicada no jornal O Portugal, N.º 2 de 1907 e reproduzida em O Oriente Portuguez, Nova-Gôa, vol. IV, Abril de 1907, pp.150 – 156, onde diz que Camões não esteve em Macau porque, à data, Macau não existia, não passando dum covil de piratas, o que até hoje provoca celeuma!
Não sei porque se meteu em discutir Camões, mais ainda sob um pseudônimo, quando a sua especialidade era engenharia hidráulica, mas...
Faleceu em Londres em 1909.
do Brasil, por Francisco G. de Amorim
25 mar. 09

domingo, 22 de março de 2009


Francisco Gomes de Amorim
(outro bisavô)

No antigo site (vergonhosamente tirado do ar pelo provedor Terra) já se falava bastante neste bisavô, nascido em 1827, em Averomar (que nome lindo!), freguesia de Amorim, concelho da Póvoa de Varzim, e falecido em Lisboa em 1891.
Foi um batalhador, homem de letras, poeta, dramaturgo e o primeiro indigenista não brasileiro, com o romance “Os Selvagens”, em 1875.
Nesta primeira apresentação, para o conhecermos (para os que não sabem da sua existência) serão dele as palavras deste auto retrato:
I
“Advertencia”
(da 1ª Edição de “Cantos Matutinos” de 1858. Ortografia original)
Eu tinha pouco mais de nove annos, quando algumas leis repressivas do tráfico da escravatura preta encaminharam a especulação dos negreiros para o commercio dos escravos brancos. A Inglaterra usava da sua influencia sobre Portugal, e os traficantes não se tinham ainda lembrado de inspirar ás auctoridades da África portugueza o patriótico pensamento de se associarem com elles, para se vingarem da pressão exercida pelos ingleses sobre o innocente negócio.
Os negreiros correram pois para o continente do reino, e ilhas dos Açores, e dentro em pouco os mercados do Brasil abundavam novamente em carne humana, com grande vantagem para os consummidores, que podiam comprar escravos brancos mais baratos do que os pretos.
Os engajadores inundavam, como agora, as provincias do norte do reino, agarrando gente por todos os meios possiveis, e não sei mesmo se por alguns impossiveis, porque elles eram homens para grandes dificuldades. Investiam com as próprias autoridades ! e não posso avançar que seduzissem alguma, indo-a vender aos brasileiros, como fizeram a um pobre rei africano, que foi meu remador, affirmo que os filhos dos regedores de aldeia, e ainda dos administradores dos concelhos, eram os que de preferencia cubiçava a caprichosa exploração dos agentes. A razão desta distincção era talvez com o intuito de escarnecer d´um poder, que não queria ou não podia coarctar este criminoso trafico. O certo é que ninguem escapava à sua influencia, e que por fui eu fui victima deles, ainda que indirectamente, e por minha vontade.
A minha terra é uma linda aldeia chamada Avelomar, situada n´uma praia do Minho; pela sua situação e abundancia de população não podia ella deixar de ser um dos theatros de operações dos engajadores; e por se ligarem a esta circumstancia todos os acontecimentos da minha vida, permitta o leitor que eu ponha já em scena a minha humilde pessoa.
Nasci sem nenhuma circumstancia que possa dar relevo a uma biographia, e declaro que me criei como toda a gente, sem nenhum acontecimento notavel que, distinguindo os meus primeiros annos, me levasse mais tarde ao livro das infancias celebres.Eu não tinha agudezas, não era engraçado, e não aprendia coisa alguma. Os meus talentos limitavam-se a escolher cada dia um meio differente, que me livrasse de ir á escóla, porque n´ella me esperavam certas familiaridades d´um instrumento, cujo nome latino me havia inspirado horror á erudição do meu mestre. O instrumento era a ferula; e o professor andava-me sempre de olho em cima, porque, devo dizel-o, ainda que me custe, eu desacreditava o seu methodo de ensino. Entrei aos cinco annos para a sua aula, e sahi quase aos dez sem saber assignar o meu nome, ou soletrar duas palavras! Verdade é que tinha adquirido sobre os meus camaradas uma superioridade incontestavel nos exercicios archeologicos de atirar a funda, apanhar passaros a laço, e, visto que é preciso confessar tudo, em achar pretextos plausiveis para não dar lição, cada vez que isso me competia.
A minha boa mãe era a única pessoa que ainda não tinha perdido as esperanças de me vêr emendado; todos os mais, parentes, conhecidos ou mestres, me prophetisavam um futuro desastroso, declarando-me inutil para tudo. Um visinho muito rabujento,ao qual eu tinha derrubado uma parede para apanhar um ninho de pintasilgo, fez-me o tremendo prognostico de que eu ainda havia de acabar malfeitor de estrada! Deus lhe perdôe, porque tinha excelentes uvas e eu vingava-me n´ellas da maledicencia do proprietario.
As minhas occupações mais favoritas eram grandes correrias pelas praias do Minho, onde eu ia empoleirar-me nos rochedos mais elevados a olhar para as ondas horas esquecidas, cada vez que via passar as azas brancas d´um navio a duzentas braças da costa. Fóra d´isto, vagabundeava pelos campos dias inteiros, contemplando as cristas azuladas das serras de Barroso e de S. Felix, sem me lembrar de almoço ou de jantar, e ainda menos dos cuidados de meus parentes.
Estas distracções, em similhante edade, não podiam deixar de dar nas vistas a toda a gente. Aconselharam a minha mãe que me arrumasse, fosse como fosse, porque eu tinha ares de lunatico, além de ser um vadio que não queria aprender coisa alguma. Chegaram a assustal-a, apezar dos meus poucos annos; e um lavrador nosso parente offereceu-se para me corrigir, se quizessem entregar-me aos seus cuidados. Á vista da minha rudeza, tiraram-me da escóla, com grande satisfação do mestre, e a minha familia resolveu que eu seria agricultor. Apenas, porém, me haviam installado em casa d´aquelle que pretendia fazer-me gente, levantei contra elle cinco tias, que bebiam os ventos por mim, por causa d´um puchão de orelhas. Elle queixou-se a minha mãe, e eu fui chamado á barra; mas pedi uma sessão secreta, e n´ella convenci de que elle me assassinaria infallivelmente, se me deixassem lá ficar. Não há logica para as mães como as lagrimas dos filhos. Fiquei em casa, mas por pouco tempo. Um cordoeiro da Póvoa de Varzim comprometteu-se a mandar-me ensinar a ler e escrever correctamente, com a condição de que eu viveria em sua casa para vigiar o estabelecimento. Mas quando lá me apanhou, mandou-me virar á roda, do mesmo modo que se eu f^ra um dos seus aprendizes. Estava arranjado comigo! Formei-lhe perante a minha santa mãe um capitulo muito mais odioso do que o do lavrador, e o affecto materno, commovido com a descripção dos horrores e maus tractos, que eu pintava com certa viveza de colorido, arrancou-me a esse novo tyrano, reconduzindo-me triumphante ao lar domestico.
Foi então que os engajadores, espalhando noticias exaggeradas, ou falsas, ácerca das enormes riquezas do Brasil, e da facilidade com que ellas se obtinham, conseguiram desvairar um grande numero de rapazes da minha aldeia. Meu irmão Manuel foi umas das suas victimas, se não engajada, enganada pelos alliciadores. Para o acompanharmos ao bota-fóra, eu e a minha familia fizemos a jornada do Porto. Alli nos demorámos até quase á saida do navio que devia conduzil-o, e como eu ia a bordo todos os dias, os agentes procuravam seduzir-me para que fosse tambem para o Brasil, promettendo levar-me quase de graça. Incitaram-me tanto, e tão saudoso eu me sentia do meu irmão, que era o meu braço direito nas brigas escolares, que por fim pedi a minha mãe que me deixasse seguir o meu destino. Tinha havido já uma revolução domestica, para se consentir na partida de meu irmão, tão novo ainda; mas perante o meu pedido, todos puzeram as mãos na cabeça, e fizeram a minha mãe responsavel, perante o ceu e a terra, pelas desgraças que de futuro me succedessem se ella condescendesse com similhante loucura. Com tudo, eu chorei tanto, e tão bem, que não houve remedio senão fechar os olhos a todos os sacrificios, lançar mão dos recursos extremos, e deixar-me ir pela barra fóra com dez annos incompletos.
Para fazer justiça a meus queridos e bondosos compatriotas, declaro que todos foram sensiveis á minha partida, perdoando-me, ou esquecendo generosamente as numerosas memorias que deixei a quase todos, nas arvores derreadas, nas paredes caídas, e nas seáras pisadas durante as minhas excursões de vagabundo. Quanto a minha mãe, nunca mais teve alegria, nem perdoou a si o haver-nos deixado partir, a mim e a meu irmão, para um paiz desconhecido.
Eu tambem chorei muito, com saudades d´ella, nos primeiros oito dias; mas a viagem foi-se tornando trabalhosa, e os perigos desvaneceram quase as maguas da ausencia. O amor de mãe não tem rival na terra, e foi por isso que a minha ficou inconsolavel, e que eu me fui habituando tão cedo a passar sem ella!
Depois de uma viagem a que não faltaram a fome, a sede, as calmas e tormentas, chegámos a essa formosa terra de Santa Maria de Belem do Pará, que tinha de ser testemunha dos meus altos feitos, e de me deixar um dia eterna saudade.
Apenas desembarcámos, formaram-n´os em turmas no caes da alfandega, para que os negociantes d cidade viessem escolher d´entre nós aquelle que mais lhe agradasse.
Eu estava alli, sem saber para que, no meio de uma multidão de gente de todas côres, que se ria de mim e dos meus compatriotas, ao mesmo tempo que varios homens branco, e vestidos quase todos tambem de branco, gyravam em torno de nós. Os meus companheiros iam desaparecendo, mas a mim ninguem me queria. Um d´aquelles homens vestido de branco andou muito tempo a mirar-me por todos os lados, chegou-se a mim duas vezes, levantou-me a cabeça, mandou-me fallar, e murmurou varias palavras das quaes eu percebi as ultimas, que foram as seguintes: “isto não presta!” Outros olhavam-me com commiseração, e diziam: “É uma consciencia trazer crianças como aquella.” Um preto aproximou-se tambem, perguntou-me o meu nome n´uma lingua quase barbara, e accrescentou depois: “se eu o queria servir!” Outro, roto e descalço, carregou-me sobre os olhos o bonet que eu tinha na cabeça, com grande applauso de apupos dos seus patricios e amigos presentes. Um homem, depois de nos examinar a todos, disse duas palavras ao capitão do navio, que alli estava dirigindo o seu negocio, e intimou o meu irmão que o seguisse, sem lhe declarar para onde, nem em virtude de que direito o levava, e sem que o pasmo nos permitisse que nos despedissemos uns dos outros; de maneira que na mesma terra, n´uma cidade pequenissima, só depois de seis mezes é que eu tive noticias de meu irmão ! e á maior parte dos meus patricios e companheiros de viagem nunca mais os tornei a ver...
Achava-me quase só, e sem perceber que estava n´um mercado de escravos brancos, e que era considerado refugo pelos entendedores! Por fim, do meio dos poucos homens de branco que alli se achavam ainda, sahia um, vestido de pardo, acariciou-me, pondo-me a mão no rosto, e convidando-me a seguil-o. Então rebentaram-me as lagrimas com violencia; até alli encarára feramente a desgraça que não via, mas que sentia. Do momento, porém, em que me chegou a vez de partir, como os outros, sem saber para onde, chorei. Mas o meu patrão era um excellente e honrado homem. Chamava-se o sr. José Maria Fernandes, e inscrevo aqui o seu nome para sua satisfação. O digno comerciante vive ainda, apezar do rehumatismo que o maltracta; se estas linhas lhe chegarem á mão, peço-lhe que me perdôe a muita marmelada que lhe devorei, porque tambem eu lhe perdôo a prodigalidade com que me servia de palmatoadas, cada vez que o meu pundonor nacional me fazia quebrar a cabeça do preto, ou preta, que insultava o meu paiz ou a minha pessoa.
Comecei de tal modo a minha aprendizagem de caixeiro, que no fim de um anno podia com razão lisongear-me de ser o terror da maior parte da gente que frequentava o estabelecimento.
Não era pela minha força physica, nem pela minha figura, creio eu! O certo é que não sei d´onde me vinha audacia para tão grandes commetimentos; mas ainda que o insultador fosse um gigante, não ia sem correcção. As minhas armas eram os pezos da balança, os copos, as garrafas, e nos grandes apuros cortava as difficuldades saindo para a rua, e correndo o agressor á pedrada. De dois resultados que isto podia ter, um era sempre infallivel, no caso de haver cabeça quebrada: ou eu comprava á força de agua-ardente o silencio da victima, ou a palmatoria se encarregava de me cortar os vôos de tão despropositado heroismo.
Finalmente, chegou um dia em que o meu patrão declarou positivamente, que já não me podia nem queria soffrer. Eu tinha tirado á cara d´um homem elegantissimo, que me dirigira um dito grosseiro, com quatro arrateis de manteiga de vacca. O desgraçado era creado, ou escravo, do presidente da provincia; andava sempre recendente de perfumes e vestido de roupa alvissima, trajo de que tinha grande presumpção e vaidade. Porque o não servi com a rapidez que exigia, e julgando-se offendido na sua qualidade de servo do chefe do paiz, permittiu-se a liberdade de me dizer uma palavra, que eu entendi não dever deixar passar, e respondi, batendo-lhe ás mãos ambas com uma enorme colher de manteiga sobre o nariz.
Confesso que por muito tempo me ensorberbeci, e tive esta acção por uma das mais brilhantes do primeiro periodo da minha vida. Os cabellos, admiravelmente frisados, do meu adversario tornaram-se n´um estado lastimoso, e a cara ficou tão bem coberta que, a não ser a differença da materia, parecia que eu queria modelar para lhe mandar fazer o busto. A victima pôde apenas tirar a manteiga dos olhos, ao tempo que eu, espantado mas não arrependido da minha audacia, enterrava novamente a colher no barril para repetir a dóse á primeira tentativa de ataque que elle fizesse. Porém não era essa a sua intenção; mal abriu um olho, partiu como um raio pela porta fóra, e foi mostrar-se ao meu patrão, que morava do outro lado da rua.
Em satisfação ao presidente e ao seu lacaio, apanhei duzias de palmatoadas; porém visto que ellas não evitaram de perdermos o freguez, quis o meu patrão desistir dos meus serviços com prejudiciais, e fallou a todos os seus visinhos, a fim de ver se algum me queria para as suas lojas; mas a minha reputação tinha chegado longe. Responderam todos atterrados, que não queriam nem ver-me ! e foi necessario procurar-me um estabelecimento no extremo opposto da cidade, onde eu era ainda desconhecido, mas onde dentro em pouco me tornei de uma tal popularidade, que dezoito anos são já passados sem que ella tenha desaparecido inteiramente!
(continua...)

Francisco Gomes de Amorim
(continuação)

II
“Advertencia”
(da 1ª Edição de “Cantos Matutinos” de 1858. Ortografia original) - continuação
“Ao completar os meus doze annos, comecei a envergonhar-me de não saber ler, e appliquei-me voluntariamente, e com tanta dedicação, que aprendi em poucos mezes. O primeiro livro que me foi ás mãos, e que hade ter um dia em outra parte um capitulo especial, foi a História de Carlos Magno. Eu não lia só para mim, queria auditorio, e era bem pouco escrupuloso na escolha delle! A quantos pretos, tapuyos, e mulatos apanhava, nos momentos em meu patrão sahia de casa, lia a morte de Roldão, e elles desatavam num berreiro de choro, tão feio e temeroso que vexaria o proprio Adamastor.
O meu segundo livro foram os Lusiadas de Camões.
Não escrevo estes apontamentos para a posteridade me fazer a biographia; faço-os para os leitores dos Cantos Matutinos. Do rapaz endiabrado e picaresco, que eu confesso ter sido, pode-se esperar tudo, menos um bom poeta. Aos que, depois de saberem os pntos capitaes de arrevesado começo de vida, não acharem toleraveis os meus versos, responderei: que os façam melhores; lastimando que o censor não passasse pelas mesmas provas que eu passei.
No Pará era raro, n´aquelle tempo, o patrão que permittia aos seus caixeiros accuparem na leittura as horas vagas; mas o fructo prohibido aguça o apetite; a tyrannia inspira naturalmente o desejo de resistencia, e por isso era tambem raro o caixeiro que não se entregava com avidez a leituras clandestinas. E a isso talvez deve aquella cidade o grandee numero de mancebos illustrados, que hje dirigem o seu commercio. Entre elles é vulgar o conhecimento dos nossos melhores classicos, e tanto se tem desenvolvido nos ultimos annos o gosto do estudo, que o mais humilde caixeiro de taberna não ignora nenhuma das modernas publicações portuguezas.
Brigando com a má vontade e opposição que encontram por vezes as minhas tentativas estudiosas, decorei em poucos mezes todas as estancias dos Lusiadas, e foram ellas as primeiras lições que eu tive de poesia e de historia. A brutalidade de alguns patrões, e o meu indocil caracter, que repelia a servidão,fizeram-me tomar odio eterno á vida de caixeiro.
Meu irmão, e um primo de quem eu era hospede, fizeram esforços desesperados para me domar. Depois de se convencerem de que eu me não sugeitava ao commercio, perguntaram-me se queria seguir outra qualquer carreira; se me sentia com vocação para artista, militar, padre, medico, ou advogado; deram-me a escolher todas as profissões compromettendo-se a mandarem educar-me convenientemente; porém eu não me decidi por nenhuma. E uma vez que me apoquentaram mais do que de ordinario,á cerca do meu destino, respondi ao acaso - que me fizessem calafate.
Meu irmão, que apesar de toda a sua gravidade e bom senso, tinha apenas mais anno e meio do que eu, achou-me muita graça; porém meu primo que era homem serio e que estava cansado das minhas extravagancias, (segundo elle dizia), avançou uma mão para me pegar na orelha, que eu tive a prudencia de pôr fóra do seu alcance – fugindo de casa.
As grandes florestas estavam perto; havia muito tempo que eu aspirava com delicias o perfume que trazia dos sertões a brisa nocturna. A causa da minha repugnancia a todas as occupações era o desejo e a curiosidade, que me mordiam noite e dia, de correr para essas eternas solidões que me chamavam de longe. Sentia-me como atacado de nostalgia das selvas, que eram a patria do meu pensamento.
Um dia de madrugada, tendo-me despedido somente do meu sempre bom irmão, embarquei n´uma canôa que se destinava ao fabrico de gomma elastica, e parti para o rio Xingú. Logo que me vi no meio das florestas virgens conheci que tinha achado o meu reino, o paiz da fantazia. Habituei-me à presença quotidiana da onça, do tigre, e do tamanduá; ás mil variedades de serpentes, aos jacarés, aos gentios de todas as raças, e á sua existencia, costumes e festins barbaros. Pareceu-me que a vida errante da tribu fôra de proposito creada para a minha organisação; dentro em pouco tempo, a côr da minha pele era egual á dos tapuyos. Deixei a espingarda pela frecha; a lingua portugueza pelo dialecto gutural dos jurunas, ou pela lingua dos tupis; preferi, enfim, o selvagem ao homem civilisado, e comecei a vagabundear pelos bosques, como o tinha feito nas campinas do Minho.
Não sei se tive rasão; mas o certo é que seguia meu caminho para auxiliar e desenvolver a primeira tentativa que fizera na leitura.
Tornei a perder os livros de vista, e ainda com menos saudade do que no momento de embarcar para o Brazil, e talvez que tambem com menos vontade de me volver a elles. É verdade que o germen tinha ficado decalgum modo enredado no meu cerebro. Eu sabia os Lusiadas, e não os deixava esquecer, repetindo mentalmente uma ou outra estancia, quando esperava, com a corda do arco retezada e a tacoára em punho, a passagem da anta ou do veado.
Depois de vagar um anno pelas matas e cachoeiras do Xingú, subi o Amazonas, e fui completar meu decimo terceiro anniversario na villa de Alenquer, situada no braço do mesmo rio, entre dois grande lagos – Curumú, e Surubiú.
N´essa povoaçãosinha, de que não posso lembrar-me sem uma doce melancolia, encontrei um dia, em casa d´uma familia indigena, e dentro de cesto forrado de folhas de bananeira brava, quatro ou cinco livros velhos. Um destes era o poema Camões, de Almeida Garrett, edição do Rio de Janeiro.
Li-o, e a essa leitura, repetidas vezes depois, se devem não só os Cantos Matutinos, porém todos os meus modestos opusculos.
Aquelle poema transformou-me repentinamente, e sem eu saber como; principiei a vêr debaixo de outra aspecto os rios, os lagos, as florestas, e as montanhas. Pareceu-me que as flores derramavam maior perfume, e se vestiam de mais vivas cores; que o cèu e os astros brilhavam pela primeira vez aos meus olhos, e que toda a naturesa tomava formas novas e sublimes. Julguei entender o canto das aves, o murmurio das aguas, e o gemer da brisa entre as assucenas bravas e as mimosas gigantes. As harmonias do verso vibravam na minha alma; ouvi dentro em mim outra voz que balbuciava, traduzindo as minhas sensações por meio de palavras cortadas, vagas, encoherentes, e inintelligiveis para o mundo, e que eu não como nem onde as aprendia! Cuidei-as inspiradas por Deus, e sei que me foram reveladas por esse elegia sublime do grande poeta, que já não vive!
Ousei dirigir uma carta a Almeida Garrett em que lhe contava, com a mesma simplicidade e sindeleza com que agora o faço, tudo o que deixo escrito; e concluia perguntando-lhe se o que eu sentia então seriam indicios, que revelassem em mim a ave que pretende voar antes de lhe nascerem as azas. A carta gastou muito tempo em descer da beira dos Andes, e atravessar o Atlantico. Depois della partir, eu sorria-me da louca tentativa que fizera, e deixei de esperar uma resposta que já me parecia impossivel de obter. Mas no fim de dois annos e meio, a resposta chegou ás minhas mãos. Era uma consolaçõa, um estimulo, um impulso.
Encontrei-a no Pará em 1844,tendo eu já desessete annos. Divulguei a noticia, e toda a gente quis ver a carta do poeta, que alli é e foi sempre adorado. Duvidou-se que fosse deelle; mas entre os curiosos appareceu um que reconheceu a lettra. Era negociante honrado, e os incredulos não tiveram remedio senão curvarem-se diante da sua palavra. Já ninguem se ria das minhas passadas criancices; olhavam-me quasicom respeito; e os caixeiros que haviam sido meus contemporaneos estalavam com desejos de me proclamar poeta, visto que eu me correspondia com o que era para elles, e para mim, quase um semi-Deus.
Resolvi então voltar a Portugal, com a firme vontade de vir para Lisboa estudar, e decidido a morrer na lucta, se tanto fosse preciso. No momento da minha partida, fui bastante temerario para consentir que se publicasse um soneto de despedida aos meus amigos, do qual aproveitei doze linhas para zurzir os maledicentes. Era a primeira vez que o meu nome ousava ir desacommodar os typos, e Deus sabe se não teria sido melhor o deixal-os dormir sem me tornar jamais seu conhecido!

Ninguem, que tenha o habito de ler jornaes, póde ignorar as minhas relações com o fallecido visconde de Almeida Garrett. Desde o momento em que nos encontrámos pela primeira vez, até áquelle em que o vi expirar-me nos braços, proferindo o meu nome, e dizendo-me estas derradeiras palavras: “já o não vejo!” Devi-lhe sempre a maior affeição e os melhores conselhos que um filho póde receber de seu pae. Foi elle o meu mestre; porém, apesar de todos se dizerem seus discipulos depois da sua morte, elle não deixou ninguem que o represente na terra. Segundo a expressão de Theofilo Gauthier “cada poeta celebre leva consigo o seu segredo quando desce á sepultura.”
22-mar.09

quarta-feira, 18 de março de 2009

Os bisavôs
(ordem alfabética)
António José Arroyo

Nasceu no Porto em 1856, filho de José Francisco Arroyo y Rezola e Rita Norberta Xaviera de Rezola y Gastañaga, primos direitos, nascidos em Oyarzun e Usurbil, naquele tempo arredores de San Sebastian, na Guipuscoa. Espanhóis bascos.
Seu pai foi notável compositor e diretor do Teatro de São João no Porto, que se chamou Ópera do Porto.
António Arroyo, de grande cultura e inteligência, formou-se em engenharia civil, e além do seu trabalho profissional foi um exigente crítico de arte e música, escreveu alguns livros – infelizmente poucos – e notabilizou-se sobre temas literários e artísticos.
Assim que se formou trabalhou na construção dos Caminhos de Ferro das Beiras e depois do Sul e Sueste, e em 1881 ingressou no Ministério das Obras Públicas.
Quando Portugal encomendou à empresa belga Sociéte de Willebroeck, com projeto do engenheiro Seyrig, ex sócio de Eiffel, a continuamente famosa ponte Dom Luis sobre o rio Douro, no Porto, mandou para Bruxelas um engenheiro português para acompanhar os trabalhos de execução daquela magnífica obra de engenharia. O escolhido foi o jovem António Arroyo, que com regularidade dava ao seu ministro notícias do andamento da obra e comentava a sua admiração pela excelente mão de obra belga, com operários oriundos de escolas especializadas.
Logo o ministro de Obras Públicas, a quem estava subordinado também o ensino profissional, muito deficiente, se interessou, mandou-o visitar essas escolas, e que recolhesse o máximo de informação possível para que em Portugal se pudesse seguir esse exemplo.
De regresso a Portugal, sem deixar o seu posto no Ministério de Obras Públicas, foi nomeado para uma comissão, de que fazia parte o escritor e professor Adolfo Coelho, para a criação de escolas industriais e de desenho industrial.
Há em Lisboa uma Escola, que se chamou, ao ser criada em 1934, ano em que este meu bisavô morreu, Escola Industrial António Arroyo (Artes Aplicadas), por onde passou boa parte dos grandes pintores e escultores portugueses, alguns dos quais seguiram depois para a Escola Superior de Belas Artes.
Hoje chama-se Escola Secundária Artística António Arroyo, em edifício próprio, também em Lisboa, que fica na rua Coronel Ferreira do Amaral, no bairro das Olaias. É bom que se saiba, porque será nessa Escola que mais informações se podem obter sobre o nosso vovôzinho.
Antes da atual sede própria, a Escola funcionou muitos anos num prédio que tinha sobre a porta da entrada do edifício, protegido por um nicho sui generis, o busto de alguém, e sobre este os dizeres “Escola Industrial António Arroyo”. Como é de imaginar as pessoas relacionavam o busto ao Senhor Arroyo. Pequena cabeça meio inclinada para a frente, ar triste, carequissima, cara rapada.
O bisavô podia ter pouco cabelo, carecão só no alto da cabeça, mas uma bela barba, feições cheias de personalidade e cara levantada.
O busto não era dele, claro. Pouca gente sabia de quem era aquela careta, e lembro-me de ter ouvido dizer que seria, ou do arquiteto que projetou o prédio ou do dono do dito. Ambos desconhecidos.
Xerêta daqui, pergunta dali obtive a resposta ao mistério: o busto era do antigo dono daquela casa, um homem que se chamou António Augusto Gonçalves, que possivelmente terá pensado assim se imortalizar, sem que para isso contasse no seu curriculum referência a obras valerosas que da lei da morte o libertassem.
Porque não tiraram o busto dali? Não sei. Talvez a casa fosse alugada e isso fizesse parte do contrato de arrendamento!
Em 1956, no centenário do nascimento do bisavô houve uma sessão solene lá na antiga Escola, sendo orador o pintor Abel Manta, pai, que abordou o assunto, achando, já nessa altura, que, ou identificavam o busto explicando o que ele ali fazia, ou o dissociavam claramente do nome de António Arroyo. Mas o cabeça rapada permaneceu no seu nicho, olhando de esguelha para baixo, dando risada nas vetustas e escondidas barbas do nosso antepassado. Admite-se isto? Negligência! Só terminou a confusão quando a Escola mudou para edifício próprio, deixando o busto careca na sua propriedade.
Mais outra história interessante com este antepassado.
Profundamente ligado às artes, escreveu sobre música, teatro, pintura e escultura, correspondeu-se largamente com a viúva do grande compositor alemão Richard Wagner, Cósima, filha de Franz Liszt, correspondência essa que não está, nem nunca esteve comigo, e certamente merecia novos estudos e talvez divulgação, e quando Richard Strauss esteve em Portugal foi António Arroyo quem o acompanhou.
Profundo conhecedor e crítico musical, dizia-se que antes do início dos concertos o maestro avisava os seus músicos:
- Cuidado! O António Arroyo vai estar presente!
O episódio que se segue foi contado também pelo mesmo pintor Abel Manta que, ainda estudante de Belas Artes, ao sair um dia das aulas, no fim da manhã, estranhou ver abertas as portas do Teatro de São Carlos, em Lisboa, e desusado movimento de gente entrando e saindo! Foi ver o que se passava.
No palco, Strauss ensaiava ao piano. O vai vem de gente atraída pela curiosidade da porta aberta, fazia barulho, perturbava, enquanto uns interessados somente em bisbilhotar, outros encantados por terem descoberto o grande mestre e terem possibilidade de o ouvir, e de graça!
Sem silêncio para que o músico se concentrasse e trabalhasse, António Arroyo decidiu intervir.
“No palco, ao lado do pianista, um indivíduo de aspeto austero, barba comprida, assistia àquele entrar e sair que perturbava o ensaio do grande músico. De repente pede a este que pare por um instante e, voz grossa e firme dirigiu-se ao público: “Nem esse senhor e muito menos eu, temos necessidade da vossa presença aqui. Quem quiser assistir, pode ficar, quem quiser sair que saia, mas não perturbe.”
O ensaio dali para a frente correu em profundo silêncio, só quebrado pelos aplausos dos que tiveram o privilégio de ficar a ouvir o criador das grandes valsas vienenses.
do Brasil, por Francisco Gomes de Amorim
18 mar. 09
(a continuar, mais algumas histórias deste bisavô...)

domingo, 15 de março de 2009

Diversos- África


Mulheres à pesca em Mossuril


Na Massaca - Boane - MoçambiqueTamanho da fonte

Flamingos

Barco de pesca - Índico
Pesca no Mossuril (em vermelho)
Forte de São Gabriel - Ilha de Moçambique







quarta-feira, 11 de março de 2009

Retratos

O fiho, Francisco, gozando o sol de Paris

Garotas da Ilha de Moçambique, com "msirro" para embelezar a pele

Meu pai, Jorge

Minha mãe, Maria José
Cuanhama

Mulher do Mali
Os gemeos, Lourenço e Tomás, com 4 anos
Xico, um amigo desde... sempre
A Maria, neta do Xico Carlos, outro amigo dos primeiros bancos da escola

O alegre engraxate do Xai-Xai, Moçambique, em 1971

O bisavô, poeta, Francisco Gomes de Amorim

Óleos
O "Mussulo" na Baía de Angra dos Reis

Igreja da Pena, Freguesia, Jacarepaguá, Rio de Janeiro

Escuna "América"

Carnaval no Rio. Escola da "Beija Flor"

Mulheres em África

O Corcovado

Bailarina

Forte de São Sebastião. São Tomé

Pescadores de São Tomé

terça-feira, 10 de março de 2009

Aquarelas
África

Garça

São Tomé

Pescador em canoa
Café mabuba
Savana
Zebras

sábado, 7 de março de 2009

Aquarelas
1 - Angola
Luanda, anos 60
Mulheres

O "Mussulo" fundeado no Mussulo - 2006
Baía de Luanda, século XIX
Fortaleza de Luanda, século XIX
Na Baía do Mussulo, o barco do Zeferino Cruz

O "Mussulo" quando do "Abraço à Vela", Janeiro de 2006, fundeado no Namibe Garotos na Baía do Mussulo
Imbondeiro ou embondeiro, baobá (Adansonia digitata)
A "fenda" da Tundavala

quinta-feira, 5 de março de 2009

Um novo blog











Este é o meu novo blog

- Francisco Gomes de Amorim -

que vem com as seguintes finalidades:
1.- substituir o site anterior http://paginas.terra.com.br/arte/fgamorim/ que foi covardemente tirado do ar pelo provedor Terra, com a argumentação, furada, de que tinha sido um benefício que davam aos clientes e agora não dão mais! Uma forma triste de enganar os clientes, um hábito muito arreigado nos políticos e nos grandes trusts. Lamentável, mas não se morre por isso.
2.- exibir os meus desenhos e pinturas;

3.- publicar textos e memórias de antepassados, e assim falar deles;

4.- reproduzir alguns dos meus textos publicados em livros.

As crónicas e polémicas continuam em http://www.zukumuna.blogspot.com/ para aqueles que gostam e para os que discordam e deixam os seus comentários.
Como o blog vai levar uns quantos - muitos! - dias para montar e organizar, assim que estiver pronto... será comunicado.
Obrigado àqueles que me alertaram para o desaparecimento do anterior - que tinha dado um trabalho imenso em montar - e espero que venham a gostar deste.
Francisco G. de Amorim
05/03/09