domingo, 26 de fevereiro de 2012


ILHA DE MOÇAMBIQUE

FUNDAÇÃO DA PRIMEIRA FEITORIA


Vicente Sodré ao chegar a Moçambique, vendo-se recebido em boa paz, iniciou logo o trabalho de construir uma caravela, para o que já trazia dos estaleiros de Lisboa toda a madeira convenientemente aparelhada. Quando Vasco da Gama chegou à ilha, estava essa tarefa quase concluída.

Informam os cronistas que o xeque mouro, príncipe e regedor da ilha, já não era o mesmo. Este recebeu com afabilidade a gente portuguesa, entregou ao comandante uma carta de João da Nova e permitiu ao Almirante a fundação de uma feitoria, «para as naus que ali fossem acharem mantimentos».

Assim se fundou a primeira feitoria na Costa Oriental de África - a da ilha de Moçambique.


Ilha de Moçambique – 1616 par Bertino


Alguns autores afirmam haver sido descoberta nesta altura a baía da Lagoa, por se ter desgarrado da armada a nau de António do Campo e ali ter ido parar. Escritores sérios têm nos nossos dias aceitado o facto sem discussão nas suas obras. Os textos não permitem, parece, uma tão formal afirmação, como bem ficou provado pelo erudito director do nosso Arquivo Histórico de Moçambique, Sr. Tenente Caetano Montez, no seu valioso volume sobre Lourenço Marques. Lendo-se atentamente a sua argumentação, assente numa cuidada revisão das fontes, fica-se na incerteza de quem foi o primeiro navegante português que para Portugal levou notícias dessas paragens, pois tanto poderia ter sido António Campo como qualquer outro dos que se fresmalharam das respectivas armadas, antes do fim de 1502. Diz-se antes desta data, por ser ela a do mapa levado por Alberto Cantino ao Duque de Fer¬rara, no qual aparece já marcada a baía da Lagoa com os seus três rios.
Fundada a feitoria da ilha de Moçambique, como se disse, aprestou-se Vasco da Gama para a partida, tendo o cuidado de deixar nas mãos do xeque uma carta assinada por si, dando ordem a todo e qualquer navio que ali chegasse, para não fazer dano algum aos da ilha, pois tinha feito contrato de paz e amizade com eles. Mandava, também, que se não demorasse e partisse em direcção a Quíloa, o mais breve possível (l).
A 12 de Julho chegou Vasco da Gama a Quíloa, em cujo porto entrou em atitude bélica, disposto a cumprir o regimento que el-rei D. Manuel lhe dera: obrigar o sultão de Quíloa a fazer-se tributário do rei de Portugal.



Assim Vasco da Gama entrou em Quíloa



Não lhe foi difícil conseguir esse intento, pois o estrondo dos seus canhões lançou o terror em toda a povoação, da qual vieram emissários do chefe mouro pedir as condições de paz. Dois mil meticais de ouro, computados por Edgar Presfage em 890 libras, lhes impuseram como tributo anual, o qual imediatamente pagaram. Tal foi o primeiro ouro da África que chegou a Lisboa e lá se encontra ainda, na formosa jóia manuelina da custódia oferecida pelo rei ao mosteiro dos Jerónimos, o monumento síntese do génio português da época dos Descobrimentos.
E esta a altura de se pôr de novo um pequeno problema histórico que supomos não estar resolvido: o da época e local da junção dos navios de Estêvão da Gama com a armada do Almirante D. Vasco. Com efeito, nem os autores clássicos nem os modernos estão de acordo: Casfanheda, Damião de Gois e D. Jerónimo Osório afirmam que as duas armadas se juntaram em Quíloa, ao passo que João de Barros nos diz ter sido feita a junção em pleno mar, depois de Melinde. Entre os modernos: Presfage fica na incerteza, Manuel Múrias diz que se juntaram na ilha de Moçambique, o General Teixeira Botelho e o Comandante José Torres seguem a opinião de que se encontraram em Quíloa.
E, afinal, a informação dada pela única testemunha do facto, que escreveu um relato circunstanciado da viagem completa de Estêvão da Gama, é tão clara que não deixa ocasião para a mínima dúvida. Vamos, pois, analisar esse documento.

D. ESTÊVÃO DA GAMA EM ÁFRICA

Não foi até hoje, supomos, posta em dúvida a autenticidade ou a veracidade do pormenorizado relato de um dos componentes da armada de D. Estêvão, de nome Tomé Lopes. Não deixa, porém, dúvidas que os autores quinhentistas não o conheceram, pois as suas divergências de opinião não se teriam dado em face de tão claro depoimento.
Esteve esse relato inédito até 1812, ano em que foi incorporado na valiosa Colecção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas que vivem nos Domínios Portugueses, publicada pela Academia Real das Ciências de Lisboa.
Não se vai reproduzir tão extenso documento, mas apenas analisar a cronologia da viagem na parte referente a África, até ao encontro com a armada de D. Vasco da Gama.
Tendo os navios de D. Estêvão deixado Lisboa em l de Abril, a 15 de Julho achavam-se na embocadura do rio de Sofala, onde foram verificar se ali estariam ainda os navios do Almirante. Dois dias ficaram surtos em onze braças, não podendo continuar viagem imediatamente como era sua vontade, por falta de vento favorável. Vasco da Gama já nessa altura se encontrava em Quíloa.
Os homens da armada de D. Estêvão não desembarcaram em Sofala, por medida de prudência, pois ignoravam o que teria acontecido ali à outra parte da armada. Apesar de convidados a entrar pela gente da terra, continuaram a rota até Moçambique, onde ancoraram a 22 de Julho, uma sexta-feira.
Vieram logo ter com eles «alguns mouros de reputação», trazendo a carta, a que já se fez referência, com as recomendações assinadas-pelo próprio Almirante.
Souberam ali que Vasco da Gama pouco ouro resgatara em Sofala, por existir «uma grande guerra no lugar donde o ouro vinha».
Feita aguada na maior pressa, partiram de Moçambique a 25 de Julho, não tendo entrado em Quíloa «por não estar lá o Almirante». Este passo de Tomé Lopes destrói todas as opiniões apontadas atrás.
Passaram por Melinde, onde foram muito bem recebidos, e ali souberam que o rei de Quíloa se fizera tributário de Portugal, estando o rei de Mombaça com muito medo dos Cristãos. A 5 de Agosto partiram de Melinde.
Onde se encontraram, pois, as duas armadas ? Vai dizê-lo o próprio Tomé Lopes:

Em o Domingo vinte e um de Agosto, pela manhã, ainda cedo, chegámos à dita Ilha (Anchediva), de modo que antes de hora da Noa fomos vistos e salvados com alguns tiros de bombarda; e como o Almirante, que estava ouvindo Missa os ouviu, deixou tudo e com grande pressa fez aparelhar três naus e duas caravelas, e veio para nós julgando que eram naus de Meca, e pôs-se de permeio com a terra para não nos poder¬mos refugiar a ela. Apenas o avistámos tivemos um grande prazer, e içámos muitas bandeiras, toldos e estandartes; com o que conheceu que éramos Portugueses.
Quem tal escreveu viu os acontecimentos, merece inteiro crédito. Assim, juntaram-se na ilha de Anchediva os dois troços da armada, que juntos à India iriam em parada de glória.

A ÁFRICA E AS ARMADAS DE 1503 A 1505

Propondo-se este trabalho apenas focar as ligações de Moçambique com a História da Expansão Portuguesa, destacando os factos que a ele se relacionam, vamos assistir à passagem das armadas seguintes, tentando encontrar os sinais por elas deixados nas terras da África Oriental.
Depois das vitórias de Vasco da Gama na empresa da Índia saiu de Lisboa, em 1503, a armada dos Albuquerques com nove naus dividida em tres capitanias; a de Afonso de Albuquerque, com três naus, e a de Francisco de Albuquerque, com duas naus, para regressarem com carregamento de especiarias; sendo a terceira capitania a de António Saldanha com os restantes navios, «para andarem na boca do estreito do Mar Roxo, esperando as naus dos mouros de Meca». Apertava-se, assim, cada vez mais o bloqueio ao comércio árabe na Índia.
Os primeiros partiram em Abril, Afonso de Albuquerque no dia 6 e Francisco de Albuquerque a 14, seguindo um pouco mais tarde as naus de António Saldanha.
Nesta armada seguiu para a Índia o primeiro grupo de Dominicanos.
Os Albuquerques não deixaram traços em terras de África, ao contrário de Saldanha que nela deixou ligado o seu nome, pois foi o primeiro explorador da baía onde hoje se encontra debruçada a Cidade do Cabo, conhecida desde então na cartografia por aguada ou baía de Saldanha. Ele e alguns dos seus foram, também, os primeiros europeus que escalaram os montes fronteiros, onde subiram em busca de orien¬tação, tendo então verificado que ainda não haviam transposto o Cabo. Muito possivelmente foi Saldanha o autor do nome daquela montanha, já empregado por Barros - «Mesa do Cabo da Boa Esperança».

Mapa de Fernão Vaz Dourado - 1576

Dali partido foi a Moçambique, Quíloa e Mombaça, onde encontrou Rui Lourenço Ravasco com a sua nau, em guerra de presas com o rei da terra, inimigo do rei de Melinde, aliado dos portugueses. A acção conjunta dos dois capitães levou o sultão de Mombaça a confessar-se vassalo do rei de Portugal com um tributo anual de 500 meticais de ouro.
A esta quinta armada e à antecedente se deve o início da consolidação do domínio português na costa ao norte da ilha de Moçambique.
A sexta armada das índias saiu de Lisboa sob o comando de Lopo Soares, a 22 de Abril de 1504, dela dizendo Barros: que «levava mil e duzentos homens, muita parte deles fidalgos e criados del-Rei, toda gente mui limpa e tal que com razão se pode dizer que esta foi a primeira armada que saiu deste reino de tanta e tam luzida gente e de tam grandes naus, posto que foram menos em número que as duas passadas». Nada, porém, vieram acrescentar ao conhecimento já existente acerca da África Oriental, limitando-se a passar por lá na ida e na volta.
À sétima armada, que no total deveria contar 22 navios, estava reservado mais brilhante papel na expansão portuguesa em África. Partindo de Lisboa a sua primeira parte, a 25 de Março de 1505, levando por comandante D. Francisco de Almeida, não perde tempo pelo caminho na pressa de chegar a Quíloa.
Quebradas as pazes à chegada, cujas peripécias longo seria narrar, o ataque à cidade é fulminante: a ilha de Quíloa rendeu-se aos Portugueses, fugindo os vencidos para o continente.
A África Oriental viu então levantar-se ali a primeira fortaleza onde ficou flutuando a bandeira de Portugal.
Foi nomeado para seu capitão Pêro Ferreira Fogaça; para alcaide-mor Francisco Coutinho e para feitor Fernão Cotrim.
Escolhido por D. Francisco de Almeida o novo sultão da ilha, que ficou protegido pela força de setenta homens deixada na fortaleza, seguiu a armada para Mombaça, que veio a ter a mesma sorte ou pior ainda, pois foi saqueada e incendiada. Dura e cruel vingança assim se tirou das falsidades passadas.

(1) Tomé Lopes, "Navegação às índias Orientais" (1502), publicada no vol. II da Colecção de Noticias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas que vivem nos Domínios Portugueses (A. R. das C., 1812).


24/02/2012



Copacabana?  Lisboa?  Não!  Ilha de Moçambique.









terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


Plagiando Teixeira de Pascoaes:” A aldeia do passado já não existe; mas vive em mim. Tenho-a intacta, cá dentro, onde se fixam todas as formas transitórias, reproduzidas numa substância espiritual.”
Talvez como a mesmo Pascoaes disse: ”o que caracterizava o povo português e o identificava como único, era a saudade.”
Saudade... de Benguela!

ANGOLA

PRIMEIROS  RECONHECIMENTOS


Os antigos diziam que o reino de Angola confinava pelo sul com o País dos Cafres, e consideravam a região para o sul do Cuanza, até ao Golfo das Vacas, como pertencendo ainda a Angola, havendo alguns, como o nosso Duarte Lopes, que estendiam os seus limites ainda mais além, até ao Cabo Negro (1).
Não se compreende muito bem em que se baseavam para esta asserção, mas deviam talvez fundamentá-la, não no papel político do Ngola, querendo dizer que a sua autoridade de Rei se estendia por todo esse vasto território, mas porque da mesma família da Ginga, e dos outros jagas que viviam na região a que chamávamos Angola e considerávamos um reino, eram aqueles que se tinham estabelecido além Cuanza, como os Quembo, Songò, Holo, Quioco, Biênos e ainda os do Humbe (2), afora várias pequenas guerrilhas que se não tinham grupado e viviam independentes, pela costa na foz dos rios, e pelo interior, formando, no conjunto, o país de Benguela, que uns queriam que tivesse o seu limite norte no rio Cuanza, outros no da Longa e o sul no Cabo Negro (3).
 Carta de 1766 - Angola e Benguela separados

Pela tradição entre os indígenas, parece ponto assente que um jaga Quingurí desavindo-se com a família na Lunda, abalou com os seus partidários na direcção de Quimbundo, passando as nascentes do Cuanza e seguindo para o norte pela sua margem esquerda, foi acampar no Libolo, onde depois de algum tempo de permanência, resolveu passar o Cuanza e procurar o Governador Geral a quem se apresentou e ofereceu os seus serviços. Estes foram aceites, fixando-se-lhe a residência na Lucamba, sítio que ficou assim chamado por as sementes que deram ao Quinguri, e ele lançou à terra, nada terem produzido, por não prestarem.
Governava então Angola D. Manuel Pereira Forjaz e devia ser ele o governador D. Manuel que a tradição indígena diz que recebeu o Quinguri, não só porque foi a partir de então, que os jagas antigos inimigos nas guerras de Paulo Dias, passaram a ser os nossos auxiliares, como foi durante o seu governo, que o valente Baltasar Rebelo de Aragão se propôs fazer a viagem ao Monomotapa, ou talvez a travessia da África, para o que, certamente, muito deveria ter concor¬rido as informações do Quinguri, junto a outras que já então se tinha do interior, por muitos dos nossos o terem percorrido, quer seguindo o curso do Cuanza, quer desembarcando em algum ponto da costa e internando-se para negociarem.
Como já ficou referido, a costa de Angola para o sul do Cuanza, já antes da ocupação de Luanda era explorada pelos portugueses, pois, em 1546 já iam ao rio da Longa no reino de Benguela resgatar cobre, e Paulo Dias de Novais, em 1586-87, mandou Lopes Peixoto ocupar Benguela a Velha, certamente com o fim de aí desenvolver o resgate com os indígenas, tendo sido infeliz, como sabemos. Depois desta data e durante alguns anos, nos documentos que se tem encontrado, em nenhum há referências às relações que se deveriam ter estabelecido por todo o litoral para o sul, com os indígenas, e, contudo, não resta dúvida que existiam, porque, em 1600 ou 1601, o Governador João Furtado de Mendonça foi ao sul, à Baía das Vacas ou Baía da Torre, com ses-senta homens, para negociar com os indígenas, o que não teria feito, se não tivesse informações do resultado de expedições anteriores; que o animaram a tentar um resgate em maior escala (4).
Da tripulação, como já se disse, fez parte um inglês Andrew Battell e por ele sabemos que foi de bom rendimento essa viagem, trocando-se contas de vidro por vacas e carneiros (5), “bigger than our English sheep” e por “madeira chamada Cacongo que se assemelhava ao pau Brasil”. A quantidade de gado era tal, que em dezassete dias tinham adquirido quinhentas cabeças e o Governador, em mais de dez dias, carregou três navios. As contas de vidro com que se fazia o negócio eram azues e de uma polegada de comprimento, e o gentio dava uma vaca por quinze contas.
Citando, apenas por curiosidade, a informação de Andrew Batell de que os indígenas “they are beastly in their livingy for they have men in womens apparel, whom they keep among their wives”, registamos a sua observação de que as serras que encontrou no seu percurso, constituíam uma cordilheira que vinha desde as montanhas de Cambambe, que tinham minério de cobre em grande quantidade, que os indígenas não trabalhavam senão na parte que precisavam para obter os seus adornos, que para as mulheres consistiam em colares no pescoço e pulseiras nos braços e pernas.
Battell tornou a participar de outras viagens de negócio pela costa e, de uma delas, o mestre da embarcação vendo um grande arraial indígena nas margens do rio Cuvo, desejoso de averiguar o que era, aproximou-se e soube que se tratava de um acampamento de jagas. Entrando em relações, desembarcou com o Battell e os portugueses que levava, fazendo largo negócio, enchendo o navio de escravos, que compraram a real, quando em Luanda se não obtinham por menos de doze mil réis (6).
Battell como se vê, não ia só, nem teve outros ingleses a acompanhá-lo, pois que os não cita, mas sim portugueses, alguns mulatos, segundo diz, e de concluir será também que não sendo negociante e apenas um degredado e estrangeiro, não teria o capital necessário para manter à sua custa uma armação e trabalhava por conta de qualquer português. A viagem não era, pois, de sua iniciativa, mas um facto corrente, de há muitos anos já entre portugueses.
Da descrição que faz, averigua-se que estiveram, ele e os portugueses, durante cinco meses com o jaga auxiliando-o nas suas guerras e fazendo negócio, e tendo o navio fundeado em Benguela Velha, fizeram três viagens a Luanda para levar a carga que tinham resgatado. Quando regressaram pela quarta vez, não encontraram o acampamento do jaga mas foram ter, ele sempre com os portugueses e nunca só, com o soba Mofarigosat, nome bastante estropiado e de impossível identificação, que os não quis deixar sair, mas os portugueses conseguiram demovê-lo deixando-o a ele, Battell, por ser inglês, como refém.
Fugindo da embala deste soba, foi para Dala Cachibo, onde encontrou de novo o jaga da viagem anterior, com quem andou bastantes meses, até que, depois de muitas marchas, foi parar ao nosso conhecido soba Langere, próximo de Cambambe.
Verifica-se de tudo o que fica referido que a costa pelo menos até Benguela, e o interior, quando mais não fosse, na parte do Amboim, Seles e o curso do rio Cuvo, eram percorridos pelos nossos comerciantes para o seu negócio, não sendo de admirar que chegassem ao Bailundo e Bié.
Como se sabe, também por tradição indígena, o território desde o Bié até além do Humbe, talvez ao Cuanhama, constituiu o importante sobado do Humbi-Inéné (7), que aliado dos Ngolas, tinha decidido prestar a estes auxílio contra nós (8), o que não conseguiu levar a efeito, por a isso se opor o seu vassalo, soba do Bié. O que levaria este a tomar essa atitude? Não seriam as relações que mantinha com os portugueses que frequentavam a sua embala, fazendo negócio, que o impediram de auxiliar o Ngola? Que outro motivo poderia haver a não ser este?
Nenhum. Foram, sem contestação possível, as relações com os portugueses que impediram não só o auxílio a prestar ao Ngola, como determinaram a rebelião do soba do Bié e a sua independência do Humbi-Inêné. E, possivelmente, foram eles que mais tarde encaminharam o Quinguri, na sua passagem pelo Bié, a apresentar-se em Cambambe, pedindo para ser recebido pelo Governador Geral a-fim-de lhe fixar local para residir.
Muito embora não tenhamos notícia de qualquer outro porto para o sul de Benguela, frequentado pelos nossos comerciantes, é contudo certo que o Cabo Negro nos aparece em mais de um documento, como um ponto conhecido, tudo indicando que as nossas tentativas ou buscas de novos resgates ou explorações, teriam talvez atingido as suas proximidades.
Havia então necessidade de conhecer muito detalhadamente toda a costa da África, quer ocidental, quer oriental, pelo que foi mandado executar um reconhecimento geral, encarregando o da costa ocidental a Belchior Rodrigues, pelo regimento de 4 de Janeiro de 1613, que para esse fim se lhe deu (9), e do qual se verifica que, embora se mandasse efectuar do Cabo de Boa Esperança, ou do mais perto dele que pudesse ser, para Angola, navegando de dia e surgindo de noite, a parte que verdadeiramente interessava era a da Cafraria, até o Cabo Negro. Reco-mendava-se que se examinasse com o maior cuidado todos os surgidoros, as braças dos seus fundos, a qualidade deles, as fontes e ribeiros em que se podia fazer aguada, desenhando-as com diligência e fazendo os cálculos das suas situações, para o que se mandava empregar as novas agulhas de Luís da Fonseca Coutinho e as tábuas de João Baptista Lavanha, que também foi na expedição (10), donde podemos concluir que do Cabo Negro para o norte já havia notícias mais detalhadas da costa, e, possivelmente, os seus portos tivessem sido desenhados, como se pedia para os do Cabo de Boa Esperança até ao Cabo Negro.
Vê-se do exposto que, quer a costa desde o sul da foz o Cuanza ao Cabo Negro, quer o interior, principalmente na parte da bacia do mesmo rio, eram já bastante percorridos pelos nossos comerciantes em fins do século XVI e começo do século XVII.
Os jagas que se espalharam pelo interior e com quem os nossos se relacionaram, arranjavam nas suas incursões escravos e gado que lhes vendiam. Estas boas relações nem sempre garantiam um bom e leal acolhimento, e podemos calcular as dificuldades que seria necessário remover para realizar naquela época uma viagem pelo interior e, mais do que as dificuldades removidas à força de tenacidade, o que essas viagens representavam de energia, de audácia, de confiança em si pró-prios, da parte dos que a elas se afoitavam.



“Jagas” – “Relação do Reino do Congo", de Pigafetta

E tudo isto era o sonho de uma riqueza! Iam para o cobre e para o gado de Benguela, mas todos eles tinham o sentido fixo na prata de Cambambe, naquela serra enorme toda de prata a reluzir, de que o Cafuxe e o Ngola não deixavam que nos aproximássemos!
O cobre de Benguela era um desvio, era para entreter. Não podendo ir a Cambambe, andávamos à roda, sempre atentos à espera de uma aberta.
Mas tínhamos que lá ir, e agora era já a Corte de Madrid interessada no negócio, pois fora governar Angola João Rodrigues Coutinho, levando os mais extraordinários poderes e recursos de tropas para efec¬tuar a conquista de Cambambe.
Desta vez seria certo. Os padres jesuítas também iam, pois gostavam muito do Governador João Coutinho que era muito bom e cujas virtudes e artes nós já conhecemos. A sua fama espalhara-se por toda a parte e quando até do Congo vinha gente para se alistar nas tropas, fiada nos benefícios que lhes prometiam, o Governador Coutinho mor¬reu, estando tudo preparado para a guerra. Os jesuítas que tinham tomado um interesse especial no assunto, fizeram recair a escolha do substituto em Manuel Cerveira Pereira, seu afeiçoado.

Manuel Cerveira Pereira – Fundador de Benguela

Fez-se a guerra e Cambambe conquistou-se, mas a prata, como já vimos, por mais escavações que se fizessem na serra, não apareceu. Manuel Cerveira Pereira, o realizador da proeza parecia sucumbido, mas não era para o seu espírito deixar-se possuir do desânimo; não havia prata, era certo, mas a culpa não era dele, pois nunca o afirmara. E, entretanto, tendo ouvido a um ou outro sertanejo, referirem-se à quantidade de manilhas de cobre que usavam as pretas de Benguela nos braços e nas pernas, passou a garantir, como se ele próprio lá tivesse ido ver e já o tivesse explorado, que havia muito cobre em um ponto determinado e que só ele conhecia.
Ao mesmo tempo, chegou a Luanda o Governador efectivo D. Manuel Pereira Forjaz, e um dos seus primeiros actos foi mandar Manuel Cerveira Pereira preso para Lisboa e a Corte que resolvesse sobre as acusações que lhe eram feitas.

(1) Dapper, Description de l’Afrique pág. 361.
(2) Henrique de Carvalho, “O jagado de Cassange e Expedição portuguesa ao Muatiânvua”; Capelo e Ivens, “De Angola á contra-costa” e “De Benguela ás terras de Iacca”.
(3) É muito possível que pelo facto da donataria de Paulo Dias se estender além Cuanza até Benguela Velha, se acostumassem a incluir toda a região no reino de Angola.Cabo Negro: a norte da foz do Rio Cutato, cerca de 35 milhas – náuticas – a sul de Namibe.
(4) Tem-se feito muita confusão com a Baía da Torre e a Baía das Vacas. Lopes de Lima (Ensaios, livro 3.°, parte 2a, nota (i) a pág. 29), criticando a Relação da Conquista de Benguela, diz que a Baía da Torre está a treze léguas ao sul daquela onde foi fundada a cidade de Benguela e que o autor da Relação, sendo mais guerreiro que geógrafo, errou neste ponto. Assim, para Lopes de Lima, a Baía da Torre seria a de S. Francisco. Luciano Cordeiro (Benguela e o seu sertão nota a págs. 8 e 9) não vendo motivos para se pôr em dúvida a ciência do autor da Relação, cita a opinião de Pimentel, que arruma a Baía da Torre na mesma latitude, com pequena diferença de minutos, em que está Benguela e a da Castilho, que encontrando um erro de 22' para menos, nas latitudes observadas por Pimentel, supõe que a Baía da Torre é a actual dos Elefantes. Andrew Battell, cujas aventuras foram pela primeira vez publicadas por Samuel Purchas em 1613, e portanto antes de escrita a Relação, diz-nos que depois de terem estado numa baía que estava a 12°, foram para a Baia das Vacas, que é a que os portugueses chamam Baía da Torre, “becanse it that a rock like a tower” e aí, »we rode on the noríh side of the rock in a sandy bay» que deve ser a actual de Benguela, parecendo assim que a das Vacas ou da Torre era a do sul da «rock like a íower», talvez a de S. Francisco. Anexos, doc. n.° 24, referido.
Nota:- Com a denominação de “Vacas” só resta hoje (2012) a ponta que separa a Caota da Baía Azul. Mas tudo leva a crer que a mencionada Baía das Vacas seria a Baía Azul, muito mais abrigada que qualquer outra.
(5) É bom frizar que a primeira referência que se encontra a vacas e carneiros é nesta viagem a Benguela. Battell que percorreu o Congo e toda a Angola, só em Benguela refere a existência de carneiros, que achou melhores ou pelo menos tão bons como os ingleses. Dapper quando descreve o reino de Benguela regista a informação de que as vacas eram também tão boas ou melhores que as francesas. Não se conhecendo comparação alguma feita por português dos carneiros e das vacas de Benguela com as do seu país, talvez se possa concluir que o mo¬tivo era por não os poderem comparar, visto serem oriundos de Portugal, possivelmente levados ainda antes de Paulo Dias, quando os colonos de S. Tomé iniciaram as suas explorações pela costa para o sul do Zaire.
(6) Ravenstein, Adventures cit., § III.
(7) Capelo e Ivens, “De Angola à Contra-Costa", tomo I, pág. 214.
(8) Seria talvez no tempo do Ngola Kiluanji Kia Ndambi, que Ravenstein nos diz que foi um grande guerreiro e levou as suas incursões pelo Cuanza muito próximo do mar, deixando assinalado com uma insandeira o ponto aonde chegou.
(9) Biblioteca da Ajuda, cod. 5t-VIII-2ï, fí. i55 a i58 e 160/1—“Regimento de q. ha de usar Belchior Roiz que V. Mag.e hora manda ao descobrimento da terra da Cafraria» e «Regimento q. parece se deve guardar no descobrir e descrição da costa, do cabo Negro té o de boa esperança”.
(10) No cód. acima referido, a fls. 63 e 64 e 78 a 89, encontra-se o regimento e instruções para o uso das agulhas, que mostravam o verdadeiro merediano em qualquer paragem sem nenhuma diferença de nordestear e norestear como te agora fizerão todas as outras...

In “ANGOLA - APONTAMENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO E INÍCIO DO ESTABELECIMENTO DOS PORTUGUESES NO CONGO, ANGOLA E BENGUELA” – Extaídos de documentos históricos. Coligidos por Alfredo de Albuquerque Felner. Coimbra. Imprensa da Universidade. 1933



20/02/2012

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012



? ? ? ? ?

 

Que o Brasil é o país da esperança, já dizia Agostinho da Silva. O tão discutido próximo-futuro Quinto Império. Sem imperador nem burocratas ladrões, etc. Mas é uma esperança...
A capacidade do Brasil produzir alimentos é imensa. Já é o maior exportador de carne bovina do mundo, e segundo a senadora representante dos criadores afirmou, com as novas tecnologias agro-pecuárias, o Brasil pode dobrar a sua produção sem aumentar um só metro à área hoje em exploração.
Dá para acreditar? Dá.
E no que respeita a grãos, além da contínua melhoria de produção por hectare, ainda existem, mais de 100 milhões de hectares de terras à espera de ocupação e produção. E investimento pesado, é evidente. Uma loucura.
No petróleo as coisas lulamente apresentadas davam a entender que a produção da Arábia Saudita ia ficar lá... lá bem para trás! Lulices. Envolveram-se os politicos todos numa politicagem asquerosa para dividirem os royalies do que... qualquer dia, não se sabe bem quando, vai ser explorado. Embandeiraram todos “em arco” porque, inteligentes e profundamente conhecedores do ramo, imaginavam que a Petrobrás iria entrar em produção imediata e acelerada com mais vinte ou trinta plataformas, outros tantos navios, portos, etc. Comprados talvez nalgum supermercado.
Pode ser que qualquer dia...
A exploração entretanto continua, uma série de problemas acontecendo pela velha regra do jeitinho brasileiro, mas a esperança não se perde.
Com respeito ao alcool, o caso é mais sério. Criaram-se para quase todos os modelos de carros os motores “Flex”, que consomem indistintamente alcool e gasolina. Mas hoje o preço do alcool está tão alto que ninguém mais troca a gasolina por um produto renovável.
Vê-se que alguma coisa não está tão certa porque continuam a importar-se quase 800 mil barris de gasolina e outros derivados, POR DIA!
E as áreas de produção de cana são imensas. A perder de vista. E pode-se duplicar! Claro que há tirar daí também o açúcar e a velha – e boa – cachaça, indispensável para fazer a melhor bebida do mundo, a caipirinha! Melhor, depois do vinho!
Para não saturar ou esgotar os solos somente plantando cana, a cada três anos toda aquela imensa área é plantada com amendoim. São as leguminosas a enriquecer o solo. Resultado: o Brasil é o maior produtor mundial de amendoim.
Como de suco de laranja, que exporta em navios tanque!
Quer tudo isto dizer, que apesar da miserável desgovernança... o Brasil cresce, cresce, cresce, e vai continuar a crescer.
E tem números curiosos. Por exemplo a gasolina custa aqui 70% mais do que nos Estados Unidos! Temos o 13º lugar, a contar de cima, de preço alto!
Porquê? Porque a Petrobrás, estatal, precisa de muito dinheiro para transferir para o governo gastar pelo saco azul (a cor da roupa dos políticos!) e os impostos são um assalto.
No custo de um litro, hoje a R$ 2,90, um litro só, a Petrobrás embolsa $0,99, e o governo em impostos, como o ICMS - IVA - $0,81 e mais $0,32, de outros impostos variegados (imposto sobre imposto), “apreende” R$ 1,13, o que dá 33% do valor final. Um roubo.
E o país da esperança continua a melhorar: o xerife do Rio divulgou hoje que janeiro fechou SÓ com 323 homicídios, dolosos (os outros foram do tipo “ó mermão, desculpa lá”!), que é o menor número em 20 anos! E ficam todos felizes com esta mixaria!
Se multitiplicarmos isto por 12 meses, o Rio terá este ano SÓ 3.876 homicídios. Em todo o país têm sido assassinados SOMENTE 50.000 indivíduos por ano. Nos últimos 10 anos foram meio milhão! Em 15 igualado o número de soldados ingleses mortos na I Guerra!
Pior do que o Biafra, Sudão, o Holomor – o genocídio ucraniano – a Síria então é aprendiz!
Para compensar a baixa de assassinatos o número de de assaltos com estupro cresceu 23%! Só em Janeiro, no Rio foram 487! Beleza.
E o PIB de 2011 também acaba de ser anunciado pelo Banco Central: 2,79%. No ínicio daquele ano a desgovernança vomitava barbaridades tais como “a crise não nos afeta” e vamos crescer entre 5 e 5,5%. Foi metade, e as perspectivas por ora... ninguém mais se atreve a fazê-las, porque para o país crescer 5% o investimento público terá que crescer, pelo menos, 30%. E o desgoverno também acaba de anunciar redução de despesas!
Mas o brasileiro é resistente, macho mesmo. Agora vai mandar tudo para baixo do tapete e durante uma semana é só Carnaval, cachaça, cerveja, urina nas ruas e os moteis a encherem-se de dinheiro com os pares que ali vão por uma ou duas horas para... muitos deles terem uma variante do conjuge ou de...
Quinto Império à vista ????


17/02/2012


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012



A 3ª ARMADA PARA A ÍNDIA


Ainda os restos da armada de Pedro Alvares Cabral não haviam regressado a Portugal e já uma terceira armada saíra de Lisboa com destino ao Oriente. Comandava-a João da Nova, alcaide pequeno da cidade de Lisboa, homem de grande linhagem e esforçado como asseguram os cronistas, velho lutador nas lides do mar, em prémio de cujos trabalhos havia recebido a alcaidaria pequena da Capital, apesar de ter nascido na Galiza.
Na sua armada de quatro naus seguem já algumas enviadas por mercadores, com fazenda própria para as trocas nos portos da África Oriental e Índia, uma das quais pertencia a Diogo Barbosa e outra ao fíorentino Bartolomeu Marchioni.
D. Jerónimo Osório assegura que o número das naus era apenas de três, discordando assim dos outros cronistas. Parece não ter razão, pois se dois dos navios pertenciam a particulares, o comandante capitaneava uma nau e seguia Álvaro de Braga para com o seu navio ficar em Sofala, o número total não podia ser de três, mas de quatro.
A armada partiu de Lisboa a 5 de Março de 1501. Navegando com tempo favorável, a «oito graus além da linha equinocial contra o sul acharam uma ilha, a que puseram nome da Conceição» (1).
Dali se dirigiram directamente à aguada já conhecida da primeira viagem — a aguada de S. Brás, a Mossel Bay de hoje —, onde chegaram aos 7 de Julho. Aqui se deu, nesta ocasião, um dos muitos episódios curiosos das temerárias viagens dos portugueses, um dos que revela espírito de iniciativa coroada de êxito.
Ao desembarcarem, viram um sapato velho dependurado de uma árvore. Intrigados com o estranho achado, subiram à árvore e desataram-no. Tinha dentro uma carfa escrita em português. João da Nova leu-a: era de Pêro de Ataíde, um dos capitães da armada de Pedro Alvares Cabral, a avisar os navegantes de Portugal que por ali passassem, dos últimos acontecimentos passados na Índia. Avisava os capitães que deviam aportar a Cochim, onde seriam bem recebidos, evitando Calecute, «o porto cujo rei era mui cruel e malvado homem, que maquinava com insídias, de primeiro, contra os portugueses e, depois, com força declarada a sua perdição».
Tais notícias vieram modificar o curso dos acontecimentos. Os capitães da armada reuniram-se em conselho e deliberaram, perante a incerteza das coisas da Índia, não deixar em Sofala a Álvaro de Braga com o seu navio, «e por lhes ficar mui pouca gente». E resolveram partir dali para Quíloa.



NOVAS NOTÍCIAS

Passaram por Moçambique, nos primeiros de Agosto, com pouca demora, donde seguiram para Quíloa. Ali os esperava alvoroçado um coração português, a palpitar de ansiedade no corpo de um degredado, um dos muitos humildes cuja história se não escreveu, ficando nas entrelinhas dos cronistas — António Fernandes. Mais tarde o veremos como figura central de um destes «Quadros da História de Moçambique».
Viera na armada de Cabral, como assegura João de Barros, e ali foi deixado para colher notícias da terra ou, como a tantos sucedeu, para morrer às mãos de inimigos.
A alta influência de um mouro da cidade chamado Mafamede Anconi salvou-o de morte certa e lá foi encontrado por João da Nova, que dele recebeu uma carta de Pedro Alvares Cabral escrita no regresso da Índia, em Moçambique, e enviada a António Fernandes por um zambuco. As notícias recebidas eram idênticas às de Pêro de Ataíde, já achadas na aguada de S. Brás.
De Quíloa a Melinde e daqui para as índias foi João da Nova escrevendo páginas, a juntar à epopeia portuguesa do Oriente. Vitorioso, iniciou a viagem da volta, fez aguada em Moçambique e, passado o Cabo da Boa Esperança, «teve outra boa fortuna que lhe deparou Deus»: descobriu a ilha de Santa Helena.
Assim no-la descreveu a prosa elegante de D. Jerónimo Osório:
«... ilha tão grande, mas que parece depositada ali naqueles mares por determinação divina, para refeição dos mareantes portugueses, que trabalhados vêm da Índia e suas tormentas, faltos (como é de crer em navegações prolixas) de todo o provimento. Contém ela rios pere¬nais de águas mui frescas, matas e florestas mui espessas, e ares que dão saúde.»
Da ilha de Santa Helena partiu a armada para Lisboa, onde chegou a 11 de Setembro de 1502 «com sumo contentamento que de tão venturosa chegada coube não só a el-rei mas também à cidade toda».
Três anos tinham decorrido sobre o famoso feito da descoberta do caminho marítimo para a índia. A África Oriental nos seus portos conhecidos não conheceu ainda feitoria estável. São apenas pontos de aguada, nas diferentes passagens das arnadas, a Ilha de Moçambique e os portos mais ao norte.
O ouro de Sofala vive, porém, de imaginações. Ele vai ser muito em breve o centro de atração dos portugueses, o ponto de partida para o interior, onde lentamente se irão desvendando os segredos desta África misteriosa.

(1) - Hoje conhecida com Ascenção.

(Faltava só descobrir as ilhas de Tristão da Cunha que este navegador encontrou em 1506.)

In “Quadros da História de Moçambique”, 1947, pelo Dr. Alcântara Guerreiro. Publicado em MoçambiqueDocumentário Trimestral – nr. 59 – Julho – Agosto – Setembro - 1949

13/02/2012

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012



A 2ª Armada para a Índia



Vão partir de Lisboa as duas primeiras armadas que após a descoberta do caminho marítimo para a Índia de novo sulcaram a mesma rota, deixando vestígios na passagem pela costa oriental de África, sem contudo criarem feitorias estáveis.
D. Manuel, no imediato actuar, esteve à altura do momento histórico iniciado por esse feito. Uma vez aberta a estrada pela qual se poderiam canalizar para a Europa as riquezas do Oriente, libertas dos sucessivos intermediários por cujas mãos passavam até então, desde a Índia ao norte de África, impunha-se a organização de numerosas armadas.
O rei não descurou o magno assunto, pondo ao máximo rendimento o trabalho dos estaleiros. Chega a parecer inconcebível como tanto se conseguiu produzir em tão pequenos espaços de tempo. Não só o número de navios construídos foi enorme, como também a preparação de pilotos e mestres de marinharia, em tal ritmo, faz pasmar. No escasso tempo de seis meses estava pronta a partir uma das maiores armadas que jamais saiu do porto de Lisboa com destino ao Oriente. Impunha-se, com efeito, que a nova armada a enviar à índia fosse poderosa, pois era razoável admitir da parte das autoridades indianas o receio desse povo desconhecido, capaz de mandar tão longe os seus navios. E daí seria admissível uma maior preparação bélica a esperá-los, quando lá voltassem. Já João de Barros interpretando o pensamento de D. Manuel assim raciocinava: «o mais seguro e melhor era ir logo poder de naus e gente, porque nesta primeira vista que sua armada desse àquelas partes, que já ao tempo de sua chegada toda a terra havia de estar posta em armas contra ela, convinha mostrar-se mui poderosa em armas e em gente luzida».
E, em conselho, resolveu-se mandar nova armada às terras descobertas no Oriente, levando como capitão-mor Pedro Alvares Cabral.
A fina flor da gente lusa acompanha Pedro Alvares Cabral, nas naus e caravelas da sua armada de treze navios, passando de mil e duzentas pessoas, entre mareantes e homens de armas, «toda gente escolhida, limpa, bem armada e provida pêra tam comprida viage».
Entre os capitães seguem os nomes mais representativos da marinha de Portugal: Nicolau Coelho, companheiro de Vasco da Gama na primeira viagem; Bartolomeu Dias, o descobridor do Cabo da Boa Esperança; Sancho de Tovar (ou Toar) e outros igualmente célebres, refe¬rindo-se apenas estes por terem ficado mais infimamente ligados aos feitos de África.
Esta armada interessa sobremaneira à História de Moçambique, pois no seu regimento impunha o rei a Bartolomeu Dias a missão de procurar Sofala. Cada armada, ao partir, levava rigidamente marcada a sua finalidade, não se deixando aos capitães absoluta liberdade de acção.
Vasco da Gama partira com a missão de descobrir a Índia e apesar do nome de Sofala ser conhecido já em Portugal, pela fama do seu ouro, não se deteve a procurá-la nem à ida nem à volta. Poderia alegar-se ignorância da sua posição, quando passou para o norte navegando directamente de Inhambane a Quelimane; mas tal ignorância seria inadmissível na viagem da volta, depois de tantas informações colhidas na ilha de Moçambique. E, contudo, Vasco da Gama desce também o Índico, sem se preocupar em buscar Sofala. Não era essa a sua missão, outros voltariam. Para ele bastava a glória de ter chegado às Índias. Também algumas vezes aconteceu terem os regimentos das armadas uma parte secreta, só conhecida dos capitães e dos seus mais ínfimos cooperadores. Se tal se dissesse do regimento desta segunda armada, não se cairia nos domínios da fantasia histórica, como se vai ver.
Nesta armada pela vez primeira vão às partes do Oriente, aos lados dos capelães dos navios, um vigário e alguns missionários para se fixarem nas ferras da índia, onde tal fosse possível. Coube à Ordem Franciscana essa honrosa missão, enviando um grupo de oito religiosos, levando como superior a Frei Henrique, mais tarde Bispo de Ceuta e Primaz de África, que voltou à cidade de Évora, de cujo convento franciscano saíra para seguir na armada, para ser o segundo Bispo Coadjutor do Cardeal Infante D. Afonso, filho do rei D. Manuel.
Preparada a armada para partir, vai o próprio rei à capelinha do Resfeto assistir às cerimónias religiosas, para entregar no fim por suas próprias mãos ao capitão-mor o estandarte da Ordem de Cristo, «sinal de nossas temporais e espirituais vitórias». O embarque faz-se a seguir, largando a armada no dia seguinte — dia 9 de Março de 1500

TERRAS DE SANTA CRUZ

De Lisboa tomaram rota por as ilhas de Cabo Verde, onde fariam aguada, quando, estando perto, um temporal espalhou os navios, afastando-se tanto o barco comandado por Luís Pires, que este resolveu regressar a Lisboa.
Ficaram, assim, onze unidades, que, depois da aguada em Cabo Verde, onde chegaram com treze dias de viagem, por consequência a 21 de Março, seguiram a linha de navegação já conhecida, afastando-se assim das regiões de calmarias e buscando sempre a direcção do poente. Tanto continuaram nessa direcção, tanto, que aos 24 de Abril tinham à vista a terra firme, depois chamada da Santa Cruz. Estava descoberto o Brasil.
Ocorreria neste momento o ensejo de se pôr a questão: se o desvio para oeste assim tão excessivo teria sido casual ou, muito ao contrário, o cumprimento de uma daquelas instruções secretas dos regimentos das armadas. Com efeito, a corrente moderna de opinião hisórica tem como certo o conhecimento da existência das terras do Brasil desde o tempo de D. João II, única forma plausível de explicar a tei¬mosia deste rei na questão do Tratado de Tordesilhas.
Texto absolutamente comprovativo não existe, mas há valiosas alusões que nos asseguram a ida àquelas paragens de outros navegadores portugueses antes de Cabral. A insatisfação de D. João II perante a resolução do Papa Alexandre VI, quando este, a pedido dos Reis Católicos, depois da descoberta da América, separou por um meridiano os campos de ação de portugueses, para Oriente, e de Castelhanos, para Ocidente, ficaria também fora de interpretação lógica, se não houvesse qualquer conhecimento secreto daquelas terras. E curioso notar que nesse diploma pontifício dirigido ao rei Fernando Católico em 4 de Maio de 1493 não se faz qualquer alusão a Portugal nem ao seu rei.
D. João II, ao saber de tal resolução, em que se dividia o mundo por um meridiano situado a umas 100 léguas a oeste de Cabo Verde, não concordou com este número e propôs 370 léguas, isto é, mais 270 contadas a partir das cem.
Como explicar esta atitude tão pouco conciliadora se D. João II não tivesse já algum conhecimento, mesmo vago, das ferras ocidentais?
Os Reis Católicos concordaram, por se não verem prejudicados na sua expansão, evitando assim o azedar de uma questão que poderia levar a grave conflito. D. João II triunfou, ganhando para a sua Pátria o imenso Brasil, naquele dia 7 de Julho de 1494, em que foi assinado o Tratado de Tordesilhas.
Nada aqui se dirá do acontecido na chegada a um novo continente, por ser nosso único objectivo a terra de Moçambique. Deixemos partir para o reino a nau do capitão Gaspar de Lemos com a nova para D. Manuel e sigamos a armada em busca dos mares do sul.

DO BRASIL A SOFALA

Os onze navios que ficaram constituindo a frota de Pedro Alvares Cabral deixaram as terras da Santa Cruz aos 2 de Maio e meteram-se à grande travessia, tomando o rumo do Cabo da Boa Esperança.
Três semanas navegaram com bom mar até que no dia 23 se começou a empolar aparecendo então das bandas do Norte o espesso negrume de um «bulcão» seguido de furioso vendaval. Foi tão violenta a tempestade e «com tanta força de vento e tão de súbito, que à vista uns dos outros sossobraram quatro naus, sem delas escapar cousa viva».
Ninguém como João de Barros nós deixou, dessa hora trágica, mais bela descrição:
"Posto que o auto deste ímpeto do vento foi a todos a cousa mais espantosa que quantas tinham visto, por se verem uns aos outros junta e tão miseravelmente perder; muito mais temeroso lhe pareceu verem sobre si uma escuríssima noite que a negridâo do tempo derramou sobre aquela região do ar, de maneira que uns aos outros não se podiam ver, e com o assoprar do vento muito menos ouvir. Somente sentiam que o ímpeto dos mares às vezes punha as naus tanto no cume das ondas, que parecia que as lançava fora de si na região do ar, e logo subitamente as queria sorver e ir enterrar no abismo da terra."
Perto do Cabo da Boa Esperança, onde se deu a tragédia, daquele, cabo que ele conseguira pela primeira vez ultrapassar anos antes, ali ficou para sempre sepultado com a sua nau o grande Barfolomeu Dias que trazia agora ordem de descobrir Sofala.
Das sete naus que se salvaram, uma voltou para trás, continuando as outras seis a sua viagem apesar de bastante sacrificadas.
A 16 de Julho chegaram ao parcel de Sofala, à vista já das ilhas Primeiras.

NOTÍCIAS DE SOFALA

A lendária Sofala, já conhecida pelos portugueses devido à fama do seu ouro, estava ali perto. As primeiras notícias por eles ali colhidas foram transmitidas à História por um dos pilotos da armada de Cabral, cujo nome até se desconhece. A sua narrativa vai-nos servir de guia, como já serviu a João de Barros, a Fernão Lopes de Casfanheda e a outros que ao assunto se têm referido.
Conta-nos o nosso informador, em sua linguagem simples mas colorida, que ao passarem ao largo de Sofala avistaram duas ilhas junto à povoação. Mas, em vez de se resumir a narração que nos transmitiu o primeiro contacto dos portugueses com Sofala, será preferível deixar falar quem assistiu aos factos. Um resumo faria perder a graça ingénua dos exageros da primeira página da História de Sofala; deixemos, pois, falar o marinheiro da armada de Cabral, modificando-lhe apenas a sua ortografia e a pontuação:
«Continuando a nossa viagem, chegámos diante de Sofala, onde há uma mina de ouro, e achámos junto a esta povoação duas ilhas. Estavam aqui duas naus de mouros que tinham carregado ouro daquela mina, e iam para Melinde, os quais, tanto que nos avistaram, começaram a fugir e lançaram-se todos ao mar, tendo primeiro alijado o ouro, para que lho não tirássemos. Pedro Alvares, depois de se ter apoderado das suas naus, fez vir ante si o capitão delas, e lhe perguntou de que país era, ao que respondeu que era mouro, primo de El-Rei de Melinde, que as naus eram suas, e que vinha de Sofala com aquele ouro, trazendo consigo sua mulher e um filho, os quais se tinham afogado querendo fugir para terra. O capitão-mor soube que o mouro era primo de El-Rei de Melinde (o qual era muito nosso amigo) se desgostou sobremaneira, e fazendo-lhe muita honra, lhe mandou entregar as suas duas naus com todo o ouro que se lhe tinha tirado. O Capitão Mouro perguntou ao nosso se trazia consigo algum Encantador, que pudesse tirar a outra porção que tinham deitado ao mar, ao que ele respondeu que éramos Cristãos, e que não tínhamos semelhantes usos. Depois tirou o nosso Capitão-mor informações das cousas de Sofala, que ainda neste tempo não era descoberta senão por fama, e o Mouro lhe deu por novas que em Sofala havia uma mina muito abundante de ouro, cujo Senhor era um rei Mouro, o qual assistia em uma ilha chamada Quíloa, que estava na derrota que devíamos seguir, e que o parcel de Sofala já nos ficava para trás. Com isto o capitão se despediu de nós, e continuámos a nossa Jornada».
Foram estas as primeiras informações colhidas in loco pelos descobridores portugueses a respeito de Sofala, atractivo primordial da costa oriental de África para quem de tão longe vinha em procura das fabulosas riquezas do Oriente. Passaram a todos os historiadores, uma vez expurgadas dos exageros e contradições que uma simples leitura nos revela.

A DESCOBERTA DE SOFALA

A 20 de Julho chegou a Moçambique a armada de Pedro Alvares Cabral, bem necessitada de mantimentos para a tripulação e de arranjos nas naus. Foram recebidos sem hostilidade pela gente da ilha, fazendo pacificamente a sua aguada e tomando piloto para Quíloa, onde estavam no dia 26. Aqui, as dificuldades esperavam-nos: tendo sido tomados por corsários, não lhes permitiram comerciar, nem con¬seguir alcançar informações precisas sobre o «trato de Sofala». O que por Melinde e pela Índia sucedeu a esta segunda armada não interessa ao nosso trabalho e longo seria narrá-lo. Em Janeiro seguinte iniciou-se o regresso à Pátria, não se conhecendo com exactidão a cronologia dessa viagem. Sabe-se apenas com precisão que voltaram a Moçambique, onde se tomou uma resolução que muito nos interessa. Foi ali resolvido dar cumprimento às determinações do regimento dado por El-Rei a Barfolomeu Dias e seu irmão Diogo Dias, pelo qual lhes competia separarem-se da armada para irem à descoberta de Sofala.
Pedro Alvares Cabral encarregou então deste trabalho a Sancho de Tovar, fornecendo-lhe para esse efeito um pequeno navio, pois a nau de que este fora capitão naufragara dias antes, não longe de Mombaça, por ter dado «em um baixo por má vigia»; deu-lhe um intérprete e um piloto, mandando-lhe que a seguir partisse para Portugal.
Como o piloto cronista, de que já se falou, pertencia à tripulação de uma das naus do comando de Cabral, ficámos sem saber o dia em que Sancho de Tovar aportou a Sofala, mas apenas a chegada da armada a Lisboa, a 31 de Julho, e a do navio de Tovar, no dia seguinte.
Sabe-se dessa primeira exploração a Sofala que Tovar foi recebido com toda a cordialidade pelo chefe Issufo, a quem presenteou, recebendo em troca ampla autorização para os portugueses frequentarem o porto, como os mouros faziam, e nele desenvolverem seu comércio de trocas.
Sancho de Tovar ao chegar a Lisboa pôde também informar que Sofala «era uma pequena ilha na embocadura de um rio; e que o ouro que ali vem é de uma montanha aonde está a mina; é povoada de mouros e gentios que resgatam o dito ouro por outras mercadorias».
A segunda armada enviada à índia, onde consolidou as nossas posi¬ções, deixou assim, ao passar pela costa oriental de África, mais uma parcela conhecida - Sofala, a lendária Sofala do ouro dos reis bíblicos.

In “Quadros da História de Moçambique” – Dr. Alcantara Guerreiro, 1948

09/02/12



terça-feira, 7 de fevereiro de 2012



Paz?  Que paz?


O meu ceticismo está cada vez mais radicalizado! Dificil acreditar que a humanidade, um dia, encontrará paz neste planeta.
Nada, jamais, na história dos povos e do mundo, encontramos ações eficazes e duradouradas que nos levem a ter esperança. O bicho homo sapiens, et mulier, é a espécie mais desgraçada que Deus, já o tenho afirmado, criou. Também já escrevi que não admira, porque conforme o Génesis, quando Deus viu que tudo estava bem feito, sorriu, descansou - já cansado - e fez o homem e a mulher.
As barbaridades a que TODOS os dias assistimos, todos os dias, nos fazem perder toda a esperança e alegria da felicidade dos povos. Depois duma grande farra, o Egito aproveita para que se matarem uns aos outros, na Síria a covardia e vergonha da Rússia e China que vetam (vetam.. por alma de quem?) intervenção junto daquele povo sofrido e comandado, ainda, por uma besta apocalítica, porque são eles que fornecem as armas para o genocídio, no Sudão, agora Sudões, Darfur, as razias às etnias mais fracas são horrorosas, e a China também não deixa fazer nada por são “muy amigos”, a questão do Irã e de Israel que vai um dia resolver-se quando se enfrentarem numa guerra. Etc.
É uma agonia o viver hoje em dia.
E então conclui-se que a melhor solução para abrandar estas carnificinas e disputas, será o uso de armas nucleares! Uma boas dúzias de bombinhas, reduzirão a população do planeta drásticamente e os homens poderão então viver alguns anos sem grandes guerras porque não terão tempo sequer para arranjarem algum alimento! No entanto seria só uma espécie de intervalo.
Acabaria, de momento, a especulação financeira, o fabrico de armas, o tráfego de drogas, os automóveis que poluem tanto o ar como a vista, as lutas seriam com porretes nas mãos, o arco e flecha demorariam para serem inventados, e outro quase génesis começaria de novo, só que desta vez com o Adão avisado para não ir no papo da Eva.
Vejam, por exemplo o filme Darfur. Uma história autêntica. Feito em 2009. Outro sobre a chacina no Ruanda – Hotel Ruanda, os Gunga Din, os cowboys a caçar índios, a estupidez e teimosia de Fidel, com o subserviente beija mão da madama dona presidenta dilma, os republicanos nos EUA a dizerem, na campanha eleitoral que “se estão lixando” para os mais necessitados, o gigantismoa da China baseado em salários miseráveis e total ausência de segurança social – o que asfixiou a Europa – e o panorama é triste.
Há que começar tudo de novo, e não vai ser a tão comentada (e apavorante?) profecia Maia que vai resolver.
Tem que ir mesmo na bomba atómica. Dá vontade de acirrar ainda mais os ânimos EUA e Israel contra o Irã e Coreia do Norte e vice versa!
Infelizmente.

07/02/2012

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012



TAUROTRAGUS ONIX

ELANDE – GUNGA – CÊFO

 
Longe vão os anos em que andei por África, e onde tantas vezes cacei! Bons tempos. Bonitos. Gozar aquelas paisagens espetaculares, o silêncio, a grandeza e a simplicidade das gentes!
Não caçávamos para matar, porque sempre aproveitávamos a carne, nem mais do que o necessário para os caçadores ou para distribuir por alguma aldeia da região.
A palavra eland, de origem holandesa que significa “alce”, foi usada pelos primeiros colonos boeres para designar o maior de todos os antílopes que então abundavam extraordi-nariamente não muito longe do Cabo da Boa Esperança. Hoje, o vocábulo em¬prega-se tanto na África do Sul, como em Moçambique e Angola. Aqui tem aina os nomes de Gunga, Cêfo, Onuima, Ongarongombi, e até os Mucancala lhe chamam Ni: (sendo que os dois pontos se deveriam ler como um estampido da língua! Difícil!) Em Moçambique, este corpulento e vigoroso repre¬sentante da vasta subfamília Tragelaphinae, encontra-se espalhado irregular-mente desde o Rovuma até ao Incomáti. Em Angola nas regiões Sul e Suete. (Estamos a falar dos anos 50 ou 60 do século XX).
O elande é um animal de índole extremamente pacífica, e custa a compreender porque não tem sido aproveitado para substituir o gado vacum nas zonas de glossinas infectadas com os tripanossomas da doença do sono.
A docilidade, a força prodigiosa e a facilidade com que se domes¬tica, recomendam-no nesses lugares onde prestaria grande auxílio nos trabalhos da lavoura hoje feitos exclusivamente pela mão do indígena.
Em Panda, Moçambique há muitos anos, fizeram-se experiências de domesticação com resultados animadores. Os elandes deixavam-se conduzir docilmente, puxavam charruas e obedeciam como qualquer animal doméstico dos mais mansos. Infelizmente esses ensaios pararam sem que daí chegasse a resultar qualquer benefício. Não há dúvida que o elande, quando capturado muito novo, se torna tão manso como qualquer bovino e se reproduz perfeitamente em cativeiro. O Dr. Emite Gromier, um técnico de reputação, diz estas palavras transcritas do seu livro La Vie des Animaux Sauvages de l’Afrique:... on peut affírmer que l’eland constituerait un bétail domestique parfait, surfout dans les régions à tsé-tsé, contre lesquelles il est, bien entendu, immunisé.
Quase todo o norte de Moçambique e boa parte de Angola corresponde a uma vasta mancha de glossinas infectadas que ali dizimam por com¬pleto o gado vacum até mesmo quando sujeitado a tratamento pelo tártaro emético.
Calcule-se, portanto, o incremento que poderia ter a agricultura, se o elande provasse, como parece não haver dúvidas, ser um perfeito substituto do boi na lavoura dos campos. A agricultura poderia ser mais intensiva e talvez a mão-de-obra um problema menos difícil de resolver.
Ainda há bem pouco (fins de 1945) foi submetido, pelo director do «Natural Resource Board», ao Ministro da Agricultura da Rodésia, um plano para o aproveitamento do elande como animal de tiro e de talho. O plano foi rejeitado, disseram os jornais, pela única razão de haver receio de que os elandes espalhassem a doença conhecida por heart water.
Propunha-se levar a cabo este plano, à sua própria custa, uma importante instituição (a Rhodesia Corporation); entretanto, foi-lhe recusada a autorização necessária para a captura dos animais; isto, não obastante ter sido reconhecido por todos que o elande está imunizado contra as tripanossomíases e numerosas doenças que atacam o gado vacum, resiste extraordinariamente às secas, é facilmente domesticável, pode ser atrelado a carros e charruas e fornece carne de excelente qualidade e sabor. Não se estranhará, neste caso, que os mistérios da burocracia técnica andem ligados à solução adoptada.
No elande, tanto o macho como a fêmea têm chifres. São bastante grossos na base, torcidos como um parafuso de passo largo e projetam-se para cima e um pouco para fora. Os da fêmea são mais compridos e mais delgados. De acordo com o registo dos recordes de Big Game animals, em 1935 0 tamanho maior seria de 94 centímetros.
A estatura geral varia também nos dois sexos. Elas têm cerca de 1,50 mts. ao garrote, ao passo que eles andam por l,70 a 1,85 mts e o seu peso, quando bem desenvolvidos, atinge aproximadamente entre 700 e 900 quilos. Quando os machos chegam a uma certa idade, começa a desenvolver-se-lhes no frontal um tufo crespo de pêlos castanho-escuros. A coloração geral do pêlo aclara com o decorrer dos anos e as listas brancas vão-se desva-necendo.
 

O elande adapta-se a todos os terrenos e encontra-se em Moçambique em variadas altitudes - quer nos areais, a alguns metros acima do mar, quer nas serranias escarpadas de Maniamba e de Marrupa. Podereis também encontrá-lo vagueando sossegadamente nas savanas desarboriza-das, nas matas verdes de essências copadas e nos terrenos pedregosos.
O número de cabeças de um bando varia muito, mas era raro exceder cinquenta ou sessenta. Os agrupamentos mais comuns têm vinte a trinta. No tempo das chuvas dividem-se em pequenas famílias e vivem espalhados pelas matas, porque em toda a parte há alimentos com abun¬dância. Nessa altura andam gordos, vigorosos, e o pêlo brilha ao sol como aço novo. A erva cresce robusta nas planícies e no meio-sol das matas abertas. É a altura das fêmeas terem os filhos. Andam bem gordas, bem alimentadas, e o leite enche-lhes as tetas que os pequenotes chupam aos sacões.
Quando vem o tempo seco, muda o cenário por completo. A prin¬cípio, nas baixas húmidas, ainda se encontram manchas verdes, e para ali convergem os elandes ao cair da noite, mas o sol acaba por secar tudo, reduzir tudo a um amarelo sujo, desolador. Então já não desde¬nham os ramos tenros de alguns arbustos.
Por fim vêm as queimadas.
A planície transforma-se num mar de fogo que avança voraz, des¬truindo tudo. As árvores, colhidas pelo incêndio, contorcem-se desespe¬radas como seres vivos. As labaredas secam-lhes as folhas, consomem os ramos mais débeis, lambem os troncos. E o fogo passa e as árvo¬res ficam para ali torcidas, miseráveis, tisnadas de negro, mas ainda assim vivas, para rebentarem viçosas ao cair dos primeiros borrifos.
O caniço, mal seco, apanhado pelo fogo, estoira como o estampido das bombas de S. João. A fumarada sobe nos ares, muito alto, sujando a brancura vibrante do céu com a sua cor negra.
A caça miúda foge espavorida. Serpentes, ratos, esquilos, toda a casta de roedores e insectos morrem apanhados pelas línguas do fogo. No ar ardentíssimo, por cima da fogueira, pequenas aves de rapina traçam rápidos e complicados voos acrobáticos, perseguindo insectos voa" dores e pássaros que fogem àquele inferno que avança sem parar.
O calor sufoca, falta o ar, e o vento queima como bafo de fornalha, cáustico, perturbante, quebrando todas as energias.
Por fim a queimada vai morrendo ao longe, e o mato, a perder de vista, ficou um campo de ruínas fumegantes.
Dias depois o capim, teimoso e resistente, começa a rebentar sob a acção da humidade e da cacimba. Nos ramos das árvores espreitam pequeninas gemas verdes; e então os elandes juntam-se novamente e largam, em bandos, ceifando a erva nova e as folhas tenras do arvoredo.
Na época do amor, os machos lutam briosamente para a conquista das fêmeas; e, com a sua grande força e chifres bem aguçados, chegam a feri-se gravemente.
Apesar da corpulência e do poder dos músculos, são inofensivos. Quando pressentem o homem fogem espavoridos, e se algum deles for ferido não há que recear qualquer ataque. Não obstante a sua vigorosa compleição, aguentam mal a fadiga, principalmente nas horas de maior calor, e não dispõem da resistência dos pequenos antílopes aos ferimentos causados pelas balas.
A última epizootia de rinderpest – peste bovina - dizimou por toda a parte milhares e milhares de elandes. Parece terem sido o elande e o búfalo os mais afectados por essa formidável hecatombe que varreu a África do norte a sul, deixando espalhados pela selva, a cada canto, cadáveres de animais selvagens.
As manadas refizeram-se, no entanto, dessa mortandade que não teve, apesar de tudo, o carácter exterminador das chacinas levadas a efeito na África do Sul, onde o elande desapareceu, por completo, nalgumas regiões.
Não há talvez que culpar ninguém. Assistiu-se ali ao fenómeno sempre verificado quando o homem disputa aos animais selvagens a posse absoluta da terra.
Depois que o país adquiriu unidade e se organizou, as autoridades chamaram a si os trabalhos necessários para a defesa eficaz das espé¬cies ameaçadas, criando reservas de caça modelares: as mais perfeitas e bem organizadas de toda a África.
Antes do estabelecimento dos europeus em África, os indígenas perseguiam a caça usando armas brancas e variadas armadilhas, desde o fosso aos laços corredios. Eles não caçavam, como ainda não caçam, por simples exercício desportivo. Movem-nos as necessidades da alimen¬tação. Assim, a fauna pululava por toda a parte, porque facilmente se refazia do insignificante desbaste causado por processos tão primitivos.
Com a vinda do branco, o panorama mudou. A arma de fogo supe¬rava todos os meios antes usados. Mas assim mesmo, se não fosse a profissionalização da caça, os animais não teriam sofrido tão grandes razias.
 
- Retirado de Animais Selvagens, de João Augusto da Silva -1945

01/02/2012