domingo, 28 de setembro de 2014




Histórias a contar aos netos



Lourenço Marques, hoje Maputo, 1971
Quando fui para Moçambique, trabalhar na “Mac-Mahon” – cervejas e refrigerantes – a desorganização na companhia era um desastre. Aliás tinha um administrador, mandado de Lisboa, uma das mais “raras avis” de arrogância e incompetência que se me depararam durante a vida. Um cretino.
Os carros da companhia todos machucados, mal pintados, avariavam a toda a hora, etc.
Tudo isto exposto aos olhos dos consumidores davam ideia da qualidade dos produtos. Entre essa sucatada, que me apressei a reformar, a “2M” tinha uns quantos carros de serviço que andavam completamente a cair da tripeça, impróprios para circularem nas ruas, horrivelmente pintados e com o logotipo da companhia.
Eram pelo menos três Variant, Volkswagen, podres. De chaparia, mecânica, pneus, tudo. Foi decidido vender-se para a sucata, quando me lembrei de dizer que devíamos fazer primeiro um leilão entre os empregados. Tudo bem.
Para que o leilão não demorasse muito, também se estabeleceu que se faria ao contrário, isto é, partindo-se de um preço, alto, absurdo, e vinha-se baixando até que alguém se manifestasse e fechasse a compra. Como se faz com algumas lotas de peixe em Portugal onde num instante se despacha todo o peixe apanhado.
Começou-se por quatro contos. Uma loucura. Quatro, três e novecentos, três e oitocentos, etc.... foi baixando até que, ao chegar aos quinhentos mireis eu, que não estava nada interessado em sucata, acabei comprando o primeiro.
Nessa altura o pessoal ficou com inveja! Tinham perdido um carro, velho e tudo, mas por somente por quinhentos paus! Começa a venda do segundo. O mesmo início, e lá vai o preço caindo até que ao chegar aos mil, eu voltei a fechar. Já estava dono de dois trastes velhos. E os outros circunstantes com mais inveja.
Começou a venda do terceiro e alguém fechou ao chegar a mil e quinhentos.
Quando tudo terminou perguntei-me para que queria eu aquela sucata toda? Vendi ali mesmo um deles pelo preço que me custou e reboquei o outro para casa, para espanto dos filhos que também não entendiam a vantagem ao comprar um lixeirol daqueles.
Deixei-o ficar, e enquanto transferia o carro para meu nome, fui mentalizando todos os que sabiam do negócio, inclusive os filhos, que tinha feito um acordo com uma oficina, que ia pôr aquele carro novinho em folha. E por um preço bem camarada, incluindo a troca dos estofos, todos rasgados. Oficina fora da cidade. E fomos falando nisso.
Um dia, depois de me ter precavido com uma corrente e boa corda, para reboque, avisei em casa que ia levar o carro para a tal oficina. O trabalho deveria demorar umas três semanas. O mecânico e pintor, etc., era ótimo e estava com pouco trabalho.
Saímos de manhã cedo de Lourenço Marques a caminho da Namaacha. Estradas sem subidas, a decrépita Variant lá se mexia mas só enquanto a estrada era plana! Atrás, a minha mulher, mãe da turma, no nosso Jaguar lindão, um Mk-X prateado de 1965, dando apoio, levava as cordas e a corrente. Perto da fronteira com a Suazilândia e África do Sul aparecem os morros. As cordas entraram em ação, rebocaram a velharia até que chegámos ao alto, procurando não atrair muito as atenções de passantes, muito menos da polícia. Dali para a frente era fácil. Já tinha sido previamente explorado, e sabia até para onde ir, sempre a descer, até um pequeno posto de venda de gasolina, com uma espécie de oficina e sucataria, território suazi.
Chegou. Era a descer, foi moleza. O dono do posto, um africano, meia idade, forte, tranquilo, que via ali passar um carro quando o rei fazia anos, aproximou-se.
- Good morning.
- Good morning to you too.
Depois desta simples troca de galhardetes, propus o negócio ao homem:
- Eu ofereço-lhe este carro, e você me deixa levar somente as placas de matrícula e os documentos.
Ele olhou-me de alto a baixo, meio desconfiado, e respondeu:
- Se não me contar a história completa não vai deixar aqui o carro. Please go ahead and tell me ALL the story.
-Well. Não precisa ficar preocupado. Não tem polícia, roubo, crime algum envolvido. Eu vou deixar o carro aqui, você desmancha, vende peças, faz o que quiser, e eu com os documentos e as placas vou comprar um outro, em bom estado, em Johannesburg e levo de volta para Moçambique!
O homem mostrou os dentes. Satisfeito. Riu. Gostou da ideia. Não só ficou com o carro como me convidou para bebermos um copo em sua casa.
A mãe, passado pouco chegava com o nosso carraço. Seguimos por outra estrada, para não chamar a atenção das alfândegas portuguesas, e voltámos a Moçambique, saindo por Koomati Poort e entrando por Ressano Garcia.
A Variant tinha ficado na oficina!
Cerca de três semanas depois tive que ir a Johannesburg, em serviço. O que já naquela época não faltavam eram lojas de venda de carros usados, e Variants, fabricadas naquele país, havia de montão, em ótimo estado, baratas. Escolhi uma, impecável, paguei e meti-me de volta a casa. Como os documentos tinham sido carimbados na saída para a Suazilândia, foi por lá que regressei, e no meio do caminho, num pequeno e meio escondido canto da estrada, troquei as placas.
A Suazilândia é um país muito simpático. Bonito, pequeno, no meio de montanhas, um belo cassino, um pequeno mas muito bem cuidado parque de caça para visitantes, gente afável, ótimo clima.
O meu objetivo não era o cassino nem o parque de caça, mas chegar a casa com a Variant recondicionada! Lindona. Da mesma cor – beje – mas com uma pintura que parecia, quase, nova!


Já noite, decidi pernoitar numa pequena localidade, Siteki, a uns escassos quilómetros da fronteira com Moçambique. O hotel de africanos, pequeno, extremamente confortável, com um único hóspede: eu! Jantei no restaurante do hotel onde me serviram uma sopa ótima. Mais do que isso, com uma colher de sopa, enorme, como eu gosto, porque não tolero comer sopa com aquelas colheres que mais se parecem com uma espátula e não levam nada. Colher daquelas que eu gosto. Uma maravilha.
Como seria complicado pedir a alguém para me vender ou oferecer uma colher, decidi pelo mais difícil: roubar! O pior é que não havia mais hóspedes no hotel, nem no restaurante! Era difícil receber um prato de sopa, comê-la toda, e no fim não aparecer a colher usada! Mais difícil ainda porque quem servia tinha tirado todos os outros talheres de cima da minha mesa, e certamente ia dar por falta daquele!
No fim do jantar – muito bom - quando me apanhei só, levantei-me furtivamente da mesa, tirei uma colher de outra mesa, escondia-a dentro das calças e fiquei apavorado com medo que me descobrissem o roubo!
Imaginem um branco a roubar talheres num hotel de africanos, no seu próprio país. Sofri. Lá que é verdade, é sim senhor. Só me senti tranquilo quando no dia seguinte pela manhã, depois de ter tomado o café, sem roubar mais nada, paguei a conta, dei uma razoável gratificação como descargo de consciência e meti-me novamente à estrada!
O carro fez um tremendo sucesso. Todos os meus amigos queriam saber onde ficava essa oficina que trabalhava tão bem, tão depressa e tão barato, segundo eu afirmava. Nunca levava comigo o apontamento com o telefone do mecânico, até que a coisa foi esquecendo!
Este carro foi depois conosco de retorno a Angola, vendido a um amigo, e por lá deve ter acabado os seus dias.
Um contrabando...zinho, inofensivo, e um furto, tudo quase no mesmo dia.
A esperança, agora, é que os crimes já tenham prescrito! Ainda penso que os azares que volta e meia me assaltam são os remorsos desses atos!
Mas a verdade é que a magnífica colher de sopa é, até hoje, a colher do, agora vovô. Não como a sopa com outra.


Escrito em 2001, e revisto em 17/09/2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Do Brasil                                                                                 por Francisco G. de Amorim

O Brasil não é só o país do carnaval, caipirinha, praias e mulheres lindas. Infelizmente. Do futebol... por enquanto, já era.
Quase tão funesto quanto o horrendo vírus Ebola, as câmaras legislativas, senado incluído, estão contaminadas, TODAS, por uma série de vírus perigosíssimos. Começa talvez pelo da corrupção, que faz sumir larguíssimos bilhões das contas públicas para bolsos pessoais, mas seguido de perto por outro chamado de analfabetismo, estupidência, incompetência, ignorância, etc. Até o atual des-governo tem dois ministros, oriundos dos sindicatos, que dominam o país, com currículos impressionantes: um deles era ferramenteiro numa metalúrgica e outro pintor de automóveis. Olha o nível!
Mas no senado federal (letras minúsculas) aparecem propostas de fazerem cair os dentes a quaisquer desdentados. Até a crocodilo! Basta lerem o texto abaixo, da conceituada escritora Ana Maria Machado, membro da prestigiosa Academia Brasileira de Letras.
Mas atenção: antes de começarem a ler, sentem-se. O choque pode ser fatal!

JABUTICABA* NO SENADO



Não faz muito tempo, você comprou uma torradeira e, em casa, não conseguiu li­gá-la. A legislação agora exi­ge três pitocos nos plugues dos novos aparelhos, que não servem mais nos dois buracos da tomada de sempre. Foi preciso comprar um adaptador. Uma chatice, mas mais seguro. Progresso, tecnológico. É para ó bem de todos, o governo sabe o que faz. Mesmo quan­do o novo padrão é tão original quanto jabuticaba, que só tem no Brasil. Não serve para qualquer aparelho importa­do que por acaso você tivesse. E tome adaptador. Você acabou chamando um eletricista e trocando todas as to­madas da parede, ufa!
Pois aí vem nova surpresa. Você nem imagina o que o Senado anda debaten­do a sério, considerando a hipótese de mudar geral. Sem ao menos reparar no ridículo da esquisitice. Se for aprovado, vira lei. Só que, desta vez, não vai haver eletricista que dê jeito. Discute-se uma reforma ortográfica brasileira. Brasilei­ríssima, que nem jabuticaba. Ainda que sem as delícias da fruta.
"Mas não fizeram uma reforma ain­da outro dia? Para que outra?"; talvez você pergunte. Vamos esclarecer. O que se fez há pouco tempo (aliás, num processo que ainda não se encerrou) foi um acordo ortográfico entre países de língua portuguesa. Não uma refor­ma. O objetivo foi que se escreva da mesma maneira o português falado em qualquer parte do mundo. Assim, passa-se a ter um padrão unificado em documentos internacionais que se queira redigir no idioma. E os leitores de todos os países lusófonos passam a se acostumar com a grafia única, que nos permitirá ler livros uns dos outros com menos estranheza (já bastam as do próprio vocabulário, por vezes tão diferente). Precedido por outros acor­dos e protocolos em busca desse en­tendimento, o processo foi ampla­mente discutido durante 18 anos, em negociações entre filólogos e institui­ções responsáveis. Venceu impasses e divergências de todo tipo. Foi aprova­do pelo legislativo dos países interes­sados. Foi assinado e promulgado pe­los presidentes do Brasil e de Portugal em 2008, Entrou em vigor em janeiro de 2009, com prazo de adaptação es­tendido no Brasil até dezembro de 2012. Em Portugal, até 2016.
Sabe-se lá por que (ou por quem), na semana antes de terminar nosso prazo oficial, entre o Natal e o Ano No­vo de 2012, a presidente Dilma resol­veu prorrogá-lo. Não chegou a fazer nenhuma diferença prática. No Brasil, como já estávamos fazendo, continua­mos todos usando a ortografia que se­gue o acordo — é como se escreve nes­te jornal e nos livros publicados no pa­ís e como se ensina nas escolas. Todo mundo entende. A experiência poderá, eventualmente, revelar a necessi­dade de pequenos ajustes. Mas não é disso que se trata agora.
A jabuticaba que está na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Se­nado é outra. É uma proposta de re­forma ortográfica, para que se passe a escrever como se fala, "para simplifi­car e aperfeiçoar a ortografia” de mo­do a facilitar a alfabetização. Sem le­tras que não se pronunciam e sem duplicidade de grafia para o mesmo som. A justificativa populista é ajudar as crianças, ensinando-as a escrever, por exemplo, "O omen xora porqe qer caza para abitar”(sic).
Nem vale discutir os detalhes dessa ideia estapafúrdia. Questiona-se é a premissa, em nome de uma pretensa inclusão social. Nada disso é necessário. O linguista Marcos Bagno lembra que as línguas mais faladas e escritas internacionalmente (como o inglês e o francês) têm ortografias complicadas e nem por is­so deixaram de se difundir. Não precisaram de jabuticabas simplificadoras. Será que as crianças deles são mais capazes que as nossas?
O filólogo e académico Evanildo Bechara insta a CE do Senado a não levar adiante a proposta de "simplificação” um equivoco talvez baseado em ''amnésia ou ignorância”. A professora Marília Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Linguística, encaminhou aos senadores documento em que su­blinha que o que dificulta o processo de alfabetização de crianças oriundas de segmentos sociais de pouca familiaridade e contato com a língua escrita não é a ortografia. É a falta de uma experiên­cia letradora significativa anterior e pa­ralela ao processo escolar.
Há casos em que essa vivência falta também a muitos professores, lembro eu. Sinal de melhora: gente vinda de um ambiente iletrado está chegando à alfabetização nas últimas décadas. Algo a se celebrar. Mas também sinal de alerta: a formação de nossos pro­fessores precisa ser de melhor nível, capaz de incorporar alternativas pe­dagógicas mais eficientes, de corrigir eventual falta de intimidade com a cultura escrita e de compensar desi­gualdades de origem. Precisa capacitá-los a alfabetizar.
Tomara que o Senado consiga perceber isso. Mais clareza nas prioridades, gente. O remédio é qualidade na educação. Não é jabuticaba.

Ana Maria Machado

* Para quem não conhece, Jabuticaba é uma fruta, brasileira, deliciosa. Quem quiser provar... venha ao Brasil!


22.09.2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014



Coisas da meninice

Oh! Se pudesse que voltasse
O tempo para trás, como a memória
Pelos vestígios da primeira idade...

Vão-se apagando da já tão usada memória, muitas passagens que através dos anos vivemos com mais ou menos intensidade.
Abençoada a hora da fotografia e depois do cinema que nos permite arrancar o que está lá “muito para trás” garantindo perante nós próprios, e os outros, que um dia também fomos meninos, que andámos bem aconchegados ao colo dos nossos pais, que fomos crescendo, esmurrando os joelhos, fazendo asneiras, construindo o nosso futuro e personalidade, mas muita, muita coisa já ficou para além das brumas do tempo, e cada dia que passa mais difícil se torna ir “lá” buscar vivências.
Volta e meia, de repente, como que surgindo do nada, vem uma lembrança que nos leva a tentar explorar até se definirem alguns contornos, época, amigos, a maioria desaparecidos no tempo, etc.
Devia eu ter os meus onze ou doze anos, já no Liceu – o bom e velho Pedro Nunes, em Lisboa – quando, junto com outros “atletas” nos lembramos de fundar um clube de futebol!
Dinheiro, naquela época não me lembro que alguém tivesse, de modo que a “verba” para o clube funcionar era um problema sério!
Começámos por dar nome ao clube: “REBENTA CANELAS FUTEBOL CLUB”.
Não havia dúvidas que o título era promissor de grandes eventos.
Com uns restos de cartolina que sempre sobravam das aulas de trabalhos manuais (será que ainda há aulas destas?) fizeram-se os cartões de “sócios” cuja obrigação inicial era cada um apresentar uma fotografia, e, não lembro já quantos nos juntámos, sabendo que o mínimo necessário seriam os onze para formar a equipa de futebol.
Equipamento era fácil: naquele tempo todos usávamos calção e não era difícil que também tivéssemos uma camisa de cor mais ou menos igual entre todos.
Para jogarmos contra adversários de dentro ou fora do Liceu, lá para os lados das Amoreiras, em Lisboa, um campo, se não estou em êrro do CIF (seria Club Internacional de Futebol?) que alugava o campo. Campo ótimo de terra, mal nivelado, umas esparsas pedras soltas aqui e além e as balizas... sem redes, como será de imaginar, que era alugado por cinco escudos! Para isso cada um contribuía com cinquenta centavos que raro sobrava, como diziam em Angola, nem uma “quinhenta”, porque ambas as equipas nunca apresentavam os onzes “oficiais”.
E bola? O maior dos problemas. Custava uns dez escudos, de couro por fora, duro como pedra, e a fundamental bexiga de borracha inflável por dentro. Uma cabeçada naquela bola, mais doloroso ainda quando batia na testa com o fecho (!) chegava a fazer “galos” e feridas! E tinha que ser cheia com uma bomba de encher pneus de carros! Olhem só a macieza:



Conferência, ou assembleia geral, mas os dez escudos não surgiam. Foi quando me lembrei de ir pedir esse “financiamento” ao meu avô materno, sempre um unhas de fome, com a promessa de lhe pagarmos assim que juntássemos o dinheiro.
Lembro de lá ter ido com mais um ou dois “atletas” para impressionar com a veracidade da nossa “organização”. Fomos a pé, claro, ao centro de Lisboa, e o avô não demorou a abrir a bolsa e “emprestar-nos” aquela pequena fortuna, que jamais reembolsámos, como todos esperavam! Maravilha.
No regresso íamos numa felicidade só, já com a bola, novinha, nas mãos.
Só nos faltava desafiar um adversário qualquer – encher a bola primeiro, claro – e partir para a inauguração.
O guarda redes jogava com uns panos velhos amarrados nos joelhos que não serviam de muito, mas moralmente eram bastante tranquilizadores, e o restante com umas quantas folhas de papelão por baixo das meias para servirem de caneleiras!
O problema “mais grave” é que nunca se conseguiu juntar a equipa toda para um jogo o que fazia com que normalmente levássemos, quase sempre, uma tremenda derrota!
Ainda por cima jogava-se sem árbitro o que dava também lugar a discussões “ferozes” sobre “offsides”, “penalties”, e meiguices de tremendos encontrões e chutos nas canelas! E até sobre o gol, porque se a bola passava por fora ou dentro da baliza... não tinha rede para a segurar...
Perde-se aqui a memória desse “Rebenta Canelas”! Pouco mais reaparece do que uns escassos momentos de emocionantes jogadas, com avançadas, caneladas, tombos, roupa suja ou rasgada, todos os jogadores cheios de pó e arranhões e um regresso a casa, mais ou menos longe, sempre a pé, até nos apresentarmos perante as nossas mães com aquele ar comprometido porque voltávamos mais tarde, ter que explicar por onde tínhamos andado, sujíssimos, um rasgão aqui outro mais além, e uma imperiosa necessidade de tomar banho e gastar um pouco de tintura e umas ligaduras para tratar dos ferimentos da “guerra”.
Cansado? Jamais um garoto de uma dúzia de anos se cansa! A não ser para ir estudar!
Esmurrado, desconsolado, muita vez pelas desmoralizantes derrotas, ainda ter que ir fazer os trabalhos de casa, era quase um castigo. Merecido.
Hoje a criançada não esfola mais joelhos nem canelas! Esfola os bolsos dos pais para que lhes comprem smartphones, ipads, laptops, para ficarem todo o dia mandando mensagens uns aos outros, dizendo bobagens nas chamadas redes sociais, fazer selfies, e expor as suas vidas aos olhos do mundo.
Não. Sem querer ser saudosista ou retrógrado, eu não trocaria, jamais, o meu clube, em que nos rebentávamos, por uma conversinha, a maioria das vezes inútil e ainda por cima virtual nessas redes.
É a moda! E é “o que vão dizer os meus companheiros?”
Hoje já não poderia “fundar” um outro clube semelhante. Talvez um bar tipo pub onde encontrar os amigos, ao vivo, batermos longos papos (beber uns copos!) e, sem equipamentos virtuais, deixar
o tempo andar para trás, como a memória
pelos vestígios de todas as idades...

14/08/14


sexta-feira, 12 de setembro de 2014


Honra ao Mérito

(Já uma vez este texto apareceu no blog. Quando?
Talvez ninguém se lembre, mas agora tem nova, e especial, oportunidade)

Luanda, 1960 - Para inaugurar em Angola o início das atividades da Força Aérea, até então ausentes da guerra colonial, organizou-se uma espécie de “festival” aéreo, com uma dúzia de aviões que para ali foram destacados, aproveitando-se para se fazer também uma exibição dos homens que vêem dos céus!
Na altura dizia-se que aqueles esses aviões tinham sido cedidos pela OTAN (NATO), em que Portugal estava integrado, para exercícios de defesa da Europa. Manhosamente, Salazar, convenceu os parceiros que fazia os exercícios de treinamento em África! Ninguém engoliu tão esfarrapada mentira, mas todos fizeram ouvidos de mercador. E, como é cronicamente sabido, os piores diplomatas do mundo são os americanos. Cegos, todos, por dinheiro, tudo Tio Patinhas, cederam aviões para a OTAN e quando souberam que eles estavam em África, e os seus interesses visavam também o chamado Cone sul africano, ou o Atlântico Sul, ou a rota do petróleo e mais as riquezas africanas - África do Sul, Rodésias, Moçambique, Angola e Congo – acharam que não seria má ideia disfarçar e ajudarem a manter o status quo dessa zona de África... até ver.
Os Estados Unidos e a sua clássica incapacidade de política externa ainda não tinham despertado para o mundo novo, os novos países africanos, voltados para a União Soviética que abertamente os apoiavam. Só mais tarde é que decidiram ajudar e financiar alguns grupos rebeldes, não tanto independentistas, como o FNLA, porque as suas ligações e/ou compromissos com o Congo, nunca ficaram muito bem esclarecidas!
A verdade é que Portugal, levou de graça para Angola uma dúzia de caças a jato!
Para além do aspeto político que representava para os povos que queriam a sua independência, a chegada de uma nova força de repressão, o espetáculo anunciado seria interessante, sobretudo se pensarmos que foi em África, há mais de quarenta anos, onde praticamente não havia paraquedismo. Ninguém queria perder a oportunidade de ver descer dos céus aqueles pequenos cogumelos, devagar, que aumentavam de volume até se desfazerem de encontro ao chão.
Sabendo que esse festival aéreo daria início à instalação de mais uma força, certamente para não só intimidar, mas combater pretensões de independência, um dos partidos, todos ainda muito incipientes, dando os primeiros passos, distribuiu clandestinamente um panfleto-manifesto alertando as populações para o significado desse tal festival, aconselhando-as a não comparecerem. Distribuído com a maior dificuldade, porque clandestino, alcançou pouca gente, e muita desta assim mesmo ainda quis ir ver o que seria essa nova ameaça.
Os jatos da força aérea evoluíram por cima da cidade, voos de exibição, e os de transporte de tropas soltaram umas dezenas de homens pelos ares. A surpresa maior estava reservada para o final, e essa nada tinha a ver com a guerra que acabaria por eclodir: o primeiro salto de paraquedas de uma mulher! Um acontecimento na história da evolução dos povos, quando por esse tempo a mulher pouco mais fazia do que parir e cuidar de filhos e marido!
O tempo estava meio fechado no fim daquela manhã quando o grande feito ia acontecer por cima do Aeroporto.
Todos os muene-mputu presentes, desde o nguvulu aos secretários, os cabitangu, respectivas esposas e povo em geral.
Tinha vinte e quatro anos a mocinha que se ia atrever a tamanha temeridade. Os machos paraquedistas e outros elementos da Força Aérea, terrivelmente preocupados com o que poderia acontecer à frágil e feminina atrevida.
Avião escolhido para a aventura: um velho Dragon Rapid, que atingia a vertiginosa velocidade de cruzeiro de 213 km/hora, bimotor, asa dupla, estrutura tubular, forrado a lona, para transporte de passageiros em linhas “regulares”. Passageiros, não recordo bem, mas o máximo de sete! Grande avião.
  


O “grande” Dragon Rapid, onde? Benguela?

Piloto, um amigo, experiente comandante da Divisão de Transportes Aéreos de Angola, a DTA, do mesmo modo igualmente preocupado com a responsabilidade de “largar a primeira moça nos ares de Angola”, o Jorge Verde.
Chegada a hora, entram no avião, o piloto, fundamental, a destemida aventureira, um fotógrafo para documentar o histórico salto, e este, que hoje, tantos anos passados, “faz a reportagem”, amigo de infância da heroína, privilegiado assim para de mais perto e melhor ver o famoso salto!
Em terra, silêncio! Tensão. Céu meio encoberto de nuvens. O Dragon ganhou altura, e ficou voando em círculos bem por cima do Aeroporto, onde o salto se devia efetuar. O piloto, nervoso também por causa
do natural machismo e porque não conseguia ver o chão com clareza, ordenava que a mocinha só devia saltar quando ele mandasse. Lá de cima, a pista, pequenina, aparecia e sumia logo encoberta com as nuvens. Já íamos talvez na quarta volta, o tempo seguia, que é o único que não se preocupa com tristezas ou alegrias, sol ou chuva. Paraquedista junto à porta, fotógrafo à ilharga, eu no centro daquele aviãozão. O Jorge Verde:
- Não saltes ainda. Espera que eu te diga.
Ordem que eu retransmitia. Porta do avião aberta, o fotógrafo amarrado a um banco com medo de ser levado porta fora mesmo sem paraquedas, eu atrevidamente mal assomava com a cabeça a um metro da porta, e a valente moça, tranquila, mas desesperada para saltar logo.
-Espera mais um pouco.
A dada altura sai e fica em pé na asa!  Imaginem só a loucura! O fotógrafo e eu arrepiados, talvez mesmo apavorados e com mais vertigens do que jamais havíamos pensado. E o piloto:
- Ainda não estamos na posição certa. Espera.
Neste momento a frágil e feminina aventureira, diz:
- Não vou esperar mais. De repente, lá vai ela. Saltou!
Nós, dentro do avião deixámos de a ver no mesmo instante, e ninguém se atrevia a pôr a cabeça de fora para ver onde ela ia! Deus nos livre.
Tínhamos ambos a sensação de que se puséssemos a cabeça de fora, no mesmo segundo seriamos sugados mesmo sem paraquedas. Passado um pouco ouve-se novamente o piloto:
- Espera só mais um pouco. Vamos agora passar bem em cima.
- Não te preocupes mais. Já voou!
- Mas ela é maluca! Não devia ter saído sem eu lhe dizer!
- Pois é. Mas agora já lá deve estar em baixo!
A única solução foi regressar à base. Nada mais havia a fazer lá nas alturas. Quando aterrámos, já ela estava, pés bem no chão, rodeada de gente. O povo espectador aplaudia, os machos da aviação ralhavam com a jovem:
- Foi uma temeridade... que loucura... tanto tempo em queda livre... que perigo... não foi para isso que você aqui veio... podia ter acontecido um desastre e nós éramos os responsáveis, e outras observações dentro da mesma tónica.
Os homens ainda não estavam habituados a que as mulheres rivalizassem com eles em situações de coragem! Ninguém se lembrava por exemplo de uma Brites de Almeida, a terrível padeira de Aljubarrota, ou de uma Joana d’Arc!
Cumprimentos, despedidas, muitos obrigados, etc., acabou a festa, e a mocinha, nossa hóspede, foi conosco para casa. Ligámos logo a telefonia para ouvir a reportagem, em diferido, como hoje se diz, porque ainda não havia o em direto, ou ao vivo, e enquanto almoçávamos fomos ouvindo o locutor e o seu relato.
- Estamos no aeroporto, presentes as diversas excelências, etc., e vamos agora assistir ao primeiro salto de paraquedas de uma mulher, nestas terras de Angola. Jovem, enfermeira paraquedista, veio de Lisboa expressamente para nos mostrar o quanto as mulheres podem fazer, saltando dos ares, quando necessário, para levar a saúde e a esperança a feridos e doentes, em lugares onde outro tipo de ajuda pode fazer perigar a vida do doente. O exemplo desta jovem deve ser admirado e seguido.
O avião, com a destemida garota, já levantou aqui do aeroporto, e está a ganhar altura. O tempo está bastante encoberto o que não permite que daqui de baixo o possamos acompanhar o tempo todo. Ouvimos o ronco do seu motor, mas mal o adivinhamos quando de repente passa entre duas nuvens...
Olha, passou agora. Ihh! Já deixámos novamente de o ver... O avião anda lá por cima às voltas. Vamos ver quando nos aparece a paraquedista. OLHEM!  Apareceu agora. Lá vem ela.  Mas... o paraquedas não se abriu!... Meu Deus! O paraquedas nunca mais se abre. Que horror... ela vai cair. Já vem a cair há uns cinco minutos e o paraquedas não se abre!...
Nesta altura a voz do locutor está ofegante, cansada! A emoção mais forte do que ele.
- FINALMENTE!  Graças a Deus! O paraquedas abriu-se... e lá vem ela... descendo... devagarinho. Lá vem... Está agora... a pousar...  no chão... para lá...  já se encaminham...  os que a vão receber... e felicitar. Uff! Que grande susto nós levámos!

Almoçando tranquilamente, a Isabel reviveu esta apavorante descrição da sua aventura... “ao vivo”!
***
Passado mais de meio século a história continua: a ainda Jovem Avó de onze netos, Isabel Rilvas, nas comemorações do Centenário da Força Aérea Portuguesa é agraciada com a Medalha de Mérito Aeronáutico de 1.ª Classe, distinção reservada a oficial general e capitão-de-mar-e-guerra ou coronel, que lhe foi entregue pelo Chefe do Estado Maior daquela Força.



Parabéns!  Isabel!
11.09.2014

segunda-feira, 8 de setembro de 2014


Agonizando


Sempre se contou a história que, a região hoje chamada Europa, Próximo Oriente e Magrebe, era o “Centro do Mundo” que rodeava um mar “particular”, que estava no meio desse mundo fechado, o Medi-Terrâneo.
Foi preciso Marco Polo nos dizer que havia um país de maravilhas, lá, nos confins, mas só muito mais tarde se acordou para o Oriente.
Os indo europeus, que até hoje não se sabe muito bem de onde vieram – exceto o princípio que tudo começou em África – terão sido os primeiros a ocupar a Europa nos modernos tempos de há uns 9.000 anos a.C. Alguns milénios mais tarde começaram a separar-se, línguas diferentes, e cerca de 2.500 a.C. chegaram os arianos vindos da região onde hoje fica o Cazaquistão, – arianos que em sânscrito significa nobres – e encontraram já inúmeros grupos etno-linguísticos espalhados no velho continente (uralianos, eslavos-germânicos, lapónios, celto-ligúrios, itálicos, trácios, gregos, hititas e outros) além dos afro-asiáticos (semitas, berberes, egípcios, cushitas, sumérios, e mais alguns).
É à volta destes povos que se desenvolve a civilização... do ocidente.
No continente indiano, a sua própria civilização corria “isolada”, bem como em todo o continente asiático.
Hititas para lá, arianos para cá e lá, gregos que se espalham, como os trácios e os celtas, para chegarmos ao século XX d.C. quando o mundo começa a perceber que o centro não está em lugar algum, somente dentro de cada um!
Velho continente, a Europa agoniza.
Hitler não tinha suficiente inteligência para perceber que conquistar a Europa não precisava de guerra. A Alemanha de hoje ainda pensa que só com a sua economia e liderança o poderá fazer. É tarde.
Onde os sindicatos assumiram o controle da política e do estado, o futuro adivinha-se com facilidade: basta ver a Argentina, o Brasil (que tem futuro, sim, mas... quando?) a França, com um presidente mais perdido do que cego no meio de um tiroteio e um primeiro ministro catalão, convencido que é o Einstein/Napoleão do pedaço, continuam a levar o país para o fundo do poço. A Grande Bretanha, conseguiu no tempo da Thatcher mostrar quem manda, mas ainda se imagina com a maior e mais gloriosa marinha do mundo mas isolada numa ilha de soberba e arrogância. Estes dois últimos são a maior incubadora do Islão na Europa, fingem que não veem, mas no fundo estão aterrados com as consequências a breve espeço. A Rússia não tem mais que petróleo, gás e ladrões. Todos os outros baixam a cabeça e estão a ser conduzidos como suave e dócil manada.
Entretanto os loucos e covardes jihadistas crescem, aterrorizam e conquistam. Como fez Hitler no seu começo: terror e conquista. Agora os extremistas sunitas do ISIS, liderados por Abu Bakr al-Baghdadi, divulgaram nas redes sociais, os seus planos de conquista a cinco anos. E em 2020, os jihadistas querem não só dominar os países muçulmanos, mas também um extenso território que vai desde a fronteira sul do Quénia, até Portugal e Espanha, passando pela Áustria e Balcãs, sem esquecer o seu tão querido Israel (!!!). (http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4072378)



Até o rei saudita se lembrou de lançar um alerta:

REI ABDULLAH: Em um mês, Europa será o próximo alvo

RIAD - Sem mencionar diretamente o Estado Islâmico, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, fez uma advertência:
Grupos extremistas sunitas vão atacar os Estados Unidos e a Europa em breve, caso a comunidade internacional não haja com "força e rapidez".
—O terrorismo não conhece fronteiras, e o perigo pode afetar vários países fora do Oriente Médio. Não é segredo para vocês o que fizeram e o que ainda vão fazer. Se agirmos diante deles com negligência, tenho certeza de que chegarão à Europa em um mês e, no mês seguinte aos EUA— disse ele à imprensa saudita.
A Arábia Saudita é um dos principais países sunitas do mundo e tem feito condenações públicas ao extremismo religioso dos jihadistas do Estado Islâmico.
—Vemos como promovem decapitações e obrigam as crianças a exibir cabeças cortadas pelas ruas—afirmou Abdullah.
O grupo conquistou territórios na Síria e no Iraque e declarou a criação de um califado islâmico nas áreas dominadas. O rei Abdullah, um aliado dos EUA, considera inadmissível que não ocorram ações efetivas contra o grupo.
Abdullah convocou os países a se unirem ao centro antiterrorista da ONU criado em 2011, ao qual Riad concedeu US$ 100 milhões.

Este alerta vindo dos saudistas, talvez o principal financiador da Irmandade Muçulmana que está divulgando, através das madrassas de todo o mundo o culto da sharia e do abate – sim, pura e simplesmente ABATE – dos não muçulmanos, é para ser tomado a sério.
O Grande Mufti, da Arábia, Sheikh Abdul Aziz Bin Abdullah bin Baz, uma das maiores autoridades do Islão, veladamente ameaça o trono do rei, porque para ele a autoridade máxima é o Corão... daí... ele! Como é evidente o trono do rei Abdullah, como o da Jordânia e da Síria, estão tão ameaçados quanto os cristãos da Síria, Iraque etc.
No Iraque, os ISIS, sunita, que não parece tardarem a tomar conta do destroçado país deixado pelos EUA depois sua da “maravilhosa” intervenção, devem estar também a pensar que desta vez vão acabar também com os xiitas! Há muito que aguardo a reação do Irão, país xiita, com arsenal nuclear. Aguardar para ver.
F. Rahman, no seu livro Islam and Modernity (Chicago 1982), escreve:

A liderança do homem ocidental no mundo humano está chegando ao fim, não porque a civilização ocidental esteja em bancarrota material ou tenha perdido sua força económica ou militar, mas porque a ordem ocidental já cumpriu sua parte, e não possui mais aquele acervo de “valores” que lhe deu sua predominância. A revolução científica concluiu seu papel, como concluíram o “nacionalismo” e as comunidades territorialmente limitadas que surgiram na sua época. Chegou a vez do Islã.

Um olhar, mesmo muito superficial que seja, vê a Europa a degradar-se. O Euro a fingir que é o salvador, o povo a não acreditar mais nos seus próprios valores e muito menos nos seus políticos, a imigração a crescer de forma imparável, a teoria dos direitos humanos a fechar os olhos, jovens a abandonar os países para se juntarem à guerrilha terrorista, tudo isto forma um quadro que não engana nem o mais ingénuo.
Em 1964 Dayid Qutb, no seu livro Ma’alim Fi’l-tariq – (Sinalizações da Estrada), definia a sociedade islâmica: aquela que aceitava a autoridade de Deus, o Corão, como fonte de toda a inspiração humana, porque só ele podia dar origem a um sistema de moralidade. Todas as outras eram sociedades jayiliyya (ignorância da verdade religiosa), quaisquer que fossem os seus princípios: comunistas, capitalistas, nacionalistas, baseados noutras religiões, falsas, ou dizendo-se muçulmanos mas não obedecendo à sharia.
Que moralidade se vê hoje no chamado mundo ocidental, ou para melhor o definir, no mundo cristão? Filmes em que a indecência, a pornografia, as drogas e a violência ocupam a quase totalidade do que aparece. As revistas, aos milhares, expostas por todo o lado com mulheres, e homens, nus ou quase, uma ganância financeira onde vale tudo, não podem servir de exemplo a ninguém. Só à autodestruição.
A Europa está a fazer o seu hara kiri.
Tudo por falta de caráter, ética, princípios morais.
O Islã está à porta.
Não parece que alguém seja capaz de a manter fechada! E o papa Urbano II morreu há quase mil anos!
Esta é verdadeira crise: a crise de Homens.

3-set-14




quarta-feira, 3 de setembro de 2014



Um pouco de História do Kongo

Dona Beatriz Kimpa Vita 1684-1706


O antigo Reino do Kongo, que os portugueses, em 1483, encontraram, estava limitado a norte pelo Rio Zaire, sem limites definidos para qualquer outro lado.
Segundo antiga lenda “o Reino do Kongo, foi fundado, muito tempo atrás por um sábio e hábil ferreiro, vindo de longe, da margem norte do rio, que resolveu as diferenças entre as pessoas e estabeleceu a paz.”
Em toda a África central, míticos ferreiros foram considerados como representando um princípio de paz e de reconciliação e até com características “femininas” de governo, possivelmente porque o ato de criar aço da terra foi comparado a gravidez. Daí a força que em quase todo o território bantu os ferreiros tiveram, como também em relação ao N’Gola, um ferreiro que se fez chefe duma nação.
Ao aportar à foz do rio Zaire, Diogo Cão foi recebido com grande festa, e na sua segunda viagem o Manicongo manda a Portugal uma embaixada pedindo “clérigos e todas as coisas para ele e seu Reino receberem a água do batismo.”
Em 1490 chegam ao Congo os primeiros missionários, que começam a sua ação pela província, sendo solenemente batizados o rei e a rainha que tomaram os nomes de João e Leonor, em honra aos reis de Portugal, rei este que dura pouco.
Sucede seu filho Afonso, grande partidário dos portugueses que tanto o ajudaram e começam as lutas pelo poder.
Em duzentos anos intitularam-se rei do Congo 34 nobres.
Portugal procurava sempre apoiar o rei, criar estruturas administrativas ao estilo europeu abandonando o modo tribal de governo, ensinando-o ainda, por exemplo, a dar títulos de nobreza aos chefes, que chegou a tal ponto, como deixou escrito o capuchinho frei Bernardo da Gallo, que “havia mais nobres no Kongo do que em toda a Europa junta!” Reis, rainhas, duques, grão duques, marqueses, condes, era uma festa de permanente guerra entre eles, tão mortífera e brutal que São Salvador do Congo foi totalmente destruida, saqueada e abandonada.  
Dona Beatriz Kimpa Vita nasce em Kipangu, sede do rei, e frei Lorenzo da Lucca dá a sua ascendência à mais alta nobreza, que implica a associação ao Mwana Kongo, o rei. Daí ser tratada como Dona.
No final do século XVII eram constantes, permanentes, as lutas entre os vários nobres, mais pelo poder sobre os outros do que propriamente pelo acúmulo de terras e regiões.
Os derrotados eram sempre escravisados e carregados com correntes de ferro no pescoço e, ou ficavam a serviço dos vencedores ou eram por estes vendidos, através de Luanda de onde eram mandados em navios portugueses para o Brasil, ou pelo porto de Soyo, aí comprados por traficantes holandeses que pagavam preço melhor, encaminhados para as Antilhas e América do Norte, e que além disso vendiam armas e munições por preços inferiores aos dos portugueses.
Entre 1700 e 1709 foram exportados do Congo cerca de 70.000 de uma população que não atingia 600.000 almas! No contexto da guerra a exportação era importante, porque os escravos podiam ser trocados por munição, mas a razão principal destas guerras tinha mais raízes políticas do que económicas para a exportação, porque visavam enfraquecer os adversários.
Dona Beatriz, filha de nobre – daí o tratamento de “dona” - quando chegou à idade própria foi iniciada nos mistérios de nkisi, feitiço, ela que desde pequenita tinha propensão para a meditação e transe, nunca se interessou por problemas pessoais, mas pela situação do povo.
*

Sempre atenta à politicagem que a rodeava, já senhora dos “poderes” da feitiçaria, casou e descasou duas vezes e um dia teve “morte aparente” e “ressuscitado” dois dias depois ao ser possuída pelo corpo de Santo António.
Considerado um milagre pelo povo, começou a pregar e a intitular-se, ela mesma, Santo António. Mulher atraente e sobretudo muito inteligente foi conquistando grande parte da população, alterando as orações convencionais ensinadas pelos missionários e afirmando que Santo António era o primeiro dos santos, acima de Nossa Senhora, e igual a Jesus!
Como era muito forte a influência da religião no Congo, e através de influência de marinheiros holandeses que se “abasteciam” de escravos no Congo, passou a pregar que os sacramentos da Igreja católica não valiam nada se no interior de cada um não houvesse uma aceitação total.
Era uma “nova religião”, com algumas características especiais: era dirigida por uma mulher e, sobretudo, africana.
Passou a pregar por toda a região do Congo cativando uma grande parte da população.
Foi um movimento sobretudo pela paz, coisa que há muitos anos não havia entre os nobres do Congo. A devastação era imensa e as populações não tinham sossego, fugindo constantemente de um ou outro.
O rei do Congo, Dom Pedro IV, Nsanu a mbemba (Agua Rosada), não a atacava mas não queria, de modo algum, perder o apoio dos missionários que consideravam a atitude da Dona Beatriz Kimpa uma profunda e insana heresia.
Dona Beatriz, já disse era uma mulher bonita, inteligente, cativante, e arranjou um “secretário”, Barro, uma espécie de Santo António de 2ª categoria! Até que um dia “a” Santo António” engravidou! Esteve escondida um tempo até nascer a criança que entregou aos cuidados de outra mulher para cuidar dele, mas a atividade da “Santo” mais o “secretário, naquelas noites frias era... e a segunda criança nasceu.
Aí o rei, que tinha medo das argumentações dela, não teve outra alternativa senão condená-la à morte: “Por ter enganado o povo com heresias e mentiras, sob o falso nome de Santo António, o Rei e o seu Real Conselho condenam você a morrer pelo fogo, e olhando Barro, o “secretário”, junto com o seu amante.”
Depois mandou que toda a população trouxesse lenha, muita lenha que juntaram numa pira enorme.
No dia 2 de Julho de 1706, Dona Beatriz Kimpa Vita subiu a montanha de lenha, serenamente, com o “secretário” e mais o filho ao colo, que queria que morresse com ela. Os missionários tiveram dificuldade em convencê-la a deixar o filho e ainda que, antes de morrer, se arrependesse de todas as mentiras que tinha pregado, e do modo como tinha enganado o povo: “A minha morte será a penitência para os meus pecados”.
O movimento conhecido como Antoniano, levou anos a desaparecer.

Aquarela original feita pelo Padre Bernardo da Gallo incluída na última página da sua carta para a Sagrada Congregação para a propagação da fé, sobre Dona Beatriz; datada de l7 dezembro, 1710. Está no Archivio De Propaganda Fide, "Scritture Originali riferite em Congregazioni generale”, Vol. 576, fol. 314. Tem o título, "Antoniano colla corona in testa".

Julho 2014