quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017



A Argonáutica do
ARGUS

Os Argonautas (em grego antigo: "Ἀργοναῦται - Argonautai"), na mitologia grega, eram os tripulantes da nau Argo que, segundo a lenda, foi até a Cólquida (atual Geórgia) em busca do Velo de Ouro (ou Velocino de Ouro). Essa nau terá sido construída por Argus, filho de Frixo.
Usando informações astronômicas, a mitologia e o estudo dos equinócios, Isaac Newton calculou a data do início da expedição como sendo o ano 939 a.C., 2645 anos antes do início do ano 1690, dunque há 2956 anos.

A nau ARGO, segundo Lorenzo Costa (1460-1535)

A saga dos argonautas descreve a perigosa expedição rumo a Cólquida. Conta o mito que Éson, rei da Tessália, havia sido destronado por Pélias, seu meio irmão. Seu filho Jasão, exilado no interior do país, retornou ao atingir a maioridade para reclamar o trono que por direito lhe pertencia. Pélias então, que tencionava livrar-se do intruso, resolveu enviá-lo em busca do Velocino de Ouro, tarefa de extremo perigo. Um arauto foi enviado por toda a Grécia a fim de juntar heróis que estivessem dispostos a participar da difícil empreitada. Cerca de cinquenta jovens se apresentaram, todos eles heróis de nomeada. 
Em sua primeira escala, aportaram na ilha de Lemnos, habitada somente por mulheres. É que Afrodite, insultada por estas que lhe negavam culto, castigou-as com um cheiro insuportável de forma que seus maridos partiam em busca das escravas da Trácia. Movidas pelo ódio e pelo despeito, assassinaram seus esposos instalando na ilha uma espécie de república feminina, situação que perdurou até à chegada dos argonautas, que então lhes deram filhos.
Chegaram enfim à Cólquida, onde cabia a Jasão a tarefa mais árdua: capturar o Velo de Ouro. Medeia, filha do rei e conhecida por suas habilidades na arte da feitiçaria, apaixonou-se perdidamente por ele e por isso, não mediu esforços para auxiliá-lo nas árduas tarefas que o rei impôs como condição para entregar-lhe o talismã.
Jasão tirou proveito dos feitiços e encantamentos da feiticeira e sem esforço partiu da Cólquida levando consigo o Velo de Ouro. Os argonautas ainda passaram por alguns percalços, mas enfim chegaram a seu destino final onde entregaram a Pélias o Velocino. Com uma das suas magias, Medéia deu morte a Pélias!

A viagem dos Argonautas. Quanto tempo demorou? Ninguém sabe.

Há cerca de 3000 anos, portanto, a famosíssima nau ARGO, saiu de Tessália, passou na ilha de Lemnos cheia de garotas e mulheres desesperadas por homem (Imaginem a chegada dum monte de heróis, bonitões a uma ilha só com mulheres... nem Camões teve esse brinde!) chegou a Cólquida, recuperou o Velo de Ouro, e voltou para casa fazendo uma volta imensa. Ao argonautas passaram por onde é hoje a Romênia, Hungria, Eslovênia, desceram e subiram o mar Adriático, norte da Itália, entraram na Suíça e França, desceram o mar Tirreno, passaram no estreito de Messina e apanharam um tremendo temporal que os atirou para a Líbia, tendo a nau ido parar dentro do deserto. Ali encontraram umas dançarinas que lhes disseram que tinham que carregar a não à mão até ao mar, e finalmente conseguiram chegar a casa!
Foi uma “aventuraça” e tanto, mas como ninguém fez o diário de bordo, não se sabe quanto tempo demorou o trajeto. A única coisa que se pode calcular, com um elevado índice de erro, é a distância, terra e mar, que percorreram, qualquer coisa como umas 4000 milhas marítimas, ou, para os terráqueos, uns 7500 quilômetros.
*          *          *
3000 anos mais tarde o “grande” ARGUS, construído em Angola, Luanda, em 1952, ali morreu de morte miserável, abandonado ao tempo e às cracas menos de um quarto de século depois!
E tanto prazer deu aos seus primeiros e segundo proprietários. Era um barco lindo!
Mas salvou-se a sua memória, através duma maquete, meticulosa e magnificamente construída pelo marceneiro do navio “Vera Cruz”, e entregue ao seu orgulhoso proprietário de então, em Luanda, 1969.


Começa aí o “périplo” não do ARGUS autêntico, mas da sua maquete, sempre guardada e exposta em casa com um misto de saudade e tristeza por não poder navegar.
Sai de Luanda para Lourenço Marques em 1971, quando deixou o “autêntico”, vendido, em Luanda. Regressa a Luanda em 1974, no meio da revolução/confusão, e é embarcada para o Brasil em 1975, dentro de um contentor, cheia de imbambas, e, aparentemente, fixa-se em São Paulo.
Em 1992 vai até Portugal, regressando ao Rio de Janeiro em 1995.
O tempo, as viagens, tinham-lhe feito alguns estragos, até que chegou o tempo em que foi decidido que o ARGUS tinha todo o direito de descansar na terra de origem e, sobretudo no Club onde primeiro esteve inscrito com o número 29, o Club Naval de Luanda.
Não podia regressar como um filho pródigo, um mendigo.
Sujeitou-se, complacente e alegre, a um restauro, mais ou menos (!) minucioso, para poder enfrentar a última viagem da sua vida.
Restaurou-se: velas novas, casco calafetado, alguns moitões “novos”, pintura “anti-craca” (?), pintura e verniz geral, e ei-lo pronto para o seu último destino.


Bem embalado, encaixotado com muito cuidado e carinho... ali vai ele!
Saiu de casa, com lenços brancos a acenarem já de saudades, pelas 14H00 do dia 15 de agosto de 2016, data que foi (ainda é?) das festas da cidade de São Paulo da Assunção de Luanda, dia da Padroeira daquela linda cidade, quando ele participava das regatas comemorativas.
Seguiu no dia 16 para São Paulo.
Dia 18 é encaminhado para o aeroporto de Guarulhos e segue, via aérea para Paris.
A 19, sai de Paris, aeroporto Charles De Gaulle, para Liege, na Bélgica.
A 20, entra noutro avião e vai para Frankfurt na Alemanha, de onde mais uma vez sai noutro voo para... Pudong, Shangai, na China!!! Não era bem naquele rumo que deveria ter ido. O GPS da transportadora devia estar avariado!
A 22 a alfândega Pudongona, recebe o caixote.
A 4 de Setembro a China não larga o barco da mão! Talvez à espera que mais uma vez este belo “navio” português lhe livrasse os mares de Cantão dos piratas!
A 11, finalmente a China autoriza que o cansado viajante siga para o Brasil. Não para Angola.
A 18, mercê da intervenção de Matsu (妈祖) – a deusa chinesa do Oceano, recebe autorização para embarcar para Angola, onde, depois de passar pelo Cabo da Agulhas, finalmente chega a Luanda em 9 de Novembro!

A vermelho as “navegações” Luanda-Brasil-Portugal-Brasil”
A azul “A Última Viagem do “ARGUS”

Depois duma odisseia de 86 dias, o ARGUS está a casa!
A nau ARGO e os Argonautas devem ter percorrido umas 4000 milhas náuticas.
O ARGUS, depois de um quarto de século navegando, lindo, lindão, pela costa de Angola, percorreu 20.000 milhas náuticas para chegar a casa! Quase uma volta ao mundo.
O “Bom Filho à casa torna”. Ei-lo, gozando a merecida  “aposentadoria” em casa, no seu Club:



12/02/2017

domingo, 19 de fevereiro de 2017



Encontro de Escritores
Comentários das testemunhas

Pouca gente achou interesse neste Encontro. Outros aplaudiram.
Nem todas as testemunhas que assistiram ao Encontro reagiram com a mesma rapidez dando a sua opinião sobre o que presenciaram. Se o próprio organizador ficou baralhado, as testemunhas também precisaram de tempo para assentar tão insólito acontecimento.
Nem todos vão entender o que se passou, alguns, possivelmente, nem conhecerão parte dos “convivas”.
Mas foi um acontecimento... quase histórico!
Aqui estão as suas versões.

1ª Testemunha AP

Perante uma ideia tão brilhante e tão habilmente desenvolvida, esta testemunha, aqui, deste lado do charco, só pode curvar-se em humilde vénia.
Por uma vez, estive na presença de génios das letras muitos dos quais admirei e admiro. Que sorte!
Em boa verdade, limitei-me a ficar sentadinho no meu canto a assistir mudo de espanto e veneração.
Na certeza de que não terei outra oportunidade assim, nem enquanto terráqueo, nem já como alma penada. Presumo que o Além Celestial, tal como o Inferno de Dante, também deve estar organizado segundo um modelo ptolomaico, com todos estes génios lá em cima, bem junto ao Altíssimo.
Ora eu o mais a que posso aspirar é quedar-me logo pelo r/c do Paraíso, a fazer umas palavras cruzadas ou a jogar uma partida de Go, se por lá houver parceiro(a).
Um dia destes, logo que tenha tempo e haja engenho, irei convocar amigos do movimento "Claridade" e outros poetas, uns lusos, outros nem tanto, que ficaram melindrados por não terem sido também convidados para a tertúlia. En passant, consta que a vida no Paraíso é um bocado monótona. Como é só paz celestial, os vivos debates de ideias a que eles estavam habituados não têm como medrar. Uma pasmaceira!
Abraço
AP – António Palhinha Machado

2ª Testemunha HS

Foi James Joyce que me sugeriu a busca da epifania das coisas e dos lugares. No sentido filosófico e não propriamente no transcendental mas, de facto, não sou capaz de deixar de imaginar as pessoas que estiveram ligadas a essas coisas e a esses lugares conferindo-lhes a essência que sempre procuro pelo que, mesmo sem um esforço especial, me chego relativamente perto da transcendência sem, contudo, lhe tocar. É claro que não chamo os espíritos sobre uma mesa de pé de galo nem dou a mão a xamãs; limito-me a imaginar as pessoas que por ali andaram e se mais houver, não é para aqui chamado. E com esta imaginação, tudo ganha uma expressão muito especial. Eis a busca do significado que tantos escritores tentam; alguns, em vão. Sugiro a quem me lê que faça esse tipo de exercício mental que, por enquanto, não paga imposto.
Compreende-se, assim, o entusiasmo com que correspondi ao desafio que o Francisco me lançou para testemunhar os seus «encontros» e para eu próprio contar o que nesse âmbito me aprouvesse. Sobre as descrições que o Francisco nos trouxe, posso dizer algo; sobre as descrições dos meus «encontros», outros que opinem.
Transcendências e seus rituais postos de parte ab initio, trouxe-nos o Francisco uma encenação de grande efeito pois foi escolher um local por onde passaram muitas histórias - tantas que será por certo impossível descrevê-las exaustivamente. Mais: esse local foi conhecido de quase todos os escritores (se não mesmo de todos) por ele convidados pelo que, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, formatou a cultura de todos os invocados. Ou seja, o refeitório dos frades do Mosteiro de Alcobaça sendo, por definição, um marco inultrapassável da nossa Cultura, é cenário natural a todos os invocados que pertencem – uns mais militantemente do que outros - à esfera da lusofonia e não obrigatoriamente à da lusofilia.
Mas o Francisco, elegante como sabemos, foi buscá-los à lusofonia e «deixou para lá» essa questão mais diáfana que é a lusofilia. Eu próprio o fiz nos meus escritos mas, dentre os que foram menos afáveis para connosco, portugueses de Portugal, só invoquei aquelas duas Senhoras que, na aflição, nos procuraram e nos deram tudo o que tinham: a vida1.
A vastíssima cultura do Francisco sobra em relação ao espaço que decidiu conceder aos seus escritos. Poderia continuar, não sei até onde… A sua arte literária permitiu-lhe tecer diálogos interessantíssimos que a todos nos deu asas à imaginação e que, também eles, poderiam continuar por aí além…
A propósito dos diálogos entre escritores que viveram temporalmente tão longe uns dos outros, lembrei-me da Rainha de Sabá e do Rei Salomão2 que talvez nunca se tenham encontrado e que, mesmo assim, conseguiram fazer um filho, o primeiro Imperador da Etiópia. Mas como a fé não se discute, fiquemos assim.
Resta-me uma questão final: como é que uma Cultura tão policromada como a Lusíada em que ainda hoje, neste início do séc. XXI, proliferam hostes de analfabetos, tem conseguido produzir tantos escritores e poetas? E são tantos que nem conseguimos listá-los sem grandes omissões. Ensaio uma resposta bastamente discutível: é muito mais fácil romancear e versejar do que mourejar.
Salvo melhores opiniões.
Grande abraço ao Francisco e que continue…
HS – Henrique Sales da Fonseca
Janeiro de 2017

3ª Testemunha LC

Sonhei com Alcobaça
e do sonho que sonhei
sonhei que sonhava
de um sonho em que acordei
e não era eu que ali estava,
era a alma de Portugal
egrégora universal

Ainda nos lembra os picos da Atlântida, de que os Açores são parte. As conversas telepáticas, o brilho dos cristais, das viagens espaciais. Rememorações ancestrais. Das asas, dos voos. Das pedras piramidais, dos enormes templos. Dos sacerdotes e dos deuses das jornadas iniciáticas. Das festividades, das homenagens, dos rituais.
Ainda nos lembra das árvores. Nossas casas. Das árvores e dos frutos. Dos guinchos e das poças de água em que bebiam e chapinhavam, e às vezes até lutavam, com paus, com ramos, que se foram tornando pontiagudos. Grupos enormes, famílias extensas. Nómadas à procura de tempos quentes, e das marés. Das fogueiras e das cavernas.
Do ferro e dos arados. Das cabanas em círculo de entre-ser e dos centros das aldeias em que dançámos e se contavam estórias sobre estórias. De tudo se falava e de nada se escrevia. Riscos e desenhos, pinturas no chão e nos corpos. E se percutiam as danças onde se saltava bem alto em frente delas para mostrarmos da imensa leveza, da elevação.
Matriarcais saudades de jovens amazonas que viviam nos campos de escravizantes agriculturas. Quando se deixaram as deambulações, de bichos à solta, e se fixaram os animais e as terras, e se construíram as cercas para as crianças e as mulheres, das escolas e dos lares e das mamas, do leite. Da carne.
Do peixe e daqueles pescadores da Judeia, de Belém, entre os latins romanos do império que rendiam os gregos, mas só nas armas que não na filosofia. Da democracia, mas não para mulheres e escravos e estrangeiros, metecos aristotélicos e platónicas curtes, por sua vez, herdeiro de socráticos devaneios. Da maiêutica, da arte de dar à luz, do mundo das ideias.
Afinal, o Amor. A universal fraternidade. O céu infinito. O Amor... e a cruz. Jesus! Para tanto sofrimento que nos redima. Então e da meditação, do Buda, que nos livra? Do possível transcendental salto védico que nos livre daqui.  Do Deus no lugar do homem que, doravante, será parte de Deus. Da oração, do silêncio, do deserto. De Ti!
Cadê a deusa-mãe, cadê os celtas. Cadê celtas e iberos, endovélicos lusitanos.  Dos bárbaros godos e visigodos que depois voltaram. Os pagãos, as forças da natureza, as mágicas alianças. Avalon. Os druidas, as poções, dos milagres, da cura e a doença. A lógica analógica, a consciência cósmica. A totémica identidade. Todos indo-europeus, todos cristãos virados pelo avesso - católicos.
O crescente lunar e a arabesca astronomia. Das bússolas, do astrolábio. Do Maomé e do Alcorão. De Meca, de Medina e da mesquita. Das deusas encantadas, enamoradas. Dos cânticos de amor. Desgostos do Amor. Da xaria. Da expansão e da desejada reconstrução do "mare nostrum". De Poitiers e de Carlos Magno, Urbano VIII de joelhos, imperador da cristandade.
Da reconquista católica. Dos cruzados e das cruzadas. Raimundo e Henrique, Teresa e Urraca. Afonso de Castela. Do Condado Portucalense. Guimarães. São Mamede, 24 de junho de 1128. Um rei sonhado e a sonhar com cristo-rei. Vai e funda o meu reino, vai Henriques. E ele foi.
E lá foi fazer o que Ele quis. Vai Dinis. Vem Santa Isabel. Vinde Língua Portuguesa. Vinde todos os peregrinos, toda a ordem do templo, ordem de cristo. Venha o espírito santo. O pai, o filho e a Jerusalém Celeste. Vinde vendavais que rumorejam nos pinhais, venham todas as naus. Todas as ilhas dos amores.
Sonhei com um Encontro em Alcobaça.
Amigo Francisco, Aquele Abraço,
LC – Luis Carlos Santos
Alhos Vedros 31/3/2017

5ª Testemunha CC

Ilust.mo Senhor
J.R.C.C.C.,

Soube por um dos muitos que diariamente chegam a este páramo onde jornadeio há 126 anos, que um bisneto meu também de nome Francisco Gomes, não de Amorim e sim do Porto, se deu à extravagância de, ao jeito de Camões, fazer um concílio dos deuses da literatura em português.
Já não será um jovem, cuido eu, essa vergôntea; e digo cuido eu, porque com o tempo perdi a noção do tempo, preocupação que, aliás, seria uma desnecessária perda de tempo.
Cuido, no entanto, que esse meu bisneto não terá nada de peco; antes possuirá um espírito culto e dado a aventuras requisitando arrojo de alma e estrambótica fantasia. Não sei a quem ele possa sair assim ainda tão vivaço! A mim creio que não, pois fui o mais obscuro dos literatos e se me meti em altas cavalarias foi por força dos tufões da vida, logo à nascença.
Bem procurei, nas folhas noticiosas daqui, esta ou aquela local que me dessem conta de um tal Encontro de Escritores, em Alcobaça.
Não me espanto que a iniciativa não tivesse tido a publicação devida. E sabe V. Senhoria por quê?
A imprensa, nomeadamente a de Lisboa, é, raríssimas excepções, valhacouto de insignificantes, que exploram o ofício por todos os meios que lhe possam render dinheiro, influência ou qualquer outra coisa útil. Como todos os meios lhes servem, ninguém honesto os estima, não quer nada com eles, e afasta-se, deixando-lhes o campo livre.
A maioria compõe-se de asnos e maus; só eles são grandes e ilustres;  fazem-se mutuamente imortais; e os que vivem fora das suas cortes (?) podem ter talento, produzir bem e muito, que os jornais não se ocupam deles. A imprensa não serve, geralmente, senão para os pulhas se celebrarem e aplaudirem uns aos outros, explorando a patifaria e a decadência dos costumes, sem pudor e sem honra.
Seu ex corde,
Francisco Gomes de Amorim 
(desencarnado em 1891)
CC – José Rodrigo C. da Costa Carvalho


16/02/2017

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017


« Meus Bisavôs »

Como qualquer outro ser humano eu tive quatro bisavôs, homens.
O mais antigo nasceu em Massarelos, mãe portuguesa e pai francês, Porto, em 22/04/1824 (?) e “puxou o carro p’ró além” em Belém do Pará em 1918, a seguir um outro viu a luz em Averomar (lindo nome), mãe e pai portugueses, ele marinheiro que terá morrido no mar ao regressar de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, Póvoa de Varzim em 13/8/1827 e deixou-nos em Lisboa em 1891, a seguir um terceiro nasceu em Lisboa a 16/12/1839, avó de origem checa e avô suiço-alemão, foi “repousar” em Londres em 1909, e o “caçula” que nasceu no Porto em 19/02/1856, mãe e pai bascos de Donostia-San Sebastian, foi o único a conhecer este bisneto pois só se desencarnou em 1934.
Vamos traduzir isto por miúdos:
- O primeiro casou com uma brasileira, em Belém do Pará, tiveram treze filhos, trinta e seis netos, e um monte de descendentes, uns 80% espalhados no Novo Mundo e os restantes na “terrinha”.
- O segundo casou em Vila Nova da Barquinha, ali, a pouco mais de cinco mil metros do Castelo de Almourol, e a sua descendência, à qual se juntou o sangue da Amazônia, está 95% em Portugal.
- O terceiro também veio casar no Brasil, em Pelotas; do primeiro casamento teve dois filhos, só o macho teve descendência, 90 % em Portugal, e do segundo casamento mais uma meia dúzia de filhos todos brasileiros.
- Finalmente o tal “caçula” casou em Lisboa com uma linda garota nascida em Pelotas no Rio Grande do Sul, Brasil. Sua descendência também está 90% em Portugal.

O paterno-materno em 1832 virou brasileiro e dos treze génitos só duas foram para Portugal, casadas. Longevo, teria uns 95 anos quando apagou. Comerciante importante, os filhos mais velhos, Luiz e Emília, foram os primeiros brasileiros a fazerem o Curso de Educação Física, num famoso colégio na Turíngia, Alemanha, Philantropinium (!). O Colégio ainda existe e parece ser ótimo.
O paterno-paterno desapareceu quarenta anos antes de eu ter nascido, mas muito se falava dele na família, tanto que a partir de certa altura as minhas tias diziam que eu deveria escrever a sua biografia, para o que eu estava, e continuo, totalmente despreparado.
Providencialmente um dia apareceu um senhor, de quem me tornei grande amigo, que decidiu fazer um trabalho de Mestrado, escrevendo o magnífico livro “Aprendiz de Selvagem – O Brasil na Vida e na Obra de Francisco Gomes de Amorim”, libertando-me do complexo familiar de ignorante por não ter sido capaz de escrever a biografia do vovô-bi. (A propósito, creio que este livro ainda deve existir à venda, talvez através da Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim (?!), e recomendo-o muitíssimo.)
O materno-paterno trabalhou muito no Brasil, brigou com sócios e com os governos, saiu do país “p... da vida” e foi acabar em Londres escrevendo para jornais com o pseudónimo “Gonçalo da Gama”. Diz ele que em 1907 já tinha escrito 107 “Cartas de Londres”! Infelizmente não consegui encontrar mais do que uma.
O “biso” materno-materno ainda me conheceu, visto ter falecido tinha eu pouco mais de dois anos. E ainda tenho uma carta dele, escrevendo a sua neta, minha mãe, “esperando que o Chico” estivesse muito bem. Estava! Melhor do que hoje.
Tirando o primeiro, Luiz, o mais velho dos quatro, aliás o que nasceu primeiro, os outros três foram um tanto dedicados às escritas.
Francisco foi do que viveu, das letras, como poeta, dramaturgo e escritor, e, para ganhar dinheiro com letras naquele tempo como nos tempos de hoje... é profissão mais difícil do que pegador de touros à unha.
Escreveu muito, o primeiro a escrever um romance em que o herói foi um índio do Brasil – Romualdo Guataçara - (a seguir a “O Guarani” de José de Alencar), cantou as belezas da Amazônia, e também quase o único que cantou a vila, hoje cidade, de Alenquer, no Pará. Foi nesta pequeníssima aldeia que despertou para as letras! Ainda adolescente sentia-se desterrado, um miserável, e regressou a Lisboa, onde foi acolhido por Almeida Garrett de quem acabou por ser, por este, encarregado para escrever as suas memórias, o que fez com tanto zêlo que até hoje, quem quiser falar do grande do grande poeta-político tem que se basear no seu trabalho.

João, engenheiro civil, especializado em hidráulica, fez muita obra no Brasil, desde Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, e ainda Piracicaba e Goiânia, além de outras, e acabou a escrever até sobre Camões.
Enganado e sentindo-se roubado pelo governo, que anulou unilateralmente contratos estabelecidos, desgostoso, foi embora do Brasil, reclamou, entrou na justiça, mas viu todos os seus esforços gorados. (Cheira-me a que há hoje muitos casos semelhantes!)

Por fim, António, engenheiro civil, político, crítico de arte e professor. Escreveu uma série de livros sobre músicos e outros artistas, e dele se contava uma história curiosa. Quando Richard Strauss esteve em Portugal foi este bisavô que o acompanhou. Um dia foram visitar Sintra. O compositor, cabeça a descoberto, admirava a paisagem. Notou o cicerone:
- Tem graça, você tem uma cabeça como Beethoven!
- Mas só por fora! Disse o músico, modestamente, talvez à espera de um cumprimento.
- Evidente.
- !!!
Muito do que escreveu fazia-o à noite, em pé, chegando a varar a noite. Para isso tinha uma grande robustez física e forte determinação.

Se me fosse dado escolher o meu DNA entre estes quatro antepassados, que das antepassadas pouco a memória registrou, talvez fizesse a seguinte escolha:
- para grana e longevidade, o bi Luiz;
- inspiração e boa disposição para a escrita, o Francisco;
- do João, queda para a hidráulica para regar milhões de quilômetros quadrados onde reina a seca;
- finalmente do António a sua determinação, sensibilidade para a música e artes e para a educação professional.

Teria sido um “cara bem legal”!
Resumo:
E por fim, este, quase com 50% de vida nestas terras brasiliensis, tem:
- 4 bisavôs homens nascidos em Portugal de origens diversificadas;
- 3 bisavós brasileiras, uma de Rio Grande, outra de Pelotas e mais uma de Belém do Pará;
- 1 avó de Belém do Pará;
- 1 avô de Pelotas.
*          *          *
O mais curioso é que acabo de ser apresentado ao nosso antepassado mais antigo. Nunca imaginei, mas ele foi encontrado na China! Era o que me faltava.
Um Destestômio, chamado Saccorhytus Coronarius. Quando vi a foto dele não tive dúvidas que era meu antepassado. Um nobre! Testa alta, sinal de inteligência, boca grande, habituado a discursar e dar ordens, e basta ver aquela tiara de pequenos cones canelados! Linda.

Não tem certidão de nascimento mas dizem, dizem, que terá vivido há cerca de 530 milhões de anos.
Se fosse no tempo da Inquisição, da PIDE ou do DOPS (ou do trump!), o vovô Saccorhytus, seria levado para interrogatório e contava logo tudo: data de nascimento, número de contribuinte fiscal, e até a que partido político pertencia.
A dificuldade é que parece que era muito baixinho: tinha só um milímetro de comprimento.
De qualquer maneira já o inscrevi na minha árvore ginecológica, tanto mais que o sobrenome de Coronarius vem a propósito da minha, única, que me sobra.
Mas digam lá: ele não é parecido comigo?
Uma gracinha!


29/01/2017

domingo, 12 de fevereiro de 2017


Um pouco de História
A Dinastia de AVIS
 contada à moda ‘‘da casa’’

El-Rei D. João I, de Portugal, até hoje ninguém sabe com segurança se era ou não bastardo, apesar de ter nascido quando a primeira mulher do papai dele, o famoso e Cruel Dom Pedro, já tinha morrido, bem como a linda Inês. A verdade é que o tal Pedro não casou com a dona Teresa Lourenço.
Mestre de Avis, já no tempo do irmãozinho Fernando, que foi rei e aprisionado de amores ilícitos por uma mulher fatal, a famosa e famigerada Leonor Teles, Joãozinho, com dezenove aninhos já se tinha aconchegado diversas vezes na confortável cama de Inês Pires, que dizem as más línguas seria filha de um sapateiro judeu de Castela, mas devia ser boa com’ó milho.
Dos vários filhos que teve com esta Inês, antes da Filipa de Lancaster o ter amarrado curto, ao primeiro, Joãozinho, quando rei, deu-lhe o título de Duque de Bragança, do que, se tivesse vivido até aos noventa e dois anos, quando o neto Afonso, rei, se lembrou de matar o melhor homem daquela geração de Avis, o brilhante Dom Pedro, Duque de Bragança, se teria amargamente arrependido.
Tudo por inveja do abastardado Bragança! Bastardo pode ser ótimo, mas invejoso é... f...ogo!
O filho mais velho do rei, Duarte, era ótima pessoa, um poeta sonhador, mas como rei... não valeu nada, e como morreu cedo deixou o abacaxi ao Afonso que acabou por matar o tio que tanto o tinha ajudado!
Entretanto os Bragança cresciam em poder, finança e influência.
Chegou João II, a quem, por saber bem manejar a adaga chamaram o Príncipe Perfeito. O Bragança, Fernando II, estava a querer sair demasiado da casca e o Joãozinho mandou abriu-lhe as tripas. Menos um primo, logo seguido por outro primo e cunhado, Diogo, Duque de Viseu a quem Joãozinho se encarregou de desencarnar.
O único filho deste Joãozinho, Afonso, casara, em criança, com a filha dos Reis Católicos e arriscava-se a ser rei de Portugal e de toda a Espanha, o que não agradava nada à corte castelhana. Assim, o jovem príncipe morre misteriosamente numa queda de cavalo e pouco de pois, misteriosissimamente, seu pai, segundo o Wikileaks, envenenado com um copo de água, porque o cara era macho e a nobreza portuguesa estava sempre aflita a ver quem era o próximo a ser esfaqueado.
Herdou o venturoso Manuel, irmão do desencarnado Diogo, e tratou logo de abichar a viuvinha do Afonso, Isabel de Trastâmara, com olho na Ibéria. Mas a Isabelinha, ao fim de seis meses de casada pariu e... foi-se, ela e o filho a quem entretanto chamaram Miguel.
O venturoso Manel procurou logo outra e como ainda havia available uma irmã de Isabel, Maria de Aragão e Castela ou Maria de Trastâmara y Trastâmara (seria gaga?) mandou-a ir, e ela, para mostrar à irmã defunta como é que se trabalhava, presenteando o marido e o país com dez filhos! Trabalharam bem!
Esta como a irmã, filhas dos católicos reis fizeram uma danada duma força para que o esposo Manel expulsasse os judeus de Portugal. Elas não queriam ir para um país com essa judiaria! Era gente de “sangue sujo”!
Em Castela reinava, e aterrorizava, não os reis, mas um dos maiores facínoras da história, um tal de Tomás de Torquemada, descendente de judeus, que veio a ser "O martelo dos hereges, a luz de Espanha, o salvador do seu país, a honra do seu fim", conhecido por sua campanha contra os judeus e muçulmanos convertidos da Espanha. O número de autos-de-fé durante o seu mandato como inquisidor é aceito como tendo alcançado 2 200. Uma espécie de ISIS do século XVI !
Como as princesas foram criadas naquela aversão aos judeus, Manelzinho que dependia da grana deles para continuar a ser o rico rei do país admirado, admiradíssimo e invejado, pelas descobertas e negócios com as índias, para agradar às mininas de Trastâmara, mandou reunir, em Lisboa, no Terreiro do Paço os judeus todos, chamou o bispo, mandou que benzesse logo aquela gente toda com água benta e... pronto. Acabara com os judeus, e as princesas já podiam ir para Portugal. O sangue estava limpinho! Hemodiálise automática, teológica e filosófica. Só que os judeus continuaram a judiar finginho que estavam muito cristãos.
Esperto o Manel, hein?
Tudo parecia correr nos conformes para o Manel: descobriu-se o caminho marítimo para a Índia, o Brasil, fez umas conquistas no Marrocos e para as duas filhas arranjou belas alianças, uma casou com Carlos V da Alemanha e outra com Carlos III de Sabóia, além de ter nomeado (ele, sim) dois filhos cardeais, etc.
Consagrou-se esbanjador de dinheiro, como com a aparatosa embaixada em 1514 enviada ao papa Leão X levando presentes magníficos como tecidos, jóias e animais raros, entre eles um cavalo persa, um elefante branco, chamado Hanno em homenagem ao grande general Haníbal, que executava várias habilidades, e passou a ser a mascote do papa.



O pobre elefante só durou sete anos em Roma. Morreu de angina. Deve ter apanhado um frio “do cão” e... o papa ficou muito triste, e até lhe escreveu um longo epitáfio!
Mas a novidade que mais encantou os espíritos curiosos das cortes europeias da época terá sido sem dúvida o rinoceronte trazido das Índias, jamais visto, que assumiu, então, um papel preponderante na arte italiana, ficando célebre o desenho de Dürer



Depois de tanta gastança e de tanta exibição de riqueza, tanta estupidez, onde sobressai em primeiro lugar a perseguição aos judeus e aos cristãos novos, que eram judeus a fingir de cristãos, as finanças de Portugal começaram a abrir brechas.
Sá de Miranda já o previa:
Não me temo de Castela
Onde guerra inda não sôa,
Mas temo-me de Lisboa
Que ao cheiro da canela
O reino se despovoa
.....
Ouves, Viriato, o estrago
Que cá vae nos teus costumes?
Os leitos, mesas e lumes
Tudo cheira; eu óleos trgo,
Vem outros trazem perfumes
.....
D’estes mimos indianos
Hei grão medo a Portugal,
Que lhe hão fazer os danos
Que Capua fez a Anibal?

E Camões também duvidava de “tanta maravilha”:

Que que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que morte lhes destinas
Debaixo de algum nome preeminente?
Que promessas de reinos e de minas
D’ouro que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitorias?
.....
Por quem se despovoa o reino antigo
S’enfraqueça, e se vá deitando ao longe.

O sonho das Índias, do Pau-Brasil, das Molucas, aliás Malucas, começou a ter maiores gastos do que lucros à chegada a Lisboa, que havia sido o mais rico porto da Europa. E vá de ir buscar dinheiro a juros, no norte da Europa, a maioria na mão... dos judeus, muitos deles fugidos de Portugal.
Prestamistas que aproveitaram para carregar nos juros, o que qualquer um de nós faria, não só por ser negócio, como por uma merecida vingancinha!
Chega o João III a quem chamaram o Piedoso, mas foi mesmo um azarento. A mulher Catarina da Áustria, uma grande dama, deu-lhe dez filhos, mas todos bateram a bota, ou à nascença ou crianças. Só um conseguiu engravidar a mulher, Joana da Áustria, quando já casado, com 15 anos, mas morreu antes da criança nascer.
O Piedoso, no meio de tanto azar, perdeu as Malucas para Castela, teve a famigerada peste que assolou a Europa e matou centenas de milhares de pessoas e animais, grandes secas e até o primeiro grande terremoto em Lisboa em 1531.
Criou as Capitanias Hereditárias no Brasil que não foram a lugar algum, e o pior, foi oficializar a Inquisição de quem acabou subordinado, e em 1544 teve, mais uma vez que estender a mão, pedinte, aos negociantes das Flandres, obtendo um empréstimo de 778.400$000. Só as armadas para as colónias, entre 1524 e 1544 haviam custado 684.000$00.
Fecha os olhos e deixa o trono para seu neto com três anos de idade. Educado por uma tia e um tio cardeal... o jovem Sebastião, o “Desejado” foi no papo dum despótico sultão de Marrocos, que já matara um irmão para ficar com o trono, e ameaçado por um tio, refugiara-se em Fez. Em 1578, na sequência do pedido de auxílio que Mulei Mohammed lhe lançou, o Desejado, levando consigo a elite da nobreza de Portugal, decide ir dar uma ajudinha. Em Alcácer-Quibir, Mulei Mohamad e o tio, assim como o rei de Portugal morreram, o que originou o nome de "A batalha dos três reis".
Acabou a dinastia de Avis e Portugal ficou à deriva!
Um tio do Desejado, Henriquinho, o cardeal, com 66 anos, pensou: “Vou-me descardealizar, caso com uma gatinha e darei um herdeiro ao trono”.  E mandou pedir ao Papa, que lhe respondeu que tivesse huízo, até porque ainda não havia Viagra à venda. Triste (?) morre em 1580.
Se o país estava à deriva, sem rei, nem elites, nem nobreza, derivou completamente, abrindo a porta para entrar outro neto do venturoso, o castelhano Filipe.
Acabou a dinastia que começara por Ínclita, e Portugal nunca mais foi o mesmo.
RIP à turma toda.


05/02/2017