A propósito de Mandela
O
homem é simultaneamente incompreensível para o homem.
Blaise
Pascal
Muito
se tem escrito sobre o velho Mandiba. O mundo (quase) todo elogia, curva-se
perante a sua memória, dirigentes da “esquerda” e da “direita”, enquanto uns
quantos “sabedores” de história malham no homem e fazem piada dizendo que agora
o querem santificar.
Que
ele foi comunista, que foi membro do PC, que mandou colocar bombas ali e mais
além, etc. e com isto o tratam de bandido. Fez tudo isto, claro, e muito mais.
Alguém
por acaso conhece alguém, em África, africano, que não tenha sido comunista,
membro do PC, os únicos amigos, interesseiros bem sei, que os ajudaram em todas
as lutas contra o colonialismo?
Quantos
milhões de alemães aplaudiram Hilter quando este os tirou da miséria? Desses
milhões quanto o abjuraram depois? E também se devem lembrar de Gorbachev,
Premier da União Soviética que mandou o comunismo para o lixo.
E
no chamado Ultramar português, quantos e quantos a ditadura salazarista, muda e
queda para o diálogo, obrigou a se refugiarem nos países comunistas, que os
acolheu, ensinou e treinou?
Lembro
Amílcar Cabral que devia ter sido, quando estudou em Portugal tão comunista
como eu, que continuo a abominar tal “receita”. E Eduardo Mondlane, o primeiro
negro em toda a África a doutorar-se, MBA, nos EUA, também seria comunista, ou
foi obrigado a receber o auxílio destes?
Sem
o apoio da União Soviética e seus satélites, como Cuba, talvez ainda hoje
Portugal fosse um Império Colonial, aliás eufemisticamente chamado de
Ultramarino, a Zâmbia seria a Rodésia com Ian Smith a presidir, e a Áfrca do
Sul com o apartheid nas mãos do africanders. Quem sabe?!
Voltemos
a Mandela. Filho de um soba, a nobreza local, obrigado a estudar em escolas só
para negros e non-whites, a não poder entrar em cinemas, restaurantes, onibus,
etc. que eram só para brancos. Ele e os outros milhões de africanos a serem
tratados como sub-humanos por causa da cor da pele.
Se
eu, ou você que está a ler isto, tivesse vivido nas condições dele, e de todos
os outros, o que faria para dar dignidade ao seu povo? O mundo ocidental a
apoiar os brancos e a fingir que estava tudo bem, e só uma porta aberta para os
apoiar: os soviéticos. Por muito anti comunista que fosse, eu não hesitaria em
ligar-me a essa gente, também racista, sabendo que no ocidente o máximo que
poderia obter seria levar com a porta na cara.
Lembro
que os EUA só se deram conta que estavam a perder totalmente a “corrida” para
os países africanos, que eles, na sua arrogante ignorância nem sabiam que
existiam, quando viram a União Soviética já senhora da situação. Apoiaram o
Congo e suas revoltas para não perderem o controle do cobre e, correndo, sempre
asneirando na sua política externa, financiaram os maiores assassinos de
Angola, a UPA.
Em
qualquer altura a gente pode agradecer aos que nos apoiaram, e depois sair, mas
terá que ficar sempre reconhecida pelo apoio recebido.
Certamente
também se lembrarão do tipo de “diálogo” entre os africanders e os incipientes partidos dos
africanos: polícia, bordoada, chacinas no Soweto e muitos outros lugares,
mortes às dezenas, centenas, milhares. Há como dialogar assim? Ou retorquir no
mesmo tom? Foi o que aconteceu; Mandela e todos os outros partiram para actos
chamado terroristas. Os objetivos, bem definidos, eram que não atingissem
pessoas, mas numa revolução ou guerra subversiva, ou qualquer outra guerra, os
civis são sempre, de longe, quem mais sofre. E morreram brancos e negros.
Os
brancos, menos de dez por cento da população total, queriam eternizar-se no
comando do país. Utopia! Como foi em toda a África, e ao fim de 50 anos de
falta de diálogo, só conseguiram um interlocutor válido, sensato, e que lhes
dizia exatamente o que fazia e continuaria fazendo se não se chegasse ao
princípio “one man, one vote”. Esse
homem foi Mandela.
Mandela
que sabia do ódio aos brancos, mas que não podia, primeiro prescindir deles, e
depois permitir uma guerra civil que seria uma imensa catástrofe,
desacreditando os africanos, como aconteceu no Congo, Angola, Moçambique,
Nigéria, etc.
Negociou
habil e educadamente a transição. Como era de se esperar foi eleito o primeiro
presidente negro, e no fim do mandato declarou que não se queria reeleger.
E
quando eleito, ao agradecer os aplausos entusiasmados de milhões, fez questão
de agradecer levantando, junto com a sua, a mão do ex-presidente De Clerk.
Teve
também aquela atitude sensacional no jogo de rugby que foi mais um passo
importantissimo para unir brancos e negros: sabendo que os africanos detestavam
a equipa “nacional”, os Sprinboks, por ser uma equipa de brancos racistas, e
por isso aplaudiam o adversário, ensinou os jogadores a entoar o hino, já
africano, e foi assistir ao jogo com a camisa do clube. Acabou o jogo com
brancos e negros se abraçando.
Há,
em toda a história, de toda a África, alguém que se aproxime da grandeza de
toda esta trajetória?
Podem
pensar em Senghor; mas este não deu um tiro, não mexeu uma palha a favor da
independência, foi um grande poeta, o pai, com Aimée Cesaire, do movimento
literário que se chamou Negritude,
porque escreviam de “dentro para fora de
África”; só esteve preso durante a guerra e pelos nazis, um amigo da França
e de Portugal, mas quando agarrou o poder ficou lá vinte anos.
Não
há, nem em África, nem talvez em todo o mundo quem, com o prestígio que Mandela
atingiu, uma vez no poder não tenha querido perpetuar-se: os ditadores, os
pseudo democratas, em toda a Europa, no Brasil, nos Estados Unidos, China, etc.
Mandela,
foi um jovem, como qualquer de nós, fogoso como poucos, lutador, inteligente e
valente.
Lutou
com os meios que pôde. Venceu.
Porque
o mundo inteiro o aplaude e lamenta a sua perda?
Porque
há tantos que insistem em querer mostrá-lo como “terrorista”?
Em
todo o meu tempo, e já lá vai muito, houve dois GRANDES homens a quem presto a
mais profunda homenagem: Ganhdi, o Mahatma (Grande Alma), e Nelson Mandela, o
Mandiba.
Eu
vivi em África por vinte anos. Talvez no país onde as relações branco-negro
eram as mais cristãs. Mas hoje, passados tantos anos já, reconheço que se eles
não pegassem em armas...
13/12/2013
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