sábado, 26 de setembro de 2009

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Depois dos “Recuerdos Argentinos”, sobre o que ainda haveria muito a contar, vamos recordar o Peru, “voltinha” que demos há já sete anos, em 2002. Assim, alguns acontecimentos descritos têm que ser colocados na perspectiva daquela data.
Alguém que tenha lido isto na ocasião... talvez já tenha esquecido, nem sequer lá ido ao Peru, e se voltar a ler, quem sabe desta vez se entusiasma e vai!
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Ó Incas! Ó Incas!...

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Desde a meninice eu ouvia na família esta exclamação:
“Ó Incas, ó Incas, ó sol da azia!”
Frase que nada significava, além dum gracejo! Também ninguém entendia a graça, nem me recordo já a que propósito se dizia, mas a verdade é que o estribilho foi ficando no ouvido.
Há talvez mais de meio século quando li as primeiras coisas sobre os tais Incas. Livro cheio de lendas, de mistérios, de incógnitas, de incompreensíveis mensagens de alienígenas, astronautas da pré-história, de elogios à sua arte, ao culto do Sol, umas construções silenciosas perdidas no alto das montanhas e, na altura, tudo isto se amalgamava num sonho dificil de realizar: ir lá e ver, sentir, entender aquela gente.
Não sei se foi influência desta graciosa exclamação, a verdade é que sempre me atraiu muito mais ir conhecer os Incas do que Maias ou Astecas, mais ricos.
Acabou chegando o dia, e lá fomos.
Comecemos pela etimologia da palavra Peru: desconhecida!
A divisão administrativa do Peru é feita por Departamentos que seriam os Estados, no Brasil. São vinte e cinco, alguns com uma área de somente 4 mil km2 e 160.000 habitantes.
Pela primeira vez na sua história o Peru votou há dias para Governos Regionais! Já tinha uma tremendamente pesada estrutura administrativa e foi sobrecarregá-la. Acontece que nesta hipotética descentralização, o teórico objetivo primário, quem nomeia os secretários desses governos regionais não é o governador eleito mas sim o executivo central! Como se está mesmo a ver, não vai funcionar, mas criar mais encargos que, para variar, caem sempre em cima do Zé! Desta vez do Zé Inca.
O Peru é rico em minérios – ouro, prata, cobre, ferro, etc. – e terá boas reservas de petróleo. Aqui, também para variar, a maioria do capital das empresas mineradoras não é peruano, mas norte americano. O trivial!
A área agricultável é muito limitada, e quase toda em altitude. Não pode por isso almejar a grandes exportações neste setor. A larga faixa costeira é composta por regiões desertas e o verde só aparece depois da chamada cordilheira oriental, e além disso a região pertencente à bacia amazônica ocupa cerca de 30% de todo o território nacional. Produz um pouco de vinho que não cheguei sequer a provar porque o preço era absurdo, normalmente o dobro de um conhecido vinho chileno ou argentino! Claro que eles podem pedir pelo vinho o preço que entenderem, mas quem vai comprá-lo?
Por todos estas e mais outras, segundo números oficiais, imigram todos os anos do país entre 200 a 250 mil cidadãos! Indício triste, também. Sonham com os USA, mas vão sobretudo para a Argentina, que está agora numa tremenda duma fossa e para o Chile que já não sabe o que fazer com essa gente.
O presidente, na época desta visita, Alejandro Toledo, defensor do estilo caudilho-caciquista, já esgotado e indesejado, intitula-se o Pachacutec, um dos iniciadores do chamado (e mal chamado) Império Inca, o restaurador da nação, etc. que viveu no séc. XV, mas o povo, aquela gente simples que ouvimos na rua, não acredita nele. Aguenta.
Aguentou o japina, Fujimori, e ainda hoje uma parte da população o acolheria de braços abertos. Afinal foi ele que acabou com os grupos guerrilheiros chamados terroristas, deu um razoável impulso à economia do país, privatizando, e nos entretantos aproveitou para resolver também a vida privada dele. O trivial dos caudilhos, e não só.
Mas vamos viajar pelo Peru. Este pequeno intróito serviu para satisfazer a eventual curiosidade de alguns, já que comecei por satisfazer (?) a minha.
Tanta era a vontade de ir para o interior sentir e respirar a cultura inca que me atrevi de entrada a dizer que nem estaria interessado em visitar Lima! Ignorância, claro.
A agência de viagens insistiu e começámos mesmo por Lima, mega capital, criada pelos espanhóis assim chegados a esta terra, porque ficava perto dum local seguro para fundear as suas embarcações.
Mega capital! Dos cerca de 25 milhões de habitantes no Peru mais de um terço vive na capital! São números preocupantes, porque pressupõem pobreza. Não que seja ostensiva, nem muita se vê por onde os turistas andam, mas é impossível que assim não seja. Mas não parece viável que um país, não rico, consiga suportar um terço da sua população a viver na capital.
Lima. Imaginem só uma coisa que eu desconhecia totalmente: em Lima não chove. Nunca. Nunca, mesmo. As ruas não têm nem valetas nem sarjetas - bueiros! É verdade. A famosa corrente fria de Humboldt, que vem dos friozinhos da Antártida e sobe a costa da América do Sul não deixa ali cair uma gota de água, e daí as imensas regiões desertas que começam ao norte de Santiago do Chile e vão até ao Equador!

A grande catedral

Dizia-nos uma das guias de turismo que nos acompanhou: “Se um dia cair uma chuvinha só, nós morremos todos afogados, até porque nem sabemos o que isso é!”
Lima está a 12º de Latitude Sul que no Brasil fica entre Salvador e Aracaju, mas a temperatura é uma delícia, com uma média anual de 21°. Como? A tal corrente! Máxima, em Novembro, 21, mínima, à noite, 15. Querem melhor?
É uma cidade plana, simpática, tem jardins bonitos e bonitas flores, o que é raro ver nas cidades brasileiras, que são cuidadosamente regados.
Num dos bairros hoje de classe alta, San Isidro, encontra-se o que sobrou de uma antiga fazenda onde os espanhóis plantaram um grande olival. Essas oliveiras, bonitas, algumas com perto de quinhentos anos são um dos orgulhos dos limeños, e decoram muito bem o bairro.
Incluído no “pacote” da nossa viagem estavam alguns tours e visitas a igrejas e museus.
A Catedral de Lima... é uma coisa! Na Plaza de Armas, que terá sido traçada pela espada de Pizarro, com jardins com muita flor, a construção da Catedral foi iniciada em 1535. Começou pequena, cresceu, um terremoto derrubou, constrói de novo, maior, mais imponente, outro terremoto reduziu a escombros e assim foi até à imponência de hoje. Interior riquissimo, muita talha dourada, muito ouro, muita prata, muita pintura, a grande maioria de artistas peruanos sob influencia do barroco ibérico. Haja católico para encher aquela igreja! E tem muito mais igrejas. Muito mais, ou não fossem os espanhóis super torquemados quando invadiram as Américas. Destruíram os recintos de culto tradicionais, fizeram inúmeros atos de extirpação de idolatria, e impuseram o cristianismo com incrível violência. (Não foram só eles aliás, só que castelhano sem um a boa mão cheia de sangue não se contenta, enquanto os outros iberos... só de pensar em sangue já caem fora!). Sigamos.

Interior da Igreja de São Francisco

Iglesia y convento de San Francisco el Grande, o meu xará, claro, formam o mais notável e melhor conservado dos monumentos de Lima. Descrever? Não há como. Tem que se ir lá ver, bem como tudo o mais que nós por falta de tempo (e meio$) não pudemos fazer. Há que ver, por dentro, o Palácio do Governo, as casonas coloniales a que nós chamaríamos mansões ou casas apalaçadas, como a Casa de Aliaga, de Pilatos, dos los Marqueses de La Riva, de Torre Tagle, e tantas outras, muitas, reminiscências de um passado de grande fausto, as igrejas de San Pedro, La Merced, Santo Domingo, San Agustin e... por aí vai. Como tem que ver!

Antigo refeitório dos frades franciscanos

E os museus! Só para visitar com olhos de ver e com um bom guia – aliás todos os guias que tivémos eram excelentes – o Museu Nacional de Arqueologia, Antropologia e Historia del Peru são necessárias várias horas e repetir a visita várias vezes. Há que apreciar os magníficos têxteis pré colombianos que são de um bom gosto espantoso e a interminável coleção de cerâmicas, algumas com impressionantes detalhes e singular beleza. E tem os metais e os monumentos de pedras e ...
O Museu Larco, numa dessas casonas construída sobre uma antiga pirâmide precolombiana, propriedade da família Larco que juntou e deixou o museu com uma preciosa coleção de “Ouro e Prata do Antigo Peru” além de muitas outras peças, também de cerâmica, têxtil, etc.

Cultura Mochica. 1 - 800 D.C. Epoca Auge
Orejera de oro con incrustaciones de turquesa, lapislázuli,
concha spondylus y nácar representando a guerrero antropomorfo

Mochica. 1 - 800 D.C. Epoca Auge
Fragmento de textil decorado com desenhos antropomorficos


São precisos vários dias para visitar Lima. Tem muito que ver, e apreciar, e ninguém vai morrer de fome porque também se come muito bem!

Para não alongar muito, deixemos Lima e amanhã vamos para Cusco!





segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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Recuerdos argentinos


– 3 –
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Antes de escrever os "últimos recuerdos", algumas fotos para ajudar a "ver" melhor este país.

Buenos Aires. Muita arborização. Bonitos parque, nesta época, fim de inverno com muita árvore desfolhada


Un pequeno recuerdo: 7 kilos de queijos! Ótimos.

Já em Bariloche. O lago Nahuel Huapi e os Andes

O tango na rua


que a Joaninha aproveitou para treinar...

e os avós para ensaiar!

e a nossa Joaninha, bem melhor, cheia de frio, com a neve ao fundo!


Um aspeto doloroso no estudo da história de todas as Américas, é a parte dos índios. Nem um único dos colonizadores tem a consciência tranqüila, pressupondo que alguns tenham qualquer consciência. No Brasil clamam muito com a atitude dos portugueses, mas comparada aos espanhóis ou com os norte americanos na sua “caminhada para Oeste”, os portugueses foram quase iguais à Madre Tereza!
Além dos espanhóis terem cometido barbaridades incríveis, não foi só com os índios que o fizeram. Entre eles matavam-se entre si com uma displicência total. No Peru o conquistador Pizzarro decapitou o companheiro Almagro, o filho deste matou Pizarro, e até ao século XX os golpes militares, a inveja sócio-política, a ferocidade do sangue espanhol, matou com toda a tranqüilidade.
Na Argentina, os criollos, os descendentes de espanhóis, à medida que avançavam por territórios novos, “Terra de Índios” como ainda lhe chamavam quase no final de XIX, foram empurrando e matando os nativos, e a alguns, por prémio (!) davam-lhes um pouco de terra para que sobrevivessem. Um pouco da terra que sempre fora deles e agora era de uma nação usurpadora.
As leis, desde Fernando e Isabel foram explícitas: os índios são humanos – os doutores das leis e cientistas depois de estudarem os primeiros “exemplares exóticos” levados a Espanha por Colombo, concluiram que afinal não eram bestas, mas gente – e assim deveriam ser tratados, em pé de igualdade, com humanidade e o cuidado necessário por serem criaturas simples.
Mas sempre a lei foi uma coisa e a ganância dos homens outra. Os “cristãos” foram-se expandindo e para os milenares habitantes daquelas terras, para os poucos que sobraram, ficaram as terras inacessíveis, os refúgios, a pobreza, a vergonha, a cultura destruída.
À Tierra del Fuego chegaram os “enviados do governo de Buenos Aires” em finais do XIX, para fundar Ushuaia. Em meia dúzia de anos começaram a ocupar todas as terras, a enchê-las de criação de ovelhas, a vedá-las com arame farpado, ignorando os tradicionais criadores de guanacos. Em menos de 20 vinte anos a população dos Onas estava quase desaparecida! As matanças, a fome e as doenças dizimaram-nos.
E assim foi em todo o lado.
A Argentina é um país maravilhoso. Mas tem um tremendo débito social para com os seus primitivos habitantes, que, pelos vistos, jamais vai pagar e não parece preocupar-se com isso. É uma nódoa imensa e triste na vida duma nação, e que não desaparecerá nunca.
Esquecendo um pouco esta tristeza, e virando novamente turista, abram o link abaixo que, sempre com o tango, mostra o orgulho argentino: o eternamente adorado Carlos Gardel, o tradicional bairro Boca, o largo do Obelisco onde se fazem as manifestações de alegria, sobretudo do futebol que agora... (felizmente o tenista Del Potro veio dar algum ânimo ao desporto local), o famoso “Dulche de Leche”, uma especialidade, bem como os Alfajores, os bolinhos “nacionais”, o tradicional chimarron, mostra até o controvertido Perón, ditador violento, demagogo, que levantou o poder de compra da classe média mas desarticulou toda a infra estrutura de produção, inclusive a agrícola, explorando violentamente os produtores e arrecadando fortunas com o diferencial da exportação, a venerada Evita, que fanatizou o marido, permitindo-lhe fortalecer a ditadura, e até o Maradona no tempo em que era um grande craque.
Mas... não fala dos índios!


E pronto. Chegamos ao fim destes rápidos recuerdos! E nada melhor para fechar este último “capítulo” do que usar as palavras com que um historiador argentino, Felix Luna, termina seu livro, deixando-as com o autêntino sabor original:
“Créanme, tenemos um buen país. Lo único que nos falta,
a los argentinos de estos finales del siglo XX,
es merecerlo”!

(Não se passará o mesmo com os ... , e os ... e até os... ?)




quinta-feira, 17 de setembro de 2009

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Recuerdos argentinos



- 2 -


É bem possível que o “capítulo 1”, anterior, provoque reações estranhas a alguns argentinos, mas o que se escreveu não foi uma “história”, mas recuerdos. E cada um guarda os recuerdos que o tocaram. Falar da Argentina sem falar de tango é pior do que ir a Roma e não ver o Papa, ou não ver no Egito as Pirâmides! O tango é um monumento argentino!
Voltemos a Buenos Aires que Carlos Gardel nos vai apresentar com

Passados 74 anos da sua morte, Gardel ainda é o número um do tango, mundial. Mas tudo evoluiu, a cidade cresceu, aprimorou-se ainda mais, há poucos anos recuperou a abandonada área do antigo porto, onde hoje estão belos apartamentos, hotéis e uma interminável quantidade de restaurantes e bares de alto nível, e do mesmo modo o tango, que se dividiu em dois aspetos: o clássico, que se continua a dançar em clubes, com o charme dos anos 30 e o espetacular, tipo Broadway, onde obrigatoriamente vão os turistas e também os próprios argentinos

E a todos, ao ouvir essas músicas, o pé começa a puxar...
Uma visita ao bairro Boca deve ser a porta de entrada em Buenos Aires. Bairro antigo, pobre, onde talvez o tango tenha nascido, é hoje um centro alegre com suas casas pintadas de coloridos vivos, cheias de artesanato e recuerdos. Ali está um pouco da alma dos porteños!
Já vimos que a primeira “moeda” daquele povo foram os couros, e a seguir a carne, a lã e os vinhos! O couro argentino é uma beleza: tudo o que se imagine que possa ser feito em couro eles têm, e do melhor que existe. Se os preços já eram convidativos por ser um produto tradicional, com a moeda um tanto desvalorizada o estrangeiro fica abismado com o que vê! E o mesmo com os artigos de lã: belíssimos e com preços incríveis. Para quem vive no Rio... roupa de couro e/ou lã é só para olhar!
Sucedem-se as “feiras” de artesanato ao ar livre, tentadoras, as lojas de marcas sofisticadas e as simples mas com os mesmos artigos de qualidade e o turista... vai gastando! Em compensação sabe que leva coisa boa.
Mas um bife de chorizo, ou um ojo de bife, mal passado ou al punto, ou umas costillitas de cordero patagon... acompanhados por papas al horno e regado a Malbec 2003 de Mendoza ou da Patagônia... os franceses podem esquecer o seu cordon bleu gastronomique!

Não comam! Cheirem só este OJO DE BIFE! Huuummm!

Vamos agora deixar Buenos Aires a caminho dos Andes, para Bariloche, situada a cerca de 750 metros de altitude junto ao lago formado pelo degelo das neves andinas, com cerca de 500 km2, o Nahuel Huapi. Rodeada pelos Andes, por onde os ventos sopram e se tornam gelados, Bariloche tem um clima maravilhoso no verão e no inverno é uma das maiores estâncias de sky do mundo.
Está a cerca de 41,5° de latitude sul (bem mais ao sul que Capetown, a 35!). A subida a um dos pontos altos (2.000 metros) de onde partem os esquiadores, é um espetáculo de uma grandiosidade e beleza incomparáveis! Olhando para o poente, sul e norte são os Andes, cobertos de neve, a perder de vista, uma cadeia interminável, uma demonstração da tremenda força da natureza! Não se pode ficar por muito tempo enamorado daquela beleza porque os -10°C fustigados por um vento cortante, parecem querer mostrar-nos que aquela terra é sagrada e protegida pelos deuses!

Bariloche, o lago Nahuel Huapi e algumas das montanhas à volta


Para o nascente, em dias de céu limpo vê-se parte do planalto da Patagônia até onde o horizonte nos esconde a visão, como a desafiar-nos para que visitemos também essas bandas.
Em 1670 alguns jesuítas descobriram este lago e nas suas margens estabeleceram uma missão que foi abandonada em 1718 depois do assassinato de 5 religiosos. Só em 1895 os europeus chegaram para se estabelecer! Bariloche, nome que vem da língua Mapuche significa “povo de trás das montanhas” porque terão vindo do lado do Chile, tal como vieram os primeiros colonos, alemães, suíços e italianos.
Não levou muito tempo a que a estação de sky fosse conhecida e já nos começos do século XX os primeros hotéis começaram a funcionar.
Com os conhecimentos trazidos de suas terras de origem os novos povoadores especializaram-se em doces de leite e chocolates que representam hoje uma das importantes fontes de renda da cidade que vive essencialmente do turismo, todo o ano. Ou vêm os esquiadores, ou os veranistas, ou simplesmente os turistas gozar aquelas belezas, que, lamento muito, mas tenho que afirmar que metem a Suíça num chinelo!
E como não podia deixar de ser também lá se comem os bifes de chorizo, cordero, etc. que ao fim de poucos dias nos fazem clamar por uma canjinha para sossegar o estômago! De qualquer modo sempre com uma garrafinha de Malbec à ilharga para ajudar a digestão!
Os passeios ao longo dos lagos, e são muitos, as subidas às montanhas, os parques naturais, o clima, e a gentileza do povo, obrigam-nos a regressar com a mala cheia de saudade e vontade de voltar!

No próximo “capítulo”, mais um restinho!

do Brasil, por Francisco G. de Amorim

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

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Recuerdos argentinos
 em 3 capítulos !

- 1 -


Aqui mesmo ao lado – quase 3 horas de vôo Rio-Buenos Aires – e só agora surgiu a oportunidade de fazer uma rápida visita!
Cidade bonita, bem traçada, muito bem arborizada, largas avenidas e enormes e bonitos parques, clima magnífico, uma gastronomia, sobretudo nas carnes, que não tem confronto, ótimas massas – pastas – e uma imensa e sempre excelente variedade de vinhos. Moral da história: valeu a pena! E não foi só Buenos Aires.
Pelo que se consegue acompanhar através do noticiário internacional, a Argentina atravessa uma crise difícil, não só econômica, mas talvez até de identidade. Um país que no começo do século XX tinha conseguido elevar-se ao nível internacional do primeiro mundo, sendo, de longe o carro chefe de toda a América Latina, atraindo milhares de imigrantes, com uma imensa e forte classe média, parece não saber agora encontrar uma saída para os seus problemas, com um “casal presidente” a enriquecer, a querer perpetuar-se no poder, e a sobrecarregar ferozmente de impostos a economia, debilitada.
Continua a ter como “carro chefe” da sua economia a produção de trigo, milho e soja, carne e lã, e os famosos vinhos. Sendo o 5° produtor vinícola mundial exporta somente 20% da sua produção, já que o argentino, e os turistas, como eu por exemplo, não dão trégua a “coisa boa”!
Para compreender qualquer povo há que saber um pouco da sua história. Por hábito, nas minhas viagens sempre procuro comprar alguns livros de história do país. Sobretudo dos países dos “novos mundos” que ainda há relativamente poucos anos não tinham qualquer estrutura, saíram de colônias e tiveram que se fazer, Deus sabe com que lutas e sacrifícios.Não se pode resumir a meia dúzia de linhas a história de quem quer que seja, mas alguns aspectos são importantes para traçar as linhas mestras.
Buenos Aires começa com um punhado de náufragos, no princípio do séc. XVI, ali abandonados, miseráveis, quase sem comida, sofrendo a pressão dos aborígines, e onde só raramente passava algum navio que lhes pudesse aliviar o sofrimento. Ao fim de um, dois e até cinco anos lá vinha uma vela, uma “esmola”. Foram os portugueses do Brasil os que começaram a aparecer para com eles fazerem algumas trocas!
Sair daquele improvisado “refúgio” e penetrar nas pampas à procura de comida, de algum animal, era uma aventura difícil e perigosíssima: a planície, imensa, a perder de vista, não tinha pontos de referência. O regresso era uma loteria! Um dia um grupo de aventureiros encontrou um manancial que parecia inesgotável: manadas de gado vacuum, aos milhares, bravos, abandonados a si próprios, que naquelas terras ricas tinham encontrado comida abundante e excelentes condições de reprodução! Mas era impossível aproveitar a sua carne; não havia como transportá-la para a dividir com os outros, menos ainda como conservá-la. Os “pamperos” limitavam-se a abater as rezes, tirar-lhes o couro e deixar a carne para os ratos e outros animais da planície. Começa com couros a “moeda” dessa gente.
Aos espanhóis o que lhes interessava, depois da pilhagem do ouro dos incas, maias, aztecas, etc. era a prata de Potosi. Isso continuava a enriquecer a corte espanhola, mas a um custo elevado: toda a mercadoria enviada da “corte” para abastecer Lima e o Alto Peru, viajava em galeões até ao Panamá, atravessava aquele istmo no dorso de mulas, voltava a ser embarcada em navios no Pacífico até Lima, novamente carregada em mulas para atingir as minas, onde viviam uns quantos milionários e uma imensidão de trabalhadores, escravos e livres. A prata das minas fazia de volta o mesmo quase interminável, e caro, caminho.
Sonhava o vice-rei do Peru com uma saída para o Atlântico, que tornasse as viagens mais rápidas e baratas. Através do Brasil, era difícil porque os portugueses haviam de querer “direitos” de passagem e alfândega. Para o sul, Montevideo não existia e em Buenos Aires a coroa havia estabelecido um “virrey”, fora da jurisdição do “virreynado del Peru”! E por aqui começa o tráfego para o Alto Peru e o crescer do porto de Buenos Aires. A rota seguia por Cordova, Santiago del Estero, Tucuman e Jujuy, e pelo caminho se algum lucro ficava, era sobretudo para os “porteños”. Todos os colonos dependiam de um ou outro “virrey” mas o que os crioulos – espanhóis nascidos nas colônias, como no Brasil que separavam os brasileiros dos reinóis – procuravam era a independência financeira, já que política não lhes dizia respeito.
Com a invasão da Espanha por Napoleão, e da vergonha que reinava naquele país, que chegou a ter um irmão de Bonaparte como rei, os povoadores dos “virreynados” das Américas entenderam que nada deviam à nova majestade, trataram de despejar o “virrey” e montar uma junta governativa. Mas à boa moda espanhola, cada um por si! Buenos Aires tinha o porto de entrada das mercadorias e ficava com a totalidade das receitas da “aduana”, e as outras regiões da atual Argentina, o interior, que se...
Para se tornarem autênticos argentinos, sendo praticamente todos filhos ou descendentes de espanhóis, criaram contra estes uma guerra absurda: filhos contra pais e avós, chegando ao ponto de correrem da cidade com os espanhóis solteiros e alguns comerciantes já endinheirados que aproveitaram para espoliar! No interior os governantes sucediam-se, a maioria em situação de pouco mais do que penúria, e com a rapidez com que uma faca corta um pescoço! Era o método mais usual para troca de governo!
Entretanto Buenos Aires crescia, fomentava a criação de carneiros e organizava a de bovinos, em meados do século XIX sobrava-lhe dinheiro e, muito inteligentemente, planificou uma magnífica cidade, importou espécies arborícolas sobretudo da Europa, lançou linhas de caminhos de ferro para todo o lado (ainda hoje a rede ferroviária é superior ao somatório de todas as linhas dos restantes países da América do Sul, Brasil incluído) fomentou a educação criando a obrigatoriedade do ensino primário e estabelecendo a gratuidade no secundário e nas universidades (três delas fundadas no século XVI). O interior... pedia esmola!
Um dia os argentinos descobrem no seu país (ainda 1/3 do território era terra dos índios) as famosas terras roxas, talvez as melhores do mundo para agricultura, enchem os celeiros de trigo e milho, desenvolvem a vinha nas “orillas” dos Andes, e quando finalmente conseguem uma máquina para fazer frio, as suas imensas manadas de gado logo vão abastecer a Europa, sobretudo a Inglaterra.
Mas, e os índios? Os índios... atrapalhavam os “assentamentos cristãos”, e “houve que” lhes dar caça! Chegaram a pagar a caçadores de índios pelas orelhas que traziam! Mas história vergonhosa e triste não interessa.
"Comício a la Peron" no tradicional bairro La Boca
Até aos anos 30 do século XX Buenos Aires desenvolveu-se muito e já não tratava o interior como bastardos! A Argentina atraiu imigrantes sobretudo para a agricultura e pecuária, cresceu, o povo alfabetizado, a classe média forte, mas as idéias socialistas e anarquistas fizeram também a sua aparição! E com eles a chegada dos militares ao poder, e do maior apoio das oligarquias tradicionais! Vem a 2ª. Guerra Mundial e as exportações de alimentos tornam-se mais difíceis, apesar do enorme aumento do valor dos produtos. Em 46 assume Perón, ditador sem experiência nem idéias, pactuando e desarticulando à esquerda e à direita, a Evita a querer ajudar os mais desafortunados, e o inevitável golpe militar que culmina com o desespero da Guerra das Malvinas para ver se calavam a opinião pública que clamava não só pela situação econômica, mas pelas centenas de milhares de ativistas e estudantes que o poder das armas havia feito desaparecer. Até hoje! Centenas de milhares.
Voltam os civis e depois disso só um governo poderia ter dado certo não fosse a mesma herança castellana “si hay gobierno, yo soy contra”: Alfonsin. A saga prossegue, e talvez sobretudo agora, porque os momentos que atravessamos são sempre os mais percebidos, sente-se um descontentamento geral, uma insegurança face às atitudes do “casal presidente”, e assiste-se até à imigração de argentinos para qualquer lugar onde se sintam mais seguros!
Com tanto desgoverno algumas universidades estaduais perderam a hegemonia e qualidade propiciando a abertura de outras privadas.
Depois falaremos dete tango !...
De qualquer modo a Argentina é um país que vale muito a pena... tudo!
No próximo capítulo vamos falar até de tango, e como não podia deixar de ser, do imortal Carlos Gardel! Quem não gosta?
do Brasil, por Francisco G. de Amorim