domingo, 30 de outubro de 2011




Terá ainda solução a crise?

(A de 1918 ou 2011 ?)


“Considerando que por todas as partes deste Reino haja falta de pão, de que entre todas as partes do mundo soia ser muy abastado, e vendo como agora está posto em tamanha carestia, que não há quem se sustente, e isto por falta de homens de lavrarem as terras... (Provisão de D. Fernando, dada em Santarém aos 26 de Junho de 1375).”
Para a humanidade dividida em nações de interesses diferenciados, e até opostos, há um princípio na política econômica – o maior enriquecimento nacional – não pela acumulação de stocks monetários, mas pelo desenvolvimento das forças produtivas.
Com tantas leis e decretos sobre o trigo e farinhas, em Portugal, em 1914/15, efeito da guerra, o trânsito de farinhas e do trigo foi então enredado em exigências de justificações e guias. Reviveu a economia medieval.
E quanto mais apertadas foram as regulamentações e maior o número de imposições legais, mais a fraude alastrou e contaminou a tudo e a todos, frustrando os melhores intentos.
“O primeiro passo de uma nação, para aproveitar suas vantagens, é conhecer perfeitamente as terras que habita, o que em si encerram, o que de si produzem, o que são capazes.” Abade Correia da Silva – 1750-1823.
No começo do século XIX já cientistas excluíam Portugal das zonas tipicamente cerealíferas, afirmando que a cultura dos cereais é contrariada pelo clima.
Andamos desviados da nossa missão agrícola de país hortícola e pomícola, admiravelmente dotado pela natureza para as culturas arbóreas e arbustivas.
Já não era pequeno mal que apoquentassem a lavoura, manietando-a a alta das rendas e, sobretudo, a falta de capital. Além da alta taxa de juros que absorve a grande parte dos proventos que a empresa poderia dar. Pode-se dizer que ainda hoje a usura tem nas suas mãos a sorte da agricultura portuguesa.
Além disso, não sabemos produzir, nem sabemos vender.
A consciência nítida do interesse geral encontra-se apenas nas sociedades bem constituídas, e num grau de força e prosperidade tal que a consideração do bem público, pode abafar os egoísmos que surgem.

Nos povos em decadência enfraquece o espírito nacional, o que quer dizer que a consciência dos laços de solidariedade se apaga ou desaparece, como se deixasse de existir o interesse comum.
A nação não existe já como um todo vivo, mas como uma soma inerte de elementos quase independentes.
Não havia decerto necessidade de provações tão duras como a desta guerra (e desta crise), para o convencimento da decadência portuguesa. Tornou-se infelizmente bem patente o relaxamento dos laços sociais.
É exatamente um tal estado que nos explica como neste povo em que subsistem os defeitos de uma organização comunitária no que respeita à falta de confiança e dependência do poder público para a solução de todos os problemas, o Estado de quem tudo se espera, é precisamente o menos apto a fazer alguma coisa.
Produz-se por interesse, não por patriotismo nem por filantropia.

- Terá ainda solução a crise?

Tem-se em geral uma impressão errada de resistência e vitalidade dos povos, quando estas se comparam, à fraca resistência individual.
Há um tão natural e poderoso instinto de conservação e de vida no fundo das sociedades, quando porventura atacam pelo espírito as instituições vitais para qualquer povo. É afinal difícil desorganizar por completo; e pode um povo descer na escala dos povos fracos, improgressivos, até à ínfima miséria social, mas não ultrapassando um limite mínimo as suas condições de vida, porque é nela tenaz e poderosa a resistência a toda a dissolução.
Por outro lado, nestes termos, são escusados temores. Mesmo abandonado a si próprio, às suas decisões tradicionais, aos seus hábitos inveterados, ao seu trabalho, à monotonia do seu viver diário, mesmo portanto sem ministros, sem sábios, sem legislações complicadas – o povo conseguiria viver.

- Terá ainda solução a crise?

O que pelo menos se pode desde já asseverar é que, pelo caminho que as coisas levam, e convertidos afinal em novas causas do mal, os remédios com que se tem procurado diminuí-lo, tudo se irá agravando, porque certamente ainda há pior que o estado atual.
A nossa preparação para o futuro tem já neste momento todos os defeitos contrários ás qualidades exigidas.
Provavelmente nós sofreremos a guerra... quando começar a Paz.

(Texto retirado da “Questão cerealífera” e da “Crise das Subsistências”. Escritos por António de Oliveira Salazar em 1914 e 1918).

Mas... depois da tempestade, a bonança!


27/10/2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011


Bateram no Gadaffi !!!

Levantou-se um imenso clamor, mundial, sobre a morte do simpático e inofensivo Gadaffi (ou Kadaffi?).
De fato, os chamados rebeldes, rebentaram mesmo com a cara dele. Tal a raiva que lhe tinham, ainda por cima vendo-o aparecer, saído dum cano, com uma pistola de ouro na mão. Foi demais. Tinha que levar uns tabefes.
Pus-me a pensar a quantos o mundo já tinha dado os outros tabefes, ou simples tiros na nuca!
Na China a presos políticos ou traficantes, fora os torturados por Mao.
Na democrática URSS o senhor Yussip, depois de mandar matar Lenine, matou o Trotsky, além de todos os seus principais e mais diretos colaboradores.
Não tardou muito que, para fazer canhões bombas atômicas, matasse à fome uns milhões de ucranianos, confiscando-lhes a produção de trigo.
E quem se lembra, ainda a II Guerra não tinha acabado, do tratamento dado na Itália ao seu grande líder Mussolini? Esmurram-no, estraçalharam-no, rebocaram-no atrás de um carro por Roma e depois de não ser mais do que um pedaço de carne ainda o penduraram num poste para gáudio e aplausos dos felizes italianos. (Anos, poucos, passados, lembravam-no com admiração e saudade!).
Ao Lincoln resolveram o problema com uns tiros, mas depois da Guerra Civil, os republicanos/democráticos americanos, que diziam na sua Constituição que “todos os homens nascem iguais”, lincharam mais de 5.000 pessoas! Só em 1862 foram, numa fornada, 161. Negros, é evidente.
E em quantos pedaços esquartejaram o inofensivo Tiradentes?
E quando assassinaram o rei D. Carlos e o Príncipe? O que fizeram ao Buiça e Alfredo Costa?
Mas todos estes episódios são fruto de revoluções, quase sempre com finalidades financeiras e não ideológicas ou políticas, porque quem ganha vira herói e rico, e quem perde... morto ou bandido.
Mas há muito pior do que censurar os líbios que espatifaram uma besta aparentemente humana, que os explorara durante mais de quarenta anos e desviara do país, em proveito próprio, umas centenas de bilhões de dólares. Além do divertimento que gostava de apreciar, como o enforcamento de uns quantos presos políticos, escolhidos aleatoriamente, para celebrar os aniversários da sua tomada de posse.
E quando outra besta é apanhada depois de estuprar e matar uma criança? Vamos tratá-lo com cerimônia e sopinhas?
Pior do que tudo isso é aquilo que outras bestas convencionaram chamar de desporto, e que se chama “Ultimate Fighting”! Trata-se de esmurrar e chutar o adversário até ele cair, e ainda no chão levar uma porção de murros na tromba para não ser estúpido!
Na civilizada Inglaterra esse magnífico “desporto” foi agora oficialmente autorizado para crianças, e os queridos paisinhos levam crianças de nove e dez anos para andarem “à porrada” com amiginhos, com quem deviam estar a jogar futebol ou ping-pong! E os evoluídos british parents, sorrindo de orgulho, vêm os filhos, que ainda mal sabem falar, esfolar a cara do outro ou sair esfolado.
Todos estes atrasados mentais aplaudem com tanto mais ardor quanto mais o perdedor fica sangrando ou mesmo K.O.
Eu tenho dois netos, gêmeos, em Londres, com doze anos. Há dias uns garotos mais ou menos da mesma idade, foram lá a casa. Bateram à porta e, perguntados, disseram ao que vinham: queriam “andar à porrada”! Assim mesmo, só queriam bater-se!
E há quem se arrogue o direito de comentar o que os líbios fizeram a quem para eles representava a opressão, a corrupção, a pouca vergonha?
O que faria qualquer um de nós se se encontrasse em posição semelhante? Chamaria uma massagista para lhe tratar das costas doloridas por ter estado dentro dum cano, e ainda lhe mandava servir um aperitivo, enquanto descansasse num quarto de hotel de seis estrelas?
E se um filho ou filha, ou neto/a nosso fosse vítima de violência? Eu lamento dizer, mas se tivesse a infelicidade de me defrontar com tal bestialidade, de certeza não dava bolinhos ao assassino. De certeza. Deveria despertar em mim o nosso primitivo, e útil, instinto de sobrevivência e defesa, e... nessas ocasiões acho que o melhor seria ter um taco de beisebol à mão!
Comentar e apontar o dedo, é aquilo que, parece, os homens (e as mulheres) melhor sabem fazer, sobretudo quando o problema não é com eles, está longe, e não os envolve diretamente.
É tão fácil julgar os outros!

27/10/2011

domingo, 23 de outubro de 2011

Do Brasil



História do Brasil

Desde há uns quantos anos que venho combatendo, ou me embatendo, com muitas mentiras históricas do Brasil, desde o famoso Zumbi dos Palmares, que ninguém sabe se é peça da história ou da ficção, ao Leonel Brizola, e até à atual presidente.
Apareceu agora um livro, muito bem escrito, texto alegre e descontraído, que desmistifica uma série de “heróis” e ao mesmo tempo ajuda a salvar a honra de outros que têm sido considerados, por fracos, vagabundos, ladrões, assassinos, etc.
Lembro entre esses muitos livros que se têm escrito, e distribuído largamente, de alguns que são verdadeiras pérolas de semente de conflitos, como a História dos Povos Indígenas – 500 anos de luta no Brasil, editado pelo Conselho Indigenista Missionário, um órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Neste livro os índios que foram, ninguém sabe quantos, em 1500, hoje estariam reduzidos a uns poucos milhares, culpa, primeiros dos portugueses e a seguir dos “brancos”!
Uma vergonha de livro, sobretudo saido da CNBB que deveria promover o entendimento entre todos os povos, pagãos ou não!
O livro que retifica e desmistifica muito da História do Brasil, escrito por um jornalista, extremamente bem documentado, chama-se

Guia Políticamente Incorreto da História do Brasil

O autor, um jovem de 32 anos enfrentou, com coragem e sem concessões, o status quo existente, Leandro Narloch.
Um livro INDISPENSÁVEL para quem se interessa por história sem lendas – como o milagre de Ourique e outros quejandos – e que deveria ser OBRIGATÓRIO em todo o nível de ensino no Brasil.
Editora Leya (www.leya.com)

Vale a pena. Muito.



23/10/2011

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Sobre a agonia, ou o estrangulamento económico-financeiro de Portugal, vale - muito - a pena ler este texto do professor de Economia A. Palhinha Machado. 

ENTENDAMO-NOS...

 O montante da Dívida Pública portuguesa, nos dias que correm, é enorme - e só aí teríamos já um problema e tanto. Mas não é este o problema que nos ladra aos calcanhares.
 A Dívida Externa Total (pública e privada), designadamente a dos Bancos, é ainda maior (mais do triplo da Dívida Pública) – suficiente para tirar o sono ao mais despreocupado. Mas, hélàs! Não é também o “tal” problema.
 E qual é, então, esse malfadado problema?
 Algo bem mais prosaico:
- Estado, Bancos e empresas (como os empresários não se cansam recordar) - todos nós, em suma, para continuarmos a funcionar com uma aparência de normalidade, só com mais empréstimos;
- E não há quem queira emprestar-nos um cêntimo que seja (excepção feita aos mecanismos internacionais de apoio a países indigentes, mas aí com condições severas e limites apertados).
 Dito de outro modo, o nosso problema, neste preciso momento, não são as dívidas que acumulámos esforçadamente durante os últimos 20 anos, num ciclo que começou no Estado (até 1997), acelerou “prego a fundo” com a Banca (entre 1998 e 2008) e regressou de novo ao Estado (2009-2010).
 Essas poderiam muito bem ser “roladas” (isto é, novas dívidas para pagar as que se vencem) sem grande alarido, até que chegassem tempos mais bonançosos. Desde que pagássemos a tempo e horas uns juritos puxadotes, naturalmente.
 O problema é que qualquer caminho a partir daqui, da situação em que presentemente nos encontramos, só é imaginável (e minimamente suportável) com mais endividamento: do Estado, dos Bancos e das empresas.
 E, por muito que pese a todos aqueles que clamam por medidas dirigidas ao crescimento económico e ao emprego, a dura realidade é que não se encontra, lá fora, quem se disponha a financiá-las (se esses tais souberem de alguém, que façam o obséquio de o apresentar). E porquê?
 Porque, entre nós, o investimento directo esbarra com “custos de contexto” (legislação, sistema judicial, burocracias várias) que desmotivam o empreendedor mais arrojado (talvez por isto, muitos dos nossos empresários nada fazem sem a asa protectora do Estado e do seu aparelho).
 Porque o investimento de carteira não encontra, por cá, nem mercados suficientemente líquidos, nem as mais elementares soluções de cobertura dos riscos financeiros, nem segurança jurídica quanto baste, nem confiança fiscal que o convençam.
 Porque, até 2015, vencer-se-ão cerca de € 3 biliões (3 seguido de 12 zeros) das Dívidas Públicas da UE, o equivalente a 5% do PIB mundial – e nesse concurso de beleza só por acaso alguém reparará em nós, por mais lifts que façamos.
 Porque, enfim, mais dívida (se houvesse quem emprestasse) só agravaria o actual prognóstico – o qual não poderia ser mais reservado.
 Espíritos ingénuos (e, também, menos hábeis no manejo da “dismal science”) pensariam, talvez, que uma boa parte da novel dívida poderia muito bem ser colocada cá dentro - se necessário fosse através de “empréstimos patrióticos” (eufemismo para empréstimos forçados).
 Na realidade, os recursos financeiros internos chegam e sobejam para financiar a parcela maior da Despesa Pública Primária (os gastos públicos, excluindo os juros da Dívida Pública), aquela que consiste em remunerações e na aquisição de bens e serviços locais. E os empréstimos internos teriam sempre três vantagens inestimáveis:
- Reduziriam num ápice a procura interna (como os impostos, aliás);
- Deixariam praticamente intacta a liquidez da nossa economia (o que já só acontecerá com os impostos a partir do momento em que os depósitos a prazo e outras aplicações financeiras comecem a ser liquidados);
- Não induziriam o sentimento de espoliação que acompanha invariavelmente uma chuva de impostos brutais, mesmo se temporários.
 Com eles, o deficit orçamental não diminuiria tão rapidamente, é certo. Mas os deficits orçamentais (muito vulneráveis a contabilidades criativas) só são relevantes porque implicam acréscimos da Dívida Pública – e a Dívida Pública Externa (essa sim, que não engana) estabilizaria bem mais cedo do que a troika prevê.
 Espíritos ingénuos, disse bem. Ignoram, pobres deles, que, desde há muito, IGCP (Instituto de Gestão do Crédito Público) e BdP (Banco de Portugal) capricham em menosprezar o aforro nacional: um, com burocrática displicência, só tem tido olhos para os mercados internacionais – oferecendo internamente taxas ridículas e condições terceiro-mundistas; o outro assistiu passivamente ao crescente endividamento dos Bancos de cá junto de uma mão cheia, se tanto, de Bancos espanhóis, franceses e alemães – evitando assim que os depositantes fossem adequadamente remunerados.
 É claro que os empréstimos internos (necessariamente de longo prazo) teriam de ser representados por títulos escriturais livremente transmissíveis, para os quais haveria que organizar um mercado secundário que lhes conferisse suficiente liquidez.
 [Descrever em pormenor como isto se faz não é difícil, mas afugentaria o Leitor mais paciente. Sempre digo, porém, que teria de ser algo radicalmente diferente dos Certificados do Tesouro - um disparate que pede meças à “engenharia financeira” das SCUTS]
 E é de crer que, com taxas de juro da ordem daquelas que as novas emissões de Dívida Pública (de muito curto prazo, diga-se de passagem) estão a obter, e com um mercado secundário bem organizado, uma parte significativa das necessidades financeiras do Estado nestes tempos de aperto viesse a ser assegurada por empréstimos internos não forçados – o que seria oiro sobre azul.
 E porque é que não se faz tal? Ouço perguntar.
 Simples. Porque a conversão de depósitos a prazo em títulos de Dívida Pública fragilizaria ainda mais os nossos já frágeis Bancos, na exacta medida em que tornaria o perfil temporal dos seus Balanços ainda mais desequilibrado (Activos realizáveis a um prazo médio bem acima dos 8 anos, financiados por Passivos a vencerem-se a menos de 1ano, sem se saber se será possível, ou não, renová-los).
 O que é dizer: não se faz para poupar os Bancos de cá à “angústia do roll over” (a imperiosa necessidade de ir renovando, renovando sempre o Passivo) e ao risco de liquidez que a acompanha.
 Alguma razão assistirá àqueles de entre nós que clamam contra o papel dos Bancos na actual crise: os Bancos estiveram na origem da crise; os Bancos condicionam fortemente as medidas que podem solucioná-la; os Bancos querem fazer crer que o que se passa não lhes diz respeito.
 Em vista disto, ocorre perguntar:
- Porque é que os Bancos de cá não reforçam os seus Capitais Próprios, como forma de atenuar o referido desequilíbrio temporal nos seus Balanços - e € 12 mil milhões para tal são manifestamente poucos?
- Porque é que não se incentiva as empresas a reforçarem, também elas, os seus Capitais Próprios – em vez de se continuar a premiar fiscalmente o endividamento?
- Porque é que não se oferece aos visados, como alternativa aos impostos brutais e à suspensão de cláusulas contratuais (o que é o caso dos subsídios na função pública), a subscrição de Dívida Pública específica, nos termos que delineei mais acima?
- Porque é que ninguém fala em Dívida Pública interna?
 Não ignoro que o Governo (este e os anteriores) tem recorrido amplamente a empréstimos internos mais ou menos forçados. Mas são reservados aos Bancos de cá, o que significa duas coisas pouco recomendáveis:
- Que os Bancos vão usar nesses empréstimos depósitos e/ou fundos obtidos junto do BCE, conseguindo assim margens apreciáveis – só porque se impede o mercado de funcionar;
- Que esses empréstimos vão ocupar, nos Balanços dos Bancos, o lugar destinado ao financiamento da actividade económica.

A. PALHINHA MACHADO
OUTUBRO 2011

terça-feira, 18 de outubro de 2011


A crise e os EUA

Pode haver quem não goste do Obama. Se há políticos a quem eu tiro o chapéu, certamente este é um deles.
Assumiu um país em véspera de derrocada, ainda não igual ao trágico crash de 1929, mas a passos largos caminhando para lá.
Só que desta vez, os republicanos, donos do dinheiro, das fábricas de armamento e mentiras, para continuarem guerras, não estão dispostos a colaborar para levantar o país.
E, racistas, querem também livrar-se da “vergonha” de terem um “preto” a mandar neles.
Assim, os EUA, jamais se levantarão.
Todos sabem que para acabar, ou pelo menos enfraquecer grandemente, a guerra com árabes, ou com o terrorismo islâmico, é preciso resolver o problema da Palestina. O Obama, assumiu a verdade, e com valentia, fez declarações que não agradaram aos donos do dinheiro, e... é assim que esta gente vai fazendo os impossíveis para o derrubarem.
Vale a pena ler o texto abaixo, de um americano, Prémio Nobel.

O pânico dos plutocratas

Paul Krugman*

Ainda é preciso ver se o movimento “Ocupem Wall Street” vai mudar o rumo dos EUA. Mas os protestos já causaram uma notável reação histérica de Wall Street, dos superricos em geral, e de políticos e especialistas que servem lealmente aos interesses daquele um por cento mais rico. E esta reação revela algo importante: os extremistas que ameaçam os valores americanos são aqueles que Franklin Delano Roosevelt chamou de "monarquistas econômicos", e não as pessoas acampadas no Zuccotti Park. 


Considere em primeiro lugar como os políticos republicanos descreveram as modestas, porém crescentes, manifestações, resultando em confrontos com a polícia - que reagiu exageradamente - mas nada que possa ser descrito como baderna. Não houve, aliás, nada remotamente parecido com o comportamento das multidões do Tea Party no verão de 2009.

Apesar disso, Eric Cantor, líder da maioria da Câmara dos Representantes, denunciou as "gangues". Os candidatos presidenciais do Partido Republicano também criticaram, com Mitt Rommey acusando os manifestantes de provocar uma "guerra de classes", ao passo que Herman Cain os chamou de "antiamericanos". Mas meu favorito é o senador Rand Paul, que, por alguma razão, teme que os manifestantes roubem iPods, por achar que os ricos não merecem tais aparelhos.

Michael Bloomberg, prefeito de Nova York e um titã do setor industrial, foi um pouco mais moderado, mas, ainda assim, acusou os manifestantes de tentar "roubar os empregos de pessoas que trabalham nesta cidade", uma declaração que não tem nada a ver com os objetivos do movimento. E se você acompanhou os debates com "comentaristas" na CNBC, aprendeu que os manifestantes estão "alinhados com Lênin",

O modo de compreender tudo isso é perceber que o fenómeno faz parte de uma síndrome mais ampla, na qual os ricos americanos, que se beneficiam de um sistema manipulado a seu favor, reagem com histeria a qualquer um que aponte exatamente o quão manipulado é o sistema.

Em 2010, um numero de magnatas do setor financeiro-industrial explodiu ante uma leve crítica do presidente Obama. Eles denunciaram Obama como sendo quase um socialista, por apoiar a chamada regra Volcker, que simplesmente proíbe que bancos que receberam ajuda federal especulem. E quanto a reação a proposta de fechar uma brecha que permite que alguns desses ricos paguem impostos extraordinariamente baixos? Bem, Stephen Schwarzman, presidente do Grupo Blackstone, comparou a proposta a invasão de Hitler na Polonia.

O que esta havendo? A resposta, os mestres do universo de Wall Street, lá no fundo, já sabem: o quão indefensável moralmente são suas posições. Eles ficaram ricos ao impulsionar esquemas industriais e financeiros complexos que, longe de trazer benefícios claros ao povo americano, ajudaram a nos empurrar a uma crise cujos efeitos continuam a afetar a vida de dezenas de milhões de seus cidadãos.

E, apesar de tudo, os ricos não pagaram qualquer preço. Suas instituições foram ajudadas pelos contribuintes, sem que tivessem que se comprometer. Continuam a se beneficiar de garantias federais explícitas ou implícitas. Esse tratamento especial não tolera uma revisão— e, portanto, segundo eles, não pode haver revisão. Qualquer um que aponte o óbvio, não importa o quão moderadamente, deve ser demonizado e expulso do palco.

Então, quem está sendo antiamericano aqui? Não os manifestantes, que só querem ser ouvidos. Não, os verdadeiros extremistas aqui são as oligarquias americanas, que querem suprimir qualquer crítica às fontes de sua riqueza.

RAUL KRUGMAN é articulista do "New York Times” e Prémio Nobel de Economia

15/10/2011




quinta-feira, 13 de outubro de 2011

(continuação)

Afinal... O que pretendiam os holandeses?

OS OBJECTIVOS DA COBIÇA ESTRANGEIRA

Nas expressivas páginas do seu "Mauricio de Nassau", Américo Mendes de Oliveira Castro, cotado historiador brasileiro, explicando-nos o espírito neerlandês, diz-nos, seguindo os raciocinios de Barleu : Somos moderados onde o immigo é rico; inofensivos onde é pobre; vitoriosos onde é belígero. E esclarece, transcrevendo uma passagem da obra citada de Barleu, panegirista do príncipe João Mauricio de Nassau: Portanto, não reputamos injusto obtermos o ouro mediante guerras legitimas, nem espantoso buscá-lo pelos mares em fora, nem verganhoso ganhá-lo comerciando, nem, desagradável tomá-lo ao inimigo.
O holandês, saiba-se já, demandava apenas o açúcar! Transpunha os oceanos, aportando ao Brasil e a S. Tomé, em prol dum produto que a Europa avidamente reclamava! Almejava desalojar-nos, pois, dos nucleos de irradiação onde nos fixáramos. Surpreende o desiderato?
E adita Américo Mendes de Oliveira Castro no seu trabalho: Estas considerações evidenciam que o mobil dos holandeses ao lançarem os seus olhos vesgos de cobiça, não mais para o Oriente pagão, mas para as terras onde abundava o açúcar, era apenas, exclusiva e confessadamente, fazerem um bom negócio sob a forma ainda inédita entre povos cristãos... todos os que compunham o grupo de desabusados salteadores, reunidos sob o rótulo da Companhia das Índias Ocidentais, desde o mais opulento mercador de Amesterdão até o mais humilde dos empregados eram unicamente aguilhoados pela idéia de enriquecer rapidamente: saque e pilhagem, para os que arriscavam a vida nas lutas; o açúcar transformado em ouro sonante para os dirigentes de Amesterdão e para os accionistas.
Em 1706, voltaram os franceses. Norteava-os o apetite que instigava os súbditos batavos da Casa de Orange. Uma esquadra de muitos navios desembarcou gente de combate no Príncipe. Os incêndios lavraram em quase todos os edifícios. A fortaleza, de robusta construção, foi investida e rendeu-se. As naus e urcas surtas no porto experimentaram a crua sorte dum inesperado afundamento. Acossados os invasores, por desencadeada uma campanha de guerrilhas chefiada pelo heroico capitão-mor Manuel de Sousa Costa, o qual se ocultara nas florestas, breve os intrusos bateram em retirada. Mas retornaram em 1709, desembarcando em S. Tomé. Assolaram a cidade e partiram, porém, só depois de atulhados os cofres de bordo com 20 000 cruzados, alcançados por violentissima extorsão.
Descortinamos facilmente, pelo quadro exposto, qual, e em que agruras se debateu, a movimentada vida e actividade de S. Tomé. Atenta a necessidade de ser utilizada a ilha como apoio aos descobrimentos a efectuar mais a sul, despontou o ensejo de rapidamente crescer em bens de raiz e multiplicar-se em serviços. Averiguadamente S. Tomé, pela sua importância e posição geográfica, dobrou o nível delineado de dinâmico gerador de iniciativas. Todas as feitorias disseminadas pelo Golfo da Guiné, nos territorios do Gabão, Costa do Ouro, Togo, Daomé, Nigéria e Camarão, se não abrolharam, na maioria mantiveram-se, sem uma excepção só, da sua operosidade infatigável. Reflectiu-se, de modo imperativo, a sua acão na penetração até do Continente. Fozes de estuários, parcelas longínquas no interior Virgem, foram exploradas e tornaram-se conhecidas, assente uma obstinação inteligente e acrisolada. Distende-se o senhorio da ilha, expansão e monopólio comercial, da fortaleza de Axem, a oeste do Cabo das Três-Pombas, à embocadura do Zaire. O padre Fernão Guerreiro - como exemplo - testemunhando a efervescência dum burgo surgido bastante a sul do Cabo Verga, escreveu: Aí, um Bento Correia da Silva, natural da Ilha de S. Tomé, com um irmão seu e outros parentes e amigos, fez uma povoação, a qual foi crescendo de modo que haverá nela quinhentos portugueses, e entre brancos e pretos 3000 pessoas.

MODO DE SER DOS PORTUGUESES E O SEU SENSO SOCIAL E DE ACOLHIMENTO HUMANO

Não é lícito furtar-nos agora a destacar o meio social de S. Tomé. Entrevê-se, pela Carta Régia, de Janeiro de 1515, subscrita por D. Manuel I, qual fosse o objectivo dela e as formalidades futuras. O Venturoso ordenou, sem exclusões de nenhuma espécie, que todas as escravas unidas e vivendo com os primeiros brancos, ficassem desde aquela data livres. Considerava também livres os descendentes e precisou que nunca estes poderiam ser citados ou procurados como cativos do rei ou de qualquer. Tal mercê, por nova Carta Régia, de 1517, abrangia então todos os serviçais varões, aceites pelos primeiros moradores da ilha como seus escravos.
Não se pressuponha agora que S. Tomé constituísse, de qualquer maneira, para exclusivo uso dos metropolitanos, um feudo. A exemplo das ilhas, no Arquipélago de Cabo Verde, os estrangeiros exerciam o comércio e prosperavam no âmbito de múltiplas funções. Avultavam, sobretudo, os genoveses, castelhanos e franceses. No Loango consentíamos até uma feitoria neerlandesa, a par da nossa. Outras, mais tarde, por toda a parte, inglesas e holandesas se estabeleceram.
Ajuíze-se, pois, que ao propormos falar da Angola não podemos deixar, como se vê, de mencionar a pérola do Atlântico, que tão relevante papel desempenhou nos destinos desta província.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011


O DESCOBRIMENTO DE S. TOMÉ


Quando João de Santarém e Pedro Escobar descobriram em 1470 a Ilha de S. Tomé, cumpriram apenas a incumbência confiada por D. Afonso V a Fernão Gomes, a cujo serviço ambos os navegadores se achavam. O descobrimento efectuou-se precisamente no dia 21 de Dezembro e portanto foi consagrado ao Apostolo S. Tomé. Logo em 1 de Janeiro, menos, pois, de duas semanas, descobriram os dois nautas portugueses a Ilha de Ano Bom e a 17 de Santo Antão ou Santo Antonio Abade, denominada mais tarde do Príncipe.
Fernão Gomes era, no prazo estipulado de cinco anos, o arrematante, por contrato com Afonso V, dos descobrimentos da costa africana, a partir do Cabo de Palmas, celebrado em Novembro de 1469. As clausulas impunham-lhe, no decurso de cada ano, o descobrimento de 100 léguas de costa, considerando como início a Serra Leoa onde Soeiro da Costa e Pedro Sintra deram por findas as suas viagens.
Só em 1493 a Capitania de S. Tomé, doada a Álvaro Caminha, conheceu os primeiros moradores permanentes. Estabeleceram-se estes apenas um pouco mais tarde no local (idos, então, de Agua-Ambo), onde a capital da ilha hoje se alicerça. Naturalmente que o objectivo requerendo uma fixação de gente branca, simultaneamente exigia uma população de cor, apta a resistir aos rigores do clima, se aceitarmos que S. Tomé era essencial elo na escala dos previstos desdobramentos para o Sul, assim constituindo uma base de abastecimento, de movimentado e alto teor econômico. Foram deste modo introduzidos na ilha agrupamentos negros, escolhidos nas zonas do continente africano próximo. O resultado imediato foi o cruzamento de mulheres negras com naturais metropolitanos recém vindos. Deste castiçamento se obteve uma classe abastada. Sobressaiu um predomínio vinculado de tal mestiçagem, ainda actualmente aceite pelas populações radicadas na Ilha.
Observou-se ali, quanto a povoamento, o que anteriormente se lobrigara no Arquipélago de Cabo Verde. Como exemplo a Ilha da Boa Vista, no mesmo arquipélago, muito antes de ter sido colonizada pelo elemento negro, fora ocupada por metropolitanos e entre estes iríamos achar até um ou outro estrangeiro. Cristóvão Colombo, com amarga surpresa sua, conforme o diz no seu diário, foi descobrir naquela ilha um hospício destinado a tratamento de gafos, em 1498, instalado atenta a extraordinária abundancia de tartarugas no local e a crença generalizada de que o óleo dos quelônios era soberano contra a lepra.
Tão intenso e feliz foi o povoamento de S. Tomé que em 1504 os cônegos de Santo Eloi erigiriam uma freguesia, designada por Nossa Senhora da Graça. Ponderemos, entretanto, a fim de atribuirmos o indispensável valor a série de actividades em curso na Ilha de S. Tomé, que, pouco antes, isto é em 1500, a Ilha do Príncipe presenciara a fixação dos primeiros residentes, sob o entusiástico patrocínio de Antonio Carneiro, homem na metrópole apontado como detentor de riquezas em dinheiro e outros bens de excepcional relevo. Apenas esboçada a ocupação, os povoadores do Príncipe, recrutados quase todos na Ilha da Madeira, devotaram-se ao cultivo da cana sacarina. Breve os terrenos arroteados se encheram de engenhos e edificações.
Em 1517, S. Tomé, orgulhava-se, tal como o Príncipe, da sua produção de açúcar. O gado concentrava-se nos pastos acessíveis e abundantes. Já, então, na ilha, se contavam muitos moradores de cor negra, que, em virtude da sua actividade, tinham amealhado verdadeiras fortunas. Destacava-se entre todos eles um preto muito idoso de nome Joao Menino. Anos volvidos, D. Joao III, que não perdia de vista o Brasil, em 19 de Maio de 1524 outorgava foral aos habitantes sãotomenses. Desfrutaram estes, por via disso, de isenções especiais. Compensação oportuna se afigurou, se sopesarmos o largo e fecundo esforço despendido e o tenaz e diligente espírito de abnegação patente em todas as suas emergências e actos. Pela bula Aequum reputamus, de 3 de Novembro de 1534, Paulo III criava a Diocese de S. Tomé. O primeiro bispo foi D. Diogo Ortiz de Vilhena. Incorporavam o novo cantão eclesiástico as Ilhas do Príncipe, Fernando Pó, Ano Bom e Santa Helena e, ainda, agregados, o Cabo Palmas, os mais distantes das Agulhas e Boa Esperança, além, claro, da própria ilha.

FRANCESES E HOLANDESES ACOMETEM A ILHA DE S. TOMÉ

Tempo apos, menos de um ano, por Carta régia datada de 22 de Abril de 1535, o bloco de S. Tome era elevado a cidade. Instigou o legislador uma causa sagrada e convincente. Um decreto promulgado em 1539 determinava que os mulatos honrados e casados na Ilha de S. Tomé pudessem servir nos ofícios do Conselho. No seu Islario General, Afonso de Santa Cruz, que escrevia, supõe-se, em 1545 ou 1550, narra-nos que a urbe era então lugar onde proliferava numero não inferior a 4000 almas. Sabemos o motivo: fundamentava-se S. Tomé, para o aumento demográfico, que abrangia também os mulatos honrados do Conselho, na produção da cana sacarina. Vinham somente depois o marfim e, quanto a escravos, o comércio destes. Os rendimentos colhidos eram então muito elevados. Noite e dia formigavam artífices num vasto estaleiro e as feitorias não se contavam por menos de 12 a 15.
Em virtude de tão assinalada prosperidade, cuja fama ganhava já a Europa, os corsários franceses em 1567 acometeram a ilha e procederam a um desembarque. Repelidos com firmeza, deixaram nos areais muitos mortos e feridos. Uma esquadra holandesa repetiu, entretanto, a façanha em 1600. Comandava-a o almirante Estêvão Van Der Hagen, duramente castigado antes num ataque as gentes das Ilhas de Maio e do Príncipe. Saqueou o marujo a capital, mas a armada retirou precipitadamente, ameaçados os batavos como se observaram pelos residentes, os quais, a rebate dos sinos e clamores, acorreram das plantações vizinhas. O assalto determinou, contudo, um preconizado abandono de muitas famílias, alias sem imediatas consequências, que preferiram para campo da sua actividade o Brasil. Assustava-as a perspectiva dum desencadeamento de cruéis assédios, devastadores e pertinazes, atingindo o animoso e porfiado labor geral. Julgadas as circunstancias, Lisboa procurou obstar a uma prejudicial transferência de valores e pessoas. Todavia, a administração dos Filipes não se decidia por uma adopção de medidas, cuja urgência visivelmente se impunha. Só em 16 de Janeiro de 1606 se promulgou um alvará atinente a situação. A cupidez dos franceses e flamengos - frequentemente estes dispunham de frotas de 20 e 30 unidades - foi devidamente apreciada. Mercê, porém, do ascendente de alguns portugueses, estacionados na costa e conhecedores do problema que aos moradores de S. Tomé se levantava, doaram-se a estes moradores, então, privilégios em tudo idênticos aqueles de que ha muito os habitantes de Évora beneficiavam.
A pequena ilha do Atlântico, sem duvida, era um diamante admiravelmente facetado. Os haveres arrecadados lá, deslumbravam. Até nas sinistras antecâmaras do Escorial a sua luz, muito antes de tais acontecimentos, prefulgiu...
Pedro Botelho de Andrade, dos governadores nomeados por Lisboa, foi dos que mais se consagrou ao estudo da fixação de capitais e colonos, por aquilatar o estado especial desperto pelo embarque para o Brasil, então cada vez maior, de diversas famílias influentes. O dinheiro da Metropole e os braços de novos obreiros, viu o Governador, tornaram-se realmente imprescindíveis.
A situação agravou-se de súbito em 1637, patente que os neerlandeses, atacando S. Jorge da Mina, se tinham apossado, umas apos outras á, das feitorias de Calabar, Fernando Pó, Gabão, Rio de El-Rei, Cabo de Lopo Gonçalves e Rio Real. S. Tomé, foi tomada em 3 de Outubro de 1641. No ano seguinte, contudo, o Governador Lourenço Pires de Távora, pelejador ousado, contando no seu activo muitos anos de permanência na ilha, empenhou-se por recuperar a fortaleza, onde flutuava a bandeira dos holandeses. Tombaram no campo português, irmanados, brancos e pretos, sem resultado. Porém, em Janeiro de 1644, as inexpugnáveis muralhas, cercadas pelas forças então desembarcadas de Lisboa, capitularam. O bravo governador foi pouco depois confirmado no lugar e dali em diante gozou de todos os direitos no tocante a cultivar o gengibre dourado, regalia a quase nenhuns concedida. Salientou-se Lourenço Pires de Távora pela sua conduta honesta, a par de raras qualidades de energia, brio e discernimento. A sua administração pode, sem favor, equiparar-se a de Ambrosio Pereira de Berredo e Castro.
O que pretendiam os holandeses?

in "História de Angola", Norberto Gonzaga, Luanda 1963

O Forte de São Sebastião, em São Tomé

quinta-feira, 6 de outubro de 2011



O Tempo e os Alicerces

 
Há algum tempo, sem quase nada em que ocupar o espírito e o tempo, lembrei-me que era bom recordar aqueles amigos que mais marcaram as nossas vidas. Aliás é sempre uma benção recordar os amigos.
E, à medida que me fui lembrando, fui colocando os seus nomes em duas listas. Uma, daqueles que ainda por aqui estão, e que esperamos estejam ainda muito tempo, e outra dos que nos deixaram já.
Não tardou começar a transferir alguns nomes duma lista para a outra, e hoje essas listas mostram um tremendo desequilíbrio! Uma vai aumentando e a outra, mesmo com alguns bons amigos que o “virtual” da internet proporcionou, encurta!
Ainda agora mais dois. E como é difícil falar deles! Rememorar tempos de juventude, de adultos, de avós, a simpatia e o verdadeiro sentido de irmandade que, por bondade de tantos, me encheram a vida, que agora, mesmo que não queira, se vai esvaziando!
Lembro com admiração e inveja (porque não?) das suas vidas sãs, corretas, humildes, e ainda assim, ambos alcançaram situações profissionais de destaque.
Um deles passou uns muitos e últimos anos da sua vida preso a uma cama, imobilizado por estranha doença, mas sempre com disposição positiva, não falando na sua doença, mas interessando-se pela saúde dos amigos.
O outro, os achaques da avançada idade foram-se multiplicando, e o corpo não agüentou mais. Um exemplar pai de família, um amigo de sempre, uma simplicidade de vida e ao mesmo tempo uma atividade notável, uma alma grande.
Cada vez que um amigo se vai, uma vontade imensa de estar com os que ainda por cá peregrinam, não dá sossego. Mas a distância é muito grande e cada vez mais difícil de a vencer.
A internet veio unir-nos um pouco mais, mas essa troca de notícias, por muitas que sejam, sabem sempre a pouco; apesar das palavras amigas que por vezes nos enternecem e comovem, o contato pessoal não existe. E faz tanta falta!
A vida terrestre, de todos, tem prazo para terminar. Ninguém sabe quando, mas com o avançar, e pesar, dos anos, não é difícil imaginar que já pouco falta.
Às notícias, tristes, que de vez em quando nos chegam, soma-se a catarata de notícias que nos afogam em desumanidade. Pelos jornais, TV, internet, parece que os jornalistas fazem gala em nos colocar frente a um mundo horroroso! A política mundial que se baseia na guerra, quer de tiros quer de finanças, as crises criadas por irresponsáveis desonestos, a fome que grassa em bilhões de infelizes, a insegurança, sobretudo nas grandes cidades, as drogas, os assaltos, estupros e inacreditáveis casos de pedofilia de pais com filhos, os filmes com sexo mais que vivo, não só entre os dois sexos, mas entre homossexuais, homens ou mulheres, mostrados em horários de dia quando qualquer criança pode assistir, e demorando em detalhes nojentos, a violência exibida na sua mais profunda aberração, a mentira e traição, atributos de filmes das sociedades mais financeiramente abonadas, enfim, tudo isto leva a equacionar se vale a pena continuar a viver num mundo de tal forma depravado.
Chega-se a idade avançada, e todas as violências e aberrações cada vez mais nos magoam. Será por estarmos mais frágeis, ou porque estamos super carregados com a insensibilidade e vergonha que grassam nas manchetes?
Futebolistas a ganharem por mês o que um engenheiro, bem pago, não recebe em doze anos! Uns pseudo artistas que se exibem escandalosamente, muitos deles também analfabetos a fazer fortunas com o dinheiro dos basbaques, ou mesmo um outro analfabeto, que chega a presidente dum país, e que depois o mundo inteiro se digladia para lhe conceder honoris causas!
Está tudo invertido. Os valores que me foram passados durante a infância e adolescência, o empenho e preocupação em levar uma vida íntegra, sem me desviar dos princípios éticos e sociais, parece que de pouco valeram.
Bandido, político, berrador de microfone, falso e covarde, é o grande atrativo da juventude de hoje.
Mas, vão ter amigos? Vão talvez ter dinheiro, e uma vida interior vazia.
Não se interessam por se debruçarem, mesmo um instante sobre alguns princípios, como esta máxima de Maomé: “Se tivesse só dois pães, daria um para alimentar o meu espírito!”
Os amigos, os verdadeiros, são um dos grandes alicerces da nossa vida. Não pelas suas qualidades externas, mas da alma.
E à medida que os vamos perdendo, o nosso edifício vai desmoronando.

02/10/11

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

(Continuação - última parte)


Historia da residência dos

Padres da

Companhia de Jesu

em Angola


CAPITULO 9. DO FRUITO ESPIRITUAL QUE NESTE REYNO SE FEZ

Desdo anno de 1560 em que veio a primeira vez a este Reyno de Angola Paulo Dyas de Navaes com nome de embaixador del Rey Dom Sebastião até o anno passado de 1593, entrarão neste Reyno vinte e seis da Companhia emviados pelos Provinciaes da provincia de Portugal. Tornarão tres pera o Reyno, falecerão onze, são vivos oie nesta residencia doze. Alguns estão sempre em Maçangano, outros muitas vezes no arraial e os mais nesta villa de S. Paulo. O fruito que Deos por elles obrou nas almas, assi dos moradores como dos soldados e naturaes da terra tocaremos aqui em geral brevemente.
Os moradores casados, suas familias, e os mais Portuguezes que nesta villa de S. Paulo, e da de Maçangano vivem sempre os aiudão muito das pregações dos nossos, acodião frequentemente a se confessar entre anno, e por via delles se conservavão em paz, e emmendavão suas vidas.
Com os soldados se fez sempre muito por meio dos ministérios da companhia porque logo no principio os pozerão os Padres em hum santo custume de trabalharem de se confessar quando avião de entrar em batalha.
Huma cousa posso afirmar pera gloria de Deos da qual são boas testemunhas os conquistadores antigos: que se não forão os Padres da Companhia por muitas vezes se tivera de todo acabada esta conquista (1).
Porque os soldados vendose em muito aperto de guerras e tomes, tratavão de desemparar ao Governador Paulo Dyas. E com exortações dos nossos se aquietavão. Ao Padre Baltezar Afonço cometerão se viesse para baxo e deixasse ao Governador que deles farião o mesmo, aos quaes respondeo que nunca Deos tal permitisse que onde o Governador acabasse ali acabaria elle, e o mesmo aconteoeo ao Padre Baltezar Barreira, ao Padre Jorge Pereira e ao Padre Diogo da Costa em diverças coiunções até com nossa pobreza aiudarmos a curar muitos delles emfermos, e a sustentar aos sãos necessitados. O Padre Baltezar Barreira chegou a tirar os couros das cadeiras que avia em casa pera solas dos que andavão descalsos. E no anno de 1592 nesta casa da villa de S. Paulo mandou dar meza de farinha do Brasil, e peixe aos soldados pobres muitos dias os quaes pouco a pouco hião recrecendo na portaria e dia ouve de cento e cincoenta. Até que estrovou esta obra quem tinha obrigação de aguardeçer, mas sempre se continuou com os que se atrevião a vir buscala.
Não falo no acodir aos emfermos com orremedio da confissão porque sempre se continuou.
Quanto ao que se fez com os naturaes os moradores da Ilha Loanda das terras de Corimba e Caçanze, erão todos gentios obra de oito mil pessoas, fomos a ensinarlhes a fee, acabamos com elles, queimassem seus idolos e feitiços, e depois os baptizamos com grande consolação nossa e de todos, e de todo este Reyno.
Antes que viessem a fazer emtendimento das couzas de nossa santa fee nos custou muito trabalho, do qual se seguio a morte a muitos por ser esta fralda do mar muito estéril e chover nella raramente, a gente viver em suma miséria, que só com peixe e brigigões se sustenta. Pello que he necessário aos que hão de doutrinar, levarem tudo o que hão mister para sua sustentação E ainda pera lhes acudir a suas necesidades. E sobre tudo hirem armados de paciencia pera muitas fomes, sedes, calmas, frios, e outras incomodidades que se não escusa passar. Porem todos estes trabalhos se tomão em suavidade assi com a esperança do prémio, e consolações espirituaes com que Deos Nosso Senhor os costuma temperar, como com mostrar diante dos olhos o fruito delles. Muitas crianças estão no Ceo de pouco baptizadas. Muitos se cazarão na lei da graça, ouvem missa com muita devoção rezando por horas de Nossa Senhora ou por contas e os que não tem Igreias, tem cruzes em suas aldeias aonde vão encomendarse a Deos. Os casados vivem em temor de Nosso Senhor e são muy emclinados ao sacramento da Confissão pello que quando estamos na Ilha Loanda alguns dias temos bem que fazer nesta santa ocupação.
Desta casa da villa de S. Paulo forão os Padres quatro vezes a Congo e outras tantas a ilha de S. Thomé em diverços tempos; de caminho baptizarão mais de dez mil almas, e com os ministérios da companhia fizerão outros muitos serviços a Nosso Senhor.
O Governador Paulo Dyas de Navaes por ter experimentado o que os Padres nesta conquista tinhão feito e de quanta importância erão neste Reyno, no testamento que fez aos 24 de Outubro de 1582, pôs huma verba em que diz desta maneira. Peço a sua Magestade não consinta que os Padres da Companhia de JESU desemparem esta conquista pois foi cavada desdo principio e aquirida com seus conselhos e aiudas spirituaes. E aos mesmos Padres peço e roqueiro da parte de JESU Christo por cuio amor cometerão esta impreza que a levem por diante, e a cultivem com sua vida e exemplo, e doutrina, para que nela se multipliquem os filhos de Deos, e a fee católica que começarão a plantar, se estenda por esta grande gentilidade.

(1) No mesmo sentido e pelo mesmo tempo escreveu o licenciado Domingos de Abreu de Brito no seu Sumário e Descripçâo de Angola, aconselhando que se enviassem Padres da Companhia de Jesus ao Congo, «pera que nelle facão o fructo que tem feito em o Reyno de Anguolla», e observando que a eles se devia a conservação da conquista de Angola nos desassete anos de 1575 a 1592. «O que se af firma, são palavras de Abreu de Brito, que a parte que tem causado sustentarse o dito Reyno nos dezasete annos que esteve sem ser socorrido com o socorro que convinha forão os ditos padres parte de se conquistarem com a doutrina o que faltava nas armas por onde farão muito fructo por o Gentio ter muita fee em as suas vertudes e douctrina». Um Inquérito à vida administrativa... página 91.

Esta breve relação da conquista de Angola se fez por ordem do Padre Pero Rodrigues Visitador da residencia dos Padres da Companhia naquelle Reyno, ávidas para isso informações de pessoas dignas de fee, como são os Padres da Companhia Baltesar Afonço que veio com Paulo Dyas e o Padre Jorge Pereira e dos conquistadores antigos: João de Villoria, Ouvidor geral, Gaspar Leitão de Campos capitão da villa de S. Paulo e Luis Mendes Rapozo Alferes do Reyno, oje 1° de Maio de 1594 annos.

(Nota: quem quiser reunir tudo num livro, pode imprimir pela ordem em que foram postados estes textos. Podem ainda imprimir a capa abaixo. Sugestão: imprimir em formato A5 e... depois encadernar)


Nota: Fica só a faltar a apresentação desta "Relação", por Francisco Rodrigues (em 1936 ?) que será feita em próximas postagens.