segunda-feira, 31 de julho de 2017

 

Após uma semana (só!) de deleite, a que foram deixados nas praias de Moçambique, os leitores deste blog, voltamos com mais crónicas daquela terra, mas desta vez preparem os lenços para limpar as lágrimas! O mundo está louco!

 

Caminhos do Sol – 5 -

Por Jorge Ferrão

 

FAUNA


Porquê os outros animais da nossa biodiversidade
Não tem direito a socialização de suas vidas
Quando o homem considera ser somente sua pertença
Essa porção da natureza?

A Bicharada que nos Atormenta

 

Nunca, como nos últimos anos, os bichos viraram tamanha fonte de conflito. Com ou sem razão, o conflito faz parte obrigatória da retórica e do discurso actual. Em 2009, uma Baleia Corcunda ou de Bossa (Megaptera Novaeangliae), dessas que se alimentam na costa moçambicana por estas alturas do ano, encalhou na Ilha da Inhaca. Acto seguinte, ela foi esquartejada sem apelo nem agravo! Por alguns dias, ficou resolvida a questão da carência proteica de uma considerável parte dos ilhéus. Só o Régulo Inhaca, distraído e driblado pelos súbditos, foi o último a saber das carnes mahala. Consequentemente, ficou sem um único grama. Sua autoridade, irremediavelmente comprometida. Irritado, esbaforiu cobras e lagartos. Vaticinou péssimos dias para a Ilha; jurou de pés juntos que os consumidores, desautorizados, se enfermariam por desconhecerem o estado de saúde do animal. Aventou até a possibilidade de a Ilha desaparecer, como consequência da carne desaparecida e do aquecimento global. No final, perdeu mesmo a batalha. O conflito, esse ficou, instalou-se confortavelmente no seu travesseiro.
Em Pemba, no centro da requintada praia do Wimbe, 2010, novamente uma Baleia de Bossa andou aos ziguezagues e, desavisada, não evitou a praia. Estatelou-se em poses sensuais! A fúria humana chegou como onda. Sua alma vagueava sobre o Índico. A sorte de suas carnes, como podem vaticinar, não foi diferente. 12 Toneladas de banha, filet mignon, costeletas, outras de segunda e primeira, e até carne desconhecida, num ápice, foram esquartejadas. Veterinários e policiais, guardiões da Baleia e das ordens defensivas, se digladiaram com os munícipes mais atrevidos. As maiorias, como sempre, levaram a melhor. Mais de 3000 pessoas, incluindo alguns disfarçados saídos das potentes viaturas 4X4, se lamuriaram em busca das iguarias. O conflito entre predadores e candidatos a predadores estendeu-se até ao pôr-do-sol. Pemba viveu dia de algazarra. Um dos curandeiros chegou tarde, mas garantiu-se. Era o pedaço de amuleto que faltava no seu ingrediente.
Em Gangala, no distrito de Caia, terras de Sofala, por onde o baixo Zambeze esbanja elegância e grandeza, mesmo ciente que o Índico o espera para degolar, um Hipopótamo (hippotamus amphibius) foi atropelado por uma locomotiva da famosa linha de Sena. A ferrovia permanece em intermináveis obras de reabilitação. De tantos prazos vencidos, agora já nem tem mais data de entrega. O atropelamento poderá comprometer um pouco mais os prazos. Claramente, este atropelamento foi ilegal, porque o animal, gozava de prioridade e direito para a travessia de suas terras. Este episódio nos é despoletado quando permanecem ainda frescas as memórias de Setembro sobre as envelhecidas debilidades económicas e estruturais. Quando se esperava que os populares tomassem conta daquelas 3 toneladas de carne, o atropelado permaneceu horas, prostrado na via, sem que ninguém tivesse tocado nele. No mínimo, estranho!
Mas a estranheza advinha do facto de tão saborosa e procurada carne não ter despertado apetites. Quase ficou ali mofando! Até parecia que seu valor fora afectado pela crise internacional. Nem se pode dizer que a notícia sobre o acidente não tenha circulado à velocidade de cruzeiro. Porém, mais rápida que a notícia viajou a dúvida sobre o atropelamento. Raridade. Por que cargas de água o bicho teria de ser atropelado? Nenhum outro Hipopótamo fora posto fora de combate naquele trecho!... Então, essa não seria carne abençoada, digna de ser consumida. Seria, seguramente, carne de espíritos. As sociologias extra-educacionais entraram em cena.
O acidente era sintomático de que as cerimónias iniciais, tão em voga nestes dias, haviam sido mal feitas ou descumpridos os rituais quando a linha foi reaberta parcialmente. O pior, ainda, seria os temores que imperam na região, desde a altura que um famoso caçador local, conhecido como Boma, que morrera 18 meses antes, ressuscitara. Boma, como diz A. Chimundo, do Diário de Moçambique (07/09/10), fora antigo combatente da luta de libertação nacional e era tido como um exímio caçador de hipopótamos. Nessa semana reapareceu na residência de seus familiares com vida, poucos dias antes do fatídico acidente.
Os que tiveram a oportunidade de dialogar com Boma ainda se recordam do que ele afirmara, por alturas da sua ressurreição. Num tom messiânico assegurou que, na realidade, quem fora enterrado naquela altura havia sido um hipopótamo e não ele. Estes condimentos aparentavam ser suficientes para destinar o animal para outras paragens. Todavia, mesmo guarnecido, o hipopótamo e suas saborosas carnes não foram desperdiçadas. aceita explicações quem está de barriga cheia.
Nunca saberemos se Boma terá provado o sabor da carne do infortunado hipopótamo trucidado. Nem se ele continuará caçando hipopótamos. A região de DAF, em Galanga, está atenta aos hipopótamos. As lembranças venceram o medo, mas nem por isso são das melhores. Ademais, não saberemos se a empresa responsável pela ferrovia realizará novas cerimónias. Melhor seria fazer.  Não vá o carvão mineral da Vale ficar prejudicado, agora que a sua exportação está eminente (A exploração começou em 2011). Caso a via se inviabilize em virtude da presença de mais hipopótamos, estará instalado o conflito animal e carvão.
Um pouco pelo país continuaremos assistindo ao aparecimento, amiúde, de animais mortos ou moribundos. A sua preciosa carne e todo o valor proteico continuará alimentando o festival de desmonta. O dito conflito Homem-animal, esse, seguirá distorcendo as razões e emoções. Mas se algum dos animais do conflito, tombar por alguma fatalidade, cedo nos esqueceremos dos seus estragos. Seja como for, o que tem de prevalecer será o bom senso, para que o país tenha espaço para todos.

O nome do gênero, Megaptera , significa grandes asas (do grego "mégas" = grande e "pterón" = asas) em referência às enormes barbatanas peitorais;
o nome específico novaeangliae é devido ao local onde a espécie foi descrita pela primeira vez a partir de observações realizadas pelo naturalista alemão Georg Heinrich Borowski, a Nova Inglaterra.
Os machos da espécie medem de 15 a 16 metros, enquanto as fêmeas, de 16 a 17 metros. O peso médio é de aproximadamente 40 toneladas.

O Cão Selvagem Africano de QUITERAJO


O antílope parecia conhecer o predador. Não prestou os devidos cuidados. Voltou a baixar a cabeça. Deliciou-se do melhor que a tenra erva oferecia. Depois, por via das dúvidas, certificou-se se o espaço vital não comprometia. Não teve dúvidas. O recurso seria empreender a fuga. Para qualquer direcção, imaginava que a fuga seria exitosa. Menos para o lado da praia. Só um cão selvagem dava a cara e as cartas. Os restantes, camuflados, escondiam sua tenacidade por entre arbustos e grama. Os Mabecos repetiam, com eficácia, antiga estratégia em tempo moderno. Conduzir a presa para a praia e desferir o golpe final. Instantes depois, antílope e predador, frente a frente, apenas com o mar como porta da sobrevivência. Final inevitável e infalível.
Quiterajo é uma localidade do longínquo distrito de Macomia. Dista sensivelmente 12 quilómetros do estuário do rio Messalo. O rio da liberdade e que refrescou os combatentes da paz. As abundantes reservas de água, pasto e a relativa calmaria, fazem do local, santuário e corredor preferencial de um não menos vasto grupo de mamíferos. Pelo desconhecido e emblemático Quiterajo, ainda é possível, observarem-se, em certas épocas do ano, os restos de uma fauna selvagem gloriosa que foi o orgulho do Miombo Moçambicano.


O mabeco é um animal lindo, inteligente, extremamente social, grande caçador

Presenciar o ataque mortífero do cão selvagem africano (Lycaon pictus) ao Chango, faz parte de memórias incontornáveis. Não tem preço. Este país é fértil em episódios e mitologias da selva. Conhecem-se estórias de elefantes que se banham em praias desertas, crocodilos que viram gente, predadores que comem e roubam milho fresco das machambas. Poucos, todavia, terão ouvido falar nos ataques das praias. Os mabecos, família dos Canídeos, são exímios caçadores. Sua acuidade na caça é de 100%, ao contrário de qualquer outro predador. Nestas estórias, até virá a história a saber, que as presas da praia são disputadas pelo predador, Homem.
Os caçadores, furtivos ou autorizados, observaram ao longo do tempo, a caçada do mabecos e confirmaram sua efectividade. Sabendo que qualquer canídeo se assusta com os sons produzidos pelo ser humano, os caçadores aguardam nas praias pelos Mabecos e suas presas. Depois, é uma questão de berrar e gritar a plenos pulmões, para afugentar os canídeos e se apoderar, ilegalmente, da caçada.
Quieterajo deve possuir uma população de aproximadamente 18 cães selvagens africanos (Lycaon pictus). O grupo de mabecos de Quiterajo tem sido seguido nos últimos anos pelo projecto de conservação Maluane. Porém, os recursos disponíveis, apenas darão para saber de sua existência, trajectória e pouco mais. O Mabeco é uma das mais ameaçadas espécies de carnívoros do planeta. O livro “Red List da IUCN” coloca o animal em risco de extinção.
Moçambique, ainda preserva um pequeno número no centro e norte do país. No centro, em Sofala, e no Norte em Cabo Delgado e Niassa. Já existiram evidências na Zambézia e em Tete. Pelo Limpopo, passa, um pequeno grupo que se perde vindo do Kruger. O último censo no país realizou-se em 1970. Desde essa altura a esta parte, muito pouco tem ou foi feito, quer como pesquisa ou como contagem efectiva. Um grupo de profissionais estrangeiros (Jean Marc André - Oxford, Collen e Keith Begg -  Universidade de Pretória) tem sido activos na disseminação, compilação e tratamento de informação.
A espécie corre riscos. Muito pouco tem sido feito pelas instituições com responsabilidades directas. (IUCN,WWF,TFCAs, etc). Também os restantes profissionais têm responsabilidades pelo descaso. No continente africano o declínio é inevitável. Em pelo menos 39 países onde a espécie poderia ser observada, até aos últimos 30 ou 40 anos, agora o predador sobrevive, efectivamente, em 14 países.
Nos restantes 25, ele desapareceu irremediavelmente.
O desconhecimento generalizado e a crença de ser um animal perigoso torna-o vítima do descaso. Os pecuaristas declararam guerra sem trégua e nem quartel ao mabeco. Existe a percepção de que o cão selvagem africano ataca, indiscriminadamente, os currais, por saber e entender que o animal doméstico não tem sentido de autodefesa. Por essa razão, os criadores jamais o perdoam.
O cão selvagem africano passa, muitas vezes, de predador a presa, por fazer da estrada seu lugar favorito de caminhada. As viaturas não o perdoam. Pelas estradas podem ser observadas carcaças. Na verdade, quando é encadeado a noite, ele é atropelado pela certa.
Para além dos índices de natalidade reduzidos, o cão selvagem é um animal que regurgita. Quer dizer, depois de se alimentar regurgita uma parte do bolo alimentar para seus filhotes. Desde modo é feita a transmissão de doenças dos progenitores para os recém-nascidos. O mabeco é, igualmente, vulnerável às doenças dos animais domésticos, sobretudo do gato e cão domésticos.
Todos nós temos uma grande responsabilidade para salvar esta espécie. Os viajantes podem fotografar e enviar as fotos para as instituições que zelam pela conservação da fauna no país. As grandes instituições que gastam somas consideráveis em publicidade podem, também, financiar concursos de fotografia ou de outro género, despertando interesse na espécie. As faculdades e institutos superiores de Veterinária, Biologia, etc. podem estabelecer programas de protecção, pesquisa e contagem. Conhecendo os efectivos no país, estaremos em condições de definir estratégias de protecção. Pequenas acções com muito impacto. A Índico está fazendo sua parte. Quiterajo idem. 

O Grito do Elefante


Volvidos anos de repovoamento e estabilidade, a fauna moçambicana retorna à incerteza e agonia.  Relatos sobre abates indiscriminados soam bem mais alto que o grito dos elefantes. No Niassa, no coração da Reserva, local consagrado como das últimas fronteiras selvagens de África e do mundo, a carnificina não tem rosto. Em média, na reserva, em 2011, foram abatidos cerca de 2.500 elefantes (loxodonta africana). Por volta de sete (7) elefantes diários, salvaguardadas as devidas proporções. Considerando que a cifra se mantenha em 2012, assumiríamos que outros 1.470 teriam muito provavelmente parado de gritar no decorrer deste ano. Presume-se que existam na Reserva do Niassa por volta de 17.000 elefantes. Ao ritmo da actual matança bastariam mais 6 a 7 anos para que a reserva perdesse sua população de elefantes como sucedeu em alguns países africanos.
Estatísticas e cálculos econométricos, nem sempre constituem unanimidade. As diferentes fontes, muitas delas sediadas no interior da Reserva, se contradizem para minimizar a dor e suavizar o grito do elefante. Não obstante, o vigoroso Miombo seco da reserva não disfarça o consternador espectáculo de milhares de carcaças perfiladas e que quase não apodrecem. Cenário de guerra sem quartel. Soam tiros. Se desmancha a serenidade da paz de quem visita a área. As razões são sobejamente conhecidas. O valor do marfim e outros espécimes no mercado internacional dispararam. Até a ossada do leão (phantera leo) ganhou mercado para sanar impotências masculinas. Para que se evitem equívocos não se trata de descaso ou mero desleixo, nem mesmo despreparo de quem tem responsabilidade por proteger a fauna. São as regras de mercado que continuam de mãos invisíveis.


O que resta de milhares de elefantes: Pilha de 15 toneladas de marfim 
apreendido no Quénia

A região mais próxima do rio Rovuma virou campo de batalha onde nenhum grito merece algum socorro. Se ao menos a carne fosse aproveitada ter-se-ia resolvido um problema fundamental de proteína animal na província. Demasiado desperdício de carne que provoca até desconfiança dos próprios predadores. As áreas concessionadas para turismo cinegético, ou áreas de amortecimento, desfrutam ainda de certa tranquilidade por disporem de efectivos bem superiores de fiscais e outros recursos.

Cambodja: toras de madeiras “recheadas” com milhares de dentes de elefante,
acondicionados com cera, provenientes de Moçambique

Todas as operações furtivas são efectuadas com recurso a sofisticado equipamento que inclui armas de precisão. Que o digam os fiscais. Unidades operativas atravessam o rio Rovuma e fazem da Reserva território sem lei e nem ordem. Não são apenas os elefantes que estão com medo de gritar, são também as pessoas que circulam pelo interior e ainda as próprias árvores. As árvores mais valiosas sumiram. Só as de segunda e terceira categoria resistem. São centenas, os acampamentos de abate de árvores. Os fiscais, apesar de todo o compromisso e empenho, estão desprovidos do essencial para a contra-ofensiva. Usam equipamento letal demasiado obsoleto, incapaz de abater até o mais simpático dos antílopes.
As recomendações da última reunião da CITES, 62ª Sessão, organismo responsável pelo comércio internacional de espécies de fauna e flora, reavaliaram o comércio do marfim por estar a atingir níveis alarmantes. Não existe qualquer citação especial para Moçambique. Porém, as instituições responsáveis não poderão ficar aguardando por advertências para cuidar do bem comum. Património de todos nós. Aliás, o surpreendente desaparecimento de várias toneladas de marfim dos cofres de quem de direito, já de si, careceria de inquéritos e exemplar penalização.
É tempo de agir. Os elefantes precisam de gritar sem medo. Essa é a forma de cantar para espantar seus males. Uma unidade especial de tropa superiormente comandada e por um período limitado de dois a três meses poderia ser a solução. Fiscais de floresta e fauna mais experientes de alguns parques, igualmente poderiam ajudar. Equipamento letal e moderno precisa de ser colocado e accionado. Os fora da lei precisam de saber que este país não é terra de ninguém. A natureza agradecerá e o mundo inteiro seguirá este e outros exemplos. A Reserva do Niassa foi citada muito recentemente como das raras regiões do mundo onde a população de leões supera os mil (1000), e onde a população de leopardos se cifra em cerca de um (1) por cada 2.4 quilómetros quadrados. Lugares de muito destaque e prestígio.


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