Vamos deixar as praias de Moçambique por um pouco. Assim quem as
quiser aproveitar ficará mais tranquilo. Entretanto vão tomando umas e outras!
Vinho! Aaahhh! O Vinho!
Estou
a imaginar Baco a deliciar-se com os vinhos de antão, bebidos por uma
cornucópia, e não por aquelas taças com que o representaram, rodeado de afrodites,
lindas, todos de carne e osso e não de mármores muito bem trabalhados, mas
duros e frios como a morte!
Mais
perto do nosso tempo, de hoje, há pouco mais de vinte anos, andava eu lá pelo
norte de Portugal, no Gerês, planejando um trabalho florestal a ser feito no
Parque Nacional, e tive o privilégio de conhecer um chefe dos guardas
florestais, já aposentado, homem de quem fiquei amigo e de quem recordo com
saudade, o senhor Machado.
Quando
o conheci insistia em tratar-me por sr. engenheiro e eu quase me zanguei com ele
para o convencer que o meu nome, desde que nascera, era Francisco. Ou ele me
tratava assim ou eu o chamava por sr. Chefe! Humilde, relutante, acabou por me
tratar por sr. Francisco e eu a ele por sr. Machado.
O
que têm a ver Baco e o senhor Machado? Imagino que Baco bebia do bom e do
melhor que havia nesse tempo no Olimpo,
na Hélade e na Frígia – até dizem que foi ele que o inventou! – e o vinho que o
meu amigo Machado produzia, das suas pequenas courelas lá no Minho, vinho verde
tinto, teria convencido Baco a naturalizar-se... minhoto!
Uma
das melhores delícias de vinho que já bebi, e olhem que, com a idade que conto,
já devo ter ingerido, quem sabe?, talvez 8 a10 pipas de 550 litros cada... fora
a cerveja, e outros álcoois! (Comecei a beber regularmente às refeições teria
uns 14/15 anos, o que significa que comecei há 26.000 dias! É conveniente
acrescentar que não sou um bêbedo, e que não me lembro de alguma vez ter
apanhado uma bebedeira das... sérias!)
Voltemos
ao vinho. O de Baco seria certamente só uva espremida e fermentada. Assim era o
do meu amigo do Gerês. Uva e somente uva.
Há
uns 45 anos trabalhava eu em Moçambique, na ex-Lourenço Marques, cervejas
Mac-Mahon – 2M – apareceu-me um homem que queria abrir um restaurante, tinha
começado já a obra num prédio, mas entretanto, acabara-se lhe o capital. Veio
pedir um financiamento! Levou-me para ver a obra, o que faltava, quanto
necessitava, etc., e disse-me que fazia o melhor bacalhau do planeta!
Para
avaliar a situação, e como o banco BCCI era o “dono” da fábrica de cervejas,
combinei ir lá almoçar com dois colegas do banco, ver se o tal bacalhau
correspondia aos incómios do descapitalizado “restaurador” e, por sequência se
valia o investimento!
Confirmou-se,
por unanimidade, quase por aclamação, a qualidade do bacalhau que permitiu
passarmos a discutir como arranjar o dinheiro necessário para terminar a obra.
Não foi difícil: eu, que ali representava a 2-M, garanti o pagamento e o banco
emprestou a grana. Alta!
Mas
algo me intrigou: o vinho que nos serviu, um tinto “brabo” era muito bom, não
tinha qualquer rótulo, e em Moçambique vinho bom, só engarrafado.
-
Oh! Sr. Pereira (o meu amigo senhor Pereira, que depois brilhou em Lisboa –
Restaurante Laurentina – e continua a brilhar nas mãos do filho)! Que vinho é
este?
O
Pereira chamou-me de lado, pediu-me segredo, que eu assegurei, e diz-me, bem
baixo, no ouvido, que era ele que fazia o vinho.
-
Mas onde arranja as uvas?
-
Não leva uva!
-
!?!?!?!?
-
O meu pai trabalhou muitos anos num dos armazéns de vinhos do Poço do Bispo e
aprendeu lá a fazer vinho, de qualquer tipo, sem uvas! Podia ser do Dão,
Colares, de qualquer lado, mas sempre sem uvas!
Fiquei
espantado. Espantado é pouco, mas a verdade é que o que ele nos deu a beber era
uma bela pinga! Sempre tinha ouvido
dizer que por aqueles armazéns, à beira-rio, quase se esgotava o Tejo a fazer tanto
vinho, mas daí a ter a certeza de que tinha bebido um vinho, muito bom, que não
era vinho, foi uma novidade!
-
O senhor tem que me ensinar isso.
-
Quando estivermos sozinhos eu ensino. É muito fácil.
Nunca
mais houve essa ocasião, e eu perdi um profundo conhecimento científico!
Hoje,
só em Portugal há centenas de marcas e tipos de vinho, desde os correntes, onde
se encontram alguns muito bons (serão com a fórmula do meu amigo?!) até a
marcas sofisticadas e caríssimas.
Mas
vinho como os de Baco e dos meus amigos Machado e Pereira é difícil.
Os
primeiros porque eram pura uva fermentada, e podia beber-se um litro que a
digestão se fazia sempre com as ideias claras! O do Pereira era pura química,
mas bastante bom. E, disse o “cientista”, saía-lhe bem barato!
Agora,
além do anidrido sulfuroso que se injeta no topo da garrafa acabada de encher,
o que sempre se fez para evitar a oxidação do vinho, a mistureba de produtos
químicos que se junta às uvas é impressionante.
Dantes,
e não há muito tempo, a Lei proibia juntar ao vinho, às uvas fermentadas, o que
quer que fosse. Vinho era uva espremida e fermentada e nada mais.
Depois
a amorosa União Europeia quis que Portugal adicionasse açúcar de beterraba ao
mosto, e mais um pouco de água, com o que obteria mais vinho e eles venderiam assim
o açúcar encalhado lá nos frios nortes da sobredita união. Portugal bateu o pé,
falou grosso, disse que jamais faria tal coisa, a lei portuguesa era clara,
etc., e os alemães e holandeses meteram a beterraba no...
Veio
a modernidade, e a esculhambação!
Quando
a gente pensa que está e beber o puro vinho, sem aditivos, aquele tipo Baco ou
Machado, descobre que alguns juntam ao mosto um monte de tranqueira, como por
exemplo:
-
Estabilizante: ácido metatartárico, INS
353; quando adicionado este ácido, o vinho deverá ser previamente
hidrolisado, pois induz uma precipitação incompleta de racemato de cálcio! Entendeu?
Não? Não tem importância.
- Acidulante: ácido cítrico, normalmente proveniente
do melaço da cana de açúcar. Não, não espremem o limãozinho. É na química. É o ácido
2-hidroxi-1,2,3-propanotricarboxílico
- Anti-oxidante: ácido L-ascórbico, a vitamina C, que
se costuma tomar para evitar a gripe!
-
Espessante: goma arábica, E 414,
é uma resina natural composta por polissacarídeos e glicoproteinas que
é extraída de duas espécies de acácia da região subsaariana, principalmente
da Acacia senegal e da Acacia seyal. INS 353 e E 414, usados
simultaneamente impede as precipitações combinadas de tartaratos e matéria
corante. Deu para entender? Não? Paciência.
A Goma arábica é
usada como espessante e estabilizante para vários alimentos, na
manufactura de colas e como espessante de tintas de escrever. Quando eu
era moleque fazia uma mistura com álcool e água e ficava o dia todo penteadinho,
lindão... com a cabeça durinha! Muito usada em espumantes, mesmo os que custam
os olhos da cara, para espessando o vinho, segurar as bolhas que se desprendem mais
lentamente e... o copo fica mais bonito! E, curioso, um dos grandes produtores de
goma arábica seria o Bin Laden!!! A vender para os granfinos! Boa piada. Mas o
Sudão do bonzinho Al-Bashir é o maior. (Ah! Em doses um pouco mais elevadas
pode ser letal!)
E você que me lê
pensava que tem andado a beber pinga da boa? Está enganado!
Primeiro veja bem o
rótulo. A maioria só diz que tem sulfitos, porque sem eles o vinho viraria
vinagre em dois dias. Uns, mais temerários, lá escrevem que misturaram INS 330,
INS 300, INS 220, INS 200, esquecem o INS 353 e o E 414, etc.,
mas... tudo numa boa.
Face a estes
cocktails que transformam o vinho em um quase derivante do petróleo – plástico
– você só tem um caminho: começar a beber vinhos de preços acima de € 500, (só
a meia garrafa) mas... assegurando-se previamente que a uva estava limpinha.
Ou então procurar
antigos funcionários dos armazéns do Poço do Bispo e beber aquilo que temos a
certeza de que leva tudo menos a maravilhosa uva!
Que saudades dos
meus amigos Machado e Pereira. Um fazia vinho puro e ótimo, o outro um vinho
ótimo e... secreto!
O problema mais
grave de tudo isto é: “E agora, o que é que eu vou beber?”
19/07/2017
TCHIM TCHIM, À SAÚDE!!!
ResponderExcluirBoa, Francisco.
ResponderExcluirO pobre Pereira da Laurentina finou-se há muito (uns 3 anos) depois de um longo calvário com Alzeimer.
Sobre a região demarcada Xabregas-Beato, convém não esquecer as últimas recomendações de Abel Pereira da Fonseca (mon ami Abel de Pessoa): "Meus filhos, lembrem-se sempre que até de uvas se faz vinho".
Abraço
APM
Claro que vai continuar a beber vinho!
ResponderExcluirEu gosto mais quando as castas Syrah e Touriga Nacional são as dominantes.
Prefiro o tinto com corpo.
Branco só quando é mastigável como o tinto! Ou como refresco se se tratar de Arinto!
Com um abraço do,
António
Tio se eu tivesse provado dessa bela pinga talvez gostasse de vinho .....bjs grandes
ResponderExcluirBebita
Vamos nessa...
ResponderExcluirZM
Amigo Francisco!
ResponderExcluirHojé à noite, a partir das 0h de uma 4ª feira quente da Ilha de Tavira, e do Estudo Geral, brindaremos com um vinhito, infelizmente não tão bom como o desses seus amigos Machado e Pereira. Mas, tchin, tchin, haja Deus.
Aquele Abraço
Luís