Caminhos do Sol - 2
Por Jorge Ferrão
Moçambique
visto por dentro
PRAIAS
São os olhos da sensibilidade
Que no suspiro da incredulidade
Experimentam a prodigalidade
Da cor, do cheiro, sem idade Da magia da misticidade
Que fazem destas praias tropicalíssimas
A maravilha última antes da entrada para o paraíso
As praias de Maputo
As praias de Maputo servem de espelhos desfocados das águas de nossas veias. Separam a periferia do centro. A periferia que procura o centro para se refrescar. O centro que procura a calada da
noite na praia para repensar esquemas.
Namorar? Encantar as damas. Passear os sonhos na brisa. Os quebraventos
que servem de estrado param os casamentos. Recordações, magias e divindades. O
Espírito Santo feito bênção.
Quando
a Mãe Natureza se rebela, as praias de Maputo transformam-se em avenidas.
Banham os olhos de quem não acredita. Um novo click para que se contemple o
cheiro da cevada e do lúpulo fermentados em Laurentina e 2M. O som forte de uma marrabenta-funk-hip-pop que prolonga a
noitada. Madrugada esticada. O pescador de músculos tensos que contempla a
vida, e a cidade envaidece o seu suor.
Acho
a fotografia, apenas a descrição de uma vida. Vidas abertas. A vida e emoção. A
descoberta do espaço e do pedaço. Por estas fotos e tantas outras, enxergamos o
vento que fustiga a serenidade.
Massas
de ar que derrubam esperanças. Revemos uma estrada que brevemente jamais será.
Os muros de protecção no último suspiro. Um hotel de quatro ou mais estações,
agora desprovido de todas. Por estas fotografias, descobrimos que as atitudes e
o descanso fizeram das praias caldo. Sopa com óleos e pedaços de carne. Caldo de vegetais
temperado pelo sol.
A
fotografia tem sempre duas caras. Uma visível. Outra oculta. Diz tudo o que quer. Não
diz nada quando entende não dizer. Deixa
seus cantos sem vírgulas para os que querem entender. Mas a fotografia é também
o tempo. Esperança de um dia melhor. Foto é sempre aquilo que cada um de nós
quer ser e ver. Imagens das praias
de Maputo são tudo isso e algo mais. Tanto faz
que nos humedeçam de nostalgia
ou prazer. Nelas (re)descobrimos as saudades, os tempos e o melhor que esta cidade oferece.
O outro lado do horizonte
Começo pelo fim, impelido entre o zero e o infinito. Roubo atitudes infantis folheando livros. Como se o prazer morasse no desfecho da
obra. Ao longo de anos visito diferentes ecossistemas. Faço-o de forma
compulsiva. Vasculho a diversidade e
os tesouros mais raros. As indiscritíveis verdades. O que de melhor a natureza
reserva de si própria. Faço-o, em épocas especiais, algumas vezes, noutras, por
mera obra do acaso. No final de cada visita uma nova lição, sensação, ou a
confirmação do que já era real. Ninguém, jamais, conhecera a natureza na sua
essência. Seremos eternos aprendizes.
O acaso me empurrou para as catorze pontas, ou cabos, da costa mais a
sul de Moçambique. Os recortes com os quais a natureza decidiu beijar o Índico,
romance espreitado por todas as noites de luar.
Os prolongamentos do continente pelo oceano que reconfigura a melodia das águas e os sonhos dos humanos.
Estes lugares que apenas convivem com ventos indomesticados e espumas tenebrosas. Os nomes destas pontas, são via de regra,
originais e guardam segredos de lideranças desaparecidas e espíritos de outros
universos. Malongane, Maderjanine, Membane,
Mucombolo, Milibangalala. Chemucane
e Dobela. Todas prenhes
de inconfessáveis memórias.
Algumas não resistiram à força da invasão ocidental. Nem por isso
perderam a postura, porém testemunharam seus espíritos sumirem com o tempo. Já
não fazem caricias ao mar e nem o mar lhes promete em casamento. Abril, Gomene,
Torres, Techobanine e a grande Ponta do Ouro, já castigada pela industrialização selvagem.
A essência e traços comuns e tudo o que Deus lhes ofereceu ainda pode
ser vivenciado. Dunas fixas e areias fartas. Dunas que se confundem com cabeças
cabeludas de vegetação rasteira ou de arbustos com Micaias (Faidherbia albida) que não perdem, nunca, sua graciosidade. As
dunas vivem escondidas como se tivessem vergonha de contemplar os encantos e
espectáculos do continente e oceano. Talvez sejam as vergonhas da disvirgindade que o tempo lhas retirou.
Os reis destes paraísos são os caranguejos. Esse bichinho que enche de
paladar às almas dos apreciadores, mas que
nos tipifica pelas
suas características. Parecemos mesmo caranguejos. Reis sem coroas. Vivemos
caminhando para trás e escrevemos progresso no sentido de retrocesso.
Impedimos os futuros. Nestas areias os caranguejos dispensam ciúmes e
invejas. Maldades.
Respeitam os espaços vitais e assim, asseguram a continuidade da
espécie. Quem, nem sempre os respeita, são mesmo as águias pesqueiras (Haliaeetus vociferous). As pescadoras,
faz tempo, deixaram de esperar pelos restos de peixes jogados à costa. Fizeram
do rei o seu prato predilecto. Estes lugares são os melhores do mundo para
testemunhar como a águia pesqueira devora o caranguejo, em pleno voo e não deixa cair um único pedaço. O universo parece ser uma mesa sem fim.
As rainhas são as Tartarugas. Reis e Rainhas não acasalam, mas não se
desentendem. Ganharam o estatuto pela hegemonia e graciosidade. As cinco
espécies que Deus criou, nomeadamente a Cabeçuda (Careta carreta), a Gigante (Dermochelys
coriácea), Bico de Falcão ou pente (Eretmochelys
imbricara), Tartaruga Verde (Chelonia
mudas), e a Tartaruga Olivacea (Lepidochelys
olivacea) desovam por estas praias e deixam os oceanos mais encantadores.
Indiferentes ao plástico e a lixeira dos humanos, cruzam oceanos e praias
vagarosas e preocupadas.
Dificilmente poderão escolher a mais bonita das pontas dos reis e
rainhas. Poderemos, a muito custo, eleger os mais conservadores e naturais. A
beldade das pontas e seus reis e rainhas duplicam quando se agrega algum valor. Algumas vezes, o valor vem dos
humanos. A obra de arte que acrescenta sabor ao que já era primoroso.
Ponta Mamoli reconverteu-se. Ajoelhou-se e, em posição oratória, pediu
aos humanos o melhor da sua capacidade tecnológica e artística. Ofereceu-se
para servir a humanidade e desvendar seus mistérios. Os homens de boa vontade
não se fizeram rogados. Depois do longo namoro, das juras de fidelidade,
deitaram-se de costas e contemplando as constelações, meteram mãos à obra. Quando Deus quer, o Homem sonha e a obra acontece.
Bem no coração da floresta, na duna mais consolidada do ecossistema, despontou
o White Pearl.
White Pearl não se fez num dia. Nem Pavia e muito menos Roma. Seguiu o
percurso da própria duna. Foi meticulosamente estudada ao detalhe. Não tardou
que se tivesse transformado no Imperador das pontas. O outro lado do horizonte.
A combinação perfeita entre o respeito pela natureza e pela fauna e
observatório obrigatório para os humanos. A combinação entre uma construção
ecológica e o requinte das estrelas dos resorts.
White Pearl desafiou-se a si própria e a criatividade. O elemento que
faltava para complementar os padrões da modernidade e do futuro. Cada planta
derrubada foi substituída por cinco novas. Substituição assistida por compostos
naturais que fortificam as plantas e reflorescem os espaços pouco preenchidos.
A ciência ao serviço das tartarugas e caranguejos. A vegetação circundante fez
o resto, não permitiu clareiras
e as construções se converteram em novas plantas.
Agora, precisam, apenas de ser catalogadas.
Ecossistemas frágeis requerem densidades mínimas. Pouca iluminação,
tolerância zero ao som e ruídos de toda a natureza, circulação restrita de
veículos nas areias da praia e, sobretudo, respeito pelas épocas reprodutivas.
Estes ecossistemas não toleram lixeira, substancias toxicas e muito menos
dejectos lançados para as águas cristalinas. White Pearl se tornou rigorosa e
exigente. Aceita visitantes comprometidos com a natureza, aqueles cujo laser os
persuade a aprender sobre ecologia, a mestiçagem e cultura local.
Mesmo em frente da White Pearl são visíveis recifes de coral. Estes os
activos costeiros que absorvem carbono e garantem a saúde da economia dos
oceanos. Qualquer visita guiada permite contemplar variadíssimas espécies.
Peixe zebra e papagaio. São os que dão as boas vindas. Curiosos vem saudar a
tudo e todos. Os recifes de coral transformaram o local no Paraíso do mergulho.
Quem nunca mergulhou, não deveria morrer sem experimentar essa sensação. Já, uma vez ouvi dizer, que Deus deixa no
purgatório as almas dos que partem sem antes realizarem um mergulho. Mas, os
corais, igualmente, sofrem os efeitos das mudanças climáticas. Quem não os
sente? Visitas cuidadas minimizam a
integridade dos seus corais.
Vezes sem
conta os golfinhos se associaram aos esforços empreendidos para a manutenção
dos recifes de coral. Eles acreditam que a sua presença, constante, não deixará
que o branqueamento dos recifes aconteça. Os golfinhos acompanham, igualmente,
todas as visitas que são efectuadas aos coloridos peixes de todas as dimensões.
Competente equipa técnica da White Pearl propícia aos visitantes, sempre em
números reduzidos, um mergulho com estas criaturas tão inteligentes como os
seres humanos. O convívio se tornou tão habitual que modificou as rotinas da
fauna local. Agora se alimentam mais cedo e, depois, no papel de guias
turísticos, orientam os mergulhadores para as áreas que não representam riscos.
Ponta Mamoli tem sabido vender o nome e a imagem de Moçambique. White
Pearl que completa a generosidade da natureza em nada lhe fica devendo. Estes
os exemplos de parceria que o ambiente precisa e o ecossistema agradece.
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