domingo, 6 de agosto de 2017


Caminhos do Sol – 6 -

Por Jorge Ferrão


Continuando com a fauna de Moçambique

Pangolim – um negócio da China

 Pangolim (Manis temmincki) conhecido em algumas regiões de Moçambique, no sul em particular, por alacavuma é uma espécie mítica para uma significativa parte dos moçambicanos. Sempre que se faz presente, em locais residenciais, sobretudo em época chuvosa, sua aparição é, imediatamente, associada a calamidade ou desgraça natural e social em formação. Tudo se deve a sua raridade e ao formato físico pouco comum. No centro e norte de Moçambique e, eventualmente, em outras partes do continente, os mitos lhe conferem sorte diferente. Pangolim, então, é tido como animal que traz a sorte e a prosperidade. O mesmo animal tem, por conseguinte, o condão de suscitar diferentes interpretações.

O belo e simpático Pangolim. À direita em posição de defesa

Aqui pelo norte de Moçambique a aparição do Pangolim, principalmente antes da época das chuvas, aliás quando abundam mais formigas, a sua presença simboliza ano de chuva regular, abundância de colheitas e, fundamentalmente, prosperidades. Apesar de ser o anunciador de bonança, pessoas existem que não ficam por aqui e lhe movem uma desenfreada perseguição. Assim, as comunidades pastorícias, sobretudo elas, capturam o animal e acto contínuo queimam-no vivo, no interior dos currais de gado. Esta atitude, de acordo com a crença, aumenta a fertilidade nos rebanhos.
Existem pessoas que para afastar o “mau-olhado” usam anéis e fios feitos de escamas de Pangolim. Aliás, as escamas são usadas, igualmente, na medicina tradicional. Não se conhecem os seus efeitos, porém todos que procuram um pouco mais de sorte fazem uso do recurso. Pangolim, inofensivo e por ironia do destino está, então, condenado a trazer os sinais de prosperidade e a ser caçado, como se o humano não necessitasse mais de anunciadores de fartura.
No sul de Cabo Delgado, mais para região de Montepuez, o Pangolim também anuncia bonança. Não obstante, encontram no bichinho valor agregado, pois agora descobriram que o podem comercializar. Agora o Pangolim enfrenta, como outros animais de grande porte, os efeitos de uma caça furtiva predadora, desumana e inexplicável.
Comercializado em bacias cobertas de capulanas, ainda vivos, o animal chega a custar até US$3.000. Os compradores predilectos são conhecidos. Asiáticos. Uma vez adquiridos são mortos e a sua escama é transformada em pó e, depois, exportada para Ásia. Aparentemente as escamas possuem propriedades capazes de melhorar desempenhos e apetites nocturnos de homens que vivem escondidos em vergonhas e impotências. Claro que isso é falso e não tem qualquer fundamento.
Mas, verdade ou não, sem que tivéssemos dado conta, já tem o Pangolim na lista de animais cuja demanda ultrapassa os limites do aceitável.

Autoridades na Indonésia queimando mais de 700 pangolins confiscados ao tráfico.
O Pangolim é considerado o animal mais traficado no mundo.
A WWL decretou o dia 18 de Fevereito, o Dia Internacional do Pangolim

Para quem não esteja familiarizado o Pangolim tem o corpo revestido de escamas grandes e compridas, finas, mas muito duras e que se encontram, normalmente, avermelhadas devido a cor dos solos argilosos que ele escava. Tanto a cabeça, como o pescoço e o tronco, estão cobertos de escamas e elas se sobrepõem umas às outras. A cabeça é pequena e pontiaguda, a língua é comprida, protráctil e viscosa e não tem dentes. As patas são curtas, mas as posteriores são mais compridas e cada uma possui cinco dedos. Alimenta-se preferencialmente de formigas e térmites que captura usando sua língua viscosa.
A reprodução é lenta e no máximo a fêmea gera dois filhotes. Em condições normais costuma ser mesmo um. As escamas endurecem, logo no segundo dia de vida, e o filhote costuma ser transportado nas costas pela Mãe. Assim, passeiam o dia inteiro procurando alimento e aparentando caminhar numa atitude pouco discreta.
Na realidade, as regiões não urbanas, são mais propensas à presença de formigas e térmites, daí que mais facilmente se pode encontrar um Pangolim. Sua aparição na região urbana só se justifica por estar procurando um novo morro e alimento. Convenhamos, procura alimentos o tempo todo e abrigo para se refugiar, agora tão necessário, e continuar sua vida pacata. Ainda assim, as poucas pesquisais realizadas, dão a indicação de existirem, em Moçambique, muito menos Pangolins que Leopardos. Qualquer um deles pertence a lista das espécies protegidas no mundo.
Os tempos de paz e sossego do Pangolim começam a rarear. O novo negócio da China preocupa. O comportamento dos vendedores faz crer que todos sabem que a venda do animal é proibida por lei. Ainda assim, os prevaricadores seguem impunes. Caça furtiva e sem quartel. Urge acabar o mal pela raiz. Pangolim desempenha uma função fundamental no controlo das espécies das quais se alimenta. Uma super população de formigas e térmites seria nociva ao ecossistema e sobretudo à agricultura. As regiões que já não possuem exemplares deste animal, ressentem-se da sua ausência.  (X)




O Réptil MAMALIANO DE TULO


A pacata candidata a vila, Tulo, para alguns Tula, no Posto de Lunho, Distrito do Lago, atesta estas meias ou completas verdades. Faz tempo que os locais convivem, quer agrade quer desagrade, com um novo mundo, com outras vertentes. Económicas. Paleontológicas. Os visitantes, de todas nacionalidades, com rostos transbordando simpatias, bolsos com outras intenções, vasculham os interiores do Tulo, para descobrir as preciosidades que a terra esconde em seu ventre.
Tulo, sem que os locais entendam, entrou em definitivo, para o interior de vários dicionários. Primeiro, como importante reserva de ouro. Aflease Gold, baseada em Joanesburgo, agora quase transformada em Gold One International, não desperdiçou a oportunidade e assentou arraiais na região. Os garimpeiros ilegais, até desmerecem referências. Em tempos recentes, tem sido aventada a ocorrência de carvão mineral. Nem sequer deve ser segredo. A prospecção só deve comprovar as viabilidades. Quanto mais carvão sairá dos nossos subsolos, para engrandecer o ocidente?
Porque o tempo não estaciona, as investidas, obrigatoriamente, continuam. Os novos exploradores, nem por isso, procuram ouro ou carvão, porém, algo mais subtil. Vestígios de passado que pretende ser presente. Os resultados, bem longe do final, não poderiam ter sido mais encorajadores. Vejamos a cronologia. Entre os meses de Junho e Julho de 2009, uma expedição científica, paleontólogos portugueses, por sinal, ainda em fase de conclusão de sua formação, nos EUA, escalou Tulo e Muchenga. Não olharam para relógios e, muito menos para as luxúrias. Concentraram-se, no essencial. Escavar.
Ricardo Araújo e Rui Castanhinha, seus nomes, numa missão de pouco mais de 4 semanas, descobriram um importante fóssil, quase completo, raridade nos dias de hoje. Um réptil Mamaliano, nomeadamente, crânio e o respectivo esqueleto. O fóssil já classificado como fazendo parte da família dos Sinapsídeos, quer dizer répteis que habitaram o planeta, bem antes dos colossais Dinossauros. As contas nem por isso são fáceis de fazer. Sua existência data de 230 milhões de anos. Como podem os ossos sobreviver tanto tempo?
Andamos, de alguma forma, sossegados. Estas ossadas pertencem ao estado moçambicano. Existe absoluto controlo.
No momento da descoberta, um dos jovens pesquisadores, Ricardo Araújo, até já havia abandonado o projecto, temendo ter investido demasiado tempo e capacidade, para parco resultado. Rui Castanhinha, mais persistente, bem auxiliado pelos colegas moçambicanos, acreditou e foi até ao fim. A paciência e a persistência saíram compensadas.

Aqui têm o “monstro” (à direita): 15 cm. de comprimento, mas um ancestral de todos os mamíferos

Naturalmente, não existe ainda capacidade científica ou laboratorial para lidar com este tipo de ossadas, dando uma indicação mais aproximada do tipo de animal e da sua era geológica. Assim, e obedecendo aos trâmites legais, as amostras recolhidas foram transportadas para o Museu de Lourinhã, em Portugal e, posteriormente, para os Estados Unidos da América, mais concretamente, para o Laboratório da Southern Methodist University.
O Ministério dos Recursos Minerais de Moçambique e o Museu Nacional de Geologia têm seguido a evolução destas descobertas. Aliás, estes achados confirmam o nosso país e a região do Niassa, como locais com elevado potencial paleontológico, devido ao facto de ocorrerem formações geológicas que não têm sido prospectadas, sob o ponto de vista paleontológico. Estas instituições moçambicanas assinaram um protocolo com o Museu de Lourinhã em Portugal, não apenas para dar seguimento aos estudos deste Sinapsídeo, como para dinamizar o estudo da paleontologia e à formação de técnicos em Moçambique.
Dinossauros, do grego Deinos (terrível) e Saurus (lagarto e, por extensão, réptil) foram uma espécie de fauna reinante no final do período Triássico, cerca de 225 milhões de anos atrás, que terão habitado o planeta Terra durante uma boa parte da era Mesozóica, quer dizer, desde o início do Jurássico até o final do período Cretáceo - cerca de 65 milhões de anos. O filme Jurassic Parque (Steven Spielberg) reanimou o debate em torno destes colossais animais. Quais teriam sido as causas do desaparecimento dos Dinossauros?  Por que teria sido extinta toda a linhagem? A teoria mais comum estaria associada à queda de um asteróide que teria provocado flutuações do nível do mar e dos lagos, redimensionando as regiões alagadas. Neste processo de extinção, sabe-se que só as aves, de acordo com os cientistas, teriam resistido como os seus últimos representantes.
Para os habitantes de Tulo ou de Muchenga, estas abordagens, nem por isso, despertam grande interesse. Porém, para o país, a sua importância é capital. Com frequência somos confrontados com novas descobertas de novas espécies de dinossauros, encontradas na China, Austrália, e um pouco pelo Mundo. Todavia, muito raramente, é feita alguma referência a espécies anteriores aos Dinossauros. Niassa passa pois, a fazer parte de um privilegiado grupo de locais paleontológicos, quer dizer, da elite na área de paleontologia, caso se comprovem as teorias elaboradas à volta do réptil mamaliano/sinapsídeo de Tulo.
O que terá de interessar, quer aos habitantes de Tulo, como a todo o país, obviamente, seria saber se Tulo e Muchenga, no distrito do Lago, seriam capazes de assegurar um fluxo de informação contínuo sobre esta preciosidade, se passariam a fazer parte do roteiro científico dos pesquisadores nacionais, se dos proveitos e benefícios a montante ocorreriam no local. Na realidade, em que medida o turismo nacional estabeleceria uma rota para visitas de rotina e ainda, como se impulsionaria as rotas do turismo científico, académico e educacional?
Para já, a única certeza é de que o Museu Nacional de Geologia elaborou um projecto denominado PalNiassa, para o sequenciamento das pesquisas efectuadas. Para Agosto de 2010 está agendada uma segunda expedição. Técnicos nacionais estão em preparação. Os vários sites da Internet continuarão a dar destaque a Niassa e ao País.


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