Caminhos do Sol – 6 -
Por
Jorge Ferrão
Continuando com a fauna de Moçambique
Pangolim
– um negócio da China
Pangolim (Manis temmincki) conhecido
em algumas regiões de Moçambique, no sul em particular,
por alacavuma é
uma
espécie mítica para uma significativa parte dos moçambicanos. Sempre que
se faz presente, em locais residenciais, sobretudo em época chuvosa, sua
aparição é, imediatamente, associada a calamidade ou desgraça natural e social
em formação. Tudo se deve a sua raridade e ao formato físico pouco comum. No
centro e norte de Moçambique e, eventualmente, em outras partes do continente,
os mitos lhe conferem sorte diferente. Pangolim, então, é tido como animal que
traz a sorte e a prosperidade. O mesmo animal tem, por conseguinte, o condão de
suscitar diferentes interpretações.
O belo e simpático
Pangolim. À direita em posição de defesa
Aqui
pelo norte de Moçambique a aparição do Pangolim, principalmente antes da época
das chuvas, aliás quando abundam mais formigas, a sua presença simboliza ano de
chuva regular, abundância de colheitas e, fundamentalmente, prosperidades.
Apesar de ser o anunciador de bonança, pessoas existem que não ficam por aqui e
lhe movem uma desenfreada perseguição. Assim, as comunidades pastorícias,
sobretudo elas, capturam o animal e acto contínuo queimam-no vivo, no interior
dos currais de gado. Esta atitude, de acordo com a crença, aumenta a
fertilidade nos rebanhos.
Existem
pessoas que para afastar o “mau-olhado” usam anéis e fios feitos de escamas de
Pangolim. Aliás, as escamas são usadas, igualmente, na medicina tradicional.
Não se conhecem os seus efeitos, porém todos que procuram um pouco mais de
sorte fazem uso do recurso. Pangolim, inofensivo e por ironia do destino está,
então, condenado a trazer os sinais de prosperidade e a ser caçado, como se o
humano não necessitasse mais de anunciadores de fartura.
No
sul de Cabo Delgado, mais para região de Montepuez, o Pangolim também anuncia
bonança. Não obstante, encontram no bichinho valor agregado, pois agora
descobriram que o podem comercializar. Agora o Pangolim enfrenta, como outros
animais de grande porte, os efeitos de uma caça furtiva predadora, desumana e inexplicável.
Comercializado
em bacias cobertas de capulanas, ainda vivos, o animal chega a custar até
US$3.000. Os compradores predilectos são conhecidos. Asiáticos. Uma vez
adquiridos são mortos e a sua escama é transformada em pó e, depois, exportada
para Ásia. Aparentemente as escamas possuem propriedades capazes de melhorar
desempenhos e apetites nocturnos de homens que vivem escondidos em vergonhas e
impotências. Claro que isso é falso e não tem qualquer fundamento.
Mas,
verdade ou não, sem que tivéssemos dado conta, já tem o Pangolim na lista de
animais cuja demanda ultrapassa os limites do aceitável.
Autoridades na Indonésia
queimando mais de 700 pangolins confiscados ao tráfico.
O Pangolim é considerado o
animal mais traficado no mundo.
A WWL decretou o dia 18 de
Fevereito, o Dia Internacional do Pangolim
Para
quem não esteja familiarizado o Pangolim tem o corpo revestido de escamas
grandes e compridas, finas, mas muito duras e que se encontram, normalmente,
avermelhadas devido a cor dos solos argilosos que ele escava. Tanto a cabeça, como o pescoço e o tronco,
estão cobertos de escamas e elas se sobrepõem umas às outras. A cabeça é
pequena e pontiaguda, a língua é comprida, protráctil e viscosa e não tem
dentes. As patas são curtas, mas as posteriores são mais compridas e cada uma
possui cinco dedos. Alimenta-se preferencialmente de formigas e térmites que captura usando sua língua viscosa.
A
reprodução é lenta e no máximo a fêmea gera dois filhotes. Em condições normais
costuma ser mesmo um. As escamas endurecem, logo no segundo dia de vida, e o
filhote costuma ser transportado nas costas pela Mãe. Assim, passeiam o dia
inteiro procurando alimento e aparentando caminhar numa atitude pouco discreta.
Na
realidade, as regiões não urbanas, são mais propensas à presença de formigas e
térmites, daí que mais facilmente se pode encontrar um Pangolim. Sua aparição
na região urbana só se justifica por estar procurando um novo morro e alimento.
Convenhamos, procura alimentos o tempo todo e abrigo para se refugiar, agora
tão necessário, e continuar sua vida pacata. Ainda assim, as poucas pesquisais
realizadas, dão a indicação de existirem, em Moçambique, muito menos Pangolins
que Leopardos. Qualquer um deles pertence a lista das espécies protegidas no
mundo.
Os
tempos de paz e sossego do Pangolim começam a rarear. O novo negócio da China
preocupa. O comportamento dos vendedores faz crer que todos sabem que a venda
do animal é proibida por lei. Ainda assim, os prevaricadores seguem impunes.
Caça furtiva e sem quartel. Urge acabar o mal pela raiz. Pangolim desempenha
uma função fundamental no controlo das espécies das quais se alimenta. Uma
super população de formigas e térmites seria nociva ao ecossistema e sobretudo à
agricultura. As regiões que já não possuem exemplares deste animal,
ressentem-se da sua ausência. (X)
O
Réptil MAMALIANO DE TULO
A pacata
candidata a vila, Tulo, para alguns Tula, no Posto de Lunho, Distrito do Lago,
atesta estas meias ou completas verdades. Faz tempo que os locais convivem,
quer agrade quer desagrade, com um novo mundo, com outras vertentes.
Económicas. Paleontológicas. Os visitantes, de todas nacionalidades, com rostos
transbordando simpatias, bolsos com outras intenções, vasculham os interiores
do Tulo, para descobrir as preciosidades que a terra esconde em seu ventre.
Tulo,
sem que os locais entendam, entrou em definitivo, para o interior de vários
dicionários. Primeiro, como importante reserva de ouro. Aflease Gold, baseada em Joanesburgo, agora quase transformada em Gold One International, não desperdiçou
a oportunidade e assentou arraiais na região. Os garimpeiros ilegais, até
desmerecem referências. Em tempos recentes, tem sido aventada a ocorrência de
carvão mineral. Nem sequer deve ser segredo. A prospecção só deve comprovar as
viabilidades. Quanto mais carvão sairá dos nossos subsolos, para engrandecer o
ocidente?
Porque
o tempo não estaciona, as investidas, obrigatoriamente, continuam. Os novos
exploradores, nem por isso, procuram ouro ou carvão, porém, algo mais subtil. Vestígios de passado que pretende ser
presente. Os resultados, bem longe do final, não poderiam ter sido mais
encorajadores. Vejamos a cronologia.
Entre os meses de Junho e Julho de 2009, uma expedição científica,
paleontólogos portugueses, por sinal, ainda em fase de conclusão de sua
formação, nos EUA, escalou Tulo e Muchenga. Não olharam para relógios e, muito
menos para as luxúrias. Concentraram-se, no essencial. Escavar.
Ricardo
Araújo e Rui Castanhinha, seus nomes, numa missão de pouco mais de 4 semanas,
descobriram um importante fóssil, quase completo, raridade nos dias de hoje. Um
réptil Mamaliano, nomeadamente, crânio e o respectivo esqueleto. O fóssil já
classificado como fazendo parte da família dos Sinapsídeos, quer dizer répteis
que habitaram o planeta, bem antes dos colossais Dinossauros. As contas nem por
isso são fáceis de fazer. Sua
existência data de 230 milhões de anos. Como podem os ossos sobreviver tanto tempo?
Andamos,
de alguma forma, sossegados. Estas ossadas pertencem ao estado moçambicano.
Existe absoluto controlo.
No
momento da descoberta, um dos jovens pesquisadores, Ricardo Araújo, até já
havia abandonado o projecto, temendo ter investido demasiado tempo e capacidade,
para parco resultado. Rui Castanhinha, mais persistente, bem auxiliado pelos
colegas moçambicanos, acreditou e foi até ao fim. A paciência e a persistência
saíram compensadas.
Aqui têm o “monstro” (à direita): 15
cm. de comprimento, mas um ancestral de todos os mamíferos
Naturalmente,
não existe ainda capacidade científica ou laboratorial para lidar com este tipo
de ossadas, dando uma indicação mais aproximada do tipo de animal e da sua era
geológica. Assim, e obedecendo aos trâmites legais, as amostras recolhidas
foram transportadas para o Museu de Lourinhã, em Portugal e, posteriormente,
para os Estados Unidos da América, mais concretamente, para o Laboratório da
Southern Methodist University.
O
Ministério dos Recursos Minerais de Moçambique e o Museu Nacional de Geologia
têm seguido a evolução destas descobertas. Aliás, estes achados confirmam o nosso
país e a região do Niassa, como locais com elevado potencial paleontológico,
devido ao facto de ocorrerem formações geológicas que não têm sido
prospectadas, sob o ponto de vista paleontológico. Estas instituições
moçambicanas assinaram um protocolo com o Museu de Lourinhã em Portugal, não
apenas para dar seguimento aos estudos deste Sinapsídeo, como para dinamizar
o estudo da paleontologia e à formação
de técnicos em Moçambique.
Dinossauros,
do grego Deinos (terrível) e Saurus (lagarto e, por extensão, réptil)
foram uma espécie de fauna reinante no final do período Triássico, cerca de 225 milhões de anos atrás, que
terão habitado o planeta Terra durante
uma boa parte da era Mesozóica, quer dizer, desde o início do Jurássico até o
final do período Cretáceo - cerca de 65 milhões de anos. O filme Jurassic Parque
(Steven Spielberg) reanimou o debate em torno destes colossais animais. Quais
teriam sido as causas do desaparecimento dos Dinossauros? Por que teria sido extinta toda a linhagem? A
teoria mais comum estaria associada à queda de um asteróide que teria provocado
flutuações do nível do mar e dos lagos, redimensionando as regiões alagadas.
Neste processo de extinção, sabe-se que só as aves, de acordo com os
cientistas, teriam resistido como os seus últimos representantes.
Para
os habitantes de Tulo ou de Muchenga, estas abordagens, nem por isso, despertam
grande interesse. Porém, para o país, a sua importância é capital. Com
frequência somos confrontados com novas descobertas de novas espécies de
dinossauros, encontradas na China, Austrália, e um pouco pelo Mundo. Todavia,
muito raramente, é feita alguma referência a espécies anteriores aos
Dinossauros. Niassa passa pois, a fazer parte de um privilegiado grupo de
locais paleontológicos, quer dizer, da elite na área de paleontologia, caso se
comprovem as teorias elaboradas à volta do réptil mamaliano/sinapsídeo de Tulo.
O
que terá de interessar, quer aos habitantes de Tulo, como a todo o país,
obviamente, seria saber se Tulo e Muchenga, no distrito do Lago, seriam capazes
de assegurar um fluxo de informação contínuo sobre esta preciosidade, se
passariam a fazer parte do roteiro científico dos pesquisadores nacionais, se
dos proveitos e benefícios a montante ocorreriam no local. Na realidade, em que
medida o turismo nacional estabeleceria uma rota para visitas de rotina e
ainda, como se impulsionaria as rotas do turismo científico, académico e educacional?
Para
já, a única certeza é de que o Museu Nacional de Geologia elaborou um projecto
denominado PalNiassa, para o sequenciamento das pesquisas efectuadas. Para
Agosto de 2010 está agendada uma segunda expedição. Técnicos nacionais estão em
preparação. Os vários sites da
Internet continuarão a dar destaque a Niassa e ao País.
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