domingo, 5 de junho de 2016


Sócrates e as sobrancelhas


Desde que algum ser começou a pensar, sobretudo quando percebeu que estava mesmo a pensar, a refletir, e não somente a agir por instinto ou cautelosa repetição, que o homem, aquele que parece ser o único que por enquanto sabe refletir (alguns!), mesmo que seja para matar, roubar ou destruir o que quer que seja, procura saber de onde veio e como surgiu neste planeta.
Até há menos de um século a versão mais defendida no chamado Ocidente, era que um Ser Superior, um Deus, teria feito um boneco de barro, e depois de lhe soprar, o sophos, ele passou a pensar. A seguir de uma costelinha teria feito uma mulher. Ainda hoje há milhões de sujeitos que juram a pés junto que foi assim... há uns 4 ou 5 mil anos, quando a ciência veio derrubar toda essa infantil e pobre, paupérrima, crença.
Depois apareceu Lamark e Darwin que mostraram como as espécies evoluíram desde... desde sempre. O “Santo Ofício” de Roma negou-se durante anos a aceitar essa ciência, proibiu que um jesuíta, cultíssimo, o padre Teilhard de Chardin, publicasse os seus trabalhos sobre a evolução da vida, apesar de jamais deixar de centrar o homem na fé, na Cristologia, e só reconhecido pela igreja quase trinta anos após a sua morte.
Um dos seus escritos faz-nos pensar na “dimensão” do mundo, seja ele terreno ou universal quando nos diz para, numa noite clara, olharmos para o céu e vermos as estrelas, milhares, bilhões de estrelas, sendo incapazes de imaginar as suas dimensões. Depois, que olhemos através de um microscópio eletrônico a mais ínfima das bactérias ou qualquer ínfimo ser vivo. Comparando as duas imagens não é difícil estabelecer uma comparação entre elas, encontrar semelhanças e em consequência perguntar, a si próprio, qual é a minha dimensão, e a situação de um ser humano, no meio deste infindável universo?
A Terra começou como uma bola de fogo, um magma, alguns dizem que há cerca de 4,6 bilhões de anos. Outros, mais recentes afirmam que teria “n” vezes mais do que esse tempo. Qualquer que seja a sua idade nasceu, como tudo, para vir um dia a morrer também. É o ciclo, infinito, da vida.
Com a erupção das miríades de vulcões começaram a espalhar-se gazes de hidrogénio, oxigénio e carbono e um belo dia o “elo perdido” deixou de ser simples matéria para ser uma célula, com vida própria, e como diz Teilhard com a sua psique!
Uma notícia veiculada há dois dias pelo jornal “Diário de Notícias” de Portugal, diz-nos que “um grupo internacional de cientistas descobriu pela primeira vez uma molécula pré-biótica (PO) resultado da ligação química do fósforo (P) com oxigénio (O), que desempenha um papel fundamental na formação de ADN nas zonas onde as estrelas se formam.
A descoberta, publicada no The Astrophysical Journal, foi feita em regiões interestelares a 24 mil anos-luz da Terra por cientistas do Centro de Astrobiologia de Espanha, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre da Alemanha e do Observatório Astrofísico di Arcetri de Itália.
24 mil anos-luz é algo para nós tão inimaginável como o infinito: 24.000x365x24x60x60x300.000km!!!
Alguma coisa como 227.059.200.000.000.000 quilômetros! É logo ali...
Será essa molécula o “elo perdido”? Se for, só aqui chegará, se viajar à velocidade da luz, daqui a 24.000 anos. Não vou esperar para ver!
Ao mesmo tempo a Vida parece ter surgido na Terra há uns três bilhões de anos, quem sabe se com aquela molécula PO ou outra mais “familiar” aos terráqueos!
Vamos concluindo que:
- a visão do céu e suas estrelas, sua distribuição, complexidade e organização, não difere da visão de um qualquer nano ser que terá algo igualmente organizado.
Depois, sabendo que as primeiras ferramentas de quartzo talhado, conhecidas, terão mais de três e meio milhões de anos, o que pode pressupor que haverá outras com mais umas centenas ou milhões, estamos a ver que desde a primeira célula viva, com a sua psique, até ao aparecimento dos primeiros hominídeos, a evolução levou, fazendo contas simples, cerca de 2.996.500.000, isto é, uns três milhões de anos. Desde esses sílex talhados até hoje consumiram-se só 1/10.000 desse tempo!
Se alguém tiver dúvida, e o duvidar faz refletir, não deve ter muita dificuldade em concluir que somos todos feitos da mesma matéria, animais, vegetais e até os minerais de onde terão saído os gases que permitiram surgir a primeira célula.
Bem mais tarde, já pertinho dos nossos dias o homem, o tal sapiens, começou a querer saber tudo, principalmente quem teria sido o Génio que criou tudo o que existe, que deu vida a tudo, e deu largas à sua imaginação, criando deuses. Muitos deuses, cada um de sua região e de acordo com a sua interpretação.
Com a expansão do conhecimento foram-se eliminando muitos deuses sem que os povos tivessem abandonado completamente essas suas crenças.
Hoje o conceito dos filósofos e teólogos, de praticamente todas as principais religiões concordam em que deus, a haver será Único, e assim procuram respeitar, acima de tudo as religiões monoteístas. Terá sido o Criador de tudo quanto existe, na Terra e alhures. (Os mais céticos ainda deixam a dúvida: e quem criou Deus? Um dia saberão.)
Mas, há sempre um mas, porém, contudo ou todavia, que leva a fazer a pergunta: quem é esse Deus Único? Entra agora nova complicação.
- Jeová, dos hebreus? Mas Jeová era o Deus deles, e só deles, dos hebreus, o Deus da guerra, a quem faziam sacrifícios para que os ajudasse nas guerras de extermínio que faziam a outros povos. Então não pode ser um Deus Único, porque os adversários também seriam “filhos” desse Deus.
- Alá? Aquele que segundo dizem, através do Arcanjo Gabriel, disse a Maomé para passar à espada todos os que não acreditassem nele? Impossível. Alá é um Deus privativo dos muçulmanos. Ou Maomé, por estar a dormir não entendeu bem as palavras do Arcanjo, ou o secretário Zaid ibn Thabit errou a escrita.
- Cristo? O Filho de Deus feito homem que foi enviado à Terra pelo Pai, para dizer a coisa mais elementar: Amai-vos uns aos outros. Este Deus Pai parece ser o Único que se apresentou como o Pai de toda a humanidade, de todos os seres vivos, de toda a Terra. Que levassem a Boa Nova aos pagãos!
Sócrates que morreu em 399 a.C. não conheceu essa Boa Nova, mas era um ser religioso. Respeitava os deuses da sua cultura e procurou toda a vida ensinar os jovens a seguirem sempre com verdade, ética e respeito aos antepassados e aos deuses.
Numa conversa com Aristodemo que não oferecia oferendas aos deuses e até troçava dos que o faziam, disse-lhe:
— Crês-te um ser dotado de certa inteligência e negas existir algo inteli­gente fora de ti, quando sabes não teres em teu corpo senão uma parcela da vasta extensão da terra, uma gota da massa das águas, e que tão somente uma parte ínfima da imensa quanti­dade dos elementos entra na organiza­ção do teu corpo? Pensas haver açam­barcado uma inteligência que conseguintemente inexistiria em qual­quer outra parte, e que esses seres infi­nitos em relação a ti em número e grandeza sejam mantidos em ordem por força ininteligente? Quanto maior for o ente que se digna de tomar-te sob sua tutela tanto mais lhe deves homenagens.
— Pois olha, se achasse que os deu­ses se ocupam dos homens, não os negligenciaria.
— Como! Julgá-lo que não, se antes de mais nada, só ao homem, den­tre todos os animais, concederam a faculdade de se manter de pé, postura que lhe permite ver mais longe, con­templar os objetos que lhe ficam acima e melhor guardar-se dos perigos! Na cabeça colocaram-lhe os olhos, os ouvidos, a boca. E enquanto aos ou­tros animais davam pés que só lhes permitem mudar de lugar, ao homem presentearam também com mãos, com o auxílio das quais realizamos a maior parte dos atos que nos tornam mais felizes que os brutos. Todos os animais têm língua: a do homem é a única que, tocando as diversas partes da boca, articula sons e comunica aos outros tudo o que queremos exprimir. Nem se satisfez a divindade em ocupar-se do corpo do homem, mas, o que é o principal, deu-lhe a mais perfeita alma. Efetivamente, qual o outro animal cuja alma seja capaz de reconhecer a existência dos deuses, autores deste conjunto de corpos imen­sos e esplêndidos? Que outra espécie além da humana rende culto à divinda­de? Qual o animal capaz tanto quanto o homem de premunir-se contra a fome, a sede, o frio, o calor, curar as doenças, desenvolver as próprias for­ças pelo exercício, trabalhar por adqui­rir a ciência, recordar-se do que viu, ouviu ou aprendeu? Não te parece evidente que os homens vivem como deu­ses entre os outros animais, superiores pela natureza do corpo como da alma? Com o corpo de um boi e a inteligência de um homem não se estaria em me­nor condição que os seres apercebidos de mãos, mas desprovidos de inteli­gência. Tu, que reúnes essas duas vantagens tão preciosas, não crês que os deuses se carpem de ti? Que será preci­so então que façam para convencer-te?
Saiba, meu caro, que tua alma aposentada em teu corpo, governa-o como lhe apraz. Mister é acreditar, portanto, tudo dispor a seu grado, a inteligência que habita o universo. Quê! A tua vista pode abranger um raio de vários estádios e os olhos da divin­dade não poderiam tudo abarcar ao mesmo tempo! Teu espírito pode ocu­par-se simultaneamente do que se passa aqui, no Egito, na Sicília, e a inteligência da deidade não seria capaz de em tudo pensar a um só tempo! Certo, se obsequiando os homens, aprendes a conhecer os que também são suscetíveis de obsequiar-te; se prestando-lhes serviços, vês os que por seu turno estão dispostos a retribuir-te; se deliberando com eles, distingues os que são dotados de prudência: assim também, rendendo homenagem aos deuses, verás até que ponto estão dis­postos a esclarecer os homens sobre o que nos ocultaram, conhecerás a natu­reza e a grandeza dessa divindade que tudo pode ver e ouvir contemporanea­mente, estar presente em toda parte e de tudo ocupar-se ao mesmo tempo.
Não te parece que aquele que, desde que o mundo é mundo, criou os homens lhes haja dado, para que lhes fossem úteis, cada um dos ór­gãos por intermédio dos quais experi­mentam sensações, olhos para ver o que é visível e ouvidos para ouvir os sons? De que nos serviriam os olores se não tivéssemos narículas? Que ideia teríamos do doce, do amargo, de tudo o que agrada ao paladar, se não exis­tisse a língua para os discernir? Ao demais, não achas dever olhar-se como ato de previdência que sendo a vista um órgão frágil, seja munida de pálpe­bras, que se abrem quando preciso e se fecham durante o sono; que para pro­teger a vista contra o vento, estas pál­pebras sejam providas de um crivo de cílios; que os supercílios formem uma goteira por cima dos olhos, de sorte que o suor que escorra da testa não lhes possa fazer mal; que o ouvido receba todos os sons sem jamais encher-se; que em todos os animais os dentes da frente sejam cortantes e os molares aptos a triturar os alimentos que daqueles recebem; que a boca, desti­nada a receber o que excita o apetite, esteja localizada perto dos olhos e das narículas, de passo que as dejeções, que nos repugnam, têm seus canais afastados o mais possível dos órgãos dos sentidos? Trepidas em atribuir a uma inteligência ou ao acaso todas essas obras de tão alta previdência?

Há 2.400 anos já Sócrates sabia para que serviam as sobrancelhas, que os deuses lhe haviam dado...
A vaidade, futilidade e pedantismo de muita gente, não só não sabe isso, como substitui o que Deus lhes deu por um risco feito com tinta!


31/05/2016

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