Moçambique
1.- As Ilhas Primeiras e as
Segundas
Um
dos primeiros navegadores a dar notícia e descrever as Ilhas Primeiras, na
costa de Moçambique, terá sido João de Lisboa (c. 1470-1525) quando da primeira
vigem de Vasco da Gama, o piloto principal daquela esquadra.
São
cinco as Ilhas Primeiras e as mais importantes, localizadas mais ao sul, e no
total cerca de uma dúzia de pequenas ilhas coralinas situadas entre os
paralelos 15° e 17º, em frente às Províncias de Nampula e Zambézia, Todas entre
Pebane e a Ilha de Moçambique, esta uma ilha rochosa. Algumas só emergem nas
marés baixas, e a mais alta, a Ilha da Coroa, tem uma ligeira elevação, uma
duna, com 9 a 10 metros de altura.
Eu
que vivi uns anos em Moçambique, não só nunca as vi, como nunca ouvi falar
dessas ilhas. Desabitadas, distam do continente entre 1 e 25 quilômetros e a
maioria é revestida de vegetação, uma delas se chama Ilha das Casuarinas.
No
tempo da Carreira da Índia, várias foram as embarcações que ali perto naufragaram
nos baixios, porque se durante o dia são difíceis de se enxergarem, e à noite
impossível. Para auxílio dos navegantes montou-se então um “farol” que todas as
noites tinha que ter a fogueira acesa, daí o seu nome Ilha do Fogo (com
“altitude máxima de cinco metros), bem revestido de vegetação arbórea e
arbustiva e tinha até um “portentoso maciço de casuarinas”. Esse “farol” foi de
extrema utilidade desde o começo do caminho da Índias, e em meados do século XX
este e o da Ilha Epidrendon (nome derivado de um género de orquídea da América
tropical muito semelhante à encontrada nesta ilha), tinham iluminação
automática. A cada seis meses um navio ia levar-lhes combustível e verificar se
tudo estaria em ordem.
Um
dos mais curiosos casos, mais evidente do que em quaisquer outras da costa de
Moçambique, as Ilhas Primeiras estão sob a influência das correntes do Canal de
Moçambique – duas correntes
derivadas da grande corrente equatorial, que o percorrem em toda a sua extensão
em sentido inverso uma da outra. Por força dessas correntes, a flora de
Madagascar é francamente representada na costa de Moçambique e, reciprocamente
também a de Moçambique o é na de Madagascar, e em ambas essas costas e nas
Ilhas do Canal há muitas espécies da Austrália, das ilhas do Pacífico e de
Ceilão, importadas pouco a pouco desde tempos imemoriais, sob a ação das
correntes marítimas.
São
reservas naturais, muito bem preservadas, mas, com autorização, talvez se
consiga uma visita que certamente será do maior interesse.
Aproveitem
e visitem também as Ilhas de Goa e Sena, ambas a menos de 3 milhas (marítimas)
da Ilha de Moçambique... aquela jóia!
2.- Uma carta de Livingstone
Curiosa
carta escrita num português “macarrónico” a um senhor Torresão que, conforme a
carta, tinha sido nomeado capitão mor da vila de Zumbo, hoje fronteira com a
Zâmbia.
Vai
transcrita com os erros de português, que é o que tem graça na carta, visto os
assuntos não merecerem atenção especial.
Os
Cataratas do Shire, 31 de Dezembro de 1863.
Meu Amigo Ferrazão
Muito
agradece eu as duas cartas de VS.ª, uma datada 1° de Setembro, que me foi entregada
pelo Mr. Rae, a outra que chega aqui pelo vossa portadora.
Os selvagens do Norte —
uma tribo de landins chamada Mazite — não tive feita prejuízo nenhumo a sua
Amigo, e eu sou prompto como sempredar attençãoa suas ordens.
Desejo
dar os parabéns meus em sua elevação ser capitão Mor de villa Zumbo – e mais na
ocasião que a senhora tem dado nos a boa presente de menino. Desejo que a
benção do Altíssimo ser a Mãe e filho muitos annos. Fas favor dar ella meu
cumprimentos e de Mr. Rae.
Os instrumentos são os
propriedades do Nossa Governo e não pode ser vendido. Si houveras fornecida me
uma copia de observações feita VSª esta em meu poder deixar com VSª para
observações de futuro – mais em quanto os observações de annos passados não
parecerão, quem pode dizer. Fas favor mandar o barómetro e os termometros e
pluviometro enfardado em alguma cousa molle ao senhor Ferrão em Senna não tinha
eu nenhuma objeção dar cópia de observações ao Governo Portugueza porque não
são cousas segredas.
Até
agora não recebeo notícia nenhuma a os herdeiros de Sr. Thornton – o rifle
Minié ou Enfield está em cuidado Bispo a Morrumbala.
O
clavina 2 cannas é cara e não pode ser vendido para os fidalgos deste paíze - £
42 – mas não sendo muito certo que alguma pessoa pode comprar aqui não fallei
uma pessoa sobre ista negócio – é nova e nunca fez tiros. Está carregada uma
vez mas nunca encontro os elephantes de que é o propria arma. Tem caixote com
muitas cousas dentro – Não posso vender por menos de £ 40, e si VSª quero
comprar fas favor escrever da pressa a Sr. Ferrão deter a arma na Senna e fazer
negocio na minha ausência.
A balla
della arma e mais grande como a balla de Minié, mas tem o mesmo forma as cannas
são mais grossa como a Minié porque tenciono não escucear meu hombro.
Tinha
tambem o rifle de uma canna muito forte mas não e de primeira qualedade com o
outro a balla é grande pouco mais grossa e mais breve. Tem formas para ballas
mas caixote não há; foi usada muitos vezes – o preço é £ 13.
Fico
muito obrigado sua bondade em copiando mortandade em o destachamento militar de
Tette, e tinha muita pena ouvir o falecimento de senhora da Governador e seo
filha esposa do sr. Govéa parece por falta de um doutor instruido em officia de
parteira.
Os
Missionários tencionão regressar nesta paíize em Janeiro ou Fevereiro.
Quando
eu serei na Inglaterra a carta dirigida – care of
Admiral
Washington – Admiralty – London
ade ser
entregada a sua amigo de sempre.
Mr. Rae
remetto pouca baeta e muitas gracias por a boa presente pelo o portador não
quiz escrever porque (disse elle) minha carta custa Sr. Terrazão muito ler.
Ouvi a
sua portador que sr. Clementino ja está no seo volto. Espera ade arranjar a
polvora conforme meu desejo. Eu estou esperamda o cheio do Rio Shire regressar.
Tenciona visitar Senna na minha volto para o Barra.
O Sr.
Rae manda seos cumprimentos ao VSª e sua familia. Eu também desejo o mesmo.
VS Obrigado Sr,
David Livingstone
Notas
interessantes:
1.-
O sr. Ferrazão era José Leocádio
Botelho Torresão, tenente do
Batalhão de Caçadores nr. 2 de Tete, sendo depois nomeado capitão Mor no Zumbo.
2.- Diz Livingstone que escreve das Cataratas
do Shire, e quem publicou a carta (traduzida para um português pretencioso) diz
que Livingstone crismou esssas cataratas para Murchison Falls, o que não
parece muito provável porque as Murchison Falls estão no Norte de Uganda a mais
de 2.000 quilometros de Zumbo, e além disso não ficam no rio Chire que é um
afluente do Zambeze. Aliás mais adiante Livingstone diz que aguarda a cheia do
Shire para ir a Senna, vila situada no Zambeze.
3.-
O sr. Ferrão era Anselmo Henriques Ferrão, de origem indiana, natural de Senna,
proprietário e negociante, brigadeiro de 2ª linha e cavaleiro da Ordem de Cristo, tido por muitos
como um patife e por Livingstone uma excelente e digna criatura!
Textos
coletados na revista “Moçambique –Documentário
Trimestral – nr. 73, Janeiro a Março de 1953
16/06/2016
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