Ilha da Madeira, Moçambique e os Alpes
1.- O primeiro Cardeal na África Austral
Em
13 de Maio de 1889 nasce na Ilha da Madeira
um menino a quem os pais, agricultores, puseram o nome de Teodósio. Teodósio
Clemente de Gouveia. Bom
aluno, inteligente, entrou no Seminário do Funchal e foi terminar os estudos em
França e concluí-los em Roma, na Universidade Gregoriana, como aluno do Colégio
Português de Roma. Doutorado em Teologia e Direito Canónico em 1921, fez a
seguir o Curso da Escola de Ciências Sociais em Bergamo e outro doutoramento em
Ciências Económico-Sociais em Louvain. Em 1929 era Vice-Reitor do Colégio
Português e em 1934 já acumulava com a função de Reitor, e ainda Reitor da
Igreja Nacional de Santo António dos Portugueses. Um curriculum notável.
Dois anos depois o Papa Pio XII nomeia-o Bispo
de Leuce e Prelado em Moçambique. A seguir Arcebispo de Lourenço Marques e em
1946, o mesmo Papa, que muito o considerava e estimava, convocou um Consitório
durante o qual lhe impôs o barrete cardinalício.
O primeiro Cardeal de toda a África Austral.
Era preciso mandar o Arcebispo a Roma para o
Consistório, e pelas vias normais não chegaria a tempo. O Governador de
Moçambique – General José Tristão Bettencourt – negocia com o Consul Geral
Britânico o transporte do Arcebispo num avião da British Overseas Airways, um
hidro “Cleopatra”, com o comando do capitão G.P.Wood.
Sai de Lourenço Marques em 16 de Janeiro.
O avião devia ser algo parecido com “isto”:
O Short Scion Senior FB –
Autonomia: 675 km.
À
tarde chega à Beira, faz escala e depois no Lumbo, ao lado da Ilha de
Moçambique onde pernoita. Na manhã seguinte faz escalas em Lindi e Dar-es-Salem
na Tanzania, e Mombassa, Kisumu e Port-Bell (Kampala) no Quénia, Lago Vitória.
Dia seguinte, etapas em Laropi (Uganda) e Malakal para chegar a Khartoum, onde
fica retido seis dias por causa da vacina contra a febre amarela. Dia 25 segue
num avião “ de rodas”, um bombardeiro
adaptado a transporte, com escalas em Wadi-Halfa – ainda (hoje) Sudão)
“aterrando” no Nilo, Luxor e finalmente chega ao Cairo.
A
27 sai do Cairo, do aeroporto de Almazah, num outro bombardeiro adaptado para
passageiros, escala em El-Adem (Líbia), Malta e aterra dia 28 em Nápoles!
A
29, novo bombardeiro leva-o até ao aeroporto de Ciampino. Finalmente em Roma!
Treze
dias de viagem... de avião! Aos saltos como um canguru!
Dia
18 de Fevereiro, Dom Teodósio e mais outros trinta e um receberam a púrpura.
Dom Teodósio deve tê-la recebido suado da canseira que foi aquele voo!
2 – Os Carrinhos do Monte
Uma
das muitas e simpáticas atrações da Ilha da Madeira são os famosos “Carrinhos
do Monte” também conhecidos por “Carros de Cesto”, uma espécie de trenó terrestre
onde os turistas têm a oportunidade de descer 2 km, cheios de emoções, do Monte ao Livramento,
Funchal.
Foto de cerca de 1900
O Caminho do Monte foi mandado
construir, em 1802. Por ele passaram a transitar os típicos CARROS DO MONTE,
também conhecidos por CARRINHOS ou CARROS de CESTO ou de VERGA - dos CARREIROS
do MONTE - Associação Regional de transporte de turistas nacionais e
estrangeiros, que, em 1849, sucedeu às antigas corças ou trenós terrestres, que
faziam o mesmo serviço. Tendo como função inicial o transporte dos senhores
poderosos que possuíam residências no Monte no seu percurso para o Funchal, atualmente
constitui uma marca do Turismo da Madeira, sendo muito solicitados por todos
quantos visitam a Madeira e o Monte, nacionais ou estrangeiros.
A ideia foi ótima, mas... ouçamos
agora Frei Luis de Sousa, no livro maravilhosamente bem escrito em 1619, sobre “A Vida de D. Frei Bertolameu dos Mártires”,
descrevendo a ida deste Prelado, Arcebispo de Braga, a caminho de Trento para o
Concílio, no ano de 1561.
“Saiu de Braga em 24 de Março e chegou a Trento 56 dias depois.
Percorreu todo o caminho muita vez a pé ou em cima de uma mula. Atravessou os
Alpes, passou em Breanson – hoje Briançon – a mais de 3.000 metros de altitude;
não parou de nevar como se fora Janeiro. Passou por Mongeneura (onde será?)
uma aldeã que faz coroa aos mais altos
picos dos Alpes; e daqui começa a descer para Piemonte, que foi aos romanos parte dos povos taurinos (uma das tribos celtas
da vertente Sul dos Alpes). E quadra-lhe
bem o nome de Piemonte pola baixeza em que fica, comparada com os montes. A descida
que há é tão íngreme que parece talhada a pique e, pera espantar mais,
ordinariamente coberta de neve; e é tão profunda que corre uma légua (quase
10 quilômetros!) e meia* de ladeira
contínua até um lugar que chamam Santa Susana. O meio que achou o engenho
humano pera vadear este passo foi inventar a maneira de andores ou carretes sem
rodas, que vão descendo ou caindo polas serras abaixo, arrastados cada um por dous
homens, que não sabeis se os chameis pilotos, se cocheiros, se cavalos, porque
tudo é necessário que sejam nesta perigosa distância, e tudo são; e andam tão
destros, facilitando o uso à marinhagem, que se vence todo perigo.
Por aqui se vê que três séculos antes dos
madeirenses terem “inventado” os Carrinhos do Monte” já nas faldas dos Alpes os
italianos usavam este tipo de transporte.
Qual madeirense terá ido aos Alpes ver isto?
Assunto que os historiadores da Madeira
deverão pesquisar.
* O Arcebispo andou 332 léguas, e como a
légua desse tempo media 6.197 metros, perfaz mais de 2.000 quilômetros!
13/06/2016
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