Rir é o melhor remédio
Apparício
Fernando de Brinkerhoff Torelly
Raros serão os que conhecem este nome, este indivíduo,
ou alguma vez dele ouviram falar, mesmo por outro nome em que era conhecido,
Aparício Apporelly. Eu, até há pouco me encontrava entre esses ignorantes da
vida e da história do Brasil.
Foi jornalista, escritor e o pioneiro do humorismo
político no Brasil.
Agora sei também que nasceu dentro de uma diligência,
em 29 de janeiro de 1895, quando se dirigia (na barriga da mãe, como é de
supor) do Uruguai para o Rio Grande do Sul. Nasceu mesmo na fronteira!
Nascido ainda no século XIX, intitulava-se “herói de
dois séculos”!
Começou os estudos num internato jesuíta em São Leopoldo
(RS), onde logo dá largas ao seu humor nato, em 1908, no jornalzinho
"Capim Seco", do colégio onde estudava, satirizando a disciplina dos
padres jesuítas.
Com 18 anos, no 4° ano de medicina, sofre um AVC e
abandona os estudos e começa a escrever, sempre com a sua verve satírica.
Em 1925 vai para o Rio de Janeiro, começa pelo Jornal “O
Globo”, depois no “A Manhã”, onde as suas piadas aparecem sempre na primeira
página, mas logo cria o seu próprio jornal, “A Manha”, alcançando de
imediato uma forte tiragem.
Durante a Revolução de 1930,
Getúlio Vargas dirige-se à capital federal, então o Rio de Janeiro, e a imprensa
alardeou que haveria uma batalha sangrenta em Itararé. Isso foi vastamente
divulgado na imprensa e Apporelly não ficou fora da fofoca. Esta batalha
ocorreria entre as tropas fiéis ao Presidente Washigton Luis e aquelas sob
o comando de Getúlio, que vinham do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de
Janeiro para tomar o poder. A cidade de Itararé fica na divisa de São Paulo com
o Paraná, mas antes que houvesse a batalha "mais sangrenta da América do
Sul", fizeram acordos. Uma junta governativa assumia o poder no Rio de
Janeiro e não aconteceu nenhum conflito. Apporelly comentaria este fato da
seguinte maneira:
Fizeram acordos. O Bergamini
pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário
era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer
o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei
chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de
nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava
nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve.
Em outubro de 1930, se
autodeclarara Duque nas páginas de A
Manha:
O Brasil é muito grande para
tão poucos duques. Nós temos o quê por aqui? O Duque Amorim, que é o duque
dançarino, que dança muito bem mas não briga e o Duque de Caxias que briga
muito bem, mas não dança. E agora eu, que brigo e danço conforme a música.
Mas como ele próprio anunciaria
semanas depois, "como prova de modéstia, passei a Barão."
Assim “nasce” no Brasil o famoso Barão de Itararé¸ hoje pouco
mais conhecido do que pela frase, a mais conhecida, e a toda hora repetida,
sobretudo em relação a políticos:
De onde menos se
espera, daí é que não sai nada.
Em 1934, fundou o Jornal do Povo. Nos dez dias que durou, o
jornal publicou em fascículos a história de João Candido, um dos marinheiros da
Revolta da Chibata, de 1910 (Chibata, porque era com uma chibata que eram
punidos os marinheiros nos navios de guerra!). Em represália, o barão foi
sequestrado e espancado por oficiais da Marinha, até hoje, nunca identificados.
Depois desse episódio, voltou à redação do jornal e colocou uma placa na porta
onde se lia: "Entre sem bater",
mantendo o seu espírito humorístico.
O jornal A Manha circulou
até fins de 1935, quando o Barão foi preso por ligações com o Partido Comunista
Brasileiro só libertado em dezembro de 1936. Retomou o jornal por um curto período,
até que viesse nova interrupção, ao longo de todo o Estado Novo, de Getúlio, e
voltando em edições espasmódicas até 1959.
Foi candidato em 1947 a vereador do Distrito Federal, com o lema "Mais leite! Mais água! Mas menos água
no leite!", é eleito com 3669 votos, o oitavo mais votado do PCB. Em
janeiro de 1948, seus vereadores foram cassados: "Um
dia é da caça... os outros da cassação", anunciou A Manha.
Depois deste pequeno curriculum, algumas frases e
escritos deste famoso e “nobre” Barão:
Em 1949 - Há quem afirme que
Itararé é o Bernard Shaw do Brasil. Mas essa comparação é irritante e
impertinente. Shaw é magro e Itararé é gordo. Aquele é vegetariano e este é
onívoro. Shaw é um velho quase centenário e Itararé, embora nascido em 1895
conta apenas 39 anos. Assim, se não
fosse um vulto fora do comum, deveria ter atualmente, feitas as contas, 54
anos. Exibindo documentos insuspeitos, Itararé, entretanto, demonstra que
perdeu 10 anos, repetindo a segunda série da Faculdade de Medicina de Porto
Alegre, onde era sempre reprovado em anatomia descritiva. São, portanto, dez
anos perdidos, que não podem ser contados. A seguir, somando todos os pequenos
períodos que passou na prisão, onde se enclausurou para meditação e retiros
espirituais, como hóspede do Estado e com guarda permanente à sua disposição,
verifica que perdeu mais ou menos dois anos na cadeia, os quais, somados aos 10
da Faculdade, fazem 12 que não se contam. E, finalmente, manuseando, com um ar
de romântico desconsolo, um velho diário de notas, todo tatuado de nomes
femininos, de corações sangrando, com endereços e números de telefones, tendo
as páginas separadas por fitinhas mimosas de diversas cores e, às vezes,
entremeadas de folhas murchas, de pétalas secas de rosas e raminhos de violetas
descoradas, mas que ainda parecem roxas de saudades, Itararé chega à conclusão de
que perdeu pelo menos três anos perseguindo mulheres bonitas, sem nenhum
resultado. Esses três anos, adicionados aos 12, perfazem 15, que, por serem
negativos, devem ser subtraídos dos 54, dando 39 anos, afinal, como idade
natural.
Espírito positivo, diz ele,
revela-se superior a Auguste Comte, criador do positivismo.
Os vivos são sempre e
cada vez mais governados pelos mortos — dizia Comte.
Itararé não se conforma e responde:
Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos
mais vivos.
Viver para outrem — aconselha, de maneira genérica, o
fundador da Religião da Humanidade. Viver para o trem — é o que recomenda
Itararé, numa mensagem dirigida especialmente aos ferroviários.
Cantor
lírico, Itararé é possuidor de uma voz raríssima, que os críticos ainda não
puderam classificar, opinando uns que se trata de um baixo abaritonado,
enquanto que outros o consideram como um barítono abaixado.
Como a
escala musical, Itararé também tem os seus bemóis e sustenidos, isto é, os seus
altos e baixos, as suas ascensões e as suas quedas. Vemo-lo, assim, ora em
remígios alcandorados de águia, dominando os espaços, ora voando baixinho, como
perdiz nos últimos dias de choco.
Cientista emérito,
fez, entre outras, a genial descoberta de que o limão não é limão, mas uma laranja
que sofre do estômago. São seus prolongados sofrimentos que o deixam amarelo. O
limão é, portanto, uma laranja com azia.
Pobre, quando mete
a mão no bolso, só tira dedos.
Quem empresta,
adeus...
Diz-me com quem
andas, e eu direi se vou contigo.
Os homens nascem
iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
Monólogo
Eu tinha
doze garrafas de uísque na minha adega e minha mulher me disse para despejar
todas na pia, porque senão...
- Assim seja! Seja feita a vossa vontade - disse eu,
humildemente, e comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha
ingrata tarefa.
Tirei a rolha da primeira garrafa e despejei o seu
conteúdo na pia, com exceção de um copo que bebi.
Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma
maneira, com exceção de um copo que virei.
Arranquei a rolha da terceira garrafa e despejei o uísque
na pia, com exceçâo de um copo que empinei.
Puxei a pia da quarta rolha e despejei o copo na garrafa
que bebi.
Apanhei a quinta rolha na pia, despejei o copo no resto e
bebi a garrafa, por exceção.
Agarrei o copo da sexta pia, puxei o uísque e bebi a
garrafa, com exceção da rolha.
Tirei a rolha seguinte, despejei a pia dentro da garrafa,
arrolhei o copo e bebi por exceção.
Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas que escondi
atrás do banheiro, para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço
que tinha feito de acordo com as ordens de minha mulher, a quem não gosto de
contrariar, pelo mau génio que tem.
Segurei, então, a casa com uma mão e com a outra contei
direitinho as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram, ao todo, exatamente 39.
Para me certificar de que não havia engano, contei tudo outra vez e quando
terminei já encontrei um total de 93, o que dá certo, quando as coisas andam de
pernas para o ar. Como a casa nesse momento passou mais uma vez pela minha
frente, aproveitei para controlar minhas contas e recontei todas as casas,
copos, rolhas, pias e garrafas, menos aquelas duas, que escondi no banheiro e
que eu acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca...
Para terminar: quem quiser conhecer mais hitórias e ditos
deste “nobre” Barão de Itararé pode comprar um dos vários livros que existem
sobre ele.
Fica esta ajuda financeira:
Tempo é dinheiro. Vamos, então, fazer a
experiência de pagar as nossas dívidas com o tempo.
Que 2018 nos traga só motivos para sorrir, para
rir e não para chorar. Nem de dor.
28/12/2017
Grande Barão! Esta historieta das garrafas de uísque é ótima!
ResponderExcluir