Após uma semana (só!) de deleite, a que foram deixados
nas praias de Moçambique, os leitores deste blog, voltamos com mais crónicas
daquela terra, mas desta vez preparem os lenços para limpar as lágrimas! O
mundo está louco!
Caminhos do Sol – 5 -
Por
Jorge Ferrão
FAUNA
Porquê
os outros animais da nossa
biodiversidade
Não tem direito a
socialização de suas vidas
Quando o homem considera ser somente sua pertença
Essa porção da natureza?
A Bicharada que nos
Atormenta
Nunca, como nos últimos anos, os bichos viraram tamanha fonte de conflito. Com ou sem razão, o conflito faz parte obrigatória da retórica e do discurso actual. Em
2009, uma Baleia Corcunda ou de Bossa (Megaptera
Novaeangliae), dessas que se alimentam na costa moçambicana por estas
alturas do ano, encalhou na Ilha da Inhaca. Acto seguinte, ela foi esquartejada
sem apelo nem agravo! Por alguns dias, ficou resolvida a questão da carência
proteica de uma considerável parte dos ilhéus. Só o Régulo Inhaca, distraído e
driblado pelos súbditos, foi o último a saber das carnes mahala. Consequentemente, ficou sem um único grama. Sua autoridade, irremediavelmente comprometida. Irritado, esbaforiu
cobras e lagartos. Vaticinou
péssimos dias para a Ilha; jurou de pés juntos que os
consumidores, desautorizados, se enfermariam por desconhecerem o estado de
saúde do animal. Aventou até a
possibilidade de a Ilha desaparecer, como consequência da carne desaparecida e
do aquecimento global. No final, perdeu mesmo a batalha. O conflito, esse ficou, instalou-se confortavelmente no seu travesseiro.
Em
Pemba, no centro da requintada praia do Wimbe, 2010, novamente uma Baleia de
Bossa andou aos ziguezagues e, desavisada, não evitou a praia. Estatelou-se em
poses sensuais! A fúria humana chegou como onda. Sua alma vagueava sobre o
Índico. A sorte de suas carnes, como podem vaticinar, não foi diferente. 12
Toneladas de banha, filet mignon,
costeletas, outras de segunda e primeira, e até carne desconhecida, num ápice,
foram esquartejadas. Veterinários e
policiais, guardiões da Baleia e das ordens defensivas, se digladiaram com os
munícipes mais atrevidos. As maiorias, como sempre, levaram a melhor. Mais de
3000 pessoas, incluindo alguns disfarçados saídos das potentes viaturas 4X4, se
lamuriaram em busca das iguarias. O conflito entre predadores e candidatos a
predadores estendeu-se até ao pôr-do-sol. Pemba viveu dia de algazarra. Um dos
curandeiros chegou tarde, mas garantiu-se. Era o pedaço de amuleto que faltava
no seu ingrediente.
Em
Gangala, no distrito de Caia, terras de Sofala, por onde o baixo Zambeze
esbanja elegância e grandeza, mesmo ciente que o Índico o espera para degolar,
um Hipopótamo (hippotamus amphibius) foi
atropelado por uma locomotiva da famosa linha de Sena. A ferrovia permanece em
intermináveis obras de reabilitação. De tantos prazos vencidos, agora já nem
tem mais data de entrega. O atropelamento poderá comprometer um pouco mais os
prazos. Claramente, este atropelamento foi ilegal, porque o animal, gozava de
prioridade e direito para a travessia de suas terras. Este episódio nos é
despoletado quando permanecem ainda frescas as memórias de Setembro sobre as
envelhecidas debilidades económicas e estruturais. Quando se esperava que os
populares tomassem conta daquelas 3 toneladas de carne, o atropelado permaneceu horas, prostrado na via, sem que ninguém
tivesse tocado nele. No mínimo,
estranho!
Mas
a estranheza advinha do facto de tão saborosa e procurada carne não ter
despertado apetites. Quase ficou ali mofando! Até parecia que seu valor fora
afectado pela crise internacional. Nem se pode dizer que a notícia sobre o
acidente não tenha circulado à velocidade de cruzeiro. Porém, mais rápida que a
notícia viajou a dúvida sobre o atropelamento. Raridade. Por que cargas de água
o bicho teria de ser atropelado? Nenhum outro Hipopótamo fora posto fora de
combate naquele trecho!... Então, essa não seria carne abençoada, digna de ser
consumida. Seria, seguramente, carne de espíritos. As sociologias
extra-educacionais entraram em cena.
O
acidente era sintomático de que as cerimónias iniciais, tão em voga nestes
dias, haviam sido mal feitas ou descumpridos os rituais quando a linha foi
reaberta parcialmente. O pior, ainda, seria os temores que imperam na região,
desde a altura que um famoso caçador local, conhecido como Boma, que morrera 18
meses antes, ressuscitara. Boma, como diz A. Chimundo, do Diário de Moçambique
(07/09/10), fora antigo combatente da luta de libertação nacional e era tido
como um exímio caçador de hipopótamos. Nessa
semana reapareceu na residência de seus familiares com vida, poucos dias antes do fatídico
acidente.
Os
que tiveram a oportunidade de dialogar com Boma ainda se recordam do que ele
afirmara, por alturas da sua ressurreição. Num tom messiânico assegurou que, na
realidade, quem fora enterrado naquela altura havia sido um hipopótamo e não
ele. Estes condimentos aparentavam ser suficientes para destinar o animal para
outras paragens. Todavia, mesmo guarnecido, o hipopótamo e suas saborosas
carnes não foram desperdiçadas. Só aceita explicações quem está de barriga cheia.
Nunca
saberemos se Boma terá provado o sabor da carne do infortunado hipopótamo
trucidado. Nem se ele continuará caçando hipopótamos. A região de DAF, em Galanga, está atenta aos hipopótamos.
As lembranças venceram o medo, mas nem por isso são das melhores. Ademais, não
saberemos se a empresa responsável pela ferrovia realizará novas cerimónias.
Melhor seria fazer. Não vá o carvão mineral da Vale ficar prejudicado, agora que a sua
exportação está eminente (A exploração começou em 2011). Caso a via se
inviabilize em virtude da presença de mais hipopótamos, estará instalado o
conflito animal e carvão.
Um
pouco pelo país continuaremos assistindo ao aparecimento, amiúde, de animais
mortos ou moribundos. A sua preciosa carne e todo o valor proteico continuará
alimentando o festival de desmonta. O dito conflito Homem-animal, esse, seguirá
distorcendo as razões e emoções. Mas se algum dos animais do conflito, tombar
por alguma fatalidade, cedo nos esqueceremos dos seus estragos. Seja como for, o que tem de prevalecer
será o bom senso, para que o país tenha espaço para todos.
O nome do gênero, Megaptera , significa grandes asas (do grego "mégas" = grande e "pterón" = asas) em referência às enormes barbatanas peitorais;
o nome específico novaeangliae é devido ao local onde a espécie foi descrita pela primeira vez a
partir de observações realizadas pelo naturalista alemão Georg Heinrich
Borowski, a Nova Inglaterra.
Os machos da espécie medem de 15 a 16 metros, enquanto as fêmeas, de 16
a 17 metros. O peso médio é de aproximadamente 40 toneladas.
O Cão Selvagem
Africano de QUITERAJO
O
antílope parecia conhecer o predador. Não prestou os devidos cuidados. Voltou a baixar a cabeça. Deliciou-se do
melhor que a tenra erva oferecia. Depois, por via das dúvidas, certificou-se se
o espaço vital não comprometia. Não teve dúvidas. O recurso seria empreender a
fuga. Para qualquer direcção, imaginava que a fuga seria exitosa. Menos para o
lado da praia. Só um cão selvagem dava a cara e as cartas. Os restantes,
camuflados, escondiam sua tenacidade por entre arbustos e grama. Os Mabecos
repetiam, com eficácia, antiga estratégia em tempo moderno. Conduzir a presa
para a praia e desferir o golpe final. Instantes depois, antílope e predador,
frente a frente, apenas com o mar como porta da sobrevivência. Final inevitável
e infalível.
Quiterajo
é uma localidade do longínquo distrito de Macomia. Dista sensivelmente 12
quilómetros do estuário do rio Messalo. O rio da liberdade e que refrescou os
combatentes da paz. As abundantes reservas de água, pasto e a relativa
calmaria, fazem do local, santuário e corredor preferencial de um não menos
vasto grupo de mamíferos. Pelo desconhecido e emblemático Quiterajo, ainda é
possível, observarem-se, em certas épocas do ano, os restos de uma fauna
selvagem gloriosa que foi o orgulho do Miombo Moçambicano.
O mabeco é um animal
lindo, inteligente, extremamente social, grande caçador
Presenciar
o ataque mortífero do cão selvagem africano (Lycaon
pictus) ao Chango, faz parte de memórias incontornáveis. Não tem preço.
Este país é fértil em episódios e mitologias da selva. Conhecem-se estórias de
elefantes que se banham em praias desertas, crocodilos que viram gente,
predadores que comem e roubam milho fresco das machambas. Poucos, todavia,
terão ouvido falar nos ataques das praias. Os mabecos, família dos Canídeos,
são exímios caçadores. Sua acuidade na caça é de 100%, ao contrário de qualquer outro predador. Nestas estórias, até virá a história a saber, que as presas da praia são disputadas
pelo predador, Homem.
Os
caçadores, furtivos ou autorizados, observaram ao longo do tempo, a caçada do mabecos
e confirmaram sua efectividade. Sabendo que qualquer canídeo se assusta com os
sons produzidos pelo ser humano, os caçadores aguardam nas praias pelos Mabecos
e suas presas. Depois, é uma questão de berrar e gritar a plenos pulmões, para
afugentar os canídeos e se apoderar, ilegalmente, da caçada.
Quieterajo
deve possuir uma população de aproximadamente 18 cães selvagens africanos (Lycaon pictus). O grupo de mabecos de Quiterajo tem sido seguido
nos últimos anos pelo projecto de conservação Maluane. Porém, os
recursos disponíveis, apenas darão para saber de sua existência, trajectória e
pouco mais. O Mabeco é uma das mais ameaçadas espécies de carnívoros do
planeta. O livro “Red List da IUCN” coloca o animal em risco de extinção.
Moçambique,
ainda preserva um pequeno número no centro e norte do país. No centro, em
Sofala, e no Norte em Cabo Delgado e Niassa. Já existiram evidências na
Zambézia e em Tete. Pelo Limpopo,
passa, um pequeno grupo que se perde vindo do Kruger. O último censo no país realizou-se em 1970. Desde essa
altura a esta parte, muito pouco tem ou foi feito, quer como pesquisa ou como
contagem efectiva. Um grupo de profissionais estrangeiros (Jean Marc André -
Oxford, Collen e Keith Begg -
Universidade de Pretória) tem sido activos na disseminação, compilação e
tratamento de informação.
A
espécie corre riscos. Muito pouco tem sido feito pelas instituições com
responsabilidades directas. (IUCN,WWF,TFCAs, etc). Também os restantes
profissionais têm responsabilidades pelo descaso. No continente africano o
declínio é inevitável. Em pelo menos 39 países onde a espécie poderia ser
observada, até aos últimos 30 ou 40 anos, agora o predador sobrevive,
efectivamente, em 14 países.
Nos
restantes 25, ele desapareceu irremediavelmente.
O
desconhecimento generalizado e a crença de ser um animal perigoso torna-o
vítima do descaso. Os pecuaristas declararam guerra sem trégua e nem quartel ao
mabeco. Existe a percepção de que o cão selvagem africano ataca,
indiscriminadamente, os currais, por saber e entender
que o animal doméstico não tem sentido
de autodefesa. Por essa razão, os criadores
jamais o perdoam.
O cão
selvagem africano passa, muitas vezes, de predador a presa, por fazer da
estrada seu lugar favorito de caminhada. As viaturas não o perdoam. Pelas
estradas podem ser observadas carcaças. Na verdade, quando é encadeado a noite,
ele é atropelado pela certa.
Para
além dos índices de natalidade reduzidos, o cão selvagem é um animal que
regurgita. Quer dizer, depois de se alimentar regurgita uma parte do bolo
alimentar para seus filhotes. Desde modo é feita a transmissão de doenças dos
progenitores para os recém-nascidos. O mabeco é, igualmente, vulnerável às
doenças dos animais domésticos, sobretudo do gato e cão domésticos.
Todos nós temos uma grande
responsabilidade para salvar esta espécie. Os viajantes podem fotografar e
enviar as fotos para as instituições que zelam pela conservação da fauna no
país. As grandes instituições que gastam somas consideráveis em publicidade
podem, também, financiar concursos de fotografia ou de outro género,
despertando interesse na espécie. As faculdades e institutos superiores de Veterinária, Biologia, etc. podem
estabelecer programas de protecção, pesquisa e contagem. Conhecendo os
efectivos no país, estaremos em condições de definir estratégias de protecção.
Pequenas acções com muito impacto. A Índico está fazendo sua parte. Quiterajo
idem.
O Grito do Elefante
Volvidos anos de repovoamento
e estabilidade,
a fauna moçambicana
retorna
à incerteza e
agonia.
Relatos
sobre abates indiscriminados soam bem mais
alto que o grito dos elefantes. No Niassa, no coração da Reserva, local
consagrado como das últimas fronteiras selvagens de África e do mundo, a carnificina não tem rosto. Em média, na reserva, só em 2011, foram abatidos cerca de
2.500 elefantes (loxodonta africana). Por
volta de sete (7) elefantes diários, salvaguardadas as devidas proporções.
Considerando que a cifra se mantenha em 2012, assumiríamos que outros 1.470
teriam muito provavelmente parado de gritar no decorrer deste ano. Presume-se
que existam na Reserva do Niassa por volta de 17.000 elefantes. Ao ritmo da
actual matança bastariam mais 6 a 7 anos para
que a reserva perdesse sua população de elefantes como já sucedeu
em alguns países africanos.
Estatísticas
e cálculos econométricos, nem sempre constituem unanimidade. As diferentes
fontes, muitas delas sediadas no interior da Reserva, se contradizem para
minimizar a dor e suavizar o grito do elefante. Não obstante, o vigoroso Miombo
seco da reserva não disfarça o consternador espectáculo de milhares de carcaças
perfiladas e que quase não apodrecem. Cenário de guerra sem quartel. Soam
tiros. Se desmancha a serenidade da paz de quem visita a área. As razões são
sobejamente conhecidas. O valor do marfim e outros espécimes no mercado
internacional dispararam. Até a ossada do leão (phantera leo) ganhou mercado para sanar impotências masculinas.
Para que se evitem equívocos não se trata de descaso ou mero desleixo, nem
mesmo despreparo de quem tem responsabilidade
por proteger a fauna. São as regras de mercado
que continuam de mãos invisíveis.
O que resta de milhares de
elefantes: Pilha de 15 toneladas de marfim
apreendido no Quénia
A
região mais próxima do rio Rovuma virou campo de batalha onde nenhum grito
merece algum socorro. Se ao menos a carne fosse aproveitada ter-se-ia resolvido
um problema fundamental de proteína animal na província. Demasiado desperdício
de carne que provoca até desconfiança dos próprios predadores. As áreas
concessionadas para turismo cinegético, ou áreas de amortecimento, desfrutam ainda de certa tranquilidade por disporem de efectivos bem superiores de fiscais e outros recursos.
Cambodja: toras de
madeiras “recheadas” com milhares de dentes de elefante,
acondicionados com cera,
provenientes de Moçambique
Todas as operações furtivas são
efectuadas com recurso a sofisticado equipamento que inclui armas de precisão.
Que o digam os fiscais. Unidades operativas atravessam o rio Rovuma e fazem da
Reserva território sem lei e nem ordem. Não são apenas os elefantes que estão
com medo de gritar, são também as pessoas que circulam pelo interior e ainda as
próprias árvores. As árvores mais valiosas sumiram. Só as de segunda e terceira
categoria resistem. São centenas, os acampamentos de abate de árvores. Os
fiscais, apesar de todo o compromisso e empenho, estão desprovidos do essencial
para a contra-ofensiva. Usam equipamento letal demasiado obsoleto, incapaz de
abater até o mais simpático dos antílopes.
As
recomendações da última reunião da CITES, 62ª Sessão, organismo responsável
pelo comércio internacional de espécies de fauna e flora, reavaliaram o
comércio do marfim por estar a atingir níveis alarmantes. Não existe qualquer
citação especial para Moçambique. Porém, as instituições responsáveis não
poderão ficar aguardando por advertências para cuidar do bem comum. Património
de todos nós. Aliás, o surpreendente desaparecimento de várias toneladas de
marfim dos cofres de quem de direito, já de si, careceria de inquéritos e exemplar penalização.
É
tempo de agir. Os elefantes precisam
de gritar sem medo. Essa é a forma de cantar para espantar seus males. Uma
unidade especial de tropa superiormente comandada e por um período limitado de
dois a três meses poderia ser a solução. Fiscais de floresta e fauna mais
experientes de alguns parques, igualmente poderiam ajudar. Equipamento letal e
moderno precisa de ser colocado e accionado. Os fora da lei precisam de saber
que este país não é terra de ninguém. A natureza agradecerá e o mundo inteiro
seguirá este e outros exemplos. A Reserva do Niassa foi citada muito
recentemente como das raras regiões do mundo onde a população de leões supera
os mil (1000), e onde a população de leopardos se cifra em cerca de um (1) por
cada 2.4 quilómetros quadrados. Lugares de muito destaque e prestígio.