sábado, 20 de maio de 2017




Hispânia

Vikings e Cruzados

Não se assustem! Não vou contar a história de Portugal. Só umas coisicas, com relação ao mar. Depois desta vou passar uma “temporadita” – escrita – em Moçambique, porque ainda há muito sobre o que falar daquela terra.
Não é novidade que os normandos e/ou vikings assolaram as costas de toda a península, desde o país basco até à Catalunha, atacando, destruindo, saqueando, durante uns bons, aliás péssimos, quatro séculos. Já nem vale a pena falar do que fizeram na França, Inglaterra e Irlanda, porque como estavam mais perto, mais bordoada apanharam!
Os caras eram ruins como as cobras, selvagens completos, sanguinários, implacáveis, mas uns navegadores extraordinários. Chegaram a sair lá da Escandinávia, ir atacar a Itália e até o Médio Oriente, com centenas de dracares – do viking “dragão” nome das suas embarcações – perderem às vezes três quartas partes delas em tempestades e batalhas navais, e assim mesmo seguirem em frente e tudo escaqueirarem.


Olha o pessoal aí! Loirinhos! Bonitinhos!

Depois – dizem - ainda levavam os crâneos dos inimigos, cortavam-lhes uma rodela no toutiço e por aí bebiam as suas cervejas ou vodcas, levantando gloriosamente esses crâneos e gritando SKOLL!
Enfim eram uma malta danada, e hoje são os mais civilizados do mundo.
Parece que todos teremos que nos transformarmos em bestas feras para depois construirmos uma verdadeira democracia!!!
A partir do século VIII aí vêm eles devastando e pilhando tudo. Nada lhes escapava.
Em 844 estavam a matar galegos, entraram na Corunha, mas deram-se mal. Ramiro I, rei das Astúrias deu-lhe uma surra, os selvagens perderam 70 das 100 embarcações onde vinham, mas assim mesmo seguiram até ao Tejo, onde chegaram em Agosto desse ano. Dizem documentos antigos, muçulmanos, que ali chegaram com 54 baixéis e outras embarcações ainda menores. Os números dessas épocas são pouco confiáveis. Os dos árabes bem mais.


Olha que belas botas tinha Ramiro !

Mas se os galegos lhes deram muita porrada, os lisboetas – muçulmanos – durante treze dias deram-lhes mais, e assim mesmo os raivosos seguiram até Cádiz e Sevilha que saquearam, e onde se demoraram até Novembro, quando foram totalmente derrotados pelos exércitos regulares islâmicos.
Aí perderam mais 30 embarcações que foram capturadas e voltaram para casa. No caminho de volta ainda atacaram Arzila, no Marrocos e tentaram desembarcar em Faro no Algarve e em Lisboa. Duros de roer aqueles caras.
Em Sevilha além de terem perdido muitas embarcações ficou um grande contingente de selvagens que, ou não couberam nos barcos que se salvaram ou não chegaram a tempo de embarcar. Ali ficaram e passado algum tempo já tudo estava convertido ao Islão!
E os piratas foram vindo: em 854 já estavam novamente a perturbar os galegos, e em 858-9, desta vez repelidos pelo Conde Dom Pedro. Perderam homens e navios, mas foram encher o saco, deles e dos marroquinos em Algeciras, Orihuela e Nakur na costa de Marrocos, dali seguiram para a Catalunha, França e Itália, e em 861 hibernaram na Península antes de voltarem a casa.
Em 960, reinava na Galiza Sancho I, o Gordo, ameaçaram mas seguiram. Já tinham levado uma boa surra dos galegos! Parece que terá sido esta a razão para que a Condessa Mumadona tivesse erguido o castelo de Vimaranes.
Em 966 outra frota entrou no Sado, mas os muçulmanos deram-lhe duro; saíram, mantiveram rumo ao sul e em Silves os al-garbios acabaram-lhes com a festa.
Em 968 chegam mais de 1000 homens e lá estão a atacar durante ano e meio, penetrando pela Galiza, Douro e Minho até Lugo, e só em 970 o Conde Gonçalo Sanches corre com eles, que voltam no ano seguinte. À medida em que iam “aprendendo” com os saques “descobriam” outro belo negócio: sequestro e resgate! Sacaram um monte, uma montanha de grana, aos galegos, mas continuaram a não vencer os muçulmanos, como em duas incursões em 972 no Tejo e Algarve.
Em 1008 voltam à Galiza e matam o Conde Mendo Gonçalves.
Piorou em 1014. Chefiados pelo futuro rei Olaf da Noruega, retornam à Galiza de quem tinham uma raiva danada - cansados de perder barcos e gente - atacam o castelo de Vermoim e seguem para sul pilhando as costas até chegarem a Cádiz.
1026 assaltam povoações costeiras no norte Atlântico e Portugal.
A partir desta data parece que as viagens de saque e pilhagem cessam um pouco e começam a passar frotas de cruzados, começando em 1096, após a pregação do Papa Urbano II, prometendo o paraíso a quem morresse a matar infiéis (isto lembra-me qualquer coisa do Corão, né?) até 1270.
Com esta “santa” intenção saíam aos milhares de escandinavos, ingleses, holandeses, alemães e... outros. Passaram na Galiza, em 1107 onde já não havia mouros, e vá de saquear e pilhar! Em 1109 saquearam Sintra, outros arredores de Lisboa, Alcácer do Sal e as costas do Algarve. Havia, ainda muçulmanos por todo o lado exceto já na Galiza, que, mártir, volta a ser saqueada em 1111 por escandinavos (Não perdoavam as surras que tinham apanhado anos antes!)
Em 1140 começa fase mais simpática! Ajudam Afonso Henriques a cercar Lisboa pela primeira vez. Nesta vinham já muitos franceses.
Em 1147 é que vem a grande esquadra que ajuda a conquista de Lisboa.
Afonso Henriques sabendo que vinham a caminho dá ordens para que os tratem bem no Porto onde fizeram aguada e promete-lhes o saque total de Lisboa (podem ver neste blog 3 textos sobre esta “farra”: No rescaldo da Tomada de Lisboa - Da Lisboa Antiga e da Nova Lisboa - De volta a Lisboa Antiga. O cerco durou três meses até que os muçulmanos capitularam e o saque foi um “Deus nos acuda”!
E começam também a fixar-se em Portugal grupos de “peregrinos” já fartos da viagem e de piratagem e que decidem estabelecer-se. Afonso Henrique precisa de gente para ocupar terras onde tinham estado muçulmanos e oferece-lhes uma série de localidades que mais tarde se chamaram Vila Franca de... e de... etc. Fixaram-se na Lourinhã, Pontével, Vila Verde, Atouguia, Azambuja que começou por se chamar só Vila Franca e a, até hoje, Vila Franca de Xira.
Novamente passa outra “onda de choque” em 1153 que vai em cima da Galiza para saquear! São os simpáticos peregrinos cristãos! No verão de 1154 sucedem-se atos de barbárie nas regiões de Portugal ainda ocupadas pelo Islão.
Mais uma “onda” em 1157 que ajuda o rei Afonso a cercar Alcácer do Sal pela segunda vez, mas que só cede um ano depois e atacada só por portugueses.
Em 1189 Sancho I preparava novo ataque ao Algarve. Mais uma cruzada com cerca de 3500 homens era tudo o que ele precisava para ajuda. Promete-lhes o saque de todas as cidades. Começam por Portimão e a seguir Silves a grande e culta capital do Al-Garb, que capitula, mas se recompõe no ano seguinte. Finalmente em 1197 nova cruzada, novo ataque a Silves, que pouco mais fez do que destruir, e voltou novamente para as mãos dos mouros, sendo só em 1249, que D. Paio Peres Correia a reconquistou definitivamente para os portugueses, no reinado de D. Afonso III.
E com a ajuda destes bárbaros cristãos, Portugal acrescentou as suas fronteiras praticamente até onde estão hoje.
Estas constantes viagens dos povos nórdicos às costas de Portugal abriu-lhes os olhos: em vez de virem saquear, andar à porrada, matar e morrer podiam fazer negócio. Portugal tinha um produto que valia ouro, o sal, e vinho, frutas e couros, e eles tinham cereais, têxteis das flandres e ingleses, e as madeiras de pinho para se fazerem mastros para os nossos navios!
E mais: descobrem que em Santiago, na Galiza, estão os ossos do apóstolo São Tiago. Começam as peregrinações, desta vez para irem rezar junto ao túmulo do Santo e, muito certamente pedir-lhe que lhes perdoasse todo o mal que fizeram àquela gente! E chegam peregrinos do mais longe da Europa, que vão a pé ou de navio, e assim estabelecem laços duradouros com a Galiza. (Finalmente!)
Começa uma era nova, mais tranquila. Os navios vinham no norte, comerciavam pelo caminho e voltavam com coisas novas que o sol da Ibéria lhes proporcionava.
E começam também os casamentos entre casas reais. Uma filha de Afonso Henriques casa com Filipe de Alsácia, Conde de Flandres, casamento negociado por Henrique II de Inglaterra (o marido da gloriosa Eleanor d’Aquitaine), um filho de Sancho I, Fernando, com a princesa flamenga Joana, o infante D. Afonso, mais tarde Afonso III, filho de Afonso II casou com a condessa de Bologne, Matilde, e duas princesas portuguesas casaram com reis da Dinamarca (ver de novo, neste blog Relações Norte Sul - Rainhas de Portugal).
Portugal estava a ficar importante aos olhos do mundo. (Naquele tempo o mundo era só a Europa!)
Acabaram as guerras de saque e pilhagem e começam os desentendimentos comerciais, e assaltos a embarcações comerciais. Nasciam os corsários! Cria-se protecionismo, taxas alfandegárias, etc. que volta e meia se acertavam com acordos mas que... normalmente não se cumpriam. Tal qual hoje!
Enfim a história é uma comédia, que se repete, repete, tal como as peças teatrais que duram anos, vão só mudando de atores!
Só para dar um finzinho nestas histórias.
No final do século XIV as trocas comerciais com Portugal eram interessantes, sobretudo com os portos do Báltico, e há dois documentos que particularmente me agradam:
Em Setembro de 1373, um capitão prussiano, J. Westvale, fundeou a sua coca (ver imagem) no porto cantábrico de Bermeo, região da Biscaia, país basco, e para comprar vinho a levar para França, contraiu um empréstimo de 230 francos de ouro de um mercador lombardo de Piacenza, de nome Francisquin Boisson. (Meu xará e o primeiro que vejo com um nome bonito assim! Acho que vou adotar!)


Coca. A principal embarcação da Liga Hanseática

No ano seguinte o mesmo J. Wesvale, fundeou em Laredo, na costa Cantábrica e contraiu novo empréstimo de 355 francos, com outro comerciante, também de Piacenza, chamado Gheeraert de La Rocque!!! Quem sabe se um antepassado meu!
Consta de vários documentos que o prussiano J. Westvale também esteve várias vezes em Lisboa.
Não o conheci! Foi pena.

17/05/2017


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