A Tentação do Eremita
por Jacopo Passavanti
de Specchio di Penitenza, (ca 1495)
(e outras tentações)
Na
vida dos Santos padres (Vitae Patrum), conta-se que um monge, que há muito
tempo vivia uma vida de penitência no deserto, exercendo muitas virtudes, no
entanto, faltava-lhe humildade: altivo, orgulhoso, quando pensava em outras
pessoas, ele se considerava melhor do que elas. Como queria punir a arrogância
do eremita a fim de salvar a sua alma, Deus deixá-lo-ia ser conquistado pela
tentação. Uma noite, o diabo se disfarçou como uma jovem; ela caminhou para a
cela do monge e começou a gemer e reclamar de seu infortúnio, recordando como
foi parar naquele lugar deserto, como a noite escura não ia deixá-la encontrar
o caminho certo, como o frio a incomodava — ao mesmo tempo tremendo para
prová-lo —, e como estava desanimada por medo das feras selvagens. E foi com
sussurros tristes e chorosos, suspiros, recontando suas dores e implorando por
misericórdia, pediu ao santo padre para deixá-la em sua cela em nome do amor de
Deus.
O
monge ficou comovido com as dores da mulher, então primeiro abriu a janela da
cela e pediu ao diabo de mulher — ou mulher-diabo — que lhe contasse o seu
infortúnio. A mulher contava a sua história, chorando ainda mais, até que o
Santo Padre abriu a porta e deixou-a entrar. Ele perguntou se ela estava com
fome, e quando ela disse que não, a tremer tanto, o monge acendeu um fogo e
ambos se sentaram à sua volta. O diabo bocejou e esticado para o fogo, revelou
seus pés e pernas, recontando suas circunstâncias, com palavras doces e voz
suave e perguntou sobre o tempo do monge no deserto, pois estava curiosa sobre
a sua penitência.
Enquanto
falava e sorria, ela sabia que ele era um casto servo de Deus; e ao falar sobre
isto e aquilo — com a malícia que apenas as línguas das mulheres são capazes —
foi-se aproximando mais e mais para o monge, tocando agora a sua capa dura de
pano, suas mãos e braços — que eram velhos e frios e tostados pela longa
abstinência — até tocar no seu peito e na barba branca. Poderia dizer-se que o
desafortunado homem estava feliz com isso e que estava esperando a mulher
chegar-se ainda mais perto. Em suma, a concupiscência inata que estava dormindo
naquela carne e ossos velhos e secos, começou a aumentar; a quase extinta
faísca acendeu uma chama e os membros frígidos que foram uma vez mortos,
estavam agora vivos com orgulho ultrajante.
O
infeliz, lutando uma batalha interna e cercado por todos os lados, incapaz e
sem vontade de ver que uma fuga, como se já estivesse capturado e amarrado,
rendeu-se. E permitindo-se a cometer o pecado, ele estendeu as mãos para
abraçar aquela figura fantástica, que imediatamente desapareceu e nunca mais
reapareceu. O eremita ficou confuso e humilhado, e uma multidão de demônios
apareceu na cela e formaram um círculo em torno dele, provocando-o e
atormentando-o:
"Oh
Monge, monge, apenas há pouco atrás, você estava subindo para os céus, mas
agora você se apaixonou, você se arruinou e abateu, porque desejou fazer algo
que um de nós se não queria fazer! Você não será capaz de aparecer em público
novamente ou erguer os olhos para o céu. "
Finalmente,
o monge recobrou os sentidos, ferido e constrito chorou e confessou seu pecado
a Deus, que o perdoou. E então ele foi humilhado, porque antes tinha sido um
homem arrogante. E aí, recitou com o salmista:
Humiliatus soma usquequaque,
Domine: vivifica me secundum verbum tuum.
Estava
totalmente humilhado meu senhor: por favor, dai-me a vida segundo a tua
palavra.
*
* *
Esta
história, ou conto, por mais que a gente não queira, passado mais de meio
milênio, é um retrato de tanto idiota que se alcandorou, pela força da ignorante massa popular que continua a pensar que domina o mundo e é dominada,
ao topo dos “outros”.
A
este estado de coisas, hoje chama-se democracia. Dantes era ditadura.
A
principal condição para alguém se poder candidatar a altos postos governativos,
administrativos, públicos ou privados, deveria ser a prova, irrefutável,
da sua humildade.
Por
exemplo, nos EUA a Hillary seria eliminada e o Trampa... moído no triturador e
vendido em hamburgers. E se for falar de Portugal, do Brasil, Angola e
possivelmente de mais de 90% de todos os países, haveria uma tremenda
dificuldade em encontrar candidatos.
E
não só entre os políticos, chamados leigos, porque é do conhecimento geral que
existem na hierarquia da igreja, bispos e cardeais que são duma arrogância
extrema, quando, mais covardemente ainda, se arrogam o direito de falar em nome
de Jesus!
Toda a glória de viver
Das gentes é ter dinheiro,
Cumpre-lhe de ser primeiro
O mais ruim que puder.
Tinha
Gil Vicente trinta anos quando foi publicado o Specchio di Penitenza, (ca 1495), e vê-se que a semelhança de pensamento entre
o grande dramaturgo e poeta português e Jacopo Passavanti é muito grande.
O problema é o ganancioso ser capaz de ser humilde.
Ambicioso, talvez.
É interessante esta “tentação e arrependimento” do
pobre eremita. Tentações todos temos, porque o nosso ego é quase sempre mais
forte do que o “eu”.
Daí que só os grandes espíritos possam vencer as
suas fraquezas e se destacarem.
A tentação, desde quase sempre, não é loura
encantada, mas o metal dourado, o poder, a ganância e a corrupção.
O Brasil atravessa o mais vergonhoso processo de
toda a sua história. Choram alguns o tempo da escravaria, mas não devem
esquecer que isso foi universal e, sem dúvida uma nódoa indelével na vida da
humanidade.
Mas o descaso, o compadrio e uma justiça de rabo
preso, onde parte dos supremos juízes foram advogados dos supremos ladrões que
hoje deveriam estar a contas com a justiça, e estão a dar risada na cara dos
juízes isentos e determinados a que a justiça seja igual para todos. Mas não é.
Indivíduos já condenados a 30 e 40 anos de prisão
são mandados soltar pelos tais “supremos” donos dos supremos tribunais, com
base em leis por eles feitas que tem sempre uma saída, vergonhosa, infame, para
continuarem a esvaziar os cofres públicos.
Chega-se a descaramentos de tal forma absurdos que
parecem mentira: o governo deposto “adjudicou” uma obra de mentira para que a
empreiteira entregasse milhões dólares a um candidato esquerdista dum país
vizinho!
O banco de “desenvolvimento” do Brasil pagou,
integralmente obras gigantescas em Cuba e em outros países.
Os bandidos são pronunciados, julgados, presos, e a
seguir os “supremos amigos” mandam libertá-los para aguardarem recursos
“manobráticos” que vão conduzir à prescrição dos processos.
Corruptissima republica plurimae
leges
(Em república corrupta, muitas são as
leis)
Quem pode, hoje, abandona o país, e há cada vez um
maior número de indivíduos que têm vergonha de ser brasileiros.
Há pouco um juiz do supremo, de pele negra foi
aplaudido em todo o país. De repente decide aposentar-se. Até o queriam para
presidente. Agora já se sabe porque teve tanta pressa em tirar o traseiro fora:
enquanto esteve lá no topo dos tribunais, acobertou quanto pôde o assassinato
dum prefeito da região de São Paulo que se sabe ter sido mandado matar porque
ia denunciar a pouca vergonha do governo.
E assim vai.
Pra que
chorar
Se o sol
já vai raiar
Se o dia
vai amanhecer
Pra que
sofrer
Se a lua
vai nascer
É só o
sol se pôr
Pra que
chorar
Se existe
amor
A questão
é só de dar
A questão
é só de dor
Quem não
chorou
Quem não
se lastimou
Não pode
nunca mais dizer
Pra que
chorar
Pra que
sofrer
Se há
sempre um novo amor
Em cada
novo amanhecer
Onde está esse “novo
amanhecer” de Vinicius de Moraes?
Voltemos a Stefan Zweigh: “Brasil, o país do
futuro!”
Para quando esse futuro?
Não se antevê que seja nem para os netos!
Complemento de informação:
1-
O juro do cartão de crédito em Abril foi só de
490,3% a.a.
2-
O Arquivo Público do Rio, não tem verba para pagar a
luz e está sem a dita. Resultado, nem lâmpadas, nem máquinas de xerox para quem
faz investigação, nem ar condicionado para conservação de documentos antigos.
(Também para que estar a consultar documentos obsoletos???)
3-
O Brasil tem um custo de 15% do PIB só com os
servidores - ativos, aposentados e os bolsa família! Quase um terço da
população vive à custa do governo federal!
4-
Economia, conceito nacional: o gás paga 1,63% de
imposto no Rio e 1,3% em São Paulo.
Vivam as Tentações... do demo!
Maio / 2017
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