quarta-feira, 26 de abril de 2017



O Rio de Janeiro
Histórias da sua História
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Não podemos “sair” do Convento sem contar mais duas historinhas que ilustram, uma, a engenhosidade de alguns frades, e outra a política que tantas vezes, sem se preocupar com a cultura e história prefere destruir o que lhe possa dar nome e votos. Já lá voltaremos.

Era uso no século XIX que os pregadores franciscanos pagassem ao convento, por cada sermão do Evangelho, feito noutras igrejas, uma dobra, e por cada prática quatro mil reis, tal o sucesso dos franciscanos na cidade. Era um ónus pesado!
Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, um dos mais fecundos intelectuais e oradores, mais tarde também um grande político, escrevia, sem cessar, pregões que os frades que iam pregar fora levavam, não sem antes lhe pagarem os quatro mil reis! No regresso ao Convento os pregadores tinham que entregar ao frei guardião o que haviam recebido!
Um dia frei Francisco de Mont’Alverne, um grande teólogo e orador, que foi pregador oficial do Império, recebeu um convite para ir pregar na Igreja dos Terceiros do Hospício, pondo a condição de que ninguém deveria saber (para que pudesse guardar o pagamento!). Aceite o acordo, lá foi, pregou, voltou para casa sem que algum dos confrades tivesse tomado conhecimento. À noite houve uma solenidade no altar da enfermaria e frei Mont’Alverne lá foi, um pouco cedo e conversava com o guardião, frei Joaquim de S. Jerônimo, quando entra no salão um devoto, pessoa muito estimada, que, se lhe dirige, entusiasmado:
- Ah! Padre mestre. Que magnífico sermão pregou hoje vossa caridade! A admiração foi geral e eu ainda me encontro comovido e arrebatado!
Frei Mont’Alverne estava apanhado! E o devoto, muito enlevado relatou tudo quanto testemunhara.
O guardião começou a rir:
- Venha a dobra, padre mestre!
E frei Mont’Alverne teve que pagar!
Frei Sampaio foi mais hábil. Pouco tempo depois tinha que ir pregar um “sermão de angústia” na igreja da Misericórdia, e quando saía da sua cela encontrou o guardião com ar contrariado e pergunta-lhe:
- Que tem padre mestre? Parece preocupado?
- Ah! Não se pode mais ser prelado nestas casas. Os frades só nos dão desgostos!
- Deveras? – disse frei Sampaio sorrindo.
- Ria-se, ria-se, mas se fosse guardião havia de viver angustiado como eu.
- Pois por mim, eu lhe juro que não se queixará sobre o meu quinhão de angústias.
- Estou certo disso, e nunca pensei o contrário.
Dias depois lá foi frei Sampaio pregar o seu sermão. Voltou depois para a sua cela, e mal tinha entrado apareceu-lhe o frei guardião.
- A dobra, padre mestre!
- Que dobra?
- A dobra do sermão que pregou.
- Oh! Padre mestre guardião. De pagar essa dobra estou eu livre, porque preguei um sermão de angústias e há três dias lhe jurei, e vossa caridade recebeu meu juramento, que eu não lhe daria o meu quinhão de angústias.
O guardião riu-se e frei Sampaio não pagou a dobra!
Genial!!!

No dia 4 de Setembro de 1911, sem aviso prévio apareceram no Convento o segundo Procurador da República e o diretor do Patrimônio Nacional, para despejarem os frades e sequestrarem o Convento!
O tal diretor queria que os frades saíssem imediatamente! Interveio o procurador e a saída foi adiada, mas deixaram o Convento sob a guarda de um oficial de diligências e dois policiais!
No dia seguinte, o ainda e mesmo diretor, voltou a exigir que os frades cumprissem a ordem de despejo até às quatro horas do dia seguinte.
Dia 5 os jornais encheram as páginas com tão insólita notícia! Num deles “a União Católica Brasileira e a Associação da Mocidade, convidava todos os católicos do Rio de Janeiro para assistirem à saída dos religiosos franciscanos do seu Convento no Largo da Carioca, hoje, até às quatro horas da tarde, hora em que serão expulsos da sua residência. A Mocidade Católica convida todos os Vicentinos, todas as associações todos os católicos para se reunirem junto ao Convento, durante todo o dia para assistir aos religiosos e confortá-los.”
O povo reuniu-se em massa. O Executivo soube do desagradável incidente. O ministro do Exterior apressou-se a apresentar desculpas ao Núncio Apostólico.
Os frades permaneceram no Convento. Depois desta encenação “trágico-cômica” o governo moveu ainda um processo, tentando apoderar-se do Convento, mas perdeu a questão e foi condenado a pagar as custas. Recorreu ao Supremo. Este, seis anos mais tarde, apreciou o mérito e unanimemente negou-lhe provimento.
Publicada a sentença a 7 de Julho de 1918, o Executivo revogou a ordem de sequestro no dia 17 de Abril de 1919!

Como é fácil de imaginar houve alguns politicalhos que quiseram tirar vantagem de tamanha estupidez. Mas... o pior é que continua a haver gentalha dessa e, se o Supremo naquele tempo levou seis anos para apreciar e resolver a questão, imaginem como será hoje em dia, com milhares de processos, sobretudo os da canalha que quase leva o Brasil à falência (vidé Lava Jato).

 Pelas Histórias anteriores foi-se apercebendo que Joaquim Manuel de Macedo tinha pelos políticos, a mesma consideração que tem hoje TODO o Brasil por essa mesma casta de fervorosos “crentes”!
Em 1861 a Irmandade da S. Cruz dos Militares tinha uma receita de 596.603$129, proveniente de aplicações financeiras, do aluguel de alguns prédios que lhes tinham legado, e ainda da contribuição dos irmãos, pagando religiosamente as devidas pensões às viúvas e órfãos de irmãos finados. Esta receita mostra bem o cuidado e sabedoria das administrações da Irmandade.
Diz Macedo: Pois nem todas as irmandades podem gabar-se do mesmo. O culto divino está ao serviço da pátria e há bom número de carolas que se aproveitam do serviço de Deus para cuidarem dos seus interesses particulares.
São os que rezam o Pai Nosso unicamente por causa do venha a nós! ...faz desconfiar tanta dedicação religiosa!
Século e meio passado, o que tem de devotos! Nas miríades de pseudo-igrejas que não mais são do que rendosíssimo comércio de venda de milagres, e na política, o VENHA A NÓS, muito, mas muito mesmo, vai mesmo para eles!
Basta ver o que se passa com os fundos de pensões, no Brasil, “rapados” pela canalha!

A questão da fronteira nordeste do Brasil com a França remonta ao Tratado de Utrecht de 1713, mas diversas interpretações quanto ao seu traçado continuam a existir. A França considerava que o rio Oiapoque mencionado no texto correspondia ao Araguari, o que lhes daria mais 400 quilômetros de costa e para cima de cento e sessenta mil quilômetros quadrados da Amazónia, e o Brasil considera que o Oiapoque... é o Oiapoque. O litígio correu durante quase dois séculos, na corte de Haia, até que uma arbitragem internacional feita pela Suíça deu razão ao Brasil.
O que o Rio de Janeiro tem a ver com isso? Muito. Vejamos.
Como se pode imaginar o Brasil não tinha como “resolver” o problema na paulada! A França ainda era uma das maiores potencias do mundo e, sabendo disso o Brasil não recrutou um único soldado, não fundiu canhões, nem a Marinha se movimentou. Mas, ainda segundo Macedo, “um poderoso exército se postou no Oiapoque”!
Esse exército, brilhante, foi o livro "L’Oyapock et l’Amazone", um estudo completo sobre a questão, editado em Paris em 1861 pelo seu autor o dr. Joaquim Caetano da Silva, gaúcho de nascimento, médico pela Universidade de Montpellier, em França, e o defensor, em Haia, do processo que ali corria. Tão minucioso e completo esse estudo que a arbitragem não teve grande dificuldade em acabar por dar razão ao Brasil, que continua a ser Do Oiapoque ao Chui!
O dr. Joaquim Caetano da Silva, foi carioca, por delegação do Imperador que o nomeou para várias embaixadas na Europa.

Por enquanto deixou o Rio em paz. Vou para outras bandas.
Paz? No Rio? Impossível, mas...

26/04/2017




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