segunda-feira, 17 de abril de 2017



O Rio de Janeiro
Histórias da sua História
- 3 –

Vamos agora falar dos Franciscanos e seu Convento, “ali” no Morro da Carioca, o Convento de Santo António, e um pouco do nosso Santo.
Para se ter uma ideia de como era o Rio no século XVII, já com o Convento, que se fundou em 1608:

Ao fundo o Pão de Açúcar, e no centro a lagoa do Boqueirão descrito em texto anterior

No altar mor da Capela dedicado a Santo António, que se destaca na imagem ao lado do Mosteiro, havia uma bela imagem do Santo, obra de um dos frades da Ordem, artista que trabalhava em madeira, fez o magnífico corpo, com suas vestes, mas ao chegar à cabeça, sempre com a mesma devoção, não conseguia equilibrar essa parte, final da obra, com o corpo. Ou ficava pequena ou grande demais e o frade-artista, por muito que tentasse não chegava ao ponto de considerar a obra pronta, o que o entristecia. O Santo sem cabeça arriscava a que o frade perdesse a sua, porque nas conversas entre a confraria a única explicação era por causa de uma “desastrada imperícia”!
Mas uma noite, já bem tarde soa inesperadamente a campainha da portaria. Todos os frades já recolhidos, podia ser, por exemplo uma chamada de socorro para algum pobre moribundo. Corre-se à portaria, abre-se a porta e não se vê ninguém! Mesmo olhando em volta, em frente à porta não havia vivalma. Mas... encontram depositada no chão uma cabeça de Santo António!
Indaga-se, procura-se o portador do singular e precioso presente, e... nada!
A notícia do extraordinário espalha-se pelo mosteiro e acodem todos à porta. A cabeça é levada ao corpo do santo que já estava pronto, e serve perfeitamente como se tivesse sido feita expressamente para ele.
Nunca se pôde resolver o mistério e, antigas tradições fazem supor que os franciscanos consideraram ser uma obra sobrenatural.
É a imagem do Santo que se venerava na capela. Fui lá confirmar, e se o caso da cabeça ficou como lenda, a imagem já não está no altar!
O livro do Tombo dos Franciscanos tem escrito: “ Em 1621 colocou-se a imagem de Santo Antônio, o corpo feito por um religioso e a cabeça por um que pediu uma esmola para jantar, como se vê no Cartório do Convento”!


Para onde foi a estátua? Veremos mais adiante.
Santo Antonio é o santo de praticamente todas as causas! Tem sob a sua alçada os barqueiros, os marinheiros, os náufragos, os viajantes, os velhos, os pobres e oprimidos, as solteiras, as grávidas, as estéreis e os namorados, e as tropas, os batalhões!
E não é só o santo dos portugueses, brasileiros e italianos: para acabar com a “briga” se era de Lisboa ou Pádua, o Papa Leão XIII (1878-1903) chamou-lhe “o santo de todo o mundo”
E tem uma longa, imensa história, como “bravo” militar.
Santo António começou por assentar praça em Portugal, como soldado, durante as Guerras da Restauração, no Terço da Câmara de Lisboa, pouco tempo antes de 17 de junho de 1665, data em que foi travada a Batalha de Montes Claros, entre portugueses e espanhóis. Foi durante estes confrontos durante a Restauração da Independência, que o santo começou a destacar-se como protetor das forças portuguesas. Entre os soldados, começou a surgir a crença de que a presença da sua imagem em batalha redobrava a sua força e confiança, e 1665 será a data do início da carreira militar de Santo António, uma vez que foi nesse ano que o rei D. Afonso VI ordenou que o santo “fosse alistado no exército, como seu patrono” e que “assentasse praça como soldado” e lhe fosse pago o respetivo soldo”.
A primeira promoção aconteceu depois da Guerra da Restauração. Como reconhecimento pelas vitórias alcançadas frente aos espanhóis, D. Pedro II ordenou que o santo fosse integrado no Regimento de Infantaria n.º 2 de Lagos. À entrada para o regimento, em finais de janeiro de 1668, seguiu-se em 1733 a promoção a capitão. O santo começou então a receber um soldo de dez mil réis, conforme carta régia emitida por D. João V. Mais tarde, o capitão António foi aumentado, passando a recebeu 15 mil réis mensais.
Em 1777, o major Hércules António Carlos Luís Joseph Maria de Albuquerque e Araújo de Magalhães Homem (êta nome brabo!), do Regimento de Lagos, entregou a D. Maria I uma petição para que Santo António fosse promovido ao posto de major tendo em conta o seu “desempenho militar exemplar”.
“Durante todo o tempo, em que tem sido capitão, vai quase para cem anos, constantemente “cumpriu seu dever com o maior prazer à frente de sua companhia”, em todas as ocasiões, em paz e em guerra, e tal que tem sido visto por seus soldados vezes sem número, como eles todos estão prontos para testemunhar: e em tudo o mais tem-se comportado sempre como fidalgo e oficial”.
Na petição, o major do Regimento de Lagos fez ainda questão de certificar que não existia “alguma nota relativa a Santo António, de mau comportamento ou irregularidade praticada por ele: nem de ter sido em tempo algum açoitado, preso, ou de qualquer modo punido durante o tempo que serviu como soldado raso no regimento”.
Apesar dos apelos de Magalhães Homem, a promoção a major nunca chegou a acontecer.
Em vez disso, o santo foi promovido três anos depois ao posto de oficial-general.

Documento onde consta o pagamento ao “oficial”!

A influência da imagem de Santo António no moral das tropas portuguesas era tal que chegou mesmo a ser roubada pelos franceses, que acreditaram assim poderem derrotar o exército português. Porém, ao descobrirem que a estátua tinha desaparecido, os portugueses atacaram com toda a força os franceses para recuperar o santo mais do que querido.
A imagem portuguesa encontra-se hoje no Museu Militar do Buçaco, e ostenta ao peito a Cruz da Guerra Peninsular, pelas lutas travadas contra as forças napoleónicas. Como forma de agradecimento pela vitória sob o exército francês, D. João VI atribuiu ainda ao santo a patente de tenente-coronel de infantaria, em 1814, já após a guerra, e recebeu ainda a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, a estátua de Santo António Militar só voltou a sair à rua, em Portugal, em 1895. É dessa altura que data um incidente que marcou a história da imagem. “Fez-se uma procissão, mas a imagem foi atacada pela maçonaria, na Baixa e a população teve de fugir”.
Foi também por volta dessa altura, para assinalar a comemoração dos 700 anos do nascimento do Santo, que surgiu a ideia de o promover a coronel. Porém, a promoção nunca chegou e o santo permaneceu para sempre general.
(Estranho: não foi promovido a major, mas a general, depois andou para trás para tenente coronel e mais tarde não o quiseram “promover” a coronel! Ele já era general!)

Deixemos Santo António... em Portugal, e voltemos ao Rio de Janeiro ver o “nosso” valeroso soldado, posto com que chegou ao Rio,
Em 1710, quando da invasão dos franceses, com Duclerc, o Governador, Francisco de Morais e Castro, pediu a proteção de Santo António e mandou ao Convento uma patente que o nomeava Capitão de Infantaria! O rei aprovou, e estipulou um soldo de dezesseis mil reis mensais, pagos ao Convento.
A imagem foi colocada no muro do Convento empunhando o bastão que lhe dera o governador da Colônia do Sacramento, Sebastião Veiga Cabral, em sinal de agradecimento pela proteção à sua guarnição de seiscentos homens que estiveram sitiados durante seis meses pelos espanhóis, protegendo os cariocas, e assim os franceses foram derrotados!
Em sinal de gratidão, a imagem do santo (e sua perfeita cabeça!) foi colocada no frontispício da Igreja, em 1779 muda para um nicho no frontispício do Convento, e passou a ser conhecida como Santo Antônio do Relento!
Lá está o Santo ao relento!

Para o altar-mor foi executada outra imagem, maior. A que lá está hoje!
Nas imagens, ele sempre aparece carregando o menino Jesus no colo. Segundo a fé católica, um barão que abrigava Santo Antônio no quarto de hóspedes de seu castelo viu, pelo buraco da fechadura, que o frei estava envolvido por uma luz de brilho muito forte e, em seu colo, sobre um livro grosso, estava um bebê, dando risadinhas. O bebê olhou e estendeu os braços na direção do barão, que ficou atordoado e fechou os olhos. Abrindo-os, só viu Santo Antônio de braços vazios. A criança seria o menino Jesus.
No candomblé da Bahia, Santo Antônio é conhecido como Ogum, o orixá da guerra, que forjava as suas próprias armas de metal.  
Passados uns anos, em 1810 o capitão Antônio é promovido a Sargento-Mor, equivalente a major, com soldo de trinta mil reis.
Em 1814 passa a tenente coronel, recebe a Grã Cruz da Ordem de Cristo e, até ao fim da monarquia sempre recebeu o soldo.
O governo republicano, alegando a separação entre Estado e Igreja suspendeu o pagamento, mas o Marechal Floriano ordenou que o soldo fosse pago enquanto um decreto especial não o cancelasse. Nunca houve o tal decreto, mas desde abril de 1991, não houve mais pagamento.
Em 1924, o Santo ainda constava como elemento do Exército Brasileiro, que levou o então Presidente Artur Bernardes, a emitir um despacho ao Ministro da Guerra, Fernando Setembrino de Carvalho, onde pedia a reforma de Santo António. Antes, porém, o Presidente, numa carta ao Ministro da Guerra, escrevera: "O Coronel António de Pádua vai quase em três séculos de serviço. Nomeie-o general e ponha-o na reserva."
Santo António figura desde então no Anuário Brasileiro, na lista dos oficiais da reserva do Exército da República do Brasil.

Nota: Estranho! Um militar com mais de 400 anos de serviço – no Brasil – passa à reserva e não tem direito a “aposentadoria”?

13/04/2017







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