domingo, 23 de abril de 2017



O Rio de Janeiro
Histórias da sua História
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Mas mais uma vez, e não será a última, voltemos ao Convento de Santo António e aos Franciscanos.
Mas esta é uma história ESPECIAL.
Palavras de Joaquim Manuel de Macedo:
“Em um armário perto daquela sacristia acham-se cuidadosamente guardadas e conservadas quatro jarras de pau com uma delicada pintura de flores, e tão bem acabado trabalho que, apesar de velhas, iludem a vista, observadas mesmo a curta distância, parecendo de fina porcelana da China. (O escritor J.M. de Macedo chamou-lhes “porcelana da Índia”)
Estas jarras foram devidas a uma inocente travessura de um frade.
Como é natural, os religiosos esmeravam-se em ornar muito a sua igreja no dia da festa de S. António, e tinham já por costume mandar pedir emprestadas para esse fim umas lindíssimas jarras de porcelana que possuía um devoto fre­quentador do convento.
O bom devoto emprestava as suas belas jarras com o maior prazer, e talvez até que estimasse bastante vê-las uma vez por ano figurar no altar de S. António.
Durante não poucos anos, o pedido era tão certo da parte dos frades como o empréstimo da parte do devoto.
Em um ano, enfim, no dia que se seguiu ao da festa de S. António, estavam na igreja o sacristão, desarmando o altar, e um religioso, frei Francisco Solano Benjamim, con­versando com ele.
- Agora, cuidado com as jarras do devoto - disse o sacristão, tirando-as do altar com toda a delicadeza que pôde.
- Com efeito - observou frei Solano - Seria uma infelicidade se uma dessas jarras se quebrasse.
- Certamente. Porque não há outras tão lindas e tão ricas na cidade, e não podería­mos haver por preço algum, uma ou duas, iguais ou semelhantes, para restituir ao dono.
- Pois é preciso não pedi-las emprestadas outra vez.
- Sim... mas... 
- Quando têm de ser devolvidas?  - perguntou frei Solano, observando-as atentamente.
- Hoje mesmo.
- Mas eu preciso que elas me sejam confiadas por quatro ou cinco dias.
- Para quê?
- E um segredo meu.
O sacristão conveio no pedido de frei Solano; e este, levando para a sua cela as quatro jarras, tirou-lhes escrupulosamente o molde e, com o mesmo escrúpulo, copiou a pintura que as ornava.
No dia da festa de S. António do ano seguinte, o constante devoto vinha subin­do a ladeira do convento um pouco admirado de não lhe terem sido pedidas as suas jarras, como nos anos anteriores.
Desconfiariam os frades da minha boa vontade? - perguntava ele a si mesmo. - Já teriam comprado jarras tão bonitas como as minhas?
Assim refletindo, chegou o devoto ao adro e entrou na igreja, e depois de fazer a sua oração adiantou-se para a capela-mor, pôs os olhos no altar e recuou dois passos, exclamando:
As minhas jarras!    
Tornou a olhar, aproximou-se, observou com todo o cuidado e repetiu:
São as minhas jarras!
Mas o devoto tinha a certeza de não as haver emprestado, e confundido, com o que via, saiu da igreja, correu a casa, foi direto a um armário onde guardava as suas preciosas jarras e viu-as, com espanto, no seu devido lugar.
Voltou ao convento imediatamente, tornou a entrar na igreja e a olhar para o altar-mor.
Mas, por fim de contas, são mesmo as minhas jarras - disse ele.
Acabada a. festa, dirigiu-se o devoto ao sacristão e pediu-lhe encarecidamente que lhe explicasse aquele mistério.
O sacristão, sorrindo, foi tirar as jarras do altar e veio apresentá-las ao devoto.
- Bem vê que não são as mesmas - disse.
- Como? São as minhas, sim! - exclamou o devoto.
- Nesse caso, aí as tem. Tome conta delas.
O devoto, a esforços do sacristão, recebeu as jarras, e ficou ainda mais admirado.
- Então?
- Não são as minhas - disse, entregando outra vez as jarras. - Não são. Mas a única diferença é que as minhas são de porcelana, e estas são de pau.
- Há ainda outra diferença - observou o sacristão.
- E que as suas vieram da China, e estas foram feitas aqui no convento por frei Francisco Solano.                                                      
Este ligeiro episódio das jarras de pau, aliás, é absolutamente verdadeiro.”

Depois de ter lido isto impunha-se uma visita ao Mosteiro! Tinha que lá ir ver esta obra. A curiosidade era imensa. Não consegui ver as jarras, que devem ser do final do séc. XVII, princípio do XVIII. Estão bem guardadas, em ambiente climatizado, não são exibidas nem em visitas guiadas, mas... pedi, muito, a um dos frades, o historiador do Convento, frei Roger Brunorio, se me conseguia uma foto das ditas. Atencioso, não prometeu, pediu-me para lhe mandar um e-mail explicando para que queria as fotos, e... o bom frade respondeu-me logo, e com as fotos! Como lhe estou grato. Que belo presente me mandou!



Não é possível deixar de ficar pasmado com a qualidade deste trabalho! Imitação, aliás cópia, das jarras de porcelana chinesa do século XVIII, feitas à mão, em madeira de mogno, e pintadas com uma precisão espetacular. Devem ter cerca de uns 220 a 230 anos!
Que trabalho magnífico! Reparem bem. Feitas na cela de convento, sem maquinaria, e com estes detalhes. Mais: em quatro ou cinco dias! A qualidade, a precisão, as cores... Não deve existir, em todo o mundo semelhante trabalho!
Voltemos a dar a palavra ao escritor Macedo:
“Frei Francisco Solano (1743-1818) foi um grande artista. Nasceu em Macacu, Estado do Rio de Janeiro, em 1743 e faleceu em 1818 no Convento, onde se tornou notável por diversos quadros de santos que executou e que ainda existem. Não era, nem podia ser, um grande mestre. Nunca saiu do Brasil, não teve a educação artística das academias, nem a frequência de pintores abalizados. Nos seus quadros adivinha-se e saúda-se o génio. Notam-se, porém, ao mesmo tempo, os senões devidos à falta de escola, aprecia-se a beleza do colorido; às vezes, porém, repara-se em alguma desproporção das formas das suas figuras. Entretanto, é impossível deixar de reconhecer talento e inspiração nas obras da sua paleta.
Há ainda outra razão para não se deixar no esquecimento o nome de frei Fran­cisco Solano.
Quando, no fim do século, outro franciscano, o célebre frei José Mariano da Conceição Veloso, se ocupava da sua importantíssima Flora Brasileira, tra­balho imenso que perpetuará o nome desse nosso compatriota, foi reconhecida a necessidade de dar um ajudante ao notável botânico.
O padre mestre frei Veloso não sabia desenhar, e não podia prescindir do de­senho na sua obra. Pediu, pois, que lhe fosse dado um ajudante desenhador, e por proposta sua, o vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza escolheu frei Francisco Solano para desempenhar esse mister.
Frei Solano tornou-se então o companheiro inseparável de frei Veloso. Seguiu-o em suas excursões pelo interior e pelas florestas, tomou parte em suas laboriosas vi­gílias de gabinete, e são, enfim, dele todos os desenhos de plantas que se encontram na Flora Brasileira.
Entre 1783 e 1790 percorreram a Capitania do Rio de janeiro para fazer o levantamento botânico da região.”

Como estão a ver há muito o que visitar e “espiolhar” neste Rio de Janeiro, além das praias, das caipirinhas e do Carnaval.
Ainda vamos falar um pouco mais do Convento e do Rio antigo. Aguardem.


19/04/2017

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