O Rio de Janeiro
Histórias da sua História
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Mas
mais uma vez, e não será a última, voltemos ao Convento de Santo António e aos
Franciscanos.
Mas
esta é uma história ESPECIAL.
Palavras
de Joaquim Manuel de Macedo:
“Em
um armário perto daquela sacristia acham-se cuidadosamente guardadas e
conservadas quatro jarras de pau com uma delicada pintura de flores, e tão bem
acabado trabalho que, apesar de velhas, iludem a vista, observadas mesmo a
curta distância, parecendo de fina porcelana da China. (O escritor J.M. de
Macedo chamou-lhes “porcelana da Índia”)
Estas
jarras foram devidas a uma inocente travessura de um frade.
Como
é natural, os religiosos esmeravam-se em ornar muito a sua igreja no dia da
festa de S. António, e tinham já por costume mandar pedir emprestadas para esse
fim umas lindíssimas jarras de porcelana que possuía um devoto frequentador do
convento.
O
bom devoto emprestava as suas belas jarras com o maior prazer, e talvez até que
estimasse bastante vê-las uma vez por ano figurar no altar de S. António.
Durante
não poucos anos, o pedido era tão certo da parte dos frades como o empréstimo
da parte do devoto.
Em
um ano, enfim, no dia que se seguiu ao da festa de S. António, estavam na
igreja o sacristão, desarmando o altar, e um religioso, frei Francisco Solano
Benjamim, conversando com ele.
- Agora, cuidado com as jarras
do devoto - disse
o sacristão, tirando-as do altar com toda a delicadeza que pôde.
- Com efeito - observou frei Solano - Seria uma infelicidade se uma dessas jarras
se quebrasse.
- Certamente. Porque não há
outras tão lindas e tão ricas na cidade, e não poderíamos haver por preço
algum, uma ou duas, iguais ou semelhantes, para restituir ao dono.
- Pois é preciso não pedi-las
emprestadas outra vez.
- Sim... mas...
- Quando têm de ser devolvidas?
- perguntou frei Solano, observando-as atentamente.
- Hoje mesmo.
- Mas eu preciso que elas me
sejam confiadas por quatro ou cinco dias.
- Para quê?
- E um segredo meu.
O
sacristão conveio no pedido de frei Solano; e este, levando para a sua cela as
quatro jarras, tirou-lhes escrupulosamente o molde e, com o mesmo escrúpulo,
copiou a pintura que as ornava.
No
dia da festa de S. António do ano seguinte, o constante devoto vinha subindo a
ladeira do convento um pouco admirado de não lhe terem sido pedidas as suas
jarras, como nos anos anteriores.
Desconfiariam os frades da minha
boa vontade? -
perguntava ele a si mesmo. - Já teriam
comprado jarras tão bonitas como as minhas?
Assim
refletindo, chegou o devoto ao adro e entrou na igreja, e depois de fazer a sua
oração adiantou-se para a capela-mor, pôs os olhos no altar e recuou dois
passos, exclamando:
As
minhas jarras!
Tornou
a olhar, aproximou-se, observou com todo o cuidado e repetiu:
São as minhas jarras!
Mas
o devoto tinha a certeza de não as haver emprestado, e confundido, com o que
via, saiu da igreja, correu a casa, foi direto a um armário onde guardava as
suas preciosas jarras e viu-as, com espanto, no seu devido lugar.
Voltou
ao convento imediatamente, tornou a entrar na igreja e a olhar para o
altar-mor.
Mas, por fim de contas, são mesmo
as minhas jarras
- disse ele.
Acabada
a. festa, dirigiu-se o devoto ao sacristão e pediu-lhe encarecidamente que lhe
explicasse aquele mistério.
O
sacristão, sorrindo, foi tirar as jarras do altar e veio apresentá-las ao
devoto.
- Bem vê que não são as mesmas - disse.
- Como? São as minhas, sim! - exclamou o devoto.
- Nesse caso, aí as tem. Tome
conta delas.
O
devoto, a esforços do sacristão, recebeu as jarras, e ficou ainda mais
admirado.
- Então?
- Não são as minhas - disse, entregando outra vez
as jarras. - Não são. Mas a única
diferença é que as minhas são de porcelana, e estas são de pau.
- Há ainda outra diferença - observou o sacristão.
- E que as suas vieram da China, e estas
foram feitas aqui no convento por frei Francisco Solano.
Este ligeiro
episódio das jarras de pau, aliás, é absolutamente verdadeiro.”
Depois de ter
lido isto impunha-se uma visita ao Mosteiro! Tinha que lá ir ver esta obra. A
curiosidade era imensa. Não consegui ver as jarras, que devem ser do final do
séc. XVII, princípio do XVIII. Estão bem guardadas, em ambiente climatizado, não
são exibidas nem em visitas guiadas, mas... pedi, muito, a um dos frades, o
historiador do Convento, frei Roger Brunorio, se me conseguia uma foto das
ditas. Atencioso, não prometeu, pediu-me para lhe mandar um e-mail explicando
para que queria as fotos, e... o bom frade respondeu-me logo, e com as fotos!
Como lhe estou grato. Que belo presente me mandou!
Não é possível
deixar de ficar pasmado com a qualidade deste trabalho! Imitação, aliás cópia, das
jarras de porcelana chinesa do século XVIII, feitas à mão, em madeira de mogno,
e pintadas com uma precisão espetacular. Devem ter cerca de uns 220 a 230 anos!
Que trabalho
magnífico! Reparem bem. Feitas na cela de convento, sem maquinaria, e com estes
detalhes. Mais: em quatro ou cinco dias! A qualidade, a precisão, as cores...
Não deve existir, em todo o mundo semelhante trabalho!
Voltemos a dar a palavra ao escritor
Macedo:
“Frei Francisco Solano (1743-1818) foi um
grande artista. Nasceu em Macacu, Estado do Rio de Janeiro, em 1743 e faleceu em
1818 no Convento, onde se tornou notável por diversos quadros de santos que
executou e que ainda existem. Não era, nem podia ser, um grande mestre. Nunca
saiu do Brasil, não teve a educação artística das academias, nem a frequência
de pintores abalizados. Nos seus quadros adivinha-se e saúda-se o génio.
Notam-se, porém, ao mesmo tempo, os senões devidos à falta de escola,
aprecia-se a beleza do colorido; às vezes, porém, repara-se em alguma
desproporção das formas das suas figuras. Entretanto, é impossível deixar de
reconhecer talento e inspiração nas obras da sua paleta.
Há ainda outra razão para não se deixar no
esquecimento o nome de frei Francisco Solano.
Quando, no fim do século, outro
franciscano, o célebre frei José Mariano da Conceição Veloso, se ocupava da sua
importantíssima Flora Brasileira, trabalho imenso que perpetuará o nome
desse nosso compatriota, foi reconhecida a necessidade de dar um ajudante ao
notável botânico.
O padre mestre frei Veloso não sabia
desenhar, e não podia prescindir do desenho na sua obra. Pediu, pois, que lhe
fosse dado um ajudante desenhador, e por proposta sua, o vice-rei Luiz de
Vasconcelos e Souza escolheu frei Francisco Solano para desempenhar esse
mister.
Frei Solano tornou-se então o companheiro
inseparável de frei Veloso. Seguiu-o em suas excursões pelo interior e pelas
florestas, tomou parte em suas laboriosas vigílias de gabinete, e são, enfim,
dele todos os desenhos de plantas que se encontram na Flora Brasileira.
Entre 1783 e 1790
percorreram a Capitania do Rio de janeiro para fazer o levantamento botânico da
região.”
Como estão a ver
há muito o que visitar e “espiolhar” neste Rio de Janeiro, além das praias, das
caipirinhas e do Carnaval.
Ainda vamos falar
um pouco mais do Convento e do Rio antigo. Aguardem.
19/04/2017
As obras do Macedo sobre o Rio de Janeiro são bem interessantes mesmo.
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