Justiça e Liberdade
e Perdão
Estamos no tempo do Perdão. Aliás é sempre tempo para
perdoar !
Há 60 anos estava eu, jovenzinho,
cheio de fogo “na guelra” a estagiar no Porto, na fábrica de cerveja.
Metia o nariz em tudo, fazia perguntas, análises no laboratório, passava horas
com os funcionários e com o diretor técnico, enfim, queria aprender tudo no
mínimo tempo possível. O normal para um jovem que não nasceu acomodado.
Fim de Outubro, começo de
Novembro um daqueles frióis que assola a “Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta
Cidade do Poro”, derramou sobre a dita cidade uma miserável e brava epidemia de
gripe, que foi derrubando, lá na fábrica, uns quarenta por cento do pessoal:
diretor técnico, gerente de produção de refrigerantes (bastante péssimos na
altura!), as técnicas do laboratório, os encarregados da produção de verveja e
das adegas, enfim, quase poderia ter paralisado a fábrica. Ao ver o panorama,
eu estava sózinho lá no Porto, fui a uma farmácia e pedi que me dessem uma qualquer
dose “cavalar” que me livrasse daquela praga quase faraônica e bíblica. Calça
abaixo, seringa na bunda... livrei-me da praga. O administrador da companhia,
um homem muito simpático, cabelo todo branco, chamou-me e diz-me que tinha dado
ordem para que nada fosse à sua mão sem o meu visto e eventual comentário.
Como é de imaginar eu quis tirar
a dita b... fora, não consegui, e assim durante uns dez dias fui eu o “manda
chuva” técnico. Aprendi mais nesses poucos dias do que nos outros três meses
que ali estive!
O pessoal, todos os
trabalhadores, almoçavam na fábrica e sempre lhes sobrava um tempinho para
relaxarem, sentando-se à volta dum pátio e dando largas à conversa.
Entre esses trabalhadores,
mulheres e homens, havia uma jovem, bonitona, desembaraçada, que atraía os
olhares dos “lobos machistas”, sem que algum se atrevesse a pisar o risco.
Pois, num dos dias em que estava
eu de responsável, um deles “pisou o tal risco” e a mulher em resposta
cuspiu-lhe na cara! Burburinho, o homem quis dar-lhe um tapa, agarra daqui e
dali, enfim, o caso veio parar às minhas mãos. Bem que eles podiam ter esperado
mais uns dias...
Chamei-os, olhei bem na cara
deles, colegas e até amigos havia já uns cinco ou seis anos, vinham
cabisbaixos, e comecei o “discurso”, bem simples:
- Olhem, tenho duas opções para
este problema: eu penso que vocês sempre se respeitaram, mas face ao que se
passou agora e já está feito, e mal feito, uma tremenda falta de disciplina, ou
faço uma comunicação para a administração e vocês apanham no mínimo uns quantos
dias de suspenção, ou então olham bem olhos nos olhos e ambos pedem desculpa ao
outro, não a mim, pelo disparate cometido. Mas nada de fingir que pedem
desculpa, com má cara. Se o fizerem a sério o problema fica aqui resolvido
entre nós.
Caras fechadas, aguardaram uns
momentos, comecei a ver que estava difícil de se encararem, e insisti:
- Não vamos ficar aqui toda a
tarde. Ou, realmente cada um pede desculpa ao outro ou...
Olharam-se, e começaram a achar
graça ao “jogo”!
Primeiro pediram desculpa olhando-se
de soslaio, e eu disse-lhes que assim não valia!
Voltaram a olhar-se, caras mais descontraídas
e acabaram por pedir as necessárias desculpas!
- Vocês são amigos, não são?
- Somos.
- Então não se esqueçam que o
respeito de um pelo outro é fundamental. Um aperto de mão e podem voltar ao
trabalho sabendo que nada aconteceu, nem sequer comentem com os colegas. Isso
nunca aconteceu. E a fábrica (aquilo se dera nos empregados da adega) continua
a funcionar em boa harmonia.
Acabou a «farra» e tudo continuou
sem incidentes.
Muitos, muitos anos depois, ao
ler sobre os inuits – o povo do nordeste do Canadá e Groelândia – e sobre a sua
filosofia de justiça, fiquei maravilhado. Quando alguém comete um crime, qualquer
que seja, é chamado para encarar toda a comunidade. Ali confessa o erro, mostra-se
arrependido e pede desculpa a todos. O “processo” fica resolvido, o “criminoso”
volta à sociedade, sem nunca haver outra condenação. O próprio se sentindo arrependido
e auto-condenado é o suficiente, e nem a comunidade lhe cobra mais
alguma coisa. Passou, passou.
2.000 anos antes já esse sistema tinha sido anunciado! Até o miserável
ladrão, pendurado na cruz, ao mostrar-se arrependido teve a certeza de que
“logo se encontraria no reino dos céus”.
Cristo nunca condenou ninguém. O criminoso tem que se encarar,
arrepender, formular com todo o seu coração, arrependimento e vontade de se
emendar, e assim continuar no meio da sociedade, sem ser segregado.
O veridicto anunciado era o Perdão ! Perdoar a todos, perdoar ao
seu semelhante, aos irmãos.
Como contnua a ser tão difícil perdoar !
Naquele tempo já havia o que continua a ser a maior desgraça da
humanidade: o “chefe”, o “rei”, o que se arrogava, e ainda arroga o direito de
vida e de morte sobre o seu semelhante, e muitas vezes ainda os comiam !
Hoje matam com tiros, bombas, facadas, gases, etc., ou, talvez pior mantendo
bilhões de seres na maior miséria !
Criaram-se leis, sempre ditadas
de cima para baixo, os poderosos com “jurisdição” sobre os mais fracos, e com
isso os castigos, a prisão, a pena de morte, o arbítrio, a violência, o
esmagamento dos mais desfavorecidos, o destroçar dos mais elementares
princípios de humanidade.
Os soldados, derrotados em guerra,
eram degolados ou viravam escravos. Não tinham mais poder algum. Não eram mais
gente, eram peças. Mercadoria.
As leis e os tribunais
“evoluíram”, sempre criando mais leis e mais castigos e pior, transformando-se
em locais de contenda pessoal, quantas vezes da exibição do ego, em que a
promotoria tudo faz para derrotar a defesa, e vice-versa, à custa do miserável
que não cumpriu com as leis “dos de cima”, como se o que estivesse em causa
mais fosse um jogo em que um jogador faz o mais que pode para vencer o outro, e
não procurar a redenção dum ser humano.
Há relativamente pouco tempo o
Canadá decidiu levar a sua “justiça”, a dos homens brancos, lá bem no Norte, para
os inuits. Juiz, promotor e defensor, de avião para os gelos do Norte, montar o
«circo jurídico».
Lá chegados, um julgamento “à
séria”, se o criminoso fosse condenado era levado de avião para prisões no sul.
O que os “meritíssimos” não esperavam era que a comunidade não deixava sair o
avião com o prisioneiro sem que TODOS se fossem, afetuosamente, despedir dele.
O juiz face a esse espetáculo/lição
resolveu que tinha que deixar a comunidade resolver seus próprios problemas,
sem que “invasores”, como ele, pudessem interferir na forma humana como ela
agia.
Agora, no Quebec, cada vez mais
se estudam e adotam os sistemas dos “grandes seres primitivos”, procurando que
os tribunais em vez de serem praças de antagonismo, se transformem em lugares
de conciliação e mútuo entendimento.
Esses “seres primitivos”... como
têm o que nos ensinar! Basta que se consiga meter na cabeça dos homens que
somos todos iguais, que ninguém leva para a cova o que arrecadou a mais, quando
podia tê-lo distribuído ou proporcionado um mais justo, humanitário, equilíbrio
de vida entre todos.
Nas comunidades ‘‘primitivas’’ que
em boa hora se vão expandindo, todos são iguais, todos têm exatamente os mesmos
direitos, e se a comunidade tiver lucro, fruto do seu trabalho, esse é
distribuído igualmente por todos.
Sociedade igualitária? Porque
não?
Difícil!
Há que enterrar a ganância, o lucro absurdo, as abissais diferenças de ganho, por exemplo entre um jogador de futebol que ganha centenas de milhões por mês e um trabalhador que para dar de comer à família muito sua e às vezes não consegue.
Há que enterrar a ganância, o lucro absurdo, as abissais diferenças de ganho, por exemplo entre um jogador de futebol que ganha centenas de milhões por mês e um trabalhador que para dar de comer à família muito sua e às vezes não consegue.
Na Grécia antiga os atletas
recebiam como prémio uma coroa de louros. E batiam-se por ela com mais
entusiasmo do que hoje os animalescos e ferozes lutadores de boxe se esmurram,
por vezes até à morte, para ganhar os tais milhões! E o povo, burro, besta,
ainda pára para ver cenas de extrema brutalidade.
Cada vez mais, a parece que o
homem terá sido o maior erro da Criação, não parece ?
Como perdoar, por exemplo às
centenas de políticos que roubaram trilhões e deixaram o Brasil à beira da
falência ? Como perdoar aos loucos/fanáticos do ISIS que matam só para
matar ? Como perdoar a juízes que engavetam e escondem processos de
criminosos para se venderem ? Como perdoar quase toda a humanidade que vê,
neste momento, 20 milhões de seres a morrerem à fome sabendo que um só dos
foguetes que a Coreia do Norte lança – e já lançou uma dúzia – daria para resolver
grande parte do problema ? Como perdoar os responsáveis por ataques com
armas químicas em cima de crianças e mesmo de militares oponentes ? Como
perdoar aos responsáveis dos países que apregoam a Paz e vendem trilhões de
dólares de armamento... que é feito para matar ?
Solução para este desiquilíbrio
universal?
Um meteoro como o que acabou com
os dinossauros... e começar tudo de novo ?
E, daqui a outros “x” milhões de
anos voltaremos a ter milionários e sempre e cada vez mais pobres !
03/04/2017
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