quarta-feira, 22 de janeiro de 2014




No dia do regicídio


Portugal há muito tempo vinha sendo tomado por ideias revolucionárias e republicanas. A elite pensante discordava abertamente com o rei e a monarquia. Multiplicavam-se as lojas maçónicas, muitas delas secretas, e o Rei, D. Carlos, segundo se dizia à boca cheia, brincava de ditador, e não largava o seu primeiro ministro, João Franco, que os revolucionários haviam já decidido assassinar, e que vivia apavorado.
São muitos, incluindo gente do governo os que atacam o próprio governo, porque as decisões necessárias não se tomavam. Até José Luciano de Castro, que por duas vezes tinha sido presidente do conselho de ministros do próprio rei D. Carlos, através do seu jornal Correio da Noite ataca com violência o rei e o governo.
A voz corrente é que o rei só quer dinheiro, e que chama ao país, que despreza, “a piolheira”! O rei é um ladrão!
Raul Brandão no seu livro “Memórias”, descreve com pequenas notas, a evolução da situação que vai evoluindo para o desastre, e transcreve a apresentação do “projeto” dum diploma que deveria ser publicado no dia do regicídio.
Chegou tarde, e se tivesse sido publicado, mais enfureceria a oposição, e os carbonários, que já tinham tudo preparado para o assassinato cometido nesse dia.

l de Fevereiro de 1908

João Franco responde aos clamores e revolta com o de­creto de hoje
                      
Senhor — São bem conhecidas de Vossa Magestade as ocorrências dos últimos meses em que uma pequena minoria de elementos revolu­cionários e criminosos tem pertinazmente procurado impedir a vida política e representativa, prejudicar o crédito do país, alterar a ordem pública e pôr em perigo a segurança das pessoas e das propriedades.
Imperturbavelmente tem o Governo obedecido ao propósito de limi­tar a acção das medidas de circunstância à esfera restrita da legítima de­fesa social, reduzindo-as ao que, de momento, se tem afigurado absolu­tamente indispensável, sempre na esperança de que a sua publicação fos­se meio preventivo suficiente e constituísse aviso eficaz aos agitadores.
Dessa ordem de ideias derivaram o decreto de 21 de Junho sobre publicações atentatórias da ordem pública, e o de 21 de Novembro, sobre crimes contra a segurança do Estado, das pessoas e das propriedades.
Factos dos últimos dias vieram porém demonstrar que as tentativas e propósitos revolucionários e criminosos, longe de afrouxarem, se têm mantido obstinadamente e agravado a ponto de ser urgente e indis­pensável o rápido afastamento do nosso meio social dos principais di­rigentes e instigadores desta pertinaz conspiração contra a paz pública e a segurança do Estado, antes que perdas lamentáveis de vidas ve­nham acrescentar-se às desgraças já ocasionadas e porventura originar prejuízos irremediáveis ao crédito público e à fortuna nacional.
Há poucos dias ainda o Governo da nação vizinha apresentou às Cortes um projecto de lei que o autoriza a fazer sair do reino por deli­beração do Conselho de Ministros, sobre prévia informação das autori­dades locais, as pessoas que pertençam a associações hostis a ordem so­cial ou que de semelhantes princípios façam propaganda, e, como sejam estes factos muito graves e perigosos, seguramente não o são mais, nem podem ter mais larga, profunda e nociva repercussão em toda a vida nacional, que os tramas e atentados para mudar violenta e criminosa­mente a forma do governo do Estado.
Nessa ordem de ideias, procuramos com o presente diploma habili­tar também o Governo com a faculdade de expulsar do reino ou fazer transportar para uma província Ultramarina aqueles que, uma vez re­conhecidos culpados pela autoridade judicial competente, importe à se­gurança do Estado, tranquilidade pública e interesses gerais da Nação, afastar sem mais delongas do meio em que se mostraram e tornaram perigosa e contumazmente incompatíveis.
Não podem por igual gozar de imunidades parlamentares aqueles que contra a segurança do próprio Estado se manifestam, ou que como inimigos da sociedade se apresentem?
Tais são, Senhor, as principais disposições do diploma que temos a honra honra de submeter à apreciação de Vossa Majestade.
Paço, em 31 de Janeiro de 1908. João Ferreira Franco Pinto Castelo Bran­co – António José Teixeira de Abreu – Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho – António Carlos Coelho de Vasconcelos Porta – Aires de Or­nelas de Vasconcelos Luciano Afonso da Silva Monteiro – José Malheiro Reimão.”

Em 3 de Fevereiro, escreve ainda Raul Brandão:
“Venho agora de Lisboa e – caso curioso – a impressão geral é de alívio. Respira-se. Estava muita gente no grupo: o João Barreira, o Armando Navarro, o Rangel de Lima, o António Arroio, o Columbano, o Maximiliano de Azevedo, e todos concordaram em que o rei era mau e quase glorificaram os homens que o assassinaram.
- Era um pulha, um pulha e um doido. Era ele que escrevia cartas anónimas à própria mulher – afirma o João Barreira.
- Foi um grande exemplo e uma tremenda lição.
- Se escapa tinhamos aí uma ditadura feroz. Era capaz de tudo!
Só Manuel Ramos, obstinado e cego, teima:
- A memória do rei há-de ser reabilitada.”


22/01/2014

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