No dia do regicídio
Portugal há
muito tempo vinha sendo tomado por ideias revolucionárias e republicanas. A
elite pensante discordava abertamente com o rei e a monarquia. Multiplicavam-se
as lojas maçónicas, muitas delas secretas, e o Rei, D. Carlos, segundo se dizia
à boca cheia, brincava de ditador, e
não largava o seu primeiro ministro, João Franco, que os revolucionários haviam
já decidido assassinar, e que vivia apavorado.
São muitos,
incluindo gente do governo os que atacam o próprio governo, porque as decisões
necessárias não se tomavam. Até José Luciano de Castro, que por duas vezes
tinha sido presidente do conselho de ministros do próprio rei D. Carlos, através
do seu jornal Correio da Noite ataca com
violência o rei e o governo.
A voz
corrente é que o rei só quer dinheiro, e
que chama ao país, que despreza, “a piolheira”! O rei é um ladrão!
Raul Brandão
no seu livro “Memórias”, descreve com
pequenas notas, a evolução da situação que vai evoluindo para o desastre, e
transcreve a apresentação do “projeto” dum diploma que deveria ser publicado no
dia do regicídio.
Chegou tarde,
e se tivesse sido publicado, mais enfureceria a oposição, e os carbonários, que
já tinham tudo preparado para o assassinato cometido nesse dia.
“l de Fevereiro de 1908
João Franco responde
aos clamores e revolta com o decreto de hoje
Senhor — São
bem conhecidas de Vossa Magestade as ocorrências dos últimos meses em que uma
pequena minoria de elementos revolucionários e criminosos tem pertinazmente
procurado impedir a vida política e representativa, prejudicar o crédito do
país, alterar a ordem pública e pôr em perigo a segurança das pessoas e das
propriedades.
Imperturbavelmente
tem o Governo obedecido ao propósito de limitar a acção das medidas de
circunstância à esfera restrita da legítima defesa social, reduzindo-as ao
que, de momento, se tem afigurado absolutamente indispensável, sempre na
esperança de que a sua publicação fosse meio preventivo suficiente e
constituísse aviso eficaz aos agitadores.
Dessa ordem de ideias derivaram o
decreto de 21 de Junho sobre publicações atentatórias da ordem pública, e o de
21 de Novembro, sobre crimes contra a segurança do Estado, das pessoas e das
propriedades.
Factos dos últimos dias vieram
porém demonstrar que as tentativas e propósitos revolucionários e criminosos,
longe de afrouxarem, se têm mantido obstinadamente e agravado a ponto de ser
urgente e indispensável o rápido afastamento do nosso meio social dos
principais dirigentes e instigadores desta pertinaz conspiração contra a paz
pública e a segurança do Estado, antes que perdas lamentáveis de vidas venham
acrescentar-se às desgraças já ocasionadas e porventura originar prejuízos
irremediáveis ao crédito público e à fortuna nacional.
Há poucos dias ainda o Governo da
nação vizinha apresentou às Cortes um projecto de lei que o autoriza a fazer
sair do reino por deliberação do Conselho de Ministros, sobre prévia
informação das autoridades locais, as pessoas que pertençam a associações
hostis a ordem social ou que de semelhantes princípios façam propaganda, e,
como sejam estes factos muito graves e perigosos, seguramente não o são mais,
nem podem ter mais larga, profunda e nociva repercussão em toda a vida
nacional, que os tramas e atentados para mudar violenta e criminosamente a
forma do governo do Estado.
Nessa ordem de ideias, procuramos
com o presente diploma habilitar também o Governo com a faculdade de expulsar
do reino ou fazer transportar para uma província Ultramarina aqueles que, uma
vez reconhecidos culpados pela autoridade judicial competente, importe à segurança
do Estado, tranquilidade pública e interesses gerais da Nação, afastar sem mais
delongas do meio em que se mostraram e tornaram perigosa e contumazmente
incompatíveis.
Não podem por igual gozar de
imunidades parlamentares aqueles que contra a segurança do próprio Estado se
manifestam, ou que como inimigos da sociedade se apresentem?
Tais são, Senhor, as principais
disposições do diploma que temos a honra honra de submeter à apreciação de Vossa
Majestade.
Paço, em 31 de Janeiro de 1908. João
Ferreira Franco Pinto Castelo Branco – António José Teixeira de Abreu – Fernando
Augusto Miranda Martins de Carvalho – António Carlos Coelho de Vasconcelos
Porta – Aires de Ornelas de Vasconcelos – Luciano Afonso da Silva
Monteiro – José Malheiro Reimão.”
Em 3 de
Fevereiro, escreve ainda Raul Brandão:
“Venho
agora de Lisboa e – caso curioso – a impressão geral é de alívio. Respira-se.
Estava muita gente no grupo: o João Barreira, o Armando Navarro, o Rangel de
Lima, o António Arroio, o Columbano, o Maximiliano de Azevedo, e todos
concordaram em que o rei era mau e quase glorificaram os homens que o
assassinaram.
- Era
um pulha, um pulha e um doido. Era ele que escrevia cartas anónimas à própria
mulher – afirma o João Barreira.
- Foi um
grande exemplo e uma tremenda lição.
- Se
escapa tinhamos aí uma ditadura feroz. Era capaz de tudo!
Só
Manuel Ramos, obstinado e cego, teima:
- A
memória do rei há-de ser reabilitada.”
22/01/2014
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