ELOGIO DE ÉVORA
Por
Manuel Severim de Faria (1583-1655)
No meio da Província
de Alentejo está situada a Cidade de Évora, em um posto tão eminente que fica
senhoreando os campos que a cercam por toda a parte, até pararem em quatro
serras com que a natureza em larga distância a cercou, quase como um muro. Da
parte do Oriente a serra de Ossa, do Meio dia a de Portel e Viana, do Norte a
de Arraiolos, e do Ocidente a de Montemuro. É este sítio tão agradável à vista,
que aos de Itália lhe pareceu que era Roma; e aos de Castela, o seu Madrid e
Toledo.
Évora no Foral de
1503 (No alto a Catedral)
Esta é aquela cidade,
que sendo fundada por Elisa, primeiro povoador de Espanha, tem sustentado por
tantos séculos o mesmo nome e lugar, quando das Metrópoles das maiores
Monarquias não se sabem já os vestígios donde foram. A fama deste sítio trouxe
a si da Gália os Celtas, a quem admitindo os Eborenses por cidadãos os
dividiram depois por as Províncias vizinhas, reconhecendo-se sempre por
colónias suas todos os Celtiberos de Espanha. Esta é a cidade, a cuja vista
Viriato levantou os primeiros trofeus dos desbaratados exércitos Romanos; e
Sertório edificou os muros, aquedutos, e fábricas Coríntias dos despojos
daquele povo, que foi vencedor do mundo, adquiridos com os soldados Eborenses,
e que ainda hoje permanecem testemunhos de tamanha glória. Este é o lugar em
cujo nome quis o primeiro Imperador de Roma, que ficasse eternizada a memória
de sua liberalidade. Esta foi a cidade que primeiro ouviu as alegres novas do Evangelho,
e dela, como de Sede própria, as recebeu por S. Mancio toda a Lusitânia. Esta
foi o propugnáculo dos Reis Godos contra o Império. E naquela grande ruína
última de Espanha, posto que se submeteu ao poder dos Árabes, ainda depois de
rendida se temeram tanto dela, que levaram a principal parte de seus moradores
a Marrocos, cabeça de sua Monarquia, onde os Eborenses fundaram outro lugar,
com o nome da mesma pátria, em que conservaram a Fé e a liberdade por muitos
séculos, até que no tempo del Rei Dom João I se tornaram a Espanha.
Nenhuma força pode recuperar esta
inexpugnável fortaleza; e assim foi só restituída pela indústria intrépida de
Giraldo, Ilustre Cavaleiro, que com ela deu aos Reis Portugueses a maior parte
da Lusitânia. Esta foi a primeira em defender a liberdade de Espanha, naquela
milagrosa batalha do triunfo da Cruz, onde seus moradores se houveram com tanto
valor, que a mesma Cruz lhe ficou por prémio em perpétua memória de tão
glorioso triunfo. Na conservação da liberdade Portuguesa foi ela a primeira
que serviu a el Rei Dom João I depois que intentou a defensão do Reino. Aqui
foi a praça de armas do Condestável, com cujos moradores alcançou tantas
vitórias. Aqui permanece a primeira Igreja de Espanha, ilustrada com tantos
Santos, e gravíssimos Prelados. Esta foi a pátria de tantos varões insignes em
letras, onde florescem todas as ciências divinas e humanas. Esta é aquela que
produziu a Real planta da senhora Infanta Dona Catarina; donde refloresceu com
maior felicidade a nossa Monarquia. Esta foi a primeira que teve valor para desprezar
o poder da Monarquia Castelhana, a cujo exemplo deve Catalunha a conservação de
seus foros, e Portugal sua honrosa e amada liberdade. E finalmente Évora é a
que, com a restauração de seu Rei, e natural Senhor tem descoberto outro novo
mundo a todas as Províncias de Europa.
Armas da cidade de Évora
VIDA DE MANUEL SEVERIM DE FARIA
Escrita pelo
adicionador (Pe. José Barbosa, na 2ª edição de “Notícias de Portugal” em 1740)
Entre os grandes
homens de que Lisboa tem glória de ter sido Pátria, foi um Manuel Severim de
Faria, que teve por Pais a Gaspar Gil Severim, Executor Mor do Reino, e
Escrivão da Fazenda Real, e sua mulher Dona Juliana de Faria. Não pude
descobrir o dia em que veio à luz do Mundo, mas pela idade em que faleceu,
devia ser o ano do seu nascimento o de 1581 ou 82*. Sendo ainda menino foi para
Évora assistir em casa do seu tio Baltazar de Faria Severim, Chantre que era
daquela antiga e ilustre Catedral. Aprendeu em Évora Filosofia, e Teologia, em
que fez progressos tão grandes, que em ambas estas Faculdades tomou grau.
Vendo-o o tio já capaz, não menos pelos anos, que pelas letras, de lhe suceder
no Chanfrado, o renunciou nele em 16 de Setembro de 1609 e depois de lhe dar
posse, se recolheu ao Convento da Cartuxa da mesma Cidade, aonde, professando
com o nome de D. Basílio, deixou de seus estudos e virtudes igual memória. Não
se esqueceu Manuel Severim de Faria com a nova Dignidade do que estudara, como
muitas vezes sucede; mas procurando adiantar-se cada vez mais em todo o género
de Ciências, se aplicou à lição da Sagrada Escritura, da Teologia Mística, da
História, da Política, da Geografia, e das Antiguidades Romanas, e Portuguesas,
em que foi insigne. A maior parte do rendimento daquele pingue benefício
converteu em livros, de que juntou uma grande cópia, não só estimável pelo
número, como pela qualidade, pois além de alguns, a que a raridade dos
exemplares fazia preciosos, se achavam naquela célebre Livraria alguns Volumes
escritos no Papiro do Egipto, outros em folhas de palmas com pena de ferro, a
que chamam astilo, e entre eles as obras de Frei Luís de Granada
traduzidas na língua do Japão. A sua generosa e conhecida curiosidade o fez
Senhor de um tesouro de moedas Romanas e Portuguesas, pois como se lê em algumas
das suas obras, eram tantas as que se lhe levavam, que parece que a terra se
desentranhava para o enriquecer. Conservou grande número de vasos, e outras
relíquias da grandeza Romana, de que formou um Museu digno de um Príncipe; mas
por sua morte desapareceu de maneira que dele não há mais que uma lastimosa
tradição. Tendo renunciado em outro Sobrinho sendo do mesmo nome o Chanfrado de
Évora, depois de uma dilatada enfermidade de icterícia faleceu naquela Cidade
em 16 de Dezembro de 1655 em idade de setenta e dois anos. Foi de boa
estatura, muito corpulento, olhos azuis, naturalmente descorado, mas de
agradável presença. O seu Cadáver foi levado com a maior pompa que se pode
considerar, porque além das Comunidades Religiosas, da Cleresia, e Confrarias
da Cidade, concorreu toda a Nobreza, e Povo, porque de todos era igualmente
benquisto, e respeitado. Deu-se-lhe sepultura em um dos ângulos do cemitério da
Cartuxa, e sobre a campa, em que estão abertas as Armas dos Severins e Farias,
se lê esta inscrição:
Manoel Severim de Faria Chantre e
Cónego da Sé de Évora, elegeo para si esta Sepultura,
assim por sua
devoção, como por estar nella o Corpo do P. D. Basilio de Faria seu Tio,
que falleceo sendo
Prior deste Convento a 5 de Abril de 1625.
Notas:
* - Terá nascido, em Lisboa, em 1583
- O palácio
onde viveu, na Rua das Portas de Moura, o edifício contiguo à Casa Cordovil,
encontrava-se, há pouco tempo (e agora?) em estado de abandono.
12/01/2014
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