domingo, 12 de janeiro de 2014



ELOGIO DE ÉVORA


Por Manuel Severim de Faria (1583-1655)

No meio da Província de Alentejo está situada a Cidade de Évora, em um posto tão eminente que fica senhoreando os campos que a cercam por toda a parte, até pararem em quatro serras com que a natureza em larga dis­tância a cercou, quase como um muro. Da parte do Oriente a serra de Ossa, do Meio dia a de Portel e Viana, do Norte a de Arraiolos, e do Ocidente a de Montemuro. É este sítio tão agradável à vista, que aos de Itália lhe pareceu que era Roma; e aos de Castela, o seu Madrid e Toledo.

Évora no Foral de 1503 (No alto a Catedral)

Esta é aquela cida­de, que sendo fundada por Elisa, primeiro povoador de Espanha, tem susten­tado por tantos séculos o mesmo nome e lugar, quando das Metrópoles das maiores Monarquias não se sabem já os vestígios donde foram. A fama deste sítio trouxe a si da Gália os Celtas, a quem admitindo os Eborenses por cidadãos os dividiram depois por as Províncias vizinhas, reconhecendo-se sempre por colónias suas todos os Celtiberos de Espanha. Esta é a cidade, a cuja vista Viriato levantou os primeiros trofeus dos desbaratados exércitos Romanos; e Sertório edificou os muros, aquedutos, e fábricas Coríntias dos despojos daquele povo, que foi vencedor do mundo, adquiridos com os sol­dados Eborenses, e que ainda hoje permanecem testemunhos de tamanha glória. Este é o lugar em cujo nome quis o primeiro Imperador de Roma, que ficasse eternizada a memória de sua liberalidade. Esta foi a cidade que primeiro ouviu as alegres novas do Evangelho, e dela, como de Sede própria, as recebeu por S. Mancio toda a Lusitânia. Esta foi o propugnáculo dos Reis Godos contra o Império. E naquela grande ruína última de Espanha, posto que se submeteu ao poder dos Árabes, ainda depois de rendida se temeram tanto dela, que levaram a principal parte de seus moradores a Marrocos, cabeça de sua Monarquia, onde os Eborenses fundaram outro lugar, com o nome da mesma pátria, em que conservaram a Fé e a liberdade por muitos séculos, até que no tempo del Rei Dom João I se tornaram a Espanha.
Nenhuma força pode recuperar esta inexpugnável fortaleza; e assim foi só restituída pela indústria intrépida de Giraldo, Ilustre Cavaleiro, que com ela deu aos Reis Portugueses a maior parte da Lusitânia. Esta foi a primeira em defender a liberdade de Espanha, naquela milagrosa batalha do triunfo da Cruz, onde seus moradores se houveram com tanto valor, que a mesma Cruz lhe ficou por prémio em perpétua memória de tão glorioso triunfo. Na con­servação da liberdade Portuguesa foi ela a primeira que serviu a el Rei Dom João I depois que intentou a defensão do Reino. Aqui foi a praça de armas do Condestável, com cujos moradores alcançou tantas vitórias. Aqui perma­nece a primeira Igreja de Espanha, ilustrada com tantos Santos, e gravís­simos Prelados. Esta foi a pátria de tantos varões insignes em letras, onde florescem todas as ciências divinas e humanas. Esta é aquela que produziu a Real planta da senhora Infanta Dona Catarina; donde refloresceu com maior felicidade a nossa Monarquia. Esta foi a primeira que teve valor para des­prezar o poder da Monarquia Castelhana, a cujo exemplo deve Catalunha a conservação de seus foros, e Portugal sua honrosa e amada liberdade. E finalmente Évora é a que, com a restauração de seu Rei, e natural Senhor tem descoberto outro novo mundo a todas as Províncias de Europa.


Armas da cidade de Évora


VIDA DE MANUEL SEVERIM DE FARIA
Escrita pelo adicionador (Pe. José Barbosa, na 2ª edição de “Notícias de Portugal” em 1740)

Entre os grandes homens de que Lisboa tem glória de ter sido Pátria, foi um Manuel Severim de Faria, que teve por Pais a Gaspar Gil Severim, Exe­cutor Mor do Reino, e Escrivão da Fazenda Real, e sua mulher Dona Juliana de Faria. Não pude descobrir o dia em que veio à luz do Mundo, mas pela idade em que faleceu, devia ser o ano do seu nascimento o de 1581 ou 82*. Sendo ainda menino foi para Évora assistir em casa do seu tio Baltazar de Faria Severim, Chantre que era daquela antiga e ilustre Catedral. Aprendeu em Évora Filosofia, e Teologia, em que fez progressos tão grandes, que em ambas estas Faculdades tomou grau. Vendo-o o tio já capaz, não menos pelos anos, que pelas letras, de lhe suceder no Chanfrado, o renunciou nele em 16 de Setembro de 1609 e depois de lhe dar posse, se recolheu ao Con­vento da Cartuxa da mesma Cidade, aonde, professando com o nome de D. Basílio, deixou de seus estudos e virtudes igual memória. Não se esque­ceu Manuel Severim de Faria com a nova Dignidade do que estudara, como muitas vezes sucede; mas procurando adiantar-se cada vez mais em todo o género de Ciências, se aplicou à lição da Sagrada Escritura, da Teologia Mística, da História, da Política, da Geografia, e das Antiguidades Romanas, e Portuguesas, em que foi insigne. A maior parte do rendimento daquele pingue benefício converteu em livros, de que juntou uma grande cópia, não só estimável pelo número, como pela qualidade, pois além de alguns, a que a raridade dos exemplares fazia preciosos, se achavam naquela célebre Livra­ria alguns Volumes escritos no Papiro do Egipto, outros em folhas de palmas com pena de ferro, a que chamam astilo, e entre eles as obras de Frei Luís de Granada traduzidas na língua do Japão. A sua generosa e conhecida curiosi­dade o fez Senhor de um tesouro de moedas Romanas e Portuguesas, pois como se lê em algumas das suas obras, eram tantas as que se lhe levavam, que parece que a terra se desentranhava para o enriquecer. Conservou grande número de vasos, e outras relíquias da grandeza Romana, de que formou um Museu digno de um Príncipe; mas por sua morte desapareceu de maneira que dele não há mais que uma lastimosa tradição. Tendo renunciado em outro Sobrinho sendo do mesmo nome o Chanfrado de Évora, depois de uma dilatada enfermidade de icterícia faleceu naquela Cidade em 16 de Dezem­bro de 1655 em idade de setenta e dois anos. Foi de boa estatura, muito cor­pulento, olhos azuis, naturalmente descorado, mas de agradável presença. O seu Cadáver foi levado com a maior pompa que se pode considerar, porque além das Comunidades Religiosas, da Cleresia, e Confrarias da Cidade, con­correu toda a Nobreza, e Povo, porque de todos era igualmente benquisto, e respeitado. Deu-se-lhe sepultura em um dos ângulos do cemitério da Cartu­xa, e sobre a campa, em que estão abertas as Armas dos Severins e Farias, se lê esta inscrição:

Manoel Severim de Faria Chantre e Cónego da Sé de Évora, elegeo para si esta Sepultura,
assim por sua devoção, como por estar nella o Corpo do P. D. Basilio de Faria seu Tio,
que falleceo sendo Prior deste Convento a 5 de Abril de 1625.

Notas:
* - Terá nascido, em Lisboa, em 1583
- O palácio onde viveu, na Rua das Portas de Moura, o edifício contiguo à Casa Cordovil, encontrava-se, há pouco tempo (e agora?) em estado de abandono.


12/01/2014

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