sexta-feira, 31 de janeiro de 2014




O axioma de Garrincha

e outros axiomas

Axioma vem do grego: o que merece, ou princípio evidente.
1.- Garrincha. Escreve hoje no jornal “O Globo” o jornalista Aydano André Mota um passagem sensacional da vida brasileira:
Entre as lendas do futebol brasileiro uma das mais famosas tem como cenário a preparação da seleção para a Copa de 1958. Vicente Feola, o técnico, treinava jogadas para a partida de estreia, contra a União Soviética, quando ocorreu uma pergunta de Garrincha, diante do trabalho minucioso, interrompido a todo o instante para correções nas posições de todos:”Mas a gente já combinou isso com os russos?” Na sua simplicidade quase inacreditável, o supercraque entendia que, para os lances sairem daquele jeito, os adversários teriam de se comportar da maneira que os reservas faziam na simulação artificial. Ou então, toda aquela ralação serviria para nada!
Grande Garrincha, a verdade da simplicidade a subir à tona!

2.- O tempo e o aquecimento. Se não é global, de certeza é tropical, mais detalhadamente carioca! Há um mês que estamos entre os 38 e 41°C - com sensação térmica que chega aos 53° - e as previsões são que vai continuar assim; o mar sentiu-se e de que maneira: mais de uma semana com água a 30° provocou um desastre jamais por aqui visto, com a mortandade de bilhões de algas. Veja a foto, tirada pelo satélite:

3.- Musée d’Orsay. Visita obrigatória para quem vai a Paris. Infelizmente há muitos anos que lá não vou, ali onde me deixava seduzir por peças indiscritveis. Uma delas, que nem sempre está exposta é Femme piquée par un serpent, de Auguste Clésinger (1814-1883), executada em 1847, de que o próprio Museu faz o seguinte comentário:



Este mármore foi, com os “Romanos em decadência” de Thomas Couture, a obra mais admirada do salão de 1847, sendo objeto dum duplo escândalo, artístico e mundano. Para esta imagem sugestiva de uma mulher nua, retorcendo-se sob a mordida da serpente simbólica enrolada em torno de seu pulso, Clesinger, como em testemunha da celulite da parte superior das coxas e transcrito em mármore, tinha usado uma moldagem direta sobre o corpo duma Demi-Mondaine, Apollonie Sabatier, (1822-1890). Musa de Baudelaire, beleza parisiense dona de um salão de beleza, que os amigos chamavam “A Presidente”, assim ofereceu um sucesso inesperado a Clesinger.
O uso direto da natureza para o molde de uma escultura foi violentamente contestado no século XIX, induzindo a falta de trabalho e probidade do artista. Clesinger mantinha cuidadosamente excelentes relações com Théophile Gautier, que orquestrou o escândalo. Para Delacroix, aquilo não se tratava mais do que um daguerreotype em escultura. Assim as formas generosas cujo realismo chocou o puritanismo do público da exposição, estão associados a elementos mais convencionais: rosto idealizado menos expressivo, uma base coberta de flores como o bronze de um pêndulo, “Femme piquée par un serpent” é o exemplo perfeito de ecletismo na escultura. Quanto ao motivo do corpo abandonado ele foi largamente retomado até ao fim do século.

4.- Viagens da madama. A dilminha quiz ir a Lisboa. Nada de mal. Mas fez às escondidas. Tudo de mal. E nós pagamos por uma noitinha da dilminha na suite presidencial no Ritz, mais do que eu recebo durante dois – 2 – anos de aposentadoria!
Mas ela sérinha diz que pagou o jantar dela. Ah! Bom. Melhorou. Mas agora imaginem se a esta Presidenta também lhe fizessem um molde em gesso! Onde será que ela esconderia o papázinho?????

5.- Presidente do Supremo Tribunal Federal. O ministro Joaquim Barbosa, hoje venerado e respeitado pelos brasileiros, foi de férias, pela Europa. Deu palestras e entrevistas, e por fim regressou ao Brasil. Veio num voo da TAM... em classe turística, descontraído, sem gravata. Um senhor. E o Comandante não quis perder a oportunidade de se fotografar ao seu lado.


Deus seja louvado. Ainda há gente boa.


31/01/2014

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014



As “primaveras” do Mundo


Começaram há pouco as “primaveras” no mundo árabe e em vez do desabrochar duma vida nova, mais decente e livre para aqueles povos, só ontem a Tunísia deu, com grande sufoco, o primeiro passo. E foi um passo enorme. Que Alá os proteja.
Sobre a Líbia paira o espectro da continuação de guerra civil, o Egito parece que vai demorar mais tempo a establizar-se do que as pirâmides a desmoronarem e, na Síria, de entrada o mundo aplaudiu os revoltosos e esconjurou o Bashar que agora pensa até em apoiá-lo, sabendo que o Al-Qaeda já tomou conta da parte mais rica do país, o norte, onde estão os poços de petróleo, obrigando o tal Bashar a negociar com eles!
E com a aproximação dos EUA com o Irão, o mundo sunita tremeu de medo, decidiu formar um exército unificado, e continua a sair dinheiro para as mais estranhas e opostas situações: por um lado os sauditas, de onde saiu a Al-Qaeda, simplesmente odeiam o estado monárquico, e para não caírem do cavalo, os “nobres” enchem de dinheiro os oposionistas que aguardam o momento para transformar a Arábia em mais um estado teocrático, e entretanto vão espalhando madraças pelo mundo todo, incetivando os “irmandades muçulmanas” e a “Jihad”. Ao mesmo tempo financiam os generais egípcios, ferozes adversários dos tais “irmãos”, sem deixar de mandar dinheiro também para estes.
O chamado equilíbrio desiquilibrado, cujo tombo parece prever-se, mas não se imagina quando.
Outra primavera infernal atinge agora a Ucrânia, encravada e sob a pata dos sovietes (os mesmos que foram da KGB), a quem está a ser negada a sua liberdade.
País, povo sofrido, que só se tornou uma “república”, satélite da URSS, em 1922, para, teoricamente adquirir independência em 1991, após o colapso (?) bolchevique.
Mais um país com fronteiras feitas a martelo, diferentes línguas, ucraniana e russa, uma região industrial que desenvolvida pela URSS e a área agrícola, onde os mesmos bolcheviques praticaram o que deve ser sido o maior genocídio de toda a história da humanidade, conhecido pelo genocídio de Holodomor.
Nem Mao, nem Hitler conseguiram dizimar tanta gente!
Não faz muito tempo. Foi no início dos anos trinta do século passado, e o povo, o que sobrou, não esqueceu, nem jamais pode esquecer, o assassinato consentido, determinado, de muitos milhões de ucranianos por ordem do soviete supremo, na altura sob a ferocidade do famigerado Iossif Vissarionovitch Djugashvili, o Stalin de triste, tristissima, asquerosa, memória.
Depois de lhes nacionalizarem as terras, roubado gado e máquinas, deixaram-nos morrer ou de fome porque lhes confiscaram até 90% dos alimentos que produziram, ou assassinados, fuzilados, enviados para a Sibéria, etc., não se sabe ao certo quantos, mas os historiadores calculam que tenham sido entre 4 a10 ou mais milhões. Além das duas ondas de expurgos (1929-1934 e 1936-1938) que resultaram na eliminação de quatro-quintos da elite cultural da Ucrânia.



Como é de se esperar, esta parte do povo ucraniano, e os ucranianos natos são 78% da população, não “engole” a Rússia, nem jamais vai aceitar de bom grado, uma vez mais, a pata do urso nas suas cabeças. Ao mesmo tempo há a população da parte oriental, de língua russa, sendo ucraniana – os russos são 17% da população total – que vive da indústria, da exploração de carvão, etc., e aceita a tutela. Um país dividido, onde jamais o bom entendimento vai acontecer.
Além de mais a Rússia não largará mão das suas bases navais no Mar Negro.
E como complicador  – ? – final, a principal igreja da Ucrânia é a Ortodoxa Ucraniana vinculada ao Patriarcado de Moscou, com 7.540 paróquias, mas só com 27% dos cristãos, e a segunda, Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev, com 1.977 paróquias congregando 55% dos cristãos.
E todos sabem que quando a religião entra nestes problemas de cidadania, independência, etc., o seu peso é grande, porque a fé do povo tem muita força.
Assunto a acompanhar e, quem sabe, ver surgir mais um país na Europa.

Pergunta final: como é possível que ainda haja idiotas que se dizem, ou são, comunistas? Tais como as donas madamas e os donos do Brasil que financiam – pagam; pagam mesmo, não é empréstimo, e com dinheiro do povo brasileiro – um porto de mar em Cuba, vão lá para o inaugurar e beijar a mão ao fidelissimo!
Doença mortal e incurável.

29/01/2014


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014




Os Impérios e a República no Brasil


Há, caminhando e destruindo-se por todo este planeta, um animal estranho, bizarro, mau, incurável, ganancioso e... estúpido! A esse conjunto de seres heteróclitos, convencionou-se chamar humanos!
E quando, hoje, somando cerca de sete bilhões sobre a Terra, sabendo-se que somente oitenta e cinco deles acumulam uma fortuna igual a metade da população mundial, não há necessidade de dizer ao mais ignorante que está tudo errado.
Mas não é de agora. É de sempre, só que piora com o tempo e em progressão quase logarítmica.
E sempre a ganância e o ego a dominar.
Portugal, pequenino, deu novos mundos ao mundo e, de repente chegou a ser o centro de distribuição das riquezas que vinham da Índia, do Oriente. Os navios, as naus, carregavam pouco, porque eram só de 400 toneladas. A ganância cresceu e, contra a opinião dos grandes mestres construtores começaram a construir-se naus de 800 e 900 toneladas, que embarcavam, para a Índia, entre 700 a 800 soldados. Tanta gente, tanto tempo de mar e climas “doentios” o desastre era evidente: morriam quase metade, e os que chegavam. acabam muitos também, por agonizar em terra. Mas o regresso era pior. Além da carga comercial, carregavam essas naus com tudo que se possa imaginar: caixas e mais caixas com roupas, louças e inúmeras outras coisas, e tantas eram que por vezes, amontoadas nos convéses chegavam a ficar com mais altura do que o Castelo de Popa. As embarcações levavam muita pancada pelo mar, abriam água, jogava-se tudo borda fora, e assim mesmo, em 1591 e 92, das vinte e duas que saíram da Índia só duas chegaram a Lisboa!
Gente idiota.
Surge a Monarquia no Brasil e, quando em Portugal, segundo Pedro Calmon, para fazer um conde demorava quinhentos anos, no Brasil eram só quinhentos contos!
De 1815 a 1899 foram distribuídos, aliás vendidos, 1400 títulos de nobreza a fazendeiros, militares, comerciantes, traficantes de escravos, etc. Só entre 1888 e o fim na Monarquia, em 1889, foram 155!
E veio a República; mas continuavam a existir idiotas que queriam títulos de nobreza. A República não os dava já, mas Portugal continuou a “exportá-los”, e a seguir um novo filão foi descoberto e os títulos fluíam com mais facilidade: compravam-se ao Vaticano mediante pagamento a uma obra da Igreja. E apareceram mais condes e viscondes...
Gente idiota.
A República andou aos tombos muitos anos, o país cheio de guerras civis, até que Getúlio Vargas veio dar um pouco de paz, com a sua mão de ferro, a sua ditadura. E o país começou a crescer com mais segurança.
Acaba Getúlio e volta a democracia. Constroi-se Brasília a um custo exorbitante e endividamento paralelo, entra Janio Quadros que se julga capaz de blefar com o povo que o ignora, deixando o país na mão de pseudo esquerdistas, gananciosos pelo poder.
E é Jango que, incapaz de governar, liderar, se deixa arrastar para o desastre dos extremistas que orientados pelos sovietes, começam a desestabilizar todos os setores da vida nacional: indústria e sobretudo as Forças Armadas, permitindo-se que cabos e sargentos dessem ordens a generais e almirantes.
Gente mal intencionada.
Não durou muito. Os generais deram-lhes o fora, e instalou-se um governo duro, duro demais, porque a sovietização caminhava com força e poder. Os generais não são para governar, mais ainda os desse tempo que só aprendiam como lutar, guerrear, e foi assim que conduziram o país durante vinte anos. Não havia necessidade de terem feito tanta repressão. Dizem que nesses vinte anos morreram, alguns torturados, 400 indivíduos (incluindo os mortos pelos “terroristas?”).
Gente dura!
Daqui a pouco o atual des-governo vai celebrar os cinquenta anos do “fim da democracia” e a entrada da ditadura, e os trinta do fim desta, enchendo o país de elogios a terroristas, distorcendo a história, sonegando os crimes que os revoltosos cometeram, entre os quais assassinatos de colegas que se queriam retirar da luta!
Um dos que deve ser quase santificado, e elevado a herói nacional será Carlos Marighella que escreveu o Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano, ainda hoje usado em todo o mundo, e que foi traduzido em inúmeras línguas e continua em inúmeros mortos. Estranho que Marighella, comunista de carteirinha desde os dezoito anos, morre aos cinquenta, segundo se diz emboscado pelas forças do governo, mas só depois de se ter desligado do Partido Comunista.
Filmes, livros, programas de tv, vão inundar o mercado enaltecendo esses comunistas que tentaram destruir o país, e a corja que hoje se apoderou dele e o tem saqueado. Estes conhecem o Manual de cor, mas transformaram a Guerrilha Urbana em algo muito mais proveitoso: o saque generalizado, a impunidade, as prisões de mentirinha para os condenados e a perpetuação no poder e no acesso irrestrito aos bens públicos.
É com estas “festividades” que vai fazer a cabeça dos “ocos votantes”.
Gente maldosa e gananciosa.
Também vão esquecer-se de dizer que o maior crescimento do Brasil se deu durante a gestão militar, e que tanto com o “louvado” João Goulart, o Jango, quanto com o des-governo do PT foram os piores da história. Pelo quadro abaixo vê-se bem o desastre da gestão pré ditadura de 1961 a 1964, em 1990 a estupidez do playboy chamado Collor e desde 2002 o atual.
Gente mentirosa.



Compreende-se melhor o clima de 1964 com a leitura deste documento:

Ministério da Guerra
Estado-Maior do Exército

Rio, 20 de março de 1964

Do Gen. Exército Humberto de Alencar Castello Branco, Chefe do Estado-Maior do Exército

Aos Exmos Generais e demais militares do Estado-Maior do Exército e das organizações subordinadas

Compreendendo a intranqüilidade e as indagações de meus subordinados nos dias subseqüentes ao comício de 13 do corrente mês. Sei que não se expressam somente no Estado-Maior do Exército e nos setores que lhe são dependentes, mas também na tropa, nas demais organizações e nas duas outras corporações militares. Delas participo e elas já foram motivo de uma conferência minha com o Excelentíssimo Senhor Ministro da Guerra.
São evidentes duas ameaças: o advento de uma constituinte como caminho para a consecução das reformas de base e o desencadeamento em maior escala de agitações generalizadas do ilegal poder do CGT. As Forças Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos.
Para o entendimento do assunto, há necessidade de algumas considerações preliminares.
Os meios militares nacionais e permanentes não são propriamente para defender programas de Governo, muito menos a sua propaganda, mas para garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento e a aplicação da lei.
Não estão instituídos para declararem solidariedade a este ou àquele poder. Se lhes fosse permitida a faculdade de solidarizarem-se com programas, movimentos políticos ou detentores de altos cargos, haveria, necessariamente, o direito de também se oporem a uns e a outros.
Relativamente à doutrina que admite o seu emprego como força de pressão contra um dos poderes, é lógico que também seria admissível voltá-la contra qualquer um deles.
Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos anti-democráticos. Destinam-se a garantir os poderes constitucionais e a sua coexistência.
A ambicionada constituinte é um objetivo revolucionário pela violência com o fechamento do atual Congresso e a instituição de uma ditadura.
A insurreição é um recurso legítimo de um povo. Pode-se perguntar: o povo brasileiro está pedindo ditadura militar ou civil e constituinte? Parece que ainda não.
Entrarem as Forças Armadas numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada vez mais onerosa aos cofres públicos? Para talvez submeter à Nação ao comunismo de Moscou? Isto, sim, é que seria anti-pátria, anti-nação e anti-povo.
Não. As Forças Armadas não podem atraiçoar o Brasil. Defender privilégios de classes ricas está na mesma linha anti-democrática de servir a ditaduras fascistas ou síndico-comunistas.
O CGT anuncia que vai promover a paralisação do País no quadro do esquema revolucionário. Estará configurada provavelmente uma calamidade pública. E há quem deseje que as Forças Armadas fiquem omissas ou caudatárias do comando da subversão.
Parece que nem uma coisa nem outra. E, sim, garantir a aplicação da lei, que não permite, por ilegal, movimento de tamanha gravidade para a vida da nação.
Tratei da situação política somente para caracterizar a nossa conduta militar. Os quadros das Forças Armadas têm tido um comportamento, além de legal, de elevada compreensão em face das dificuldades e desvios próprios do estágio atual da evolução do Brasil. E mantidos, como é de seu dever, fieis à vida profissional, à sua destinação e com continuado respeito a seus chefes e à autoridade do Presidente da República.
É preciso aí perseverar, sempre "dentro dos limites da lei". Estar prontos para a defesa da legalidade, a saber, pelo funcionamento integral dos três Poderes constitucionais e pela aplicação das leis, inclusive as que asseguram o processo eleitoral, e contra a revolução para a ditadura e a Constituinte, contra a calamidade pública, a ser promovida pelo CGT, e contra o desvirtuamento do papel histórico das Forças Armadas. O Excelentíssimo Senhor Ministro da Guerra tem declarado que assegurará o respeito ao Congresso, às eleições e à posse do candidato eleito. E já declarou também que não haverá documentos dos ministros militares de pressão sobre o Congresso Nacional.
É o que eu tenho a dizer em consideração à intranqüilidade e indagações oriundas da atual situação política e a respeito da decorrente conduta militar.

General-de-Exército Humberto de Alencar Castelo Branco, Chefe do Estado-Maior do Exército”.


25/02/2014

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014




No dia do regicídio


Portugal há muito tempo vinha sendo tomado por ideias revolucionárias e republicanas. A elite pensante discordava abertamente com o rei e a monarquia. Multiplicavam-se as lojas maçónicas, muitas delas secretas, e o Rei, D. Carlos, segundo se dizia à boca cheia, brincava de ditador, e não largava o seu primeiro ministro, João Franco, que os revolucionários haviam já decidido assassinar, e que vivia apavorado.
São muitos, incluindo gente do governo os que atacam o próprio governo, porque as decisões necessárias não se tomavam. Até José Luciano de Castro, que por duas vezes tinha sido presidente do conselho de ministros do próprio rei D. Carlos, através do seu jornal Correio da Noite ataca com violência o rei e o governo.
A voz corrente é que o rei só quer dinheiro, e que chama ao país, que despreza, “a piolheira”! O rei é um ladrão!
Raul Brandão no seu livro “Memórias”, descreve com pequenas notas, a evolução da situação que vai evoluindo para o desastre, e transcreve a apresentação do “projeto” dum diploma que deveria ser publicado no dia do regicídio.
Chegou tarde, e se tivesse sido publicado, mais enfureceria a oposição, e os carbonários, que já tinham tudo preparado para o assassinato cometido nesse dia.

l de Fevereiro de 1908

João Franco responde aos clamores e revolta com o de­creto de hoje
                      
Senhor — São bem conhecidas de Vossa Magestade as ocorrências dos últimos meses em que uma pequena minoria de elementos revolu­cionários e criminosos tem pertinazmente procurado impedir a vida política e representativa, prejudicar o crédito do país, alterar a ordem pública e pôr em perigo a segurança das pessoas e das propriedades.
Imperturbavelmente tem o Governo obedecido ao propósito de limi­tar a acção das medidas de circunstância à esfera restrita da legítima de­fesa social, reduzindo-as ao que, de momento, se tem afigurado absolu­tamente indispensável, sempre na esperança de que a sua publicação fos­se meio preventivo suficiente e constituísse aviso eficaz aos agitadores.
Dessa ordem de ideias derivaram o decreto de 21 de Junho sobre publicações atentatórias da ordem pública, e o de 21 de Novembro, sobre crimes contra a segurança do Estado, das pessoas e das propriedades.
Factos dos últimos dias vieram porém demonstrar que as tentativas e propósitos revolucionários e criminosos, longe de afrouxarem, se têm mantido obstinadamente e agravado a ponto de ser urgente e indis­pensável o rápido afastamento do nosso meio social dos principais di­rigentes e instigadores desta pertinaz conspiração contra a paz pública e a segurança do Estado, antes que perdas lamentáveis de vidas ve­nham acrescentar-se às desgraças já ocasionadas e porventura originar prejuízos irremediáveis ao crédito público e à fortuna nacional.
Há poucos dias ainda o Governo da nação vizinha apresentou às Cortes um projecto de lei que o autoriza a fazer sair do reino por deli­beração do Conselho de Ministros, sobre prévia informação das autori­dades locais, as pessoas que pertençam a associações hostis a ordem so­cial ou que de semelhantes princípios façam propaganda, e, como sejam estes factos muito graves e perigosos, seguramente não o são mais, nem podem ter mais larga, profunda e nociva repercussão em toda a vida nacional, que os tramas e atentados para mudar violenta e criminosa­mente a forma do governo do Estado.
Nessa ordem de ideias, procuramos com o presente diploma habili­tar também o Governo com a faculdade de expulsar do reino ou fazer transportar para uma província Ultramarina aqueles que, uma vez re­conhecidos culpados pela autoridade judicial competente, importe à se­gurança do Estado, tranquilidade pública e interesses gerais da Nação, afastar sem mais delongas do meio em que se mostraram e tornaram perigosa e contumazmente incompatíveis.
Não podem por igual gozar de imunidades parlamentares aqueles que contra a segurança do próprio Estado se manifestam, ou que como inimigos da sociedade se apresentem?
Tais são, Senhor, as principais disposições do diploma que temos a honra honra de submeter à apreciação de Vossa Majestade.
Paço, em 31 de Janeiro de 1908. João Ferreira Franco Pinto Castelo Bran­co – António José Teixeira de Abreu – Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho – António Carlos Coelho de Vasconcelos Porta – Aires de Or­nelas de Vasconcelos Luciano Afonso da Silva Monteiro – José Malheiro Reimão.”

Em 3 de Fevereiro, escreve ainda Raul Brandão:
“Venho agora de Lisboa e – caso curioso – a impressão geral é de alívio. Respira-se. Estava muita gente no grupo: o João Barreira, o Armando Navarro, o Rangel de Lima, o António Arroio, o Columbano, o Maximiliano de Azevedo, e todos concordaram em que o rei era mau e quase glorificaram os homens que o assassinaram.
- Era um pulha, um pulha e um doido. Era ele que escrevia cartas anónimas à própria mulher – afirma o João Barreira.
- Foi um grande exemplo e uma tremenda lição.
- Se escapa tinhamos aí uma ditadura feroz. Era capaz de tudo!
Só Manuel Ramos, obstinado e cego, teima:
- A memória do rei há-de ser reabilitada.”


22/01/2014

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014



As delícias da boa governança 

e do progresso


Dinheiro barato... é aqui!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014



Prefixo + Verbo + Sufixo

ou a Assunção das Estevas


Por diversas vezes já manifestei a minha antipatia pelo ensino da gramática portuguesa nos primeiros anos do primário e até do secundário, que, a bem da verdade é complicada “toda a vida”.
A gramática deveria ser para o aprendizado da língua portuguesa o mesmo que anatomia para os médicos: no ensino superior. Antes disso basta saber que temos uns quantos ossos, uns aparelhos, digestivos, conjuntivos e sanguinários e até para alguns, raros, cabeça.
Mas de quando em vez surgem nos horizontes intectualóides algumas frases e palavras que nos obrigam a procurar mestres não só em semântica, como em interpretação, frases essas proferidas por aqueles a quem a antomia privou da tal cabeça. Pelo menos por dentro.
Convenhamos, a ignorância humilde tem pelo menos a vantagem de saber quando é hora de procurar os mestres que ajudem a interpretar aquela linguagem que, em princípio deveria ser simples, clara, precisa e concisa tal como o determinavam os manuais de instruções militares in illo tempore,  pelo menos no meu tempo! É certo que os mesmos manuais, pelo menos os da cavalaria, estimulavam os cavaleiros, em galope de ataque, a dar gritos selvagens, tais como Viva a Pátria e outros”.
Mas a Pátria está adormecida, entregue a circenses primários que nem sequer sabem fazer o povo sorrir, só chorar.
Numa assunção das estevas (pode ler-se arrebatamento das flores da família das Cistáceas) em solene pronunciatura (ou pronunciamento?) uma ilustre madama dona presidente (ou presidenta?) duma assembléia de ineptos e penduras, do alto dos seus profundos conhecimentos de línguas mortas e confusas declarou peremptoriamente perante o país perplexo o seguinte e brilhante pensamento:

“O meu medo é o do inconseguimento, em muitos planos: o do inconseguimento de não ter possibilidade de fazer no Parlamento as reformas que quero fazer, de as fazer todas, algumas estão no caminho; o inconseguimento de eu estar num centro de decisão fundamental a que possa corresponder uma espécie de nível social frustracional derivado da crise.”
 
Esta pronunciatura penetrou nos meus ouvidos como um misto de sânscrito clássico, assírio-babilónico e um pedacinho de português, e, eis senão quando, me dou conta dos resquícios actuais do castigo de Jeová aos construtores da Torre de Babel: confundamos a sua linguagem!
O inconseguimento de interpretar esta gramatical bomba, com o prefixo in, que o dicionário designa como negação de interioridade – pode levar a crer que a pronunciatriz (feminino de pronunciador) teria querido dizer que se nega interiormente...!
Depois o verbo conseguir, cuja origem latina significaria vir após, seguir com, mas, antecipado com uma negativa de interioridade, já confunde os neurónios de qualquer ser de inteligência mediana.
Remata o vocábulo (será mesmo um vocábulo?) com um sufixo lindo: mento, que os gramáticos propõem que se use como resultado de ação.
Então, tentando decifrar esta maravilha da semântica privada das estevas, parece que seremos levados a concluir que a dita pronunciatriz quis dizer:
“não posso vir após porque uma negação de interioridade me impede o resultado da acção”.
E aqui temos o que a senhora pretendeu transmitir: NADA! O que o velho, maravilhoso e saudoso Cantinflas teria achado merecedor do prémio Nobel da arrogância.
Mas tem mais uma frase, essa também digna de fazer corar os zigomáticos dos crâneos de Camões ou do Padre António Vieira. E do mais eloquente congressista do século XIX, Garrett. Camilo ao ouvir semelhante sentença certamente teria farta inspiração para escrever um segundo volume de O Que Fazem Mulheres, ou de Coisas Espantosas, talvez sobre A Enjeitada ou A Mulher Fatal!
A frase fatal: “o inconseguimento de eu estar num centro de decisão fundamental a que possa corresponder uma espécie de nível social frustracional derivado da crise.”
Sobressai nesta faladura, NOMEADAMENTE, o conteudo - “uma espécie de nível social frustracional derivado da crise” – que se pode considerar uma tirada platónica, aristotélica ou epicurista. É uma pérola linda do palavreado inutil, falso, a que Renan talvez respondesse “a estupidez humana é a única coisa que nos pode dar a noção do infinito”!
Mas que me perdoem Renan, Aristoteles ou Camões, porque a verdade é que eu simplesmente adorei “o nível social frustracional”. Através dos longos anos de vida tenho presenciado diversos níveis sociais, mas um frustracional... nunca. Aquele sufixozinho “al” dá-lhe um toque sublime, mais ainda quando constatamos que acrescenta à frustração a noção de quantidade, de coleção.
Então eu traduziria esta frase com a complicada palavra certamente retirada do Avesta, com o sentido de “nível social de frustrações em quantidade”.  Beleza pura.
Tudo isto... “derivado da crise”!
E que crise!
Crise de bom senso, de simplicidade, e de gente que não pense que todos os outros são tão idiotas quanto eles!
Muitas palavras não indicam necessariamente muita sabedoria, disse Tales de Mileto. Mas prefiro fechar o comentário pensando num homem de quem tive a sorte de ser amigo e conhecer de perto, o grande Raul Solnado, que numa hora destas comentaria simplesmente:
“Pois! Como dizia a minha prima, que gostava muito de dizer coisas”!


15/01/2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014


As Holandices do Français

e o chilique da Rottweiler


Teatro: Comédie Française.
Elenco: Holande 60, Segolene 58 (há dois anos), Valerie 49, Julie 41.
1° Acto
No país de Napoleon e Alexandre Dumas – e de outras – todos os presidentes da 5ème republique, parece que com exceção de Pompidou, tiveram, mais ou menos disfarçadas, as suas “outras”, limitando o papel da esposa de papel passado ao lugar das aparições oficiais, recepções e outras incomodações, enquanto fora do oficial, em encontros certamente bem mais glamorosos, os presidentes foram-se aconchegando nos braços, sempre mais jovens, de outras. Muitas outras.
Nada de novo. Louis XIV, além das conhecidas e passadas à história, as Madames de La Valière, de Montespan e de Maintenon, regalou-se em diversos e remexidos outros lençois. Antes dele, por exemplo François 1er, que, casando com Cláudia de França, quando esta tinha quinze aninhos, fez-lhe oito filhos até que ela morreu ainda na flor dos seus 24. Mas o bom François, que dantes se escrevia Français, foi, pelo caminho, traçando uma porção de outras: deixou um bastardo de uma grande dame inconu (os caras não se serviam, a não ser quando calhasse, das pequenas damas!), e ainda encontrou carinhos e outras afeições com a Françoise (Française) de Foix, Anne de Pisseleu e a mulher do advogado Jean Féron conhecida como a  "Belle Féronnière".
De Gaulle, Giscard d’Estaing, Mitterrand, Chirac, Sarkozy todos foram excelentes saltadores de cerca, copiando o bonito voo das jolies papillons num campo de flores que ora se pousam nesta ora se pousam na outra.
Consta na história que o primeiro rei de Portugal, o valente Afonso Henriques, terá deixado dezoito filhos bastardos, e o nosso tropical Pedro I-barra-IV, além dos nove das duas esposas oficiais, deixou só: da madama Domitília, cinco filhos, da Maria Benedita, irmã daquela, que o acarinhava nas ausências e presenças da sobredita, mais um, da francesa Noémi, dois, com a uruguaia Maria del Carmen, dois, de outra francesa, a Clémence, outro, com a monja portuguesa Ana Toste mais um rapaz (a freira fazia questão de ensinar o imperador a rezar SEMPRE antes de se deitar!) e duma Maria Libânia mais outro Pedro, o que soma o bonito número de treze bastardos... conhecidos, e de origens variadas que o imperador não gostava de comer o mesmo todos os dias.
E, porque hão-de agora embirrar com o Français Holande, que faz sessenta anos, por ter trocado a Ségolene, na altura com cinqoenta e oito, por uma com menos quilometragem mas dois divórcios, a Valérie de quarenta e nove, a quem os franceses apelidam de Rottweiler (pela sua simpatia?), e fazem um escândalo por ele estar a renovar a frota por outra quase na garantia, com quarenta e um?
Presidente da França tem que honrar os governantes passados, e incentivar o turismo dos espetáculos com belas presenças femininas, como o Folies Bergères, o Moulin Rouge, Lido, Crazy Horse, etc., e não se deixar cair na apatia monástica da castidade.
Agora, o senhor presidente da França, sair do Elisée de fininho, na garupa duma moto, com um capacete de moleque, para ir dar uma na Julie... é que não lembra ao careca, só mesmo ao careca do Français!
Mas se fosse só isso, o Français regressaria de manhã, cedo, ao trabalho contente descontraído e a Juliezinha voltaria às suas peças teatrais toda consolada e quase, quase, promovida a primeira dama!
Mas a Valérie não gostou. Nada. Primeira dama até à data inconteste, representando oficialmente  os valores femininos da Republique – Liberté, Fraternité, Egalité – teve um piripaco, conhecido como chilique, foi hospitalizada, com o trauma de perder a boquinha de premier.
para as bonitonas !

Mas vociferou já de dentro do socego hospitalar: “Ela – a Julie – que não pense que me vai tirar o lugar. Não vou deixar de ser a prima e dona, de jeito maneira!”
Então a madama Rottweiler vai perder o pário para uma artista??? Ainda por cima com quatro conselheiros do governo que lhe estão consignados e pagos pelos contribuintes, enquanto a “jovem” Julie só pode brigar com as suas armas naturais, que normalmente têm valor acrescentado: a carinha mais bonita, um corpo mais jovem e um savoir faire de artista de teatro.
A doentinha esqueceu-se ... da Egalité!
Homens: aqui para nós, que ninguém nos ouve... com quem você ficaria???? E as mulheres: na Rottweiler ou na bonitinha?
Fim do 1° Acto.

Não percam a continuação desta Camédie Française nos próximos capítulos de todos os orgãos de informação.


14/01/2014

domingo, 12 de janeiro de 2014



ELOGIO DE ÉVORA


Por Manuel Severim de Faria (1583-1655)

No meio da Província de Alentejo está situada a Cidade de Évora, em um posto tão eminente que fica senhoreando os campos que a cercam por toda a parte, até pararem em quatro serras com que a natureza em larga dis­tância a cercou, quase como um muro. Da parte do Oriente a serra de Ossa, do Meio dia a de Portel e Viana, do Norte a de Arraiolos, e do Ocidente a de Montemuro. É este sítio tão agradável à vista, que aos de Itália lhe pareceu que era Roma; e aos de Castela, o seu Madrid e Toledo.

Évora no Foral de 1503 (No alto a Catedral)

Esta é aquela cida­de, que sendo fundada por Elisa, primeiro povoador de Espanha, tem susten­tado por tantos séculos o mesmo nome e lugar, quando das Metrópoles das maiores Monarquias não se sabem já os vestígios donde foram. A fama deste sítio trouxe a si da Gália os Celtas, a quem admitindo os Eborenses por cidadãos os dividiram depois por as Províncias vizinhas, reconhecendo-se sempre por colónias suas todos os Celtiberos de Espanha. Esta é a cidade, a cuja vista Viriato levantou os primeiros trofeus dos desbaratados exércitos Romanos; e Sertório edificou os muros, aquedutos, e fábricas Coríntias dos despojos daquele povo, que foi vencedor do mundo, adquiridos com os sol­dados Eborenses, e que ainda hoje permanecem testemunhos de tamanha glória. Este é o lugar em cujo nome quis o primeiro Imperador de Roma, que ficasse eternizada a memória de sua liberalidade. Esta foi a cidade que primeiro ouviu as alegres novas do Evangelho, e dela, como de Sede própria, as recebeu por S. Mancio toda a Lusitânia. Esta foi o propugnáculo dos Reis Godos contra o Império. E naquela grande ruína última de Espanha, posto que se submeteu ao poder dos Árabes, ainda depois de rendida se temeram tanto dela, que levaram a principal parte de seus moradores a Marrocos, cabeça de sua Monarquia, onde os Eborenses fundaram outro lugar, com o nome da mesma pátria, em que conservaram a Fé e a liberdade por muitos séculos, até que no tempo del Rei Dom João I se tornaram a Espanha.
Nenhuma força pode recuperar esta inexpugnável fortaleza; e assim foi só restituída pela indústria intrépida de Giraldo, Ilustre Cavaleiro, que com ela deu aos Reis Portugueses a maior parte da Lusitânia. Esta foi a primeira em defender a liberdade de Espanha, naquela milagrosa batalha do triunfo da Cruz, onde seus moradores se houveram com tanto valor, que a mesma Cruz lhe ficou por prémio em perpétua memória de tão glorioso triunfo. Na con­servação da liberdade Portuguesa foi ela a primeira que serviu a el Rei Dom João I depois que intentou a defensão do Reino. Aqui foi a praça de armas do Condestável, com cujos moradores alcançou tantas vitórias. Aqui perma­nece a primeira Igreja de Espanha, ilustrada com tantos Santos, e gravís­simos Prelados. Esta foi a pátria de tantos varões insignes em letras, onde florescem todas as ciências divinas e humanas. Esta é aquela que produziu a Real planta da senhora Infanta Dona Catarina; donde refloresceu com maior felicidade a nossa Monarquia. Esta foi a primeira que teve valor para des­prezar o poder da Monarquia Castelhana, a cujo exemplo deve Catalunha a conservação de seus foros, e Portugal sua honrosa e amada liberdade. E finalmente Évora é a que, com a restauração de seu Rei, e natural Senhor tem descoberto outro novo mundo a todas as Províncias de Europa.


Armas da cidade de Évora


VIDA DE MANUEL SEVERIM DE FARIA
Escrita pelo adicionador (Pe. José Barbosa, na 2ª edição de “Notícias de Portugal” em 1740)

Entre os grandes homens de que Lisboa tem glória de ter sido Pátria, foi um Manuel Severim de Faria, que teve por Pais a Gaspar Gil Severim, Exe­cutor Mor do Reino, e Escrivão da Fazenda Real, e sua mulher Dona Juliana de Faria. Não pude descobrir o dia em que veio à luz do Mundo, mas pela idade em que faleceu, devia ser o ano do seu nascimento o de 1581 ou 82*. Sendo ainda menino foi para Évora assistir em casa do seu tio Baltazar de Faria Severim, Chantre que era daquela antiga e ilustre Catedral. Aprendeu em Évora Filosofia, e Teologia, em que fez progressos tão grandes, que em ambas estas Faculdades tomou grau. Vendo-o o tio já capaz, não menos pelos anos, que pelas letras, de lhe suceder no Chanfrado, o renunciou nele em 16 de Setembro de 1609 e depois de lhe dar posse, se recolheu ao Con­vento da Cartuxa da mesma Cidade, aonde, professando com o nome de D. Basílio, deixou de seus estudos e virtudes igual memória. Não se esque­ceu Manuel Severim de Faria com a nova Dignidade do que estudara, como muitas vezes sucede; mas procurando adiantar-se cada vez mais em todo o género de Ciências, se aplicou à lição da Sagrada Escritura, da Teologia Mística, da História, da Política, da Geografia, e das Antiguidades Romanas, e Portuguesas, em que foi insigne. A maior parte do rendimento daquele pingue benefício converteu em livros, de que juntou uma grande cópia, não só estimável pelo número, como pela qualidade, pois além de alguns, a que a raridade dos exemplares fazia preciosos, se achavam naquela célebre Livra­ria alguns Volumes escritos no Papiro do Egipto, outros em folhas de palmas com pena de ferro, a que chamam astilo, e entre eles as obras de Frei Luís de Granada traduzidas na língua do Japão. A sua generosa e conhecida curiosi­dade o fez Senhor de um tesouro de moedas Romanas e Portuguesas, pois como se lê em algumas das suas obras, eram tantas as que se lhe levavam, que parece que a terra se desentranhava para o enriquecer. Conservou grande número de vasos, e outras relíquias da grandeza Romana, de que formou um Museu digno de um Príncipe; mas por sua morte desapareceu de maneira que dele não há mais que uma lastimosa tradição. Tendo renunciado em outro Sobrinho sendo do mesmo nome o Chanfrado de Évora, depois de uma dilatada enfermidade de icterícia faleceu naquela Cidade em 16 de Dezem­bro de 1655 em idade de setenta e dois anos. Foi de boa estatura, muito cor­pulento, olhos azuis, naturalmente descorado, mas de agradável presença. O seu Cadáver foi levado com a maior pompa que se pode considerar, porque além das Comunidades Religiosas, da Cleresia, e Confrarias da Cidade, con­correu toda a Nobreza, e Povo, porque de todos era igualmente benquisto, e respeitado. Deu-se-lhe sepultura em um dos ângulos do cemitério da Cartu­xa, e sobre a campa, em que estão abertas as Armas dos Severins e Farias, se lê esta inscrição:

Manoel Severim de Faria Chantre e Cónego da Sé de Évora, elegeo para si esta Sepultura,
assim por sua devoção, como por estar nella o Corpo do P. D. Basilio de Faria seu Tio,
que falleceo sendo Prior deste Convento a 5 de Abril de 1625.

Notas:
* - Terá nascido, em Lisboa, em 1583
- O palácio onde viveu, na Rua das Portas de Moura, o edifício contiguo à Casa Cordovil, encontrava-se, há pouco tempo (e agora?) em estado de abandono.


12/01/2014

terça-feira, 7 de janeiro de 2014




Tudo certo com seu santo?


De “O Globo” – por João Ubaldo Ribeiro

Acho que quase todo mundo faz alguma coisa para que o ano novo seja propí­cio. Há os que se vestem de branco e lançam oferendas ao mar, os que to­mam banhos de descarrego e ainda os que adotam providências para mim sempre meio con­fusas - enfiar um nhoque na orelha, encher a cueca de sementes de romã, misturar uma nota de cem dólares na salada e comê-la, botar um prato de lentilhas embaixo do travesseiro, não compreendo bem, tento aprender, mas esqueço logo tudo. Entretanto, que eu saiba, são relativa­mente poucos os que, no início do ano, procu­ram o alto patrocínio de um santo. E um bom santo padroeiro é mais que meio caminho an­dado para o contentamento e a prosperidade. Seu esquecimento não diz bem de nossa pru­dência e revela deplorável desleixo para com as tradições nacionais.
Conseguir o amparo e a assistência de um bom santo não costuma ser difícil, mesmo se tratando dos mais solicitados e ocupados. Santo é santo e aí, quando o pecador arrependido chega a ele suplicando uma colher-de-chá, ele pode até fazer umas exigências preliminares, mas não nega a ajuda, seria contra a caridade cristã e o Espírito Santo está de olho nele. Em Itaparica, apenas os mais antigos lembram al­gumas poucas ocasiões em que um santo não aceitou determinado caso, mas, quando isto acontecia, ele passava a questão para um colega de santidade, com mais experiência na matéria. Dizem que finado Edésio Testa Grande, uma certa feita, tantas e tais desgraceiras confessou a São Lourenço, que o santo ficou vermelho de vergonha, se levantou e disse: "Seu Testa Gran­de, o senhor me compreenda uma coisa, eu vou lhe dar um cartão para o senhor procurar Santo Agostinho, que na juventude foi ladrão, menti­roso, escandaloso e femeeiro e, assim mesmo, nunca chegou aos pés dó senhor e, se ele não re­solver seu caso, ninguém mais resolve." E se sa­be que Santo Agostinho, depois de muito traba­lho e vários embargos infringentes, conseguiu livrar Testa Grande do inferno, mas não de oito­centos anos de purgatório em regime fechado, o que foi considerado leve por quem conheceu esse dito Edésio Testa Grande.
Certamente cometerei injustiças e pecarei por omissão, mas me arrisco a citar, assim de cabe­ça, alguns dos santos mais requisitados e presti­giados lá do Recôncavo, como João, José, Pedro, Luzia, as Teresas, Jorge, Roque, Bárbara, Rita, Judas Tadeu, Benedito, Efígênia e tantos outros. Propositadamente, deixei de fora António, pois acho que ele merece destaque especial em nos­sa História, até porque era português e partici­pou diretamente em diversos episódios dela. Claro, não se vai negar a grandíssima importância de um Pedro, um João, uma Teresinha, um José ou uma Rita, todos eles muito festejados e cheios de afilhados e devotos, mas António foi oficial das forças armadas portuguesas, onde uma vez, por não se esforçar devidamente no combate, foi rebaixado, acho que lhe revogaram a patente de capitão. E ainda tomou vários esbregues de seu xará António Vieira, que nem por ser xará aliviava a borduna.
Ele se redimiu esplendidamente dessa falha momentânea e prestou assinalados serviços na guerra contra os invasores holandeses. Mas, mesmo assim, as descomposturas do Padre Viei­ra ainda repercutem no coração dele, de forma que, quando se oferece a ocasião, ele aparece pa­ra mostrar serviço contra os holandeses, como fez no dia em que Vavá Paparrão passou a noite sozinho na Ilha do Medo e surgiu uma porção de fantasmas de holandeses para ali assombrar. Pa­parrão era capoeirista afamado, mas a luta era desigual e foi então que ele gritou "valei-me, meu Santo António!" e o santo na mesma hora despencou lá de cima, já baixando o sarrafo nos holandeses. Quem testemunhou diz que o chão da Ilha do Medo amanheceu coalhado de cadá­veres de almas holandesas. Atualmente, António acumula seu cargo permanente de protetor dos pobres com a prestação de serviços para encon­trar coisas perdidas e, principalmente, para o for­necimento de maridos. Ainda está para nascer aquela que fica para titia depois de fazer boas no­venas para António, sem nunca esquecer a missa dele no dia 13 de junho. Nos raríssimos casos em que o pedido não é atendido, ás pretendentes pegam suas imagens do santo e as põem de ca­beça para baixo no nicho até que apareça um marido, não falha nunca.
Mas, como já disse acima, muitos outros santos prestam diligente atendimento a seus devotos e os que cito estão longe de ser todos. Luzia, por exemplo, até hoje tem a fonte dela em Salvador, para quem quiser lavar os olhos e ficar logo enxer­gando melhor que um gavião. Jorge e Cristóvão, que andaram abalados com a notícia de que a Igreja duvidava de sua existência, receberam ma­nifestações de solidariedade de todos os cantos e continuam firmes, o primeiro matando o dragão da maldade e ajudando os desempregados, e o se­gundo dando apoio aos viajantes. E, consultando um santoral de confiança, o distinto leitor ou a en­cantadora leitora não terá dificuldade em encon­trar um ou mais santos dispostos a ajudar, a partir deste ano novo. Podem ter certeza de que, por trás de cada trajetória de sucesso, estão um ou mais santos de grande valia e muita gente esconde o jo­go, não diz a ninguém qual é seu santo. Desco­briu-se recentemente que até Zecamunista tam­bém tem santo protetor. Confrontado com a sur­preendente revelação, ele não a desmentiu, como se esperava. Tem santo padroeiro, sim, só estra­nha isso quem não conhece o materialista baiano. É o padroeiro dos ateus, um irlandês chamado Oteram, de que pouca gente ouviu falar, porque seus devotos costumam ser muito discretos e só o mencionam quando a necessidade aperta.
— Vocês acham que os ateus iam ficar sem a cobertura de um santo? — disse Zeca. — Ateu também é filho de Deus.

João Ubaldo Ribeiro é escritor