sexta-feira, 18 de outubro de 2013



A “Invencível” Armada

e as garotas irlandesas

Não há, pelo menos entres ibéricos e ingleses, quem não saiba alguma coisa sobre a famosa e desastrosa “Invencível Armada”, que o rei Filipe II de Espanha e I de Portugal, montou em 1588, para ir derrotar os heréticos ingleses.


O desastre não podia ter sido maior. Completamente destroçada, milhares de mortos, um comportamente militar vergonhoso, e a perda, para Portugal, de 12 belos navios, entre eles o que foi como a capitânea, sob o comando geral do Duque de Medina-Sidonia. Dos 130 navios envolvidos, mais da metade se perderam, poucos em combate, a maioria aprisionados em terra, na Holanda e Inglaterra, ou desfeitos em temporais contra a costa no norte da Escócia e sobretudo na Irlanda.
Um sobrevivente espanhol, Capitan Francisco de Cuellar, que andou em três navios que se foram perdendo nas costas da Irlanda, deixou um curiosissimo relato da sua aventura.
Começa quando a bordo da Santa Maria de Vision se abrigou na Baía de Sligo, com mais dois outros navios, onde em poucos dias se levantou um forte temporal; as amarras cederam, e arrastados para terra se desfizeram. Mais de um milhar aí morreram, salvando-se uns tresentos, dos quais a maioria foi passada à espada pelos selvage natives!

Cuellar salvou-se, espoliado, mais nu do que esfarrapado, como escravo de alguns irlandeses que o pouparam por lhes parecer que os espanhóis eram inimigos dos heréticos protestantes que a Inglaterra tentava impor-lhes. E a pouca roupa com que ficou estava ensopada em sangue.
Para passar a noite cobriu-se com grama!
Caminhando com dificuldade encontrou um mosteiro, com as imagens queimadas, todo em ruinas e 12 espanhóis enforcados pelos luteranos que entretanto tinham saído à procura de mais católicos para acabarem com eles.
Saído dali entrou num bosque. Um velho selvagem saiu detrás das pedras junto com dois jovens com suas armas – um era inglês – e uma garota de cerca de vinte anos, extremamente bonita... O inglês aproximou-se dizendo: “Rende-te, espanhol poltrão...” e cortou-me o tendão da minha perna esquerda. A garota lamentou o que me fizeram e pediu-lhes que me deixassem a roupa.”
Ali abandonado, Cuellar embrenhou-se nas montanhas onde uns irlandeses lhe deram um cavalo e um jovem que lhe servisse de guia. Mas não durou, sem perigo, a sua jornada.
Ouviram grande algazarra e o jovem fez-me sinais “salve-se como puder, espanhol; muitos Sassanas estão a vir e vão cortá-lo em pedaços!” (Sassanas era o que chamavam aos ingleses).
O próximo encontro foi com um padre que o levou ao chefe do clã MacClancys of Leitrim.
A mulher do MacClancy era extremamente bela, e mostrou-se muito amável. Um dia, estávamos sentados ao sol e ela, convencida que eu poderia ler-lhe a sina pediu que examinasse as suas mãos! Comecei por olhar ambas as mãos e disse um monte de absurdos que ela muito apreciou e disse que não havia outro espanhol melhor do que eu!
Entretanto uma tropa inglesa vinha a caminho para atacar o Castelo dos MacClancy, que sabendo não ter forças para lhes resistir, fugiram para as montanhas. Nós, nove espanhóis, dissemos ao selvagem (o MacClancy) que ficariamos para defender o castelo, o que irritou os ingleses que nos sitiaram durante dezesste dias, sem conseguirem conquistá-lo. Nosso Senhor livrou-nos dos inimigos fazendo cair enormes quantidades de neve que os obrigou a retirar.
O reconhecido MacClancy ofereceu a Cuellar a sua irmã em casamento, mas o capitão espanhol preferiu seguir o seu caminho para o norte de Ulster até encontrar o chefe do clã O’Cahans, em Londonderry, onde algumas mulheres lhe deram abrigo durante mês e meio até se curar. Essa aldeia era composta de cabanas de colmo onde viviam algumas garotas lindas, com quem fez amizade.
Quando os ingleses ali chegaram elas ajudaram-no a fugir e refugiar-se nas bordas do Lago Neagh, onde um bispo católico conseguiu metê-lo num navio que o levou, via Escócia, até Antuérpia.
Francisco de Cuellar viveu no norte da Irlanda cerca de um ano. Apesar de agradecido pela proteção recebida, ele e outros espanhóis, sem hesitação descreveram os irlandeses como selvagens:
O costume destes selvagens é viverem como bestas primitivas nas montanhas que são muito escarpadas nesta parte da Irlanda, onde nós nos perdemos. São grandes andarilhos, e os homens tem corpos largos e bonita configuração. A maioria das mulheres são lindas mas mal se aguentam em pé!
Eles bebem leite azedo porque não têm outra bebida; mas não bebem água apesar de terem a melhor água do mundo. Bebem o leite como um nectar, aquecido com uma pedra que previamente põem no fogo; mas quando vão a algum mercado vender uma vaca ou um cavalo, nunca regressam a casa até terem bebido o seu valor em vinho espanhol (a que eles chamavam a “filha do rei de Espanha!”), ou “uscebaugh” até dormirem fora dois ou três dias com pesadas bebedeiras. E não só os homens simples, mas os lordes e suas mulheres, quanto mais querem beber em casa mais eles bebem quando vão às cidades até ficarem tão bêbados como mendigos.
Naquele tempo o vinho era importado pelos lordes gaélicos (celtas) em troca, por exemplo, de autorização para que pesqueiros espanhóis pescassem nas suas águas.
A cevada e aveia maltadas não serviam só para fazer cerveja, mas eram também destiladas para fazer uisce beathadh, whisky, “a água da vida” (eau de vie dos franceses!), muito recomendado pelos comandantes ingleses e para fins medicinais. Mas Sir Josias Bodley encontrou padres na região oeste de Ulster derramando usquebaugh (whisky) pelas suas goelas, de dia e de noite!
Francisco de Cuellar nas suas memórias sempre refere que as garotas irlandesas eram extremamente belas! E ficavam felizes em exibir os seus seios no meio da sociedade. Nem tinham vergonha de aparecer completamente nuas, como constatou um nobre checo em 1601: ele encontrou dezasseis mulheres da alta sociedade, todas nuas, que perante o seu olhar deslumbrado o levaram para dentro de casa, para educadamente conversarem em latim em frente da lareira. Juntando-se a eles, Lord O’Cahan, despiu-se também inteiramente para surpresa do barão checo que estava demasiado envergonhado para fazer o mesmo.

N.- Mais sobre a Irlanda e a sem-vergonhice dos ingleses... nos próximos textos.

Do livro “A History of IRELAND”, Jonathan Bardon, Gill & Macmillan, Dublin 2008


10-out-13

Um comentário:


  1. Publiquei:

    http://www.historiamaximus.blogspot.pt/2013/10/a-invencivel-armada-e-as-garotas.html

    Contacto: historiamaximus@hotmail.com

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