sábado, 12 de outubro de 2013




Revista de História da Biblioteca  Nacional

Rio de Janeiro

Fui há dias amavelmente presenteado com o nr. 96 desta revista, que li com muito interesse onde, para mim, sobressairam os textos  de Keila Grinberg, o de Pablo Diener e Maria de Fátima Costa, Aline Salgado, Jairo Carvalho do Nascimento e uns outros.
No entanto encontrei um erro histórico que para uma revista desta qualidade deve ser retificado:
- No texto “Desunião Ibérica”, no quadro sobre “Poderosas rainhas / D. Leoner Teles”, afirma-se que esta não era bem vista pelo povo português por ser castelhana. Não, Leonor Teles não era castelhana, mas portuguesa filha de Martim Afonso Teles de Menezes e D. Aldonça de Melo.
Ela não era bem vista porque quando “conquistou” o rei D. Fernando ela era casada com João Lourenço da Cunha. Atraente, inteligente(1) e ambiciosa, desprezou o marido e convenceu o rei, contra toda a vontade popular, a casar com ela. O povo chamava-lhe “a barregã”!
(Nota 1.- Se a rainha D. Leonor Teles vivesse hoje e no Brasil, ela certamente seria atraenta e inteligenta!)

Num outro texto, “Da revolução à democracia”, o autor, Alberto Aggio, assume uma posição antagônica com a de um historiador: distorce a atuação de Allende que terá começado por querer uma “via democrática para o socialismo”, mas a seguir mostra que afinal “este concebia o mesmo socialismo... com raízes marxistas, bolcheviques, maoístas e mais tarde guevaristas e castristas.”
Querer enaltecer o governo de Allende quando ele queria transformar o Chile num satélite de Cuba ou da URSS, e adiante afirmar que os governos pós Pinochet é que “fizeram avançar os traços de modernidade do pais” é a demonstração inequívoca da opção política do autor.
E isto, em história, quase se poderia dizer que é ilegal! Pior vindo de um professor, que em vez de dar aos alunos a possibilidade de estes analisarem os diversos períodos da história com olhos independentes, sofisma as situações para os conduzir a raciocínios partidários.
Uma Revista de História, mais ainda saindo da Biblioteca Nacional, mesmo dependendo direta ou indiretamente do governo, tem que ter total isenção e não permitir que os autores dos textos deturpem a verdade e imponham suas opiniões para “agradar à hierarquia”.
Sem isso, o povo, os estudantes e até a própria revista serão os prejudicados.

Mas a revista tem diversos assuntos de muito interesse com este sobre os portugueses no Japão, que, com a devida vénia reproduzo:

Pela cruz e pela espada

Entre os grandes feitos da navegação portuguesa está o pioneiro comércio com o Extre­mo Oriente. Os lusos entraram para a história como os primei­ros europeus a pisarem no Japão em 1543. Mas a lucrativa relação que estabeleceram terminaria em sangrenta tragédia. O relato do caso coube ao procurador ge­ral da província do Japão, padre António Francisco Cardim (1596-1659), da Companhia de Jesus, que o registrou sob o título: Rela­ção da gloriosa morte de quatro embaixadores portuguezes, da Cidade de Macaoo, com sincoenta & sete christãos de sua companhia, degolados todos pella fee de Christo em Nagassaqui [...] a três de agosto de 1640.


As trocas comerciais com o Japão ocorriam de maneira singu­lar: os portugueses zarpavam de Macau, na China, para um porto japonês preestabelecido com um navio repleto de bens de consu­mo, como seda, ouro, almíscar e linha de costura. Os japoneses pagavam em prata, metal pelo qual os chineses tinham obses­são. Comprava-se mais barato em um local, vendia-se mais caro em outro e, sucessivamente, os por­tugueses auferiam seus ganhos em uma rede que incluía ou­tros entrepostos, como Malacca (Malásia), Goa (na Índia, o mais importante de todos) e a ilha de Moçambique. Até que veio do Japão uma ordem que acabaria com as negociações via Macau.
Em 1639, o xogum Tokugawa Iemitsu (1604-1651) - uma espécie de comandante militar e gover­nante nomeado pelo imperador - decretou a morte de qualquer cristão e ocidental que pisasse em território japonês (com exceçâo dos holandeses). Havia fortes indícios de que a Rebelião de Shimabara - que dois anos antes causara a morte de mais de 30 mil rebeldes - fora insuflada por missionários católicos. No mesmo ano da proibição, dois navios mercantes de Macau foram impe­didos de permanecer no porto de Nagasaki e tiveram que retornar com suas mercadorias intactas.
Em função disso, quatro em­baixadores foram encarregados de tentar negociar o restabeleci­mento do comércio. Sua missão era convencer os japoneses de que Macau nada tinha a ver com o levante de Shimabara. Uma vez no Japão, eles disseram às au­toridades que não haveria mais pregação cristã. Mas na carta oficial escrita ainda em Macau, não havia nada expressamente afirmado sobre o fim da evan­gelização. Para o padre Cardim, omitir o fim da pregação cristã nessa carta foi algo digno de lou­vor, "porque prometer tal seria em menoscabo [rebaixamento] notável de nossa Santa Fé".
As autoridades japonesas, porém, notaram a contradição e concluíram que tudo o que foi dito não passava de fingimento. Ato contínuo, ordenaram a dego­la dos embaixadores e de toda a tripulação. Segundo o relato de Cardim, a reação à notícia não foi de medo, mas sim de alegria, pois morreriam pela fé em Cris­to. O que era para ser uma mis­são diplomática transformou-se em sacrifício religioso. Um longo martírio se inicia, com os portu­gueses entrando em uma espécie de transe, chegando alguns a se açoitarem. Os iurubaças (intérpre­tes japoneses), ofereceram por três vezes aos condenados o per­dão do "Rei" japonês. Todos, sem exceção, recusaram.


A certa altura, os tonos (espé­cie de magistrado japonês) tra­vam um diálogo com três mem­bros letrados não portugueses da expedição: um "canarim" (natu­ral de Goa), um malabar (casta da Índia) e um chinês de Macau.
Os magistrados perguntam se eles querem voltar para Macau a fim de relatarem o ocorrido ou morrerem com os demais, e eles respondem que tal decisão não cabe a eles. Diante de tal resposta "se mostraram os tonos admirados, como quem os tinha por homens que não temiam a morte". A tripulação era compos­ta por gente de toda a Ásia. Ao mencionar o "glorioso espetáculo" da execução, Cardim ressalta que havia homens de 16 "fortes nações": alguns cativos, outros livres, gente de todas as idades, inclusive uma criança de 8 anos. Todos supostamente cristãos.
Passada uma noite, a sentença foi executada. Foram 57 decapi­tações simultâneas, enquanto os embaixadores foram mortos um a um pelo mesmo samurai. As cabeças de todos foram postas em estacas para servir de exem­plo. Ninguém pôde saquear os corpos, pois morreram com bra­vura, um gesto respeitado pêlos japoneses. Cardim afirma que os embaixadores "se oferecerão à morte pelo bem de sua pátria" depois de uma longa preparação espiritual para a viagem.
Um grupo de 13 pessoas da embaixada foi poupado a fim de relatar todo o ocorrido, e o tes­temunho desses sobreviventes embasou a obra impressa.
O fo­lheto de Cardim está arquivado na Divisão de Obras Raras da Bi­blioteca Nacional.

(Nota: Ainda bem que o D. João VI trouxe a Biblioteca Real para o Brasil. Curioso é que os caixotes com os preciosos livros, mapas, etc., na confusão da partida, acabaram esquecidos no cais em Lisboa! Só passados dois anos começaram a chegar ao Rio!
E os franceses que tanto saquearam... não viram estas maravilhas!)


09/10/2013

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