Revista de História da Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro
Fui
há dias amavelmente presenteado com o nr. 96 desta revista, que li com muito
interesse onde, para mim, sobressairam os textos de Keila Grinberg, o de Pablo Diener e Maria
de Fátima Costa, Aline Salgado, Jairo Carvalho do Nascimento e uns outros.
No
entanto encontrei um erro histórico que para uma revista desta qualidade deve
ser retificado:
-
No texto “Desunião Ibérica”, no quadro sobre “Poderosas rainhas / D. Leoner
Teles”, afirma-se que esta não era bem vista pelo povo português por ser castelhana. Não, Leonor Teles
não era castelhana, mas portuguesa filha de Martim Afonso Teles de Menezes e D.
Aldonça de Melo.
Ela
não era bem vista porque quando “conquistou” o rei D. Fernando ela era casada
com João Lourenço da Cunha. Atraente, inteligente(1) e ambiciosa, desprezou o marido
e convenceu o rei, contra toda a vontade popular, a casar com ela. O povo
chamava-lhe “a barregã”!
(Nota 1.- Se a
rainha D. Leonor Teles vivesse hoje e no Brasil, ela certamente seria atraenta
e inteligenta!)
Num
outro texto, “Da revolução à democracia”, o autor, Alberto Aggio, assume uma
posição antagônica com a de um historiador: distorce a atuação de Allende que
terá começado por querer uma “via democrática para o socialismo”, mas a seguir
mostra que afinal “este concebia o mesmo socialismo... com raízes marxistas,
bolcheviques, maoístas e mais tarde guevaristas e castristas.”
Querer
enaltecer o governo de Allende quando ele queria transformar o Chile num
satélite de Cuba ou da URSS, e adiante afirmar que os governos pós Pinochet é
que “fizeram avançar os traços de modernidade do pais” é a demonstração
inequívoca da opção política do autor.
E
isto, em história, quase se poderia dizer que é ilegal! Pior vindo de um
professor, que em vez de dar aos alunos a possibilidade de estes analisarem os
diversos períodos da história com olhos independentes, sofisma as situações
para os conduzir a raciocínios partidários.
Uma
Revista de História, mais ainda saindo da Biblioteca Nacional, mesmo dependendo
direta ou indiretamente do governo, tem que ter total isenção e não permitir
que os autores dos textos deturpem a verdade e imponham suas opiniões para
“agradar à hierarquia”.
Sem
isso, o povo, os estudantes e até a própria revista serão os prejudicados.
Mas
a revista tem diversos assuntos de muito interesse com este sobre os
portugueses no Japão, que, com a devida vénia reproduzo:
Pela cruz e pela espada
Entre os
grandes feitos da navegação portuguesa está o pioneiro comércio com o Extremo
Oriente. Os lusos entraram para a história como os primeiros europeus a
pisarem no Japão em 1543. Mas a lucrativa relação que estabeleceram terminaria em
sangrenta tragédia. O relato do caso coube ao procurador geral da província do
Japão, padre António Francisco Cardim (1596-1659), da Companhia de Jesus, que o
registrou sob o título: Relação da gloriosa morte
de quatro embaixadores portuguezes, da Cidade de Macaoo, com sincoenta & sete christãos de sua companhia, degolados todos pella fee de Christo em Nagassaqui [...] a
três de agosto de 1640.
As trocas comerciais com o Japão ocorriam de
maneira singular: os portugueses zarpavam de Macau, na China, para um porto
japonês preestabelecido com um navio repleto de bens de consumo, como seda,
ouro, almíscar e linha de costura. Os japoneses pagavam em prata, metal pelo
qual os chineses tinham obsessão. Comprava-se mais barato em um local,
vendia-se mais caro em outro e, sucessivamente, os portugueses auferiam seus
ganhos em uma rede que incluía outros entrepostos, como Malacca (Malásia), Goa
(na Índia, o mais importante de todos) e a ilha de Moçambique. Até que veio do
Japão uma ordem que acabaria com as negociações via Macau.
Em 1639, o xogum Tokugawa Iemitsu
(1604-1651) - uma espécie de comandante militar e governante nomeado pelo
imperador - decretou a morte de qualquer cristão e ocidental que pisasse em
território japonês (com exceçâo dos holandeses). Havia fortes indícios de que a
Rebelião de Shimabara - que dois anos antes causara a morte de mais de 30 mil
rebeldes - fora insuflada por missionários católicos. No mesmo ano da
proibição, dois navios mercantes de Macau foram impedidos de permanecer no
porto de Nagasaki e tiveram que retornar com suas mercadorias intactas.
Em função disso, quatro embaixadores foram
encarregados de tentar negociar o restabelecimento do comércio. Sua missão era
convencer os japoneses de que Macau nada tinha a ver com o levante de
Shimabara. Uma vez no Japão, eles disseram às autoridades que não haveria mais
pregação cristã. Mas na carta oficial escrita ainda em Macau, não havia nada
expressamente afirmado sobre o fim da evangelização. Para o padre Cardim, omitir
o fim da pregação cristã nessa carta foi algo digno de louvor, "porque
prometer tal seria em menoscabo [rebaixamento] notável de nossa Santa Fé".
As autoridades japonesas, porém, notaram a
contradição e concluíram que tudo o que foi dito não passava de fingimento. Ato
contínuo, ordenaram a degola dos embaixadores e de toda a tripulação. Segundo
o relato de Cardim, a reação à notícia não foi de medo, mas sim de alegria,
pois morreriam pela fé em Cristo. O que era para ser uma missão diplomática
transformou-se em sacrifício religioso. Um longo martírio se inicia, com os
portugueses entrando em uma espécie de transe, chegando alguns a se açoitarem.
Os iurubaças (intérpretes japoneses), ofereceram por três vezes aos
condenados o perdão do "Rei" japonês. Todos, sem exceção, recusaram.
A certa altura, os tonos (espécie de magistrado japonês) travam um diálogo com três
membros letrados não portugueses da expedição: um "canarim" (natural
de Goa), um malabar (casta da Índia) e um chinês de Macau.
Os magistrados perguntam se eles querem
voltar para Macau a fim de relatarem o ocorrido ou morrerem com os demais, e
eles respondem que tal decisão não cabe a eles. Diante de tal resposta "se
mostraram os tonos admirados, como quem os tinha por homens que não
temiam a morte". A tripulação era composta por gente de toda a Ásia. Ao
mencionar o "glorioso espetáculo" da execução, Cardim ressalta que
havia homens de 16 "fortes nações": alguns cativos, outros livres,
gente de todas as idades, inclusive uma criança de 8 anos. Todos supostamente
cristãos.
Passada uma noite, a sentença foi executada.
Foram 57 decapitações simultâneas, enquanto os embaixadores foram mortos um a
um pelo mesmo samurai. As cabeças de todos foram postas em estacas para servir
de exemplo. Ninguém pôde saquear os corpos, pois morreram com bravura, um
gesto respeitado pêlos japoneses. Cardim afirma que os embaixadores "se
oferecerão à morte pelo bem de sua pátria" depois de uma longa preparação
espiritual para a viagem.
Um grupo de 13 pessoas da embaixada foi
poupado a fim de relatar todo o ocorrido, e o testemunho desses sobreviventes
embasou a obra impressa.
O folheto de Cardim está arquivado na
Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.
(Nota: Ainda bem que o D. João VI
trouxe a Biblioteca Real para o Brasil. Curioso é que os caixotes com os
preciosos livros, mapas, etc., na confusão da partida, acabaram esquecidos no
cais em Lisboa! Só passados dois anos começaram a chegar ao Rio!
E os franceses que tanto
saquearam... não viram estas maravilhas!)
09/10/2013
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