Uma Vela sem Abraço...
Outra perspectiva de navegação à vela, e já o “tio” se agita! Voltar a atravessar o grande “rio” Atlântico, e desembarcar em Lisboa, bem ali ao lado de onde Cabral saiu para vir encontrar estas terras de Vera Cruz!
Amigos à espera, aquele Abraço...
Mais de três semanas de mar, sempre, ou quase, num desconfortável contravento, proa a bater nas ondas, mas onde a possibilidade de fazer escala, mesmo por pouco tempo, nalguma daquelas Afortunadas Ilhas, os Açores, com que nunca deixou de sonhar, se afigurava real.
Os anos pesam (muito) e, à medida que se vão acumulando, o físico parece sofrer um desgaste em velocidade logarítmica!
Mas o apelo do mar, aquelas horas só entre céu e água, longe da confusão, de notícias, quase sempre tristes e cada vez piores, e sobretudo na companhia do querido sobrinho e experiente comandante José Guilherme, num outro Mussulo, o “II”, o tal Bavaria com os seus 49’, que há dois anos veio de Mindelo, e suas instalações principescas... Aaah!
Condições impostas: primeiro faz um check up e pede ao cardiologista que o “autorize” a ficar um mês longe de apoio hospitalar! Mau agouro! Como é evidente o “tio” não foi a médico algum, porque sempre mandam fazer um monte de exames que são uma chatice, e quem se atreveria a dizer que ele não “morreria” nos próximos trinta dias? A solução foi “experimentar” um fim de semana no mar! Solução sensata.
Sexta à noite, após um simpático jantar, já em Ilhabela, entrámos a bordo do magnífico “transatlântico”, para aí passar a noite, ainda ancorados.
Ao pôr os pés no barco o “tio” sentiu logo um desequilíbrio desagradável. Com “cataratas” novas, parece ter perdido um pouco na noção de profundidade, já que um dos olhos vê (quase) bem ao longe e outro (quase) bem ao perto! Esta noção ainda não se tinha manifestado tão real quanto já no barco, a subir e descer para a cabine, pior ainda quando havia que descer do barco, ou para terra, ou para o pequeno bote.
Os anos e as cataratas estavam a lutar contra!
Assim mesmo o dia de sábado passou-se num “pequeno” veleiro de 32’ preparado para regatas, com a sua habitual tripulação, onde o “tio” se limitou a assistir a manobras, ora sem vento, ora com vento fresco, onde se testaram velas novas, seu posicionamento, etc.
À noite, saída no Mussulo II, comandante e o vovô, navegando a motor, com vento zero, durante umas três horas, para fundear numa pequena baía, que na manhã seguinte se mostrou em todo o seu esplendor, cercada de montanhas verdes. Lugares deste (ex) paraíso terrestre, quase intocados!
Noite bem dormida, sossego lindo, vista em 360° que faz esquecer os problemas de Kadaffi, Bin Laden, e até da vergonhosa política deste tão belo país!
Depois de um frugal e suficiente “mata-bicho”, levanta ferro, novamente a motor, que o vento ainda dormia, devagar, para ir digerindo a beleza do entorno, até que a meio da manhã o vento começou a surgir, as velas timidamente se foram enchendo, o motor desligado, e a navegação uma maravilha, sempre à vista daquele exuberante verde das montanhas, a que o belo sol emprestava ainda um realce e uma variante de tonalidades, de impressionar qualquer Manet ou Van Gogh!
Preparação do almoço: um agradável strogonoff “eletrônico”, que leva três minutos a preparar, aliás, a aquecer, umas batatas fritas de pacote à ilharga, belos pratos e talheres e um soberbo Cabernet Sauvignon chileno da vinícola do Baron Philippe de Rothschild, servido em copos de pé alto! Bem, melhor do que isto, só mesmo igual a isto.
O “tio” telefona para a filha, em São Paulo, para avisar a que horas pensava ali chegar e a informar que a navegar assim iria até à China. “Pai, aqui em São Paulo caiu o maior pé de vento e uma chuvarada incrível. Até árvores quebraram.” “Guarda essa chuva por aí que nós aqui estamos no paraíso!”
Telefone desligado, o cabernet a tornar a conversa mais agradável, ao longe viam-se já algumas nuvens escuras, mas... ainda longe.
Não tardou cinco minutos, e o tal vento de São Paulo, uma daquelas famosas frentes frias que chega sem avisar, nos apanha descontraídos! O barco sacode, um dos copos do Baron se entorna, recolhe pratos, talheres e panela, o resto da garrafa na geladeira, corre a rizar velas (o comandante, é claro, que o “tio” já está desqualificado para tais tarefas), acode ao leme que o vento mudou, e o tal paraíso virou uma pequena luta!
Não durou muito. Talvez uns quarenta ou sessenta minutos! O mar já formava carneirinhos, tentava invadir o cockpit, mas sem êxito, que ele rapidamente foi fechado, o vento zunia no mastro e nos brandais e, vindo diretamente do clube obrigava fazer bordos extra!
O ventou depressa se cansou, mas a chuva não. Já perto do clube onde o “Mussulo II” descansa, novamente é o motor que os leva. Acabam de se arrumar as “ferramentas” do tranqüilo almoço e constata-se que o que sobrara do Baron agonizava entornado no fundo da geladeira! Que desperdício!...
Foi um ótimo fim de semana. Calmaria, vento fresco, algumas rajadas mais fortes para mostrar quem manda no mar, e o “tio” já a saber que a nova aventura de cruzar o oceano, estava fora dos seus limites físicos!
Talvez tenha sido uma despedida, mas ficava o desconforto de não poder levar outro “Abraço à Vela” desta vez para os tantos amigos em Portugal!
Pensava ainda se não teria sido também o seu “egozinho” a desejar ganhar alguma “fama”, alguns aplausos pelo feito!?! Talvez.
3 de maio de 2011
Mas Camões trouxe-lhe um recado:
Queria ir p’ró mar o nosso amigo
P’ra ir encontrar outros, lá tão longe.
Sair a lembrar o gosto antigo
Mas mantendo o seu pensar de monge
Em busca do incerto e incógnito perigo,
Não procura nem a fama nem lisonja.
Que fama arranjarei? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
Ó glória de ganhar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
P’ra ir encontrar outros, lá tão longe.
Sair a lembrar o gosto antigo
Mas mantendo o seu pensar de monge
Em busca do incerto e incógnito perigo,
Não procura nem a fama nem lisonja.
Que fama arranjarei? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
Ó glória de ganhar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
Mantém a Vela... foi-se o Abraço!
3 de maio de 2011
Um grande abraço "Tio Chico".
ResponderExcluirComo disse John Lennon, "a Vida é aquilo que acontece quando estamos a fazer outros planos".
Estamos juntos!!
Olá Francisco!
ResponderExcluirBusquei contactá-lo após ler seu comentário no site Vidas Lusófonas, escrito em 2000, segundo informa o mantenedor daquele espaço, o Fernando Correia da Silva, autor de um artigo em que escreve sobre Zumbi dos Palmares, cujo texto você(você mesmo?)tece algumas crítica, muito bem fundamentadas e que me elucidaram para questões que eu desconhecia.
Gostaria de manter contato com você por e-mail, se possível, caso você seja o Francisco que assina o comentário daquele site.
Vi que você mantém, além deste Blog, outros dois. Poderia me explicar melhor do que se trata cada um deles? Apesar de que continuarei frequentando este espaço e os demais pois apreciei sua escrita e seu olhar crítico.
Meu contato: http://marciamaracaja.blogspot.com/
Até!
Márcia Maracajá