domingo, 4 de julho de 2021

 

TEO – DEUS

Ensaio filológico e filosófico

 

Começo por pedir que me relevem a pretensão de falar sobre assuntos transcendentes, transcendência que existe há centenas de milénios. Não tenho a intenção de discutir dogmas ou profecias, mas “passear” um pouco sobre a série de vocábulos que se referem a Teo, o Deus.

Também não há nenhuma tentação de aspirar a conhecer grego, porque desconhecedor seria até amabilidade, nem de exibir conhecimentos. Vamos lá.

A palavra que mais se conhece deve ser a Teologia que estuda as questões do conhecimento das divindades, qualquer divindade, com religião ou sem ela... se existe.

Começa logo aqui o problema: ninguém sabe quem é Deus, como Ele é (sempre com maiúsculas, por respeito), e o mais difícil é tentar entrar a fundo no problema partindo dum princípio nebuloso, que é o desconhecimento total de como terá aparecido o Deus.

Arranjou-se uma fórmula demasiado simplista: Deus não teve princípio nem tem fim. Fácil, hein? A fórmula encontrada, Ninguém criou Deus. Deus sempre existiu. Essa é a definição de eterno. Deus é o Criador que não precisou ser criado.

Por muito estudiosos que sejam os grandes teólogos, ao esbarrarem no princípio dos princípios, dão logo uma saída de fininho, afirmando, como se isso fosse possível, terem conhecimento que Deus é sempiterno, e pronto. Diz a Bíblia que No princípio, Deus, do nada criou os céus e a terra.

Quem não acreditar é ateu e pode, ou podia, ser queimado na fogueira, ou morto de qualquer outro modo.

É fácil imaginar, desde que os Homo começaram a pensar, que haveria alguma força superior a que todos estavam sujeitos, mas sem entenderem o que seria. Mas que os amedrontava. Eram raios e trovões, enchentes, doenças e outras “esquesitices”! Tsunamis e vulcões, que cuspiam o fogo divino, zangado, lembrando o tempo em que Deus mandava alguns povos guerrearem outros e se apropriarem das suas terras e mulheres. 

E foram surgindo os mais vivaços que se autodeclararam interpretes desse divino. Criaram normas, leis, submetendo o povo, povo mentecapto, com medo da vingança desse terrível divino e assim chegavam a reis, imperadores, grandes chefes, etc. Como muitos reis com a Graça de Deus, rei de...¸ juntando assim à força das suas tropas a de uma hipotética divindade.

Nasceu a Teocracia, como todos sabem, governo baseado em religião, que perdura até hoje em muitos países, governos que se mantém, não pelo temor a qualquer divindade, mas à vingança dos chefes, que se dizem representantes do incognoscível!

Basta ver o que se passa hoje, bem por baixo dos nossos narizes, com o Islão, como se passou com a Sagrada Inquisição, e mais lá para trás com os massacres em nome de Deus, para conquista de riquezas, regiões, etc.

Alguns dos fundadores de religiões convenceram os seguidores porque tiveram aparições com Deus que lhes disse o que haviam de fazer. A isto se chamou Teofania, a aparição ou manifestação de Deus, ou mesmo a festas com imagens de Deus. E, ai de quem não aceitasse essa ligação homem-deus.

Durante uns tempos houve até quem se chamasse Teofano ou Teofana. Não há memória de uma Teófana mais teofanada do que uma tal esposa de Romano II († depois de 991) chamada Teófano Anastácia, que foi nora de Constantino VII Porfirogênito, esposa do tal Romano II, depois esposa de Nicéforo II Focas, amante de João I Tzimisces e mãe de Basílio II, Constantino VIII e da princesa Ana Porfirogênita. Mulher valente!

Mais - quase dizia absurdo - é a Teogonia (doutrina mística sobre nascimento de Deus), quando, sendo Deus sempiterno, sem princípio nem fim... não nasceu! Por isso os teógonos devem discutir dias, meses, anos, para jamais saírem do problema: “Quando, como, onde, etc.”

Herança, também não se sabe de onde, a Teomancia, adivinhação por suposta inspiração divina, permanece um negócio para aqueles que leem as linhas das mãos, que adivinham (adivinham?) o futuro, jogam as cartas do Tarô, e outras práticas esotéricas a que se passou a chamar quiromancia, para não comprarem briga com Teo.

Com a modernidade (?) e a tecnologia, tem-se vindo a notar o afastamento dos crentes das cerimónias ditas religiosas, daí esses pseudo crentes encontraram então, como princípio, a Teofilantropia, crença em Deus, mas sem culto, uma vez que é muito mais cómodo ficar em casa do que ir aos centros de culto, a esmagadora maioria... por obrigação e muito pouca devoção, palavras há poucos dias citadas pelo Papa Francisco. Essa filantropia com vista a abater nos impostos, ou até por caridade, caridade essa que é humilhante, quando se trata de dar alguma coisa a outrem sem se dar de corpo e alma. A caridade assim é ofensiva. Quando se dá uma esmola, cria-se um servo, um devedor, e ninguém, intimamente, gosta de dever o que quer seja. Muito menos a um superior.

Homens para tentarem encontrar o divino, ou simplesmente para se refugiarem das multidões, se refugiavam como eremitas, no alto das montanhas, isolados ou nos conventos, orando ou não, à procura de salvarem as suas almas, quando esqueciam de salvar as suas vidas. Procuravam a bondade divina e, nesse viver praticavam aquilo a que os filólogos chamam Teodiceia, um conjunto de ideias que procuram justiçar a bondade divina). É também uma prática que parece estar em vias de extinção. Não há mais vocações e muito menos eremitas.

E ainda há os que se afirmam teólogos, que procuram inúteis discussões para se exibirem. Esses têm um nome de que eu até gosto muito. São os Teologastro, os teólogos medíocres. Estes, vaidosos, dedicam-se mais ao Teologismo, ao abuso de princípios teológicos, para impressionarem os incautos. Muitas leis e muita certeza do que é incerto.

É certo que houve, na história do catolicismo, teólogos, que merecem o maior respeito, porque além de não se dedicarem somente ao estudo das coisas de Deus, puseram sempre em primeiro lugar as coisas dos homens. Pensaram no Outro. Só para citar alguns: Erasmo, Lutero, Fernando Martins Bulhões conhecido por Santo António, Benedito de Spinoza, Tomaz de Kempis, Teillard de Chardin que lutaram com o seu pensamento por uma religião humanizada, a quem eu ao longo da vida várias visitas, e ainda hoje vou, já raras vezes, visitá-los.

Talvez estivessem mais ligados à Teosofia, a doutrina sobre a união do homem com a divindade, já que não esqueceram que a autêntica doutrina é a que procura levar a humanidade a encontrar o paraíso neste planeta onde fomos colocados, em vez de esperar por algo lá... nos céus... pura invenção dos que montaram hierarquia para governar os mais fracos.

O que dizer da Teomania, loucura, obsessão por Deus? Será o que fazem aqueles que se mortificam? Loucura e obsessão são desiquilíbrios mentais, e há, na sua Fé, aqueles que buscam tudo para procurar agradar a Deus, e acabam desiquilibrados.

Mas aqueles de mais Fé são os que têm Teofobia, que é horror a Deus! Simples. Alguém só pode ter horror a algo que ele conhece, sabe que existe, é verdade. Penso até que o teófobo é o que mais tem a certeza da existência de Deus, mas, perdido, sem saber onde o encontrar, e com a carga violenta de toda a história das religiões com as ameaças dos castigos divinos acaba, por ter pavor do que Deus lhe pode fazer.

Por fim a Teofilia, dos mais simples, como Francisco de Assis, são os Teófilos, os amigos de Deus, aqueles que se entregam inteiramente. Conheci bem um, amigo. Não sei se seria muito crente, mas mostrou enorme coragem ao defender e ajudar Outros em muito difíceis situações. 

Para terminar estes considerandos, deixamos a palavra aos filósofos, com alguns pensamentos sempre de grande atualidade:

A mais simples frase, de Pascal: a única solução é apostar em Deus: se Ele existe ganha-se tudo; se Ele não existe, nada se perde.

Para Nietzsche essa ideia de Deus e do paraíso celeste nos impedia de aproveitar a vida em prol de um objetivo imaginário. Ele dizia haver apenas um mundo, e afirmava que, quando percebermos isso, somos obrigados a rever nossos valores e aquilo que entendemos como humanos.

Paolo Flores d’Arcais dá-nos uma definição de grande profundidade: A filosofia nasceu como uma exigência sacrílega, como investigação que revoga em dúvida, e, portanto, desafia, as respostas da religião consagradas pela autoridade da época, e por todas as autoridades.

Descartes deixou uma frase basilar: a dúvida é o primeiro passo para se chegar ao conhecimento, o que significa não aceitar como certo tudo o que nos dizem. Obriga cada um a refletir e se interiorizar.

Paul Valery desmascara a política (que interfere em tudo) com uma afirmação, ótima para terminar este pequeno e despretensioso passeio pela Teo... e pela Filo...:

A política é a arte de impedir as pessoas de se envolverem no que lhes diz respeito.

 

03/07/2021

 

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