segunda-feira, 26 de julho de 2021

 

Notícias  da  Califórnia

A pequena e simpática cidade de Sausalito, com cerca de 7.000 habitantes, um pouco a norte de San Francisco, passada a Golden Gate, está sobre uma bomba relógio, por se encontrar em cima da famosa “Falha de San Andreas”. Sismos são quase constantes, e a qualquer momento um grande terremoto pode acontecer. Todos os habitantes têm disso consciência, mas... a vida segue normal e tranquila.

Henry Sousa, jovem engenheiro naval nascido em San Diego, filho de um açoreano construtor de barcos de recreio, que o iniciou naquela arte e que Henry depois desenvolveu na universidade, assim que se formou mudou-se para Sausalito, onde logo encontrou trabalho, e era muito muito mais agradável do que qualquer grande cidade. Trabalhava com barcos e gostava de dar o seu passeio de bicicleta, sempre que algum tempo livre o permitia.

O seu trabalho, além de projetar novas embarcações, que não lhe ocupavam todo o tempo, era também dar assistência a muitas das que estavam fundeadas cidade.

Cidade baixa plana, rodeada por alguns morros de baixa altitude, ruas bem arborizadas, era um ótimo local para, tranquilo, fazer um pouco de exercício, pedalar, pensar, apreciar os arredores.

Ali era quase um refúgio de artistas, e de alguns endinheirados, que gozavam da tranquilidade do lugar.

Um dos casais com vida financeira folgada, Pauline e Brian Jones, ela, médica, nos trinta e pouco e ele quase cinquentão, bem de vida, sem filhos, diretor de uma empresa de informática em Silicon Valley, para onde se deslocava com frequência, ficando às vezes lá por alguns dias, em constantes reuniões, sem voltar a casa.

Pauline, trabalhava num Centro de Atendimento médico em Mill Valley, a cerca de 10 minutos de sua casa.

Amantes de mar possuíam um veleiro de 28’, onde raro saiam, cuja guarda e manutenção estava entregue a Henry com quem já haviam saído para alguns passeios naquela linda baía.

Nos seus passeios de bicicleta, normalmente de manhã, houve um dia em que Henry passava na rua onde moravam os Jones, um sismo, não muito forte, fê-lo desiquilibrar-se um pouco na bicicleta. No mesmo momento Pauline ia a sair no seu carro, de ré. Assustou-se com o sismo, não viu o ciclista e acertou-o em cheio no exato momento em que ele, meio desiquilibrado passava por trás!

Henry no chão, meio combalido, bicicleta torcida, Pauline sai do carro, aflita, ajuda o ciclista a levantar-se, o que muito lhe custou, senta-o no carro enquanto vai buscar a bicicleta caída no meio da rua, e volta com o carro para a garagem, com o chão já a tremer menos.

Preocupada com Henry, que sangrava um pouco de algumas esfoladelas, levou-o para dentro de casa, pegou desinfetantes, ligaduras e outros, toalhas para limpar o sangue, mas antes quis assegurar-se que não havia fratura alguma.

Cuidadosamente tratou das feridas, pequenas, enquanto Henry se compunha da queda que o deixara meio tonto, combalido.

Já conhecidos, Henry concordou com a médica, que não parecia haver necessidade de ir ao hospital, mas precisava de descansar um pouco.

- Deixe-se ficar no sofá até se sentir bem. Esteja à vontade. Quando quiser sair eu vou levá-lo a casa.

Verão, um dia lindo, Pauline vestia uma roupa leve, que deixava a sua figura jovem bem desenhada, o que ao “acidentado” não passava desapercebido!

Com as ideias baralhadas com o tombo, acabou por adormecer, mesmo sentado, sono que não durou muito. A seu lado Pauline aguardava, preocupada, o evoluir do problema.

Henry abriu os olhos, ajeitou-se na cadeira, olhou bem nos olhos de Pauline, ainda sem realizar o que, exatamente, estava ali fazendo! Levemente dolorido, as feridas pensadas, devagar reconstituiu o que lhe tinha acontecido.

- Pauline, muito obrigado pelo seu cuidado. Estou a sentir-me já muito bem. Posso ir para casa e não a incomodar mais.

- Não, Henry, eu é que tenho que me desculpar. Não o vi e... podia até ter sido bem pior. O sismo atrapalhou-me.

- É normal um ciclista passar desapercebido nestas ruas arborizadas, com sombra das árvores alternado com o sol direto. Eu quando vi o carro a descer para a rua devia ter parado, mas também estava meio preocupado com o sismo. E nem cuidei de olhar para me certificar se me tinha visto. Mas tudo já passou e vou ter que lhe pedir uma coisa mais.

- O que quiser.

- Levar-me a casa mais a bicicleta torcida!!! Sabe onde moro?

- Não.

- Numa boat house em meio de reconstrução, em Waldo Point.

- Com certeza, mas como são quase horas do almoço, vou preparar qualquer coisa e depois falamos nisso.

Pauline levantou-se, saiu da sala e Henry, depois de se assegurar que estava em condições de se levantar e andar, foi atrás.

No corredor que levava à cozinha de repente novo choque! Pauline tinha parado para fechar a porta de um quarto e quando Henry estava a passar, desta vez o “acidente” foi bem melhor: ficaram agarrados um ao outro. Primeiro um ar de espanto, depois o abraço foi-se ajeitando melhor, olhos nos olhos, Henry bem devagar foi aproximando a cara e beijou-a, sem que Pauline esboçasse algum gesto de repúdio!

- Desculpe Pauline. Desculpe. Foi ato impensado!

- Se foi impensado, o que lhe parece este em que eu, nós, estamos a pensar?

E sem dar tempo a resposta, agarra-o bem e o beijo foi bem mais demorado.

A seguir, pega-lhe na mão, e de mansinho leva-o, não para a cozinha, mas para outro lugar. Henry deixa-se levar, o coração a bater mais forte.

Entram no quarto dela e não tardou que tivessem esquecido a hipótese do almoço. Deixaram-se ficar em exercícios, que normalmente se fazem na cama, por um bom tempo!

Jovens, cheios de saúde, mesmo com o pequeno acidente ciclístico, deram largas à sua juventude.

Quando pararam um pouco, Pauline confessou:

- Eu e o Brian estamos casados há quase oito anos. Mas hoje os seus “bits” parecem ser muito mais importantes do que eu. Tenho até andado a pensar em divórcio. Este nosso encontro trouxe-me nova vida. Foi providencial.

- Pauline, eu sou solteiro à espera que me caia uma “deusa” do céu! Parece-me que o céu não deixa nada cair, sem que um fenómeno estranho aconteça! Como o raio, seguido do trovão, e depois a bonança. Você caiu do céu!

- Se eu soubesse já o tinha atropelado há mais tempo!

- Daqui para a frente não vamos perder mais tempo. Arranjaremos maneira de nos encontrarmos. Até...

Conversa interrompida com mais beijos e com o resto.

- O Brian só deve voltar amanhã à tarde. Temos ainda muito tempo para aproveitar. Agora vamos comer alguma coisa para não perdermos as forças!

Uma refeição rápida, uma garrafa de vinho para festejarem e, já enamorados, foram para a boat house. Pauline encantou-se com a simplicidade da casa, já habitável, que visitou sem largar o braço ou a mão de Henry.

-  Pauline: já pensei num plano para amanhã! Eu saio daqui cedo, no meu carro, e vamos passar o dia em Bird Island. Lá perto tem um pequeno e simpático restaurante e voltamos depois do almoço.

- Ótima ideia.

- Hoje vou deitar-me cedo para arrumar as ideias e amanhã, pelas oito horas passo em sua casa.

­Mais um longo beijo de despedida, Pauline, que tinha redescoberto o gosto de viver, voltou para casa a pensar que tinha que deixar o marido mais a sua informática. Conhecia já Henry, um rapaz, 29 anos, educado, que lhe pareceu uma boa companhia. Mas tinham que caminhar ainda algum tempo para melhor se conhecerem. Encontros, sempre que possível, tudo bem, mas compromisso... terá que esperar um pouco.

Henry, moído, dormiu intercalado com sonhos estranhos, mas... gostosos.

Pauline, nervosa. Sabia que uma nova vida começava para ela. O casamento com o Brian estava agonizando, apesar de sempre se terem tratado muito bem, com muito mais amizade do que amor, que parece havia sumido. Custou-lhe a adormecer até porque sabia que de manhã a esperava novo passo para...

Oito e pouco já ela estava à espera, Henry nem teve que sair do carro a não ser para lhe abrir a porta. O beijo que ficou à espera a noite toda, “vingou-se” bem cedinho antes de carro começar a andar.

O caminho para a praia, por estradas secundárias, deixava-os com um sentimento de tranquilidade, que os fazia apreciarem mais a pequena serra que tinha que cruzar, e a sua mata. A distância, curta em linha reta, acabava levando a cerca de 20 milhas.

Praia pequena, quase ninguém, um paraíso para namorados. Pauline com no seu biquini estava linda. Com Henry, também jovem, físico saudável, faziam um par perfeito, onde se via uma forte atração mutua.

Nadaram, estenderam-se ao sol, abraçaram-se, beijaram-se mais vezes do que as calmas ondas do Pacífico, deixando-se ali ficar o máximo de tempo que puderam.

No regresso a casa não houve tempo para uma parada num hotel. Brian podia chegar mais cedo!

Já em casa, ao jantar, em ambiente tranquilo, Pauline vai direta ao assunto:

- Brian, a nossa vida de casal está morta! Eu sei que a empresa te dá imenso trabalho e preocupações. Eu continuo com a minha vida na rotina da medicina e a ter que ficar muitas vezes só em casa. Sabes como te considero, mas isto não é vida de casal, tanto mais que até hoje nem um filho conseguimos. Acho que o melhor para ambos é nos separarmos.

Brian arregalou os olhos. Jamais esperaria que tal acontecesse.

- Pauline, tens razão, e eu me sinto culpado por isso. Não adianta prometer que vou ser outra pessoa daqui para a frente, porque nestas idade só a boa vontade nada faz. Se achas que vais encontrar mais felicidade na tua vida, não sou eu que te vou impedir. Não quero é perder a nossa amizade e respeito, que a vida profissional transformou o que começou como um grande amor,

É evidente que algumas lágrimas quase, quase, correram.

Pouco tempo passado, divórcio legalizado sem traumas.

Brian tinha já uma considerável fortuna. Deixou a casa e uns milhões a Pauline e foi lá para Silicon Valley aumentar a fortuna. E depois se soube que foi também ter com uma outra que tantas vezes o acompanhava nas “noites” de reuniões de trabalho! Por isso também foi tão amável no divórcio!

Henry acabou de compor a Boat House, que vendeu, e tinha à espera um grande amor, uma bela casa e até um veleiro para disfrutarem aquela baía!

Melhor do que tudo isso é que não demorou a que chegasse o primeiro filho. Um Sousa...lito!

Para estes parece ter chegado algo que caiu, MESMO, do céu.

Até ver.

 

24/07/21


Um comentário:

  1. Uma pequena história, aparentemente banal mas bonita. O Tio ainda vai muito a tempo de escrever um romance,quiçá meio biográfico, geográficamente alargado, recheado de personagens, eventos, aventuras,
    etc, etc

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