Os
Reis Magos
Aquela
pequenina passagem do Evangelho de Mateus (2-10),
continua a ser uma das mais enigmáticas e poéticas de todo o seu Evangelho.
Tendo Jesus nascido em Belém da
Judéia no tempo do rei Herodes, vieram do oriente uns magos a Jerusalém,
perguntando: Onde está aquele que nasceu Rei dos Judeus? porque vimos a sua
estrela no oriente, e viemos adorá-lo. O rei Herodes, ouvindo isto,
perturbou-se, e com ele toda Jerusalém;
e reunindo todos os principais
sacerdotes e os escribas do povo, perguntava-lhes onde havia de nascer o
Cristo. Eles lhe disseram: Em Belém da Judéia; pois assim está escrito pelo
profeta: E tu Belém, terra de Judá, Não és de modo algum o menor entre os lugares
principais de Judá; Porque de ti sairá um condutor, Que há de pastorear meu
povo de Israel. Então Herodes chamou secretamente os magos, e deles indagou com
precisão o tempo em que a estrela tinha aparecido; e enviando-os a Belém,
disse-lhes: Ide informar-vos cuidadosamente acerca do menino; e quando o
tiverdes achado, avisai-me, para eu também ir adorá-lo. Os magos, depois de
ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela, que viram no oriente, ia adiante
deles, até que foi parar sobre o lugar onde estava o menino. Ao avistarem a
estrela ficaram extremamente jubilosos. Entrando na casa, viram o menino com
Maria, sua mãe, e, prostrando-se, adoraram-no; e abrindo os seus cofres,
fizeram-lhe ofertas de ouro, incenso e mirra. Sendo em sonhos avisados por Deus
que não voltassem a Herodes, seguiram por outro caminho para a sua terra.
Escrito
em 50 d.C. é uma afirmação coeva e assim fidedigna.
Mateus
não diz quantos eram, não lhes pôs nomes, nem os conheceu, nem lhes chamou
“reis”, o que só veio a acontecer quando Tertuliano (Quintus Septimius Florens Tertullianus, c. 160 - c. 220) deu aos Magos o título de reis,
provavelmente por causa da riqueza de seus presentes (ouro, mirra, incenso);
mas também em conexão com as proclamações do Antigo Testamento, em particular: "As nações caminharão em direção à sua luz, e
os reis para a clareza de sua ascensão... Todo o povo de Saba... eles vão lhe
trazer ouro incenso" (Isaías 60).
Ou: "Os reis de Saba e Seva prestarão o tributo,
todos os reis prostrarão diante dele" (Salmo 72).
Os
textos sagrados, coevos ou não, são um tanto confusos sobre aqueles três, ou
quatro, ou mais, segundo algumas fontes, Magos ou Reis Magos, que se foram
ajoelhar em frente de um Menino.
Na
iconografia, eles usam uma coroa de flores pela primeira vez num manuscrito do
final do século X, o Menológio de Basilio II, (imperador bizantino, 960-1025).
A mais antiga descrição dos reis
magos foi feita por São Beda, o Venerável (673-735), que no seu tratado “Excerpta
et Colletanea” assim relata:
Belquior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo
partido de Ur, terra dos Caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e
partira de uma distante região montanhosa, perto do Mar Cáspio,
e Baltasar era
mouro, de barba cerrada e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico,
na Arábia Feliz.
E descreve assim suas personalidades: Gaspar
significa “Aquele que vai inspecionar”; Melquior quer dizer: “Meu Rei
é Luz”, e Baltasar se traduz por “Deus manifesta o Rei”. Para São
Beda, como para os demais Doutores da Igreja que falaram deles, os três
representavam as três raças humanas existentes, em idades diferentes. Neste
sentido, eles representavam os reis e os povos de todo o mundo.
Aparecem depois os mesmos nomes no Evangelho arménio
da infância¸ um
apócrifo do século VI, traduzido por Voltaire em 1769.
Pelo
quadro abaixo estaria Gaspar na frente, seguido de Belquior (ou Melquior) e
atrás Baltasar.
Detalhe da Natividade, sec. XII-XIII, na catedral
arménia em Ispahan, Pérsia.
(Uma maravilha arquitetônica. Nenhum era, ainda,
preto!)
Decidiram que eram três, “vindos
do Oriente“, porque representavam os povos conhecidos dessa
região. Só a partir do século XIV é que se entendeu “transformar“ um deles em
africano, para mostrar que todos os povos da Terra adorariam o Menino.
Logo no começo do século XVI, entre 1501 e
1506 o grande pintor português Grão Vasco pintou Melchior como um índio do
Brasil, alargando assim a ideia da expansão do cristianismo.
Do Museu Grão Vasco, Viseu, Portugal
Esses Magos seriam o que chamaríamos hoje de Sábios
que professavam o zoroastrismo, também conhecido como Mazdeismo, em
homenagem ao seu principal deus, Ahura Mazda, o "Senhor Sábio", que tem
como seu principal profeta Zaratustra (Zoroastro), autor do texto sagrado, o
Avesta, sendo difícil situar a data do seu nascimento que oscila entre o séculos
VI e XVII a.C. Foi a religião oficial na Pérsia dos Acheménidas e Sassânidas
até 651, quando os muçulmanos tudo destruiram.
Também não parece difícil entender porque lhes chamaram de Magos: o
deus do zoroastrismo era "Ahura",
senhor e "Mazda", sábio. Mazda... Mago.
Eles
sabiam que algo de grande, único, tinha acontecido, quando viram no firmamento
aquela estrela, nova e brilhante, que se movia, e que eles entenderam que os
estava a chamar.
No
alvorecer da nossa época, a astrologia e a astronomia floresciam na
Mesopotâmia, que era então parte do Império Persa. Anunciava todos os eventos
da vida: nascimentos, casamentos, sementeiras e prescrições médicas, campanhas
militares ou começo de viagens. As nossas gerações urbanas dificilmente olham
para essas estrelas ofuscadas pela luz das cidades iluminadas dia e noite.
A
estrela de Belém era imaginária ou real? Não uma "simples estrela",
mas uma "estrela" para ser o mais próximo possível do texto bíblico, enquanto
muitos exegetas lhe chamam “astro”, principalmente simbólico, mas a verdade é
que a astronomia e arqueologia deram respostas aceitáveis para as nossas
mentalidades cartesianas.
No
início do século XVII, quando foi descoberto que o nascimento de Cristo acontecera
provavelmente alguns anos antes, o astrônomo Johannes Kepler calculou que no
ano 7 a.C., uma tríplice conjunção de Júpiter e Saturno variou em vários meses,
seguida por uma grande conjunção de Marte, Júpiter e Saturno, em 6 a.C. Um
fenômeno raro em astronomia, mas que em si não tinha nada brilhante no céu para
a maioria dos comuns. Apenas grandes especialistas das estrelas poderiam ser atraídos
por ele, como os astrônomos caldeus, que mantiveram durante séculos registros
de observação do céu e capazes de prever fenômenos astronômicos de seus centros
na Babilônia, Uruk, Nippur...
Em outra
descoberta extraordinária, especialistas americanos em escrita antiga publicaram,
em 1984, a tradução de uma placa cuneiforme encontrada na Babilônia, que descreve
a famosa conjunção do ano 6/7. Prova de que os caldeus tinham toda a informação
em mãos.
Mas daí
até ao ponto em que esses sábios sacerdotes astrônomos decidem partir para
Jerusalém, a cidade sagrada dos judeus a história nada sabe E por que não? Eles
podem ter sido despertados pela profecia bíblica de Balaão, um profeta
mesopotâmico que, no Antigo Testamento (Livro dos Números, 22-24), que havia
predito uma estrela anunciando um novo rei de Israel e cuja arqueologia mostrou
que ele era conhecido também fora da Bíblia. Na época as estrelas eram vistas
como uma explicação para a marcha do mundo. O anúncio de momentos chave da
história. E de acordo com uma crença generalizada, planetas vigiavam os povos,
Júpiter para os babilônios, Saturno para os judeus. Um rabino português também
previu no século XV que o Messias apareceria novamente quando Júpiter e Saturno
se encontrassem, relata o historiador Jean-Christian Petitfils...
A exegese vê na chegada dos magos o
cumprimento da profecia contida em “Inclinem-se diante dele todos os reis, e sirvam-no
todas as nações.” (Salmos 72:11).
Na antiguidade, o
ouro era presente para um rei, o olíbano (incenso) para um sacerdote,
representando a espiritualidade, e a mirra, para um profeta (a mirra era usada
para embalsamar corpos e, simbolicamente, representava a imortalidade).
Uns
autores dizem que quem levou o ouro para o Menino que acabara de
nascer foi Melchior, outros Baltasar.
Cada
um disse o que lhe veio à cabeça. Talvez até cada um levasse um pouco de cada
produto!
Quem
sabia que aquele Menino, apesar de ter nascido em condições de total humildade,
e talvez por isso mesmo, não era um Menino qualquer.
Porquê,
e para quê, o Sábio Belchior terá vindo lá da longínqua Pérsia, atravessado
montanhas e desertos para fazer semelhante oferta? Talvez para, com a sua
sapiência, mostrar a todos os povos da terra a submissão das riquezas materiais
a um novo mundo que esse Menino vinha anunciar. Os ídolos de ouro, já
condenados e destruídos por Moisés, mas jamais erradicados da cabeça e da
ganância dos homens, eram assim colocados no seu verdadeiro lugar: ajoelhados
perante a Verdade, o Amor ao Próximo, a Paz. Um pouco de ouro para o Rei de
todos.
Vamos celebrar o
Dia de Reis? Não é feriado.
Os “Reis”, os
Magos, não eram reis de reinados, nem de política. Eram sábios.
Melhor ainda, eram sábios e humildes, e nessa
humildade é que há que reconhecer-lhes o quando estavam, e estão ainda, acima da
quase totalidade dos humanos.
É essa a mensagem que nos deixaram: a humildade.
Sacerdotes importantes e sábios puseram o seu Ego de lado e foram ajoelhar-se
aos pés de um Menino que um “astro” lhes indicou que devia ser o maior, o
verdadeiro Rei de quem acredita que os homens são todos iguais e que deveriam ser
todos irmãos.
O5/Janeiro/2020 – Véspera do dia de Reis.
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