AMIGOS – 8
SEM PROLEGÓMENOS
Este é o penúltimo texto sobre Amigos. Ainda poderia
escrever sobre mais uns quantos que já nos deixaram. Vou deixá-los no merecido
descanso sem jamais os esquecer.
Hoje vamos abandonar as “corporações” e apresentar-lhes algumas figuras
de legenda.
Em Angola jogava-se ténis e em Luanda sobretudo no
Club de Tênis. Ali era também um simpático ponto de encontro ao fim do dia e
nos fins de semana.
Como em todo o lado tinha jogadores bons, outros pouco
mais que medíocres (como eu, que joguei desde os 10 anos até que um dos joelhos,
uns anos depois de ter sido atropelado por um trator... não permitiu mais) e alguns
piores ainda, além dos convencidos e dos simples.
Mas um dos aspetos mais importantes é que eram todos
amigos.
Começo, em Luanda com o Fernão Dornellas, um ferrenho
batalhador, que hoje, quando vejo o espanhol David Ferrer, também um lutador,
me lembro muito deste amigo. Se jogava comigo sempre me dava uma surra, mas
quando se organizou um torneio inter bancários, nós formámos um par e, podem
crer, fomos à final. Mas nessa altura o meu joelho estava já a pedir socorro e
tive que entrar em quadra com a raquete numa mão e bengala na outra. Du jamais
vu! Mal aguentei até ao terceiro jogo e saí arrastando a perna! O Fernão ficou
muito chateado comigo, mas nunca deixámos de ser grandes amigos.
Os grandes nomes daquela época – anos 60 – eram principalmente
dois que, do mesmo modo, e que me desculpem a comparação, me lembram deles
quando vejo o Nadal e o Federer!!! Não é brincadeira.
O Francisco Correa de Sampaio, jogo firme,
determinado, combativo, seguro, meio século depois, agora, teve um “seguidor”,
tipo Rafael Nadal. O outro, Cristiano Lane que, como o anterior conheci em
1944/45 quando passei um ano no colégio dos jesuítas em Santo Tirso, descontraído,
elegante, um jogo lindo, não há dúvida que “baixou” no Federer.
Eram ambos o top do Club e, nem sempre ganhava o mesmo.
Alternavam. Tal qual hoje.
Eu joguei muito em Sintra, desde criança, naquele ano
em Santo Tirso, com os mais velhos, e em Benguela, mas nunca me dediquei muito.
(Tinha outras coisas para fazer!)
Saudades do Fernão, do Francisco e do Cristiano.
O Fernão
e o Francisco, num grande encontro de amigos em 2012
E em Benguela,
1954/55 – Os três tenistas daquela cidade maravilhosa!
À
esquerda (esqueci o nome) foi diretor de Fazenda; à direita colega na
Lusolanda, Mário Magalhães
# # #
Agora um “cara” muito especial!
Um dos maiores guitarristas que Portugal já teve. E um
grande parceiro para as farras! Senhor conde, cujo título nunca usou nem lhe
interessava. Nobre, marialva, caçador, fadista, amigo.
Tocava desde adolescente, com um toque que foi só
dele. Quando voltava do liceu e tinha alguma notícia menos agradável para dar
aos pais, refugiava-se no sótão da sua casa e a guitarra gemia!
Eu também cheguei a tocar alguma coisa, guitarra e
violão, mas em África, por falta de parceiros para tocarmos juntos abandonei, e
hoje não consigo tocar nada.
Mais velho do que eu uns 17 anos, ele sempre em
Portugal e eu peregrinando por África e Brasil, quando nos encontrávamos,
erámos amigos sem diferença de idade.
Um dia convidou-me para uma caçada aos coelhos no
Ribatejo. Dezembro. Um frio de cortar à faca, pior para quem já era semi
africano. Emprestou-me uma espingarda, mas nem as luvas evitavam que
enregelasse as mãos. Creio que dei um tiro, não matei nada, mal podia mexer os
dedos enregelados! A turma toda da caçada tinha preparado uma bela almoçarada,
o que me valeu um pouco, e regressámos no fim do dia no carro dele, sem
aquecimento! Cacei uma friagem maior do que na Antártica. Mas repetiria hoje se
pudesse.
Em 1961, eu estava a morar em Sintra, na quinta que
ainda era da família, e aguardava que a Cuca
me mandasse de volta a Luanda. O virtuoso da guitarra também morava ali
perto, em São Pedro.
Combinámos fazer uma fadistice em nossa casa. Desafiámos
uns quantos amigos fadistas. Eu disse que arranjaria um barril de cerveja e ele
comprometeu-se em arranjar o vinho, visto que era grande conhecedor da bebida e
dos produtores da região. Saiu de casa a seguir ao almoço e eram oito na noite
e... nem o guitarrista nem o vinho. Telefonei à mulher que me disse que quando
ele ia comprar vinho era obrigado a provar e beber uns copos em todo o lugar
onde passava!
Por fim chegou, com um barril de 20 litros. Uma
delícia, claro. O verdadeiro e saudoso Ramisco.
Foram chegando os amigos, e vá de começar a farra.
Por volta das duas da manhã chegou a senhora condessa,
uma das maiores fadistas de todos os tempos, com os seus acompanhantes, vindos
dum serão para trabalhadores na FNAT!
A festa prosseguiu até ao nascer do dia. O vinho
bebeu-se todo e da cerveja, no dia seguinte, mal saiu um copo. Mas ninguém
estava “entornado”!
Uma ou duas semanas depois repetimos a festa na casa
dele. Bem mais incrementada, e com a nata do fado. Os convivas saíram de lá,
sol mais que nascido, mês de Junho, de óculos escuros!
Nunca quis gravar um disco, o que nos fez perder um
virtuosismo único, e era “péssimo” acompanhante de cantadores, porque ele
cantava melhor na guitarra!
Foi grande, e grande amigo, o José António Sabrosa e a
sua mulher Maria Teresa de Noronha.
A farra em nossa casa começou assim:
Segue uma guitarrada com Zina
Torre do Vale, José António e Fernando Alvim;(o anfitrião engasgado)
E continuou assim, com a
Maria Tereza de Noronha, até... o sol raiar
# # #
Vamos lembrar outro Zé, compadre do anterior,
praticamente da mesma idade, grande caçador, fadistinha, outro GRANDE amigo que
tive em África e depois, bem mais tarde, em Portugal.
Em 1955 regressava eu de Benguela a Portugal num navio
de passageiros e carga, o velho “Quanza”, poucos passageiros e uma grande carga
milho para o Funchal (naquele tempo Angola exportava alimentos!). Parámos em
Luanda, onde embarcou um inglês maio babaca, que tinha vivido em Luanda três
anos e nada falava de português, e logo a seguir em Pointe Noite no Congo
(francês) para carregar mais alguma coisa e meter mais uns passageiros, entre
eles um casal de suecos já “idosos” e outro casal de portugueses, o Zé e a
mulher.
Num ambiente pequeno, todos se cumprimentaram e este
“novo” Zé, que muito estimei e admirei, não sei já como logo descobrimos que
ele era compadre do Zé António, primo direito dum primo direito meu! Pronto.
Criou-se logo uma amizade que durou até ao seu desaparecimento.
O que se faz a bordo, num navio mais cargueiro do que
de passageiros? Levantar tarde, para esticar a manhã, depois passear um pouco
pelos decks, beber um copo antes do almoço, mais outros durante o mesmo, dormir
a sesta, repetir à tarde o programa da manhã, e depois do jantar jogar cartas.
O inglês que parecia meio burro (e era), o sueco, que enchia a cara com cerveja
enquanto a mulher, já entrada em anos sentava-se no deck, levantava as saias
todas deixando finas e horríveis pernas a arejar, e o Zé jogavam bridge, mas
precisavam de outro parceiro. Entrei eu de alegre, sempre parceiro do meu novo
amigo, que jogava muito, de modo que ganhávamos sempre. Não exatamente a
dinheiro mas os perdedores pagavam as bebidas.
Mais tarde, em 1964, ganhou um torneio de bridge,
organizado pela Cuca, de parceria com outro amigo, o pediatra Rui Rebelo de
Andrade.
Entretanto, na vigem de navio, eu levava a minha
guitarra e o violão, que o Zé sabia manejar, e fazíamos uns pequenos serões,
magníficos, sobretudo quando ele cantava uma letra especial, em “ré maior” de que, infelizmente já não
lembro tudo (é preciso ser biligue...
especial para compreender!) :
Si une
riche soupière
De
chaises desenvolviu
Avec um
lace por la tête
Tout amarré dans le cu
???????
Oui, oui
me repondit
La dame
acenan le leque
Et moi
comme um catite
Fui cear
com ela avec!
Em janeiro de 58 estava volta a Luanda, e o Zé era o
gerente geral da Comfabril (CUF). Logo nos encontrámos, não só para jogar
cartas mas sobretudo para caçar.
Era um grande caçador. Talvez o melhor caçador que
conheci, com quem tanta vez fui para fins de semana no mato... Já contei no meu
livro histórias magníficas de caçadas, muito há anos já postas no blog, que
lembro com frequência. E naquele tempo não havia frescurices de proteção aos pobres
animais, porque só se caçava o que era permitido, pouco, e sempre com
cuidado para não matar fêmeas, além de não se desperdiçar nada de carne.
Naquele tempo o horário de trabalho era o da “semana
inglesa”: sábado até meio dia, e eu tinha por hábito sair depois de todo o
pessoal de modo que chegava a casa mais tarde.
Por vezes mal tinha começado o almoço, já à porta de
casa tocava a buzina do jeep. E uns gritos de lá saiam:
- Chico! Vamos hoje para (por exemplo, para a Baixa de
Cassange) e voltamos amanhã. Vem depressa que o caminho é longo!
Baixa de Cassangue, Panguila, Bengo, Cambambe, Ambriz,
por todo o lado.
Metia qualquer coisa na boca, subia a correr ao meu
quarto para trocar de roupa, calçar botas, preparar roupa para o frio da noite
e madrugada, armas e munições, e mal me despedir da mulher e filhos, e lá
íamos.
Tanta vez! Sempre com ótima disposição, e uma pontaria
invejável. Uns fins de semana, quer se caçasse muito ou pouco, eram sempre uma
maravilha.
Meu querido amigo Zé Ferreira Neto. E Arlete. Que
saudade!
31-jul-18
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