AMIGOS
– 9
(Por
enquanto, o último. Mais tarde... quem sabe?)
É muito bom falar
dos amigos e deixar uma pequena recordação das nossas vivências. Mas por agora
vou interromper este tema, e, quase de certeza ainda voltarei a ele. Tem tantos
ainda...
Uma benção, ter
tido, e continuar a ter tantos amigos.
Vou começar pelos
que conheci primeiro em Angola, e terminar com outro cuja amizade nasceu no
exílio do Brasil.
1954/55.
Vivia em Benguela e trabalhava com máquinas agrícolas.
Tirado
deste blog, escrito em 2009: Algum tempo depois
a visita foi a Chimbe, a sul de Catabola, que se chegou a chamar Nova Sintra,
mesmo que raramente alguém usasse este nome! Um comerciante da “cidade” tinha
comprado em leilão uma antiga fazenda de ingleses, abandonada, e queria cuidar
dos terrenos e da casa. Uma noite passada no velho casarão, janelas sem vidros,
e perto duma baixada alagada, foi o maior suplício que me lembro de ter
passado: o mosquiteiro deixou uma pequena entrada aos pés da cama e o ataque
das feras durante a noite, e sobretudo de madrugada, foi infernal. Por dentro,
o mosquiteiro supostamente branco, estava preto, tanta era a bicharada!
Regresso a Benguela no magnífico combóio do CFB, Caminho de Ferro de
Benguela. Carruagem cama, porque iria levar mais de 24 horas até ao destino.
Dois leitos, um dos quais estava já ocupado por um inspetor de fazenda. Feitas
as apresentações, logo de entrada o tal inspetor mostrou-se um ótimo
companheiro, descontraído, divertido, contou um monte de piadas, e fez com que
a viagem fosse muito agradável. Natural de São Tomé, gordinho, cor carregada,
mas um parceiro inesquecível, e com quem muito aprendi sobre Angola, o “meu”
novo país, visto que por lá andava há cerca só de seis meses.
Passados uns anos voltámo-nos a encontrar, dessa vez ambos a viver em
Luanda, quase vizinhos, onde criámos uma bela amizade. Sempre bem disposto,
estávamos com frequência juntos, e ele sempre nos fazia rir.
O Alfredo Diamantino!
Infelizmente não
encontro nenhuma fotografia com ele.
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Em 1958 já a viver
em Luanda, onde fui encontrar amigos de infância e primos de ambos os lados,
que rapidamente nos inseriram num grande grupo onde a amizade e a boa
disposição falavam mais alto e, sempre, em primeiro lugar.
Um desses novos
amigos, ainda solteirão, mais quatro anos do que eu, um boa praça danado,
a quem os mais velhos carinhosamente chamavam de Arraguinho,
era o gerente da Wagons Lits.
Anos passados,
estava eu a sair da firma de fotografia, microscópios e etc., passei na agência
dele, disse-lhe que estava de saída, ia para o BCCI (banco) mas que lamentava
deixar um mercado, técnico, que só eu, naquela terra dominava, o que era uma pena.
- Porque não abres
uma firma?
- Vou trabalhar num
banco, e abrir empresa?
- Porque não? Não
fazes qualquer concorrência, só lá trabalhas depois do horário do banco e fins
de semana, e com um bom vendedor segues viagem. E mais, se precisares de um
sócio, mesmo não tendo dinheiro, conta comigo.
Senti uma amizade
grande, uma disponibilidade que me tocou fundo, fiquei um pouco confuso, mas
com a maior vontade de aceitar a sugestão. Dias depois voltámos a conversar e
disse-lhe que era uma ótima idéia.
- Só com um
detalhe: fazemos uma sociedade, terá que entrar o António Nuno, já meu sócio
numa desventurada aventura de criar gado, mas amigos, também, como irmãos.
Da firma das
fotografias, o principal vendedor soube disso e logo veio ter comigo, bem como
a minha secretária. Estava composta a equipa, sensacional e eficiente.
Logo começámos a
trabalhar, a vender microscópios e outros itens, os negócios a aumentar,
vimo-nos na necessidade de ter um gerente. O António Nuno e eu, famílias a
crescer, não podíamos largar os postos que tínhamos, enquanto o Arraguinho, solteiro, era quem menos arriscava.
Garantimos que o salário dele seria igual ao que já tinha, e assim a nossa
empresa foi crescendo muito bem. Todo o lucro reinvestido, só o gerente e os
empregados tinham os seus salários assegurados.
O António Nuno, a
quem eu dizia que devia ter sido monsenhor ou arcebispo, de vez em quando
dá-lhe um ataque de organização e convidava-nos para irmos ao fim do dia a casa
dele, para uma “assembleia geral”!
Essas assembleias
resumiam-se a beber uns copos, talvez comendo uns bolinhos, e conversando sobre
banalidades. A “assembleia” ficava, sempre, adiada, sine die”.
A partir essas
reuniões o Araguinho passou a chamar o António Nuno de “o Assembleias”!
Entretanto tudo se
esfumou com a saída de Angola, voltámos a estar juntos em São Paulo, onde ele
começou a perder a visão e foi para Portugal. Operações mal feitas, chegou a
estar cego, veio a recuperar, e nunca perdeu a sua boa disposição.
Das últimas vezes
que nos encontrámos, era tanta a satisfação de nos encontrarmos, que as
lágrimas lhe corriam na cara.
Hoje continuo a
usar muito uma palavra por ele inventada que é sensacional: ensesgada
(do “verbo” ensesgar!). Nenhum filólogo conseguiu inventar uma palavra que
melhor definisse o que “está ensesgado”, i.é, confuso, atrapalhado, avariado, etc.! Palavra
linda!!!
Meu muito querido
Bartolomeu Aragão de Lacerda.
Ainda em São Paulo,
com bigode à portuguesa!
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Em 1961 fomos
morar, em Luanda, na famosa rua Cabral Moncada, famosa porque ali moravam imensos
amigos. Do mesmo lado da rua, um pouco para baixo vivia uma família linda: um
casal com seis filhas. Não tardou que os filhos se entrosassem e que os pais
passassem a ser dos nossos melhores amigos.
Sobre eles escrevi
há dois anos, em Maio de 2016, no blog:
Estes dois
poemetos, grandes no valor e nas mensagens, durante muitos anos foram-me sendo
dados por um amigo que sempre considerei como um irmão mais velho, a quem
chamava de meu “diretor espiritual”.
Já nos deixou, e no
instante em que escrevo isto deve ele estar a sorrir, com aquele ar de muita
paz, que transmitia, sobretudo de grande, simples, humilde, amigo. A sua
simplicidade era uma das marcas da sua grandeza.
Deixou uma família
linda, e uma imensa porção de amigos que além de o estimarem muito ainda o
admiram.
Um grande exemplo,
o meu querido “diretor espiritual”.
Ao falar de amigos
sempre o Tono, e a Nacas, estão nos nossos pensamentos. Como digo, chamava-o de
“meu diretor espiritual”, porque as suas palavras e os seus conselhos eram
profundos e muito amigos.
Sempre disponível,
tranquilo. A amizade continua hoje na sua descendência, que são consideradas um
pouco mais do que sobrinhas; quase filhas!
Reproduzo, uma vez
mais um dos poemas, do séc. XVII atribuído ao frei José de Santo António
(Castelo Branco) que sempre lhe estava a pedir que mo dissesse, porque com
andanças nunca sabia onde estava!
E vale sempre a
pena voltar a lê-lo:
“Deus nos pede do tempo estreita conta!
E é forçoso dar conta a Deus do tempo!
Mas como dar, do tempo, tanta conta,
Se se perde, sem conta, tanto tempo?!
Para fazer, a tempo, a minha conta,
Dado me foi, por conta, muito tempo,
Mas não cuidei no tempo e foi-se a conta…
Eis-me agora sem conta…eis-me sem tempo…
Ó vós, que tendes tempo e tendes conta,
Não o gasteis sem conta em passatempo,
Cuidai, enquanto é tempo, em terdes conta.
Ah! se quem isto conta do seu tempo
Houvesse feito a tempo, preço e conta,
Não choraria sem conta o não ter tempo.”
Um grande Senhor. E
um grande amigo.
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Na Cuca, em
Nova Lisboa fui um dia encontrar um dos funcionários da secretaria, que,
amável, me vem dizer que era muito amigo dos Teixeira de Abreu, amigos nossos
desde... solteiros. Achei simpático, mas pouco mais tínhamos a dizer um ao
outro, o que não impediu que sempre que me deslocava àquela cidade, lhe fosse
falar.
Já eu tinha saído
da companhia quando ele e família foram viver em Luanda, e por sinal, bem perto
da nossa casa. A amizade começou a brotar, e foi, nessa altura, muito forte
entre um dos meus filhos e um deles, o Nuno
Mindelis.
No Brasil consolidámos
essa amizade que foi, e é, apesar de já cá não estar, muito forte, deixando de
sermos simplesmente amigos para nos sentirmos como irmãos.
Quando o íamos
visitar, no condomínio em que morava, a uns 30 quilômetros de São Paulo, a
portaria tinha que dar o meu nome e pedir-lhe autorização para entrar. A
primeira coisa que ele fazia era correr para o frigorífico e pôr no freezer uma
garrafa de vinho branco! Depois ficávamos no
bate-papo, um copo, uns petiscos e muitas vezes acabávamos por jantar com eles.
Teria muita
história para contar dos nossos encontros, mas só lembrar dele, e dos outros
amigos, numa pequenina situação já é uma espécie de hino à amizade.
Custou-me muito
vê-lo partir.
Grande e humilde
amigo João Macedo Martins.
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Os primeiros tempos
no Brasil foram dramáticos para muita gente, e, talvez de forma bem evidente,
para a nossa família. Em 1978, mudámos de casa e fomos para o Brooklin um
bairro em São Paulo, onde, tal uma pequena povoação, os filhos começaram a
criar uma rede de amigos que perdura de tal forma que alguns continuam fazendo
parte da família.
Entre eles um casal
de portugueses, também saído da terrinha no 25/4, por perseguição política, com
quem muito rapidamente estabelecemos fortes laços de amizade.
Jovem, ainda a
cumprir o serviço militar, lembrou-se, e muito bem, de casar. Para padrinho um
amigo da família, um dos homens fortes de Salazar, ministro do exército. Até
aqui tudo corria bem.
Mas a esquerda
festiva, em segredo, tal como por estas bandas, preparava um levantamento militar contra o governo. O
nosso amigo estava um dia de serviço no quartel quando um dos camaradas, em
segredo, o avisou que ficasse bem atento porque o levantamento seria nessa
noite. O oficial de serviço, é evidente, telefonou ao padrinho,
que estava ao corrente dos preparativos, e a rebelião abortou antes de ver a
luz do dia.
É fácil imaginar
como o nome dele ficou nos militares comunas. Jamais lhe perdoaram.
Passam os anos, , já na vida civil trabalhava no Centro de
Informação e Turismo, chega o famigerado 25/4, e logo os
“gloriosos” comunas partiram atrás dele para a “conveniente” vingança.
Mas o “perseguido”,
na faixa dos 50 anos, com passaporte falso (na altura muito em voga!) consegue
embarcar para o Brasil, onde teve, como todos nós, de começar por tratar da
conveniente documentação, requerendo residência. Ao preencher a documentação a
Polícia Federal viu que ele tinha nascido em Santos, São Paulo, e diz-lhe:
- Se o senhor
nasceu no Brasil, pela lei, é brasileiro. Só precisa ter o título de eleitor, e
regular a sua situação militar. E passa a ter documentação como qualquer
brasileiro, inclusive passaporte.
É verdade; ele
nasceu em Santos, quando o pai era cônsul de Portugal naquela cidade!
Aí vai ele a Santos
tratar da documentação militar. No quartel, é recebido pelo sargento da
secretaria, amável, que lhe pergunta se ele tinha feito o serviço militar. Fez,
em Portugal.
- E que posto
tinha?
- Cheguei a
capitão.
- Ih! Capitão eu
não posso pôr na documentação! O senhor não se importa de ficar como sargento?
Até primeiro sargento ainda posso arranjar aqui! O senhor não se importa?
E assim o capitão
português virou sargento do Exército Brasileiro!
Um dia ao sair do
escritório com a minha mulher vimos que o vizinho tinha colocado na rua, para o
lixo, uma poltroninha bem simpática. Dona Bela decidiu que era mal empregada,
podia mandar estofar-se, etc. e carregámos a dita para casa, que ficou guardada
no quarto dos fundos.
O “novo sargento” e
família, moravam bem perto de nós, e um dia vieram jantar conosco. Mostrámos a
casa e o tal quarto, onde estava a poltrona... meio abandonada (não tinha
havido dinheiro para a estofar!).
- Olha que poltrona
bonita aqui abandonada – diz a mulher do “sargento”!
- Se quiserem ficar
com ela, podem ficar.
E lá foi a poltrona
para casa deles e, do mesmo jeito, guardada no teto da garagem à espera de...
Calhou, uns meses
passados, irmos nós lá jantar, e visitar o atelier da grande artista, mulher do
nosso amigo, para ver as suas estupendas obras.
Calhou olhar para o
teto e lá jazia a poltrona! O mesmo problema: não tinha havido sobra financeira
para o restauro.
- Neste caso eu
levo-a de volta.
E levei, mas direto
para o estofador e ainda hoje continua, lindona, na nossa casa!
Era assim que
vivíamos com os amigos. Grandes amigos, a Leonor e o Rui Alvim.
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Comecei por dizer
que ia dar um tempo “aos amigos”. Não que os vá esquecer ou abandonar. Mas vou
dar um descanso aos olhos, que quase sempre, enquanto com eles “converso”
nestes pequenos retratos, teimam em humedecer.
Por vezes tenho que
os enxugar, e esperar um pouco que a saudade me deixe continuar.
5 de agosto de 2018
Querido Tio. Que sorte que todos eles tiveram em o ter como Amigo também. Uma homenagem e tanto à vossa Amizade! Um grd bjn da Gracinha RA
ResponderExcluirOlá mais uma vez .Depois de ler com muito prazer e gosto sobre os seus amigos ,li esta tarde ao Pai os seus textos, ele gostou muito apesar da nostalgia e saudades das pessoas e tempo passados. Obrigado
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