segunda-feira, 6 de março de 2017


COLONIZAÇÃO

Palavra com sentidos vários, científicos, sociais e até pejorativos. A palavra, latina, colonia, tinha basicamente o significado de “propriedade rural, residência, habitação”, tanto que, do mesmo latim, colonu significa “cultivador, camponês, habitante duma colonia”.
Depois fixou-se mais no deslocamento de populações das suas terras de origem para se irem estabelecer alhures, “onde iam formar nova residência” e para onde levavam novas ideias, novos conhecimentos, contribuindo desta forma para a sua evolução, aproximando “raças”, fundindo diferenças e antipatias em alianças de sangue e de interesse.
Podemos pensar em fenícios, cartagineses, e desde muito mais para trás nos homo sapiens que se encontraram com os neanderthal há uns 50 ou 100.000 anos, nos celtas que teriam saído do leste europeu já misturados com dravídicos provenientes do vale do Hindus e da Índia e se espalharam pela Europa aí por 9.000 aC, em ibéricos do Cáucaso, e todos, de todo o lado, por todo o tempo da história dos humanos. Assim foram ocupando o mundo fazendo dos homo sapiens todos, todos, a mesma espécie, que alguns mentecaptos ainda insistem em dividir em raças!
Um dos melhores exemplos de colonização, apesar de não ter sido uma expansão populacional, foi a romana. Levaram organização e civilização a todo o império. Na Britânia os britons ficaram encantados! Não tinham estradas, nem administração, nem palácios, eram uns brutos. Pior do quer eles, os pics, que volta e meia desciam da Escócia para devastar, roubar e matar. Só conseguiram pará-los um pouco construindo dois muros: as muralhas de Adriano e as de António. (Muros, ou muralhas, como se vê, é coisa muito mais antiga até do que os romanos: a primeira que a história (?) nos conta é de Jericó, a mais célebre está na China, até às vergonhosas do nosso tempo como Berlim, as infames na Cisjordânia, na fronteira do México e não se fala na do trampa porque enoja mais ainda).
Voltemos aos romanos na Britânia. Quando de lá saíram, muitos bretões choraram porque viram a sua incivilização voltar à anarquia!
Portanto desde sempre houve colonização, e, colônias... e muros!
Companhias de colonização tem-se conhecimento de uma formada nas Flandres no século VII, que pouco durou, mas é nos séculos XV a XVII que essas companhias começam a proliferar, com a finalidade primária, não de criar colônias no sentido do étimo – novas gentes em novas terras – mas sobretudo para explorar as riquezas que as descobertas vieram mostrar aos europeus. Exceção aos pilgrims e aos boers.
Entretanto na China e Índia as colonizações faziam-se sobretudo pelas guerras, a conquista bruta de novas terras e troca de poderes, enquanto a Europa procurava monopólios comerciais para que as novas riquezas fossem direcionadas aos cofres das metrópoles.
Em 1263 formou-se em Pisa uma associação entre armadores e mercadores para trazerem do médio oriente o que pudessem, e assim concorrer com Veneza; em 1444 o Infante Dom Henrique fez várias tentativas para organizar uma poderosa companhia, o que não conseguiu; em 1555 era a Inglaterra a fazer uma companhia para explorar o comércio exclusivo da Rússia, Mar Branco e Volga, outras para exploração do Senegal e Guiné, e em 1599 a célebre Companhia das Índias Orientais, a que “generosamente” D. João IV ainda ofereceu a ilha de Bombaim!
A França no mesmo ano fez outra, denominada Canadá e Acadia, e ainda a da África, do Cabo Negro e a da China, e da Louisiana, a Holanda segue-lhes o rastro em 1602, a Dinamarca e Áustria entram também, a Prússia, a Suécia, a Itália, enfim tudo na ganância por explorar o além-mar. A Espanha, a Guipuscoana de Caracas, e a das Ilhas Filipinas.
Portugal: Companhia Geral do Brasil, de Cacheu e Rios da Guiné, de Cabo Verde e Cacheu, da Índia, do Grã Pará e Maranhão, de Pernambuco e Parahiba, da Ásia Portuguesa, dos Ajaus e Macuas, de Lourenço Marques, de Timor (o que desagradou a Macau) e até uma de Damão e outra de Diu! E dúzias de outras.
Praticamente todas faliram. Só sobreviveu por artimanhas contábeis e pelo tanto que roubaram da Índia, a inglesa. Nem uma, de todas que se criaram com a finalidade de ganharem monopólios de comércio, se aguentou. As despesas eram maiores do que os lucros, e quem lucrava alguma coisa, às vezes mesmo muita coisa, eram os governantes e outro pessoal “de confiança” mandados para “controlar” as compras e vendas. De TODOS os países.
Portugal desde o começo da sua expansão ultramarina, inúmeras vezes se propôs ou pensou em vender as “colónias”. Eram negócios ruinosos.
D. João III quis vender por 280:000$000 réis, terras firmes de Goa ao Hidalcão - Yusuf Adil Shah ou Adil Khan, denominado Hidalcão, o fundador do Sultanato de Bijapur, onde exatamente Goa se situava. Chegou até, em 1547, a mandar instruções ao vice-rei Dom João de Castro; a troco de auxílio da França, para combater os Felipes, o prior do Crato propunha ceder-lhes o Brasil; no século XVIII o marquês de Abrantes propôs a D. João V vender a Índia, etc.
Mesmo que os números indiquem por vezes o contrário, a contabilidade de todas as colónias, e dessas companhias era sempre negativa.
Em 1544 já o governo português pedia um empréstimo de 778:400$00 às cortes de Flandres e Castela.
Em 1588 o rei Filipe I escreve para o vice-rei da Índia, D. Duarte de Menezes dizendo-lhe “...que do rendimento façais fundamento que haveis de prover todas as cousas desse estado, não esperando dinheiro nenhum deste reino...”
Em 1866, na França, o “Serviço Colonial” pagava-se com as receitas das colónias, mas a despesa do “Serviço do Estado” com as mesmas colónias, de 27,5 milhões de francos, não entrava na contabilidade! Com a Argélia as despesas “propriamente coloniais” eram de 30,5 milhões e as receitas de 22,5. Com a Inglaterra o déficit, entre 1853 e 1857 era de cerca de 4,5 milhões de £ anuais. A Holanda, só com a Guiana, hoje Suriname, em1854 perdeu cerca de 700 mil florins,
Entre 1843 e 1871 a média do déficit das colónias portuguesas foi entre 100 e 300 “contos de réis”, isto é 300:000$000.
Eram constantes os “socorros” financeiros:
Para a Índia, em 1622, 60:000$000 (60 contos de réis) em 1623 mais 80, em 1624 outros 80, em 1627 para o Brasil 48, 1630 para Pernambuco 40, e em 1637 para enviar 500 soldados para o Brasil, mais 3,3 contos.
E por aí foi. E foi, se endividando. O ouro do Brasil pagou, generosamente a “generosidade” dos ingleses, e pouco mais deixou em Portugal do que o Mosteiro de Mafra e o Aqueduto de Lisboa. O Brasil foi a única colónia onde houve, mesmo, colonização, no sentido de fixação de novas gentes.
África foi o sonho da prata em Angola e do ouro no Monomotapa. No começo do século XX aparecem os diamantes em Angola e Portugal começa, com Salazar, a equilibrar as finanças.
Mas, e a colonização? Aquele encontro de povos e civilizações que, através da história, serviram para o progresso e cultura? Que colonização se fez?
A partir do século XX, em Angola, companhias poderosas – diamantes, açúcar e algodão – e em Moçambique algumas até “majestáticas” – açúcar, chá e pouco mais – com o privilégio de estabelecerem preços e venderem para a metrópole, pouco mais exploraram do que a terra, e muitas delas, o povo, através do “imposto de palhota”, de salários baixíssimos e de contratos de mão de obra considerados uma infame exploração. Imposto de palhota criado para obrigar o indígena a trabalhar para o pagar! Uma vergonha.
O tal encontro de povos que poderia ter resultado num grande avanço para as populações de África, mercê de governos incapazes e esfaimados por dinheiro, levaram a que, com as independências dos países africanos, os “brancos” se tivessem sentido segregados, perseguidos e obrigados, na sua quase totalidade, a abandonar essas terras, muitos dos quais com lágrimas nos olhos. Até hoje.
Os chamados colonos, trabalhavam e colaboravam para o desenvolvimento. Os governos, lá longe, nas cinzentas metrópoles, exploravam e segregavam, e ajudavam a alta finança a criar a opressão.
E o que poderia ter sido uma imensa alavanca de progresso traduziu-se por desastroso retrocesso. E os africanos choraram, e muitos ainda choram, como os britons quando Roma os abandonou, porque viram os seus países regredirem, pelo menos, meio século.
Ainda hoje o entendimento é difícil. O racismo continua falando alto.
Infelizmente África, vai ter que esperar mais um século para começar a compreender o que é, na sua essência, colonizar. Com ou sem mistura de povos.
Mas enquanto as profundas divergências tribais prevalecerem, o neocolonialismo de algumas ex-metrópoles vai sacando o quanto pode, fazendo o jogo político que lhes dá lucro, e muito, e explorando os povos que continuam a viver como miseráveis.
Era bom que deixassem de usar a palavra “colonização”, porque o seu sentido é muito mais profundo do que exploração.
E não esqueçam que uma das mais belas qualidades do homo sapiens é o seu lindo e variado colorido.

25/02/2017



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