« Camões em Moçambique »
Encontrar,
aliás, ter visto Camões no “Encontro de Escritores”, foi algo que só um sonho,
profundo, poderia proporcionar. Falar com ele é que é sempre mais difícil, e
isso nem sonhar!
No
Encontro foi ouvido Garcia de Orta insinuar a Camões que a Ilha dos Amores não
deveria ser a tão idílica ilha, revestida de floresta onde nesta frescura desembarcaram, e onde andavam as belas musas, como
incautas... e se fingiam seguir os animais que não seguiam,
mas, seria a Ilha de Moçambique.
Na
sua primeira passagem, a caminho da Índia ele nos deixou algumas estâncias (LIV
e LVI) que se enquadram bem no resto do texto:
“Esta ilha pequena, que
habitamos,
É em toda esta terra certa
escala
De todos os que as ondas
navegamos,
De Quíloa, de Mombaça e de
Sofala,
E, por ser necessária,
procuramos,
Com próprios da terra, de habitá-la;
E, porque enfim vos notifique,
Chama-se a pequena ilha –
Moçambique.
Isto dizendo, o mouro se tornou
A seus bateis com toda a
companhia;
Do capitão e gente se apartou
Com mostras de devida cortesia.
Nisto, Febo nas águas encerrou
Co carro de cristal o claro dia,
Dando cargo à Irmã que alumiasse
O largo mundo, enquanto
repousasse.”
E
sobre a “Ilha dos Amores”, corroborando Garcia de Orta, podemos ajudar com este pequeno poema de Alberto
de Lacerda, nascido nesta Ilha:
Ó corpos dados com melodia
As melodias do meu amor!
Ó pretas lindas! Ponta da Ilha!
Vestem soberbos panos de cor.
Deles se despem com doçura,
Vénus despida do próprio mar,
É com doçura que negras, lindas,
Desaparecem no meu calor.
Mal
sabia Camões que depois de quinze anos sofridos na Índia, enganado, passaria nesta
Ilha dois anos, quando pensava regressar a Portugal, à espera de quem fizesse a
esmola de lhe pagar a alimentação na viagem para Portugal.
Dois
anos, sofridos, vendo Febo e a Irmã, sempre se alterando, sem se poder livrar
daquela visão, certamente bonita, mas vista por quem anseia dali sair...
Camões,
um pinga-amor, um rabo de saias, ninguém terá muitas dúvidas que a coberto da
complacência da Irmã, terá consolado parte das suas mágoas com
Os
corpos dados com melodia
As melodias do meu amor!
Ó pretas lindas! Ponta da Ilha!
Mas
queixava-se com os seus papeis, a sua escrita:
Onde
acharei lugar tão apartado,
E tão
isento em tudo da ventura,
Que, não
digo eu de humana criatura,
Mas nem
de feras seja frequentado?
Algum
bosque medonho e carregado,
Ou selva
solitária, triste e escura,
Sem fonte
clara ou plácida verdura;
Enfim,
lugar conforme a meu cuidado?
Porque
ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida
morto, sepultado em vida,
Me queixe
copiosa e livremente;
Que, pois
a minha pena é sem medida,
Ali
triste serei em dias ledos,
E dias
tristes me farão contente.
É com base neste soneto, por causa “das entranhas dos penedos”, que o
Visconde de Juromenha “decidiu” que Camões tinha estado em Macau, assim como o
“matou” em Alcácer Quibir ao lado de Dom Sebastião.
Naquele
tempo era fácil conseguir passagem de Lisboa para a Índia, mas a volta era
difícil e cara. Os navios saiam da Índia sofregamente carregados de
especiarias, de baús e das riquezas que alguns por lá acumularam, a maioria das
quais ficou espalhada no fundo dos mares ou terá servido de enfeites aos
nativos da Costa de Natal.
Dois
terços dos navios que saíam de Portugal para a Índia não regressaram!
Camões,
que sempre fora “o cavaleiro andante do
Sonho e dos grandes arrebatamentos”, como lhe chamou Hernani Cidade, estava
agora prisioneiro da sua miséria financeira.
Em
1567 Pero Barreto, sobrinho do Vice-Rei Dom Francisco Barreto, que da Índia
passava a capitão de Sofala, onde ficaria nesse comando a viver na Ilha, ofereceu-se
para levar Camões até Moçambique.
Durante
os primeiros tempos Camões terá vivido “numa
formosa torre de dois sobrados, (junto à fortaleza velha, onde hoje se
encontra o Palácio dos Governadores) com
aposentos onde vivia o Feitor e o Alcaide-Mor”, agasalhado por Pedro
Barreto.
Diogo
do Couto amigo e companheiro de estudo do Poeta, e no serviço na Índia, refere
que houve uma questão entre Pero Barreto e Camões devido ao temperamento
impulsivo deste, o que levou o Poeta a procurar outro abrigo, bem mais modesto.
Pior, sem dinheiro para seu sustento, passou a viver conforme pôde, com o
auxílio de alguns amigos que ali ainda o estimavam e, em 1569 dava os últimos
retoques nos Lusíadas.
“É sabido também ter sido Camões vítima da
inveja de alguns e da mediocridade de muitos, pois ali já existiam muitos
despeitados e inúteis.”
Os
navios que passavam não traziam nenhum amigo ou conhecido de Camões que pagasse
o seu sustento durante a viagem para a Pátria.
Diz
ainda Diogo do Couto “que nesse mesmo
inverno (1569) foi escrevendo muito, em um livro que ia fazendo, que se
intitulava “Parnaso”, livro de muita erudição, doutrina e filosofia, o qual lhe
furtaram e nunca pude saber dele no Reino, por muito que o inquiri, e foi furto
notável.”
Finalmente,
terminava o ano de 1569, Diogo do Couto e outros amigos, no regresso a
Portugal, foram obrigados a arribar a Moçambique, onde o mau tempo os reteve, e
onde encontraram Luis de Camões na miséria, sofrendo as maiores privações, e
todos se cotizaram para lhe dar roupas que tanto precisava e lhe pagarem o
sustento durante a viagem até Lisboa, onde finalmente chegou na primavera de
1570.
Saíra
de Lisboa em 1553 e regressava ao fim de dezessete anos!
Curioso
notar que nesse mesmo ano de 1569 regressou também Pedro Barreto. A Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira diz que Pedro Barreto “De regresso a Portugal, trouxe do Oriente o poeta Luiz de Camões”. Em quem confiar? Diogo do Couto não parece ter
sido mentiroso, e o enciclopedista limitou-se a se informar que ambos tinham
viajado no mesmo ano, mas... terá penetrado o suficiente nas “Décadas” ou no ”Diálogo do Soldado
Prático”!
Terá
Camões sido desterrado da Índia, no tempo de Dom Francisco Barreto em virtude
da publicação das redondilhas “Disparates
da Índia” e de uma sátira em prosa às festas de Goa, comemorativas da
nomeação de Barreto para governador?
O
símbolo máximo da língua portuguesa, a quem o jovem rei Dom Sebastião concedeu uma pequena pensão a "Luís de Camões, cavaleiro
fidalgo de minha Casa", teve uma vida sofrida, e ainda hoje ninguém
sabe onde foram parar os seus restos mortais.
O túmulo no Mosteiro
dos Jerónimos, como se sabe, é uma farsa.
Como muitas outras.
Ainda
de Alberto de Lacerda, três linhas dão-nos uma ideia desta Ilha:
“Ilha onde os cães não ladram e
onde as crianças brincam
No meio da rua como peregrinos
Dum mundo mais aberto e
cristalino
E
o que aconteceu ao seu dedicado criado Jau? Quem lhe pagou a viagem para
Portugal? Pobre Jau que tanto se dedicou e tão esquecido ficou!
25/01/2017
É épico o pouco ou nada que sabemos do nosso Épico!
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