domingo, 19 de fevereiro de 2017



Encontro de Escritores
Comentários das testemunhas

Pouca gente achou interesse neste Encontro. Outros aplaudiram.
Nem todas as testemunhas que assistiram ao Encontro reagiram com a mesma rapidez dando a sua opinião sobre o que presenciaram. Se o próprio organizador ficou baralhado, as testemunhas também precisaram de tempo para assentar tão insólito acontecimento.
Nem todos vão entender o que se passou, alguns, possivelmente, nem conhecerão parte dos “convivas”.
Mas foi um acontecimento... quase histórico!
Aqui estão as suas versões.

1ª Testemunha AP

Perante uma ideia tão brilhante e tão habilmente desenvolvida, esta testemunha, aqui, deste lado do charco, só pode curvar-se em humilde vénia.
Por uma vez, estive na presença de génios das letras muitos dos quais admirei e admiro. Que sorte!
Em boa verdade, limitei-me a ficar sentadinho no meu canto a assistir mudo de espanto e veneração.
Na certeza de que não terei outra oportunidade assim, nem enquanto terráqueo, nem já como alma penada. Presumo que o Além Celestial, tal como o Inferno de Dante, também deve estar organizado segundo um modelo ptolomaico, com todos estes génios lá em cima, bem junto ao Altíssimo.
Ora eu o mais a que posso aspirar é quedar-me logo pelo r/c do Paraíso, a fazer umas palavras cruzadas ou a jogar uma partida de Go, se por lá houver parceiro(a).
Um dia destes, logo que tenha tempo e haja engenho, irei convocar amigos do movimento "Claridade" e outros poetas, uns lusos, outros nem tanto, que ficaram melindrados por não terem sido também convidados para a tertúlia. En passant, consta que a vida no Paraíso é um bocado monótona. Como é só paz celestial, os vivos debates de ideias a que eles estavam habituados não têm como medrar. Uma pasmaceira!
Abraço
AP – António Palhinha Machado

2ª Testemunha HS

Foi James Joyce que me sugeriu a busca da epifania das coisas e dos lugares. No sentido filosófico e não propriamente no transcendental mas, de facto, não sou capaz de deixar de imaginar as pessoas que estiveram ligadas a essas coisas e a esses lugares conferindo-lhes a essência que sempre procuro pelo que, mesmo sem um esforço especial, me chego relativamente perto da transcendência sem, contudo, lhe tocar. É claro que não chamo os espíritos sobre uma mesa de pé de galo nem dou a mão a xamãs; limito-me a imaginar as pessoas que por ali andaram e se mais houver, não é para aqui chamado. E com esta imaginação, tudo ganha uma expressão muito especial. Eis a busca do significado que tantos escritores tentam; alguns, em vão. Sugiro a quem me lê que faça esse tipo de exercício mental que, por enquanto, não paga imposto.
Compreende-se, assim, o entusiasmo com que correspondi ao desafio que o Francisco me lançou para testemunhar os seus «encontros» e para eu próprio contar o que nesse âmbito me aprouvesse. Sobre as descrições que o Francisco nos trouxe, posso dizer algo; sobre as descrições dos meus «encontros», outros que opinem.
Transcendências e seus rituais postos de parte ab initio, trouxe-nos o Francisco uma encenação de grande efeito pois foi escolher um local por onde passaram muitas histórias - tantas que será por certo impossível descrevê-las exaustivamente. Mais: esse local foi conhecido de quase todos os escritores (se não mesmo de todos) por ele convidados pelo que, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, formatou a cultura de todos os invocados. Ou seja, o refeitório dos frades do Mosteiro de Alcobaça sendo, por definição, um marco inultrapassável da nossa Cultura, é cenário natural a todos os invocados que pertencem – uns mais militantemente do que outros - à esfera da lusofonia e não obrigatoriamente à da lusofilia.
Mas o Francisco, elegante como sabemos, foi buscá-los à lusofonia e «deixou para lá» essa questão mais diáfana que é a lusofilia. Eu próprio o fiz nos meus escritos mas, dentre os que foram menos afáveis para connosco, portugueses de Portugal, só invoquei aquelas duas Senhoras que, na aflição, nos procuraram e nos deram tudo o que tinham: a vida1.
A vastíssima cultura do Francisco sobra em relação ao espaço que decidiu conceder aos seus escritos. Poderia continuar, não sei até onde… A sua arte literária permitiu-lhe tecer diálogos interessantíssimos que a todos nos deu asas à imaginação e que, também eles, poderiam continuar por aí além…
A propósito dos diálogos entre escritores que viveram temporalmente tão longe uns dos outros, lembrei-me da Rainha de Sabá e do Rei Salomão2 que talvez nunca se tenham encontrado e que, mesmo assim, conseguiram fazer um filho, o primeiro Imperador da Etiópia. Mas como a fé não se discute, fiquemos assim.
Resta-me uma questão final: como é que uma Cultura tão policromada como a Lusíada em que ainda hoje, neste início do séc. XXI, proliferam hostes de analfabetos, tem conseguido produzir tantos escritores e poetas? E são tantos que nem conseguimos listá-los sem grandes omissões. Ensaio uma resposta bastamente discutível: é muito mais fácil romancear e versejar do que mourejar.
Salvo melhores opiniões.
Grande abraço ao Francisco e que continue…
HS – Henrique Sales da Fonseca
Janeiro de 2017

3ª Testemunha LC

Sonhei com Alcobaça
e do sonho que sonhei
sonhei que sonhava
de um sonho em que acordei
e não era eu que ali estava,
era a alma de Portugal
egrégora universal

Ainda nos lembra os picos da Atlântida, de que os Açores são parte. As conversas telepáticas, o brilho dos cristais, das viagens espaciais. Rememorações ancestrais. Das asas, dos voos. Das pedras piramidais, dos enormes templos. Dos sacerdotes e dos deuses das jornadas iniciáticas. Das festividades, das homenagens, dos rituais.
Ainda nos lembra das árvores. Nossas casas. Das árvores e dos frutos. Dos guinchos e das poças de água em que bebiam e chapinhavam, e às vezes até lutavam, com paus, com ramos, que se foram tornando pontiagudos. Grupos enormes, famílias extensas. Nómadas à procura de tempos quentes, e das marés. Das fogueiras e das cavernas.
Do ferro e dos arados. Das cabanas em círculo de entre-ser e dos centros das aldeias em que dançámos e se contavam estórias sobre estórias. De tudo se falava e de nada se escrevia. Riscos e desenhos, pinturas no chão e nos corpos. E se percutiam as danças onde se saltava bem alto em frente delas para mostrarmos da imensa leveza, da elevação.
Matriarcais saudades de jovens amazonas que viviam nos campos de escravizantes agriculturas. Quando se deixaram as deambulações, de bichos à solta, e se fixaram os animais e as terras, e se construíram as cercas para as crianças e as mulheres, das escolas e dos lares e das mamas, do leite. Da carne.
Do peixe e daqueles pescadores da Judeia, de Belém, entre os latins romanos do império que rendiam os gregos, mas só nas armas que não na filosofia. Da democracia, mas não para mulheres e escravos e estrangeiros, metecos aristotélicos e platónicas curtes, por sua vez, herdeiro de socráticos devaneios. Da maiêutica, da arte de dar à luz, do mundo das ideias.
Afinal, o Amor. A universal fraternidade. O céu infinito. O Amor... e a cruz. Jesus! Para tanto sofrimento que nos redima. Então e da meditação, do Buda, que nos livra? Do possível transcendental salto védico que nos livre daqui.  Do Deus no lugar do homem que, doravante, será parte de Deus. Da oração, do silêncio, do deserto. De Ti!
Cadê a deusa-mãe, cadê os celtas. Cadê celtas e iberos, endovélicos lusitanos.  Dos bárbaros godos e visigodos que depois voltaram. Os pagãos, as forças da natureza, as mágicas alianças. Avalon. Os druidas, as poções, dos milagres, da cura e a doença. A lógica analógica, a consciência cósmica. A totémica identidade. Todos indo-europeus, todos cristãos virados pelo avesso - católicos.
O crescente lunar e a arabesca astronomia. Das bússolas, do astrolábio. Do Maomé e do Alcorão. De Meca, de Medina e da mesquita. Das deusas encantadas, enamoradas. Dos cânticos de amor. Desgostos do Amor. Da xaria. Da expansão e da desejada reconstrução do "mare nostrum". De Poitiers e de Carlos Magno, Urbano VIII de joelhos, imperador da cristandade.
Da reconquista católica. Dos cruzados e das cruzadas. Raimundo e Henrique, Teresa e Urraca. Afonso de Castela. Do Condado Portucalense. Guimarães. São Mamede, 24 de junho de 1128. Um rei sonhado e a sonhar com cristo-rei. Vai e funda o meu reino, vai Henriques. E ele foi.
E lá foi fazer o que Ele quis. Vai Dinis. Vem Santa Isabel. Vinde Língua Portuguesa. Vinde todos os peregrinos, toda a ordem do templo, ordem de cristo. Venha o espírito santo. O pai, o filho e a Jerusalém Celeste. Vinde vendavais que rumorejam nos pinhais, venham todas as naus. Todas as ilhas dos amores.
Sonhei com um Encontro em Alcobaça.
Amigo Francisco, Aquele Abraço,
LC – Luis Carlos Santos
Alhos Vedros 31/3/2017

5ª Testemunha CC

Ilust.mo Senhor
J.R.C.C.C.,

Soube por um dos muitos que diariamente chegam a este páramo onde jornadeio há 126 anos, que um bisneto meu também de nome Francisco Gomes, não de Amorim e sim do Porto, se deu à extravagância de, ao jeito de Camões, fazer um concílio dos deuses da literatura em português.
Já não será um jovem, cuido eu, essa vergôntea; e digo cuido eu, porque com o tempo perdi a noção do tempo, preocupação que, aliás, seria uma desnecessária perda de tempo.
Cuido, no entanto, que esse meu bisneto não terá nada de peco; antes possuirá um espírito culto e dado a aventuras requisitando arrojo de alma e estrambótica fantasia. Não sei a quem ele possa sair assim ainda tão vivaço! A mim creio que não, pois fui o mais obscuro dos literatos e se me meti em altas cavalarias foi por força dos tufões da vida, logo à nascença.
Bem procurei, nas folhas noticiosas daqui, esta ou aquela local que me dessem conta de um tal Encontro de Escritores, em Alcobaça.
Não me espanto que a iniciativa não tivesse tido a publicação devida. E sabe V. Senhoria por quê?
A imprensa, nomeadamente a de Lisboa, é, raríssimas excepções, valhacouto de insignificantes, que exploram o ofício por todos os meios que lhe possam render dinheiro, influência ou qualquer outra coisa útil. Como todos os meios lhes servem, ninguém honesto os estima, não quer nada com eles, e afasta-se, deixando-lhes o campo livre.
A maioria compõe-se de asnos e maus; só eles são grandes e ilustres;  fazem-se mutuamente imortais; e os que vivem fora das suas cortes (?) podem ter talento, produzir bem e muito, que os jornais não se ocupam deles. A imprensa não serve, geralmente, senão para os pulhas se celebrarem e aplaudirem uns aos outros, explorando a patifaria e a decadência dos costumes, sem pudor e sem honra.
Seu ex corde,
Francisco Gomes de Amorim 
(desencarnado em 1891)
CC – José Rodrigo C. da Costa Carvalho


16/02/2017

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